Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 031/14 |
Data do Acordão: | 11/05/2014 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | DULCE N ETO |
Descritores: | INTERPRETAÇÃO DA PETIÇÃO OPOSIÇÃO PENHORA RECLAMAÇÃO DE ACTO PRATICADO PELO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL |
Sumário: | |
Nº Convencional: | JSTA000P18166 |
Nº do Documento: | SA220141105031 |
Data de Entrada: | 01/10/2014 |
Recorrente: | A............, SA |
Recorrido 1: | AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDAE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. A……….., S.A., com os demais sinais dos autos, recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, a fls. 107 e segs. dos autos, que, julgando verificada a excepção de caducidade do direito de acção, “rejeitou” a petição inicial de oposição que apresentara. 1.1. Rematou as alegações de recurso com as seguintes conclusões: 1. No dia 24.07.2013 foi a ora Recorrente notificada das penhoras efectuadas a dois imóveis, no âmbito do processo de execução fiscal nº 1899201301006797; 2. Em virtude das penhoras acima referidas, apresentou, no dia 10.09.2013, oposição à penhora ao abrigo do disposto no artigo 784º, n.º 1, al. a) do NCPC aplicável ex vi pelo artigo 2º, al. e) do CPPT, peticionando o levantamento das aludidas penhoras; 3. Assim, a ora Recorrente reagiu contra um acto praticado na execução fiscal, a penhora dos dois imóveis; 4. Porém, apesar do próprio relatório da sentença referir expressamente, no seu ponto 1, que a ora Recorrente apresentou oposição à penhora, o Tribunal a quo, bem como o Ministério Público, desatendeu ao pedido formulado pela ora Recorrente na referida oposição à penhora, decidindo como se a Recorrente tivesse deduzido oposição à execução fiscal. 5. Decidindo, assim, que a oposição à execução era extemporânea, nos termos do artigo 203º, nº 1, alínea a), do CPPT. 6. De facto, se a ora Recorrente deduzisse oposição à execução, o que não o fez, repita-se, o seu direito já tinha caducado, aquando a apresentação da oposição à penhora, no dia 10.09.2013. 7. Mesmo que se encontrasse em prazo para deduzir oposição à execução, jamais o poderia fazer, dado que o que pretendia era a anulação do acto praticado na execução e não extinção total ou parcial da execução, não sendo, assim, a oposição à execução o meio adequado para a sua pretensão. 8. Não pretendendo a ora Recorrente deduzir oposição à execução, mas sim oposição à penhora, o seu direito não se encontrava caducado à data da propositura da oposição à penhora, ao contrário do alegado na sentença ora recorrida; 9. Assim, sendo o prazo de oposição à penhora de 10 dias a contar da notificação do acto de penhora, conforme o disposto no artigo 785º, nº 1 do NCPC, aplicável ex vi pelo artigo 2º, al. e), do CPPT, só terminaria no dia 11.09.2013, atento que a ora Recorrente foi notificada das penhoras efectuadas em 24.07.2013 e, tendo ainda presente o disposto no artigo 137º, nº 1 do NCPC e artigo 12º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais judiciais, Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro, aplicáveis ex vi pelo artigo 2º, al. e) do CPPT; 10. Acontece que a oposição à penhora é, no processo de execução fiscal, deduzida através da reclamação prevista nos artigos 276º e 278º do CPPT - Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e Processo Tributário anotado, 4ª edição, pág. 987, anotação 1543 e Acórdão do STA de 20.10.2004, recurso nº 979/04 e Acórdão do STA de 13/10/2004, recurso nº 1538/03. 11. “Assim, sendo o meio processual adequado para a finalidade pretendida pela ora Recorrente, a reclamação prevista no art. 276.º do CPPT, verifica-se a existência de erro na forma de processo que é do conhecimento oficioso até ao trânsito em julgado da decisão final e que importa a anulação dos termos subsequentes à petição devendo o processo ser convolado para a forma adequada dado que nada obsta a isso (Cfr. art. 199º do CPC, 98º nºs 2 a 4 do CPPT e 97º nº 3 da LGT)” — cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo nº 03043/09, de 15.07.2009, relator: Pereira Gameiro, disponível em www.dgsi.pt (sublinhado nosso). 12. Sendo a convolação de conhecimento oficioso, deveria o Tribunal a quo convolar a oposição à penhora apresentada em reclamação nos termos do artigo 276.º do CPPT, dado que é o meio processual adequado, devendo ser processada a petição de oposição à penhora apresentada.
1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir. 1.º - Em 26.02.2013 foi instaurado o processo de execução fiscal nº 1899201301006797, para cobrança coerciva de IVA e juros compensatórios. 2.º - O IVA que se encontra em cobrança coerciva nos presentes autos resulta de liquidações adicionais, respeitantes aos períodos de 2009/09 e de 2010/01 a 2010/08, 2010/10 e 2010/11, cuja data limite de pagamento voluntário ocorreu em 31.01.2013. 3.º - A oponente foi citada para os termos da execução em 27.03.2013, na pessoa da Sra. D. B………… – cf. doc. de fls.68 e 69 dos autos. 4.º - A petição dos presentes autos deu entrada via fax em 10.09.2013 - cf. doc. de fls.5 dos autos.
3. Vem o presente recurso interposto da sentença que “rejeitou” a petição de “oposição à penhora” apresentada em 10/09/2013 pela sociedade executada, ora Recorrente, onde se formulara o pedido de que fossem anuladas os actos de penhora levados a efeito na execução fiscal nº 1899201301006797, por ilegais, face ao disposto no art. 88º, nº 1, do CIRE, na medida em que a executada fora já declarada insolvente por sentença proferida em 28/11/2011. Decidindo a questão da (in)tempestividade do meio processual utilizado, suscitada pelo Ministério Público no seu parecer, a Meritíssima Juíza do tribunal a quo deu por verificada essa excepção com a seguinte fundamentação: «Relativamente à questão da caducidade do direito de acção, suscitada pelo Digno Magistrado do Ministério Público, cumpre dizer que, o prazo para deduzir oposição à execução é de trinta dias após a citação – art.203º, nº 1, alínea a), do CPPT. O prazo para deduzir oposição é de natureza judicial e é contado nos termos definidos no Código Civil (CC), corre ininterruptamente, apenas se suspendendo em férias judiciais, quanto ao seu termo - cf. art.279º, alínea e) e 296º do CC, art.103º, nº 1, da Lei Geral Tributária (LGT), art.20º, nº 2 do CPPT e 144º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (CPC). Resulta dos factos provados que a oponente foi citada para os termos da execução em 27.03.2013 e, que a presente petição de oposição deu entrada em 10.09.2013. Pelo que, quando a presente petição de oposição à execução fiscal deu entrada neste Tribunal, à muito que havia terminado o prazo legal para a sua interposição. Assim, a apresentação da petição de oposição é extemporânea, por caducidade do direito de acção à oposição judicial. Com esse fundamento rejeita-se a petição de oposição (…)».
Dissentindo desta decisão, a Recorrente aponta, desde logo, o seu desacerto quanto ao enquadramento da questão, por não estar em causa uma oposição à execução em si, mas uma oposição à penhora, sustentando que o que peticionou foi a anulação dos actos de penhora levadas a efeito no âmbito da execução fiscal, e não a extinção da execução; pelo que, à luz do que é determinado pelos arts. 785º, nº 1, e 137º, nº 1, do CPC, pelo art. 12º da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro, o prazo de 10 dias para deduzir a oposição à penhora só terminava em 11/09/2013, dado que foi notificada das penhoras em 24/07/2013, sendo, por isso, tempestiva a petição que apresentou em 10/09/2013. Advoga, por outro lado, que atendendo a que na execução fiscal a oposição à penhora é deduzida através do meio processual de reclamação a que se referem os arts. 276º e segs. do CPPT, ocorre, quando muito, erro na forma do processo, pelo que o tribunal deveria ter convolado a petição de oposição em reclamação judicial, em conformidade com o disposto nos arts. 199º do CPC, 98º, nºs. 2 a 4, do CPPT, e 97º, nº 3, da LGT. A questão que se coloca no presente recurso é, assim, a de saber se o tribunal devia ter considerado a petição apresentada como uma oposição à execução fiscal ou, antes, como uma oposição ou meio judicial de reacção à penhora efectuada na execução e, se devia, pelo menos, ter procedido à convolação do meio processual impropriamente utilizado (oposição) no meio processual próprio (reclamação de actos do órgão da execução fiscal). Vejamos. Diga-se, antes de mais, que a Mm.ª Juíza incorreu em erro ao ter decidido na sentença, isto é, numa fase processual ulterior à fase liminar do processo, “rejeitar a petição de oposição” por força da caducidade do direito de acção. Importa deixar esclarecido que a eventual circunstância de ter decorrido o prazo para a instauração de oposição configura uma situação de caducidade do respectivo direito de acção, a qual, por se tratar de excepção peremptória (art. 493º do anterior CPC e art. 576º do actual CPC), implica a absolvição do pedido. Isto é, a caducidade do direito de acção só pode conduzir à rejeição da petição inicial na fase de apreciação liminar do processo, em conformidade com o disposto no art. 209º, nº 1, alínea a), do CPPT, e nunca depois de ultrapassada essa fase. Posto isto, outra observação cumpre fazer: a de que a petição tem de ser interpretada, como qualquer articulado das partes, segundo os princípios comuns à interpretação das declarações negociais (a teoria objectivista da impressão do destinatário consagrada no art. 236º do Código Civil) e das leis (depositados no art. 9º do mesmo Código), isto é, de acordo com o sentido que um declaratário normalmente diligente pode e deve apreender dos seus termos verbais, postergando interpretações meramente ritualistas e formais. Com efeito, nesta matéria não pode deixar de seguir-se o princípio da utilidade dos actos, de modo a potenciar, sempre que possível, a emissão de pronúncias de mérito, não se justificando uma interpretação puramente formal e literal. (Cfr., entre outros, os acórdãos do STJ, de 28/06/1994, in Col. Jurisprudência-STJ, 1994, tomo II, págs. 15 e de 28/01/1997, in Col. Jurisprudência-STJ, 1997, tomo I, págs. 83; e os acórdãos do STA de 27/06/1996, no Proc. nº 37661, de 10/05/2000, no Proc. nº 023139, de 7/11/2002, no Proc. nº 1321/02, de 7/02/2002, no Proc. nº 48315, e de 16/10/202, no Proc. nº 0841/02) No caso vertente, é óbvio, perante o teor da petição inicial, que a executada/requerente pretende reagir contra os actos de penhora realizados na execução fiscal, pedindo ao tribunal que os declare sem efeito, por ilegais, na medida em que já foi declarada insolvente. Ou seja, é óbvio que a requerente pretende atacar a legalidade de actos praticados pelo órgão da execução; e apesar de ter denominado este meio processual como “oposição à penhora”, é inquestionável que pretendeu reclamar contra os aludidos actos. Com efeito, em lado algum a executada/requerente pediu a extinção da execução ou aventa qualquer causa que a pudesse determinar, como seria próprio da oposição à execução. E muito embora aluda no seu pedido à sustação da execução – o que poderia configurar fundamento para oposição à execução à luz do disposto no artigo 204º, nº 1, alínea i), do CPPT-, o certo é que essa referência surge, na economia da petição, não como um pedido autónomo, mas como um prius lógico do efeito jurídico visado e que é, indubitavelmente, a anulação das penhoras. O que tudo significa que a petição apresentada configura, clara e inequivocamente, uma reclamação contra os actos de penhora, e não uma oposição à execução fiscal. Assim sendo, e pese embora a falta de rigor técnico na designação do meio processual utilizado, justificava-se plenamente a sua interpretação no sentido de que fora deduzida uma reclamação prevista nos arts. 276º e segs. do CPPT, sem necessidade, sequer, de convite à correcção da petição, pois que se devem afastar exigências de fórmulas sacramentais, rígidas ou insubstituíveis em tal matéria. Tal interpretação da petição quanto ao meio processual utilizado leva a que não ocorra qualquer erro na forma de processo, o que torna desnecessária a apreciação da questão da convolação noutra forma de processo. Por conseguinte, importa revogar a sentença recorrida, por esta ter apreciado a questão da caducidade do direito de acção no pressuposto (errado) de que se estava perante uma oposição a execução fiscal, e determinar a baixa dos autos ao tribunal “a quo” para que aí prossigam os seus termos como reclamação de acto do órgão da execução fiscal, sendo a essa luz que a Mm.ª Juíza terá de averiguar se a petição foi apresentada no prazo de dez dias sequentes à notificação dos actos de penhora reclamados, ou seja, se está preenchido o necessário pressuposto da tempestividade da presente reclamação judicial.
4. Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos ao tribunal “a quo” para prosseguimento como processo de reclamação de actos do órgão da execução fiscal. Sem custas.
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