Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0665/18
Data do Acordão:07/12/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23545
Nº do Documento:SA1201807120665
Data de Entrada:07/02/2018
Recorrente:A......
Recorrido 1:CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A………… intentou, no TAF do Porto, contra a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES (doravante CGA), acção administrativa de condenação à prática do ato devido pedindo a condenação da Ré a “calcular a pensão do Autor com base na capacidade residual para o exercício de outra profissão compatível, acrescendo o montante anual de EUR 1.345,23 a pagar ao Autor o subsídio por situações de elevada incapacidade no montante de EUR 4.371,63 ou 5.820,00, conforme o que se vier a decidir relativamente à lei aplicável”.

O TAF julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu a Ré dos pedidos.

O TCA Norte, para onde o Autor apelou, negou provimento ao recurso.

É desse Acórdão que a contra interessada recorre (artigo 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. O Autor, ora Recorrente, pretende que a CGA seja condenada a calcular a sua pensão “com base na capacidade residual para o exercício de outra profissão compatível, acrescendo o montante anual de EUR 1.345,23 a pagar ao Autor o subsídio por situações de elevada incapacidade no montante de EUR 4.371,63 ou 5.820,00, conforme o que se vier a decidir relativamente à lei aplicável”.
No essencial, alegou que sofreu um acidente em serviço e que a Junta Médica a que foi submetido apesar de fixar um grau de incapacidade permanente parcial de 30% para o exercício da sua profissão considerou que ficara com uma capacidade residual de 100% para o exercício de outra profissão compatível. O que constituía um erro grosseiro determinante da anulabilidade do acto impugnado. Com efeito, “um sinistrado que ficou a padecer de uma IPP de 30%, totalmente incapacitado para exercício de uma função habitual, com a idade de 53 anos, que nunca exerceu outra atividade profissional que não a de agente da PSP e nas condições do mercado de trabalho atual, nunca poderá ficar uma capacidade residual para o exercício de outra profissão de 100% ”.

O Tribunal de 1.ª instância julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo a Ré daqueles pedidos. No essencial, ponderou:
“…..
No caso concreto, porém, nada é alegado no sentido de evidenciar a existência de um erro grosseiro de que possa padecer o juízo técnico de atribuição de uma capacidade funcional residual de 100 % para exercer outras funções, a um trabalhador, agente da PSP, com a idade de 50 anos e titular do 9.º ano de escolaridade que padece de uma incapacidade permanente parcial de 30 %.
Efetivamente, o Autor limita-se unicamente a discordar do grau atribuído pela Junta da Ré neste domínio, não logrando sequer a assacar nenhuma ilegalidade, em concreto, ao ato que procede à definição da sua capacidade residual funcional.
Ora, a singela discordância no que tange ao acerto da fixação da capacidade funcional em 100% pela Junta da Ré não é molde a evidenciar erro grosseiro ou manifesto, ou adoção de critério ostensivamente desajustado, como não corporiza qualquer desconformidade entre os factos pressupostos da decisão e os factos reais, ou seja, que haja assentado em pressupostos de facto errados.

Assim sendo, e sopesando que os pareceres elaborados pelas Juntas Médicas são insindicáveis, situando-se no domínio da “discricionariedade técnica”, não podendo o tribunal substituir-se aos peritos médicos, a não ser que se verifique um erro grosseiro ou manifesto, não resta outra alternativa que não a de concluir, sem necessidade de discussão adicional, que não se mostra evidenciada a tese ao nível da existência de erro grosseiro, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão em relação ao pedido condenatório com ela conexo, por dele estar dependente


E o TCA manteve essa decisão pelas razões seguintes:
“…
Do alegado erro grosseiro (conclusões 1-6).

Sucede, porém, que no caso, o Tribunal “a quo” não refutou a tese da Recorrente escudado numa hipotética discricionariedade técnica ou insindicabilidade da decisão da CGA. Apenas nela não vislumbrou erro grosseiro, nem podia na sua tese, simplesmente por entender que o Autor se limitou a enunciar a existência do erro sem o consubstanciar.
E, na verdade, o Recorrente quase se limitou ao enunciado dos requisitos que, em sua opinião, a Junta Médica deveria ter considerado (“o grau de incapacidade de que o sinistrado ficou a padecer com incapacidade absoluta para o trabalho habitual, a sua idade, habilitações académicas e profissionais, bem como a situação atual do mercado de trabalho”) para concluir sem mais delongas (conclusão 5ª) que “Tais alegações são suficientemente concretizadoras do erro grosseiro, pois traduzem a alegada falta de consideração por parte da junta médica dos fatores a considerar na quantificação da capacidade residual para outra profissão compatível previstos no n.º 5.A das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo DL 352/2007 de 23 de outubro.”
Ora, não está demonstrado nem é de presumir que a Junta Médica não tenha levado em consideração tais factores.
Porém, a alegação de erro grosseiro não é completamente despida de conteúdo, podendo depreender-se que o erro invocado reside na avaliação em 100% da capacidade residual para o exercício de outra profissão compatível, nas circunstâncias dadas e, sobretudo, em contraste com os 30% de IPP e a incapacidade absoluta para o exercício da profissão habitual de agente da PSP.
Ora, … não pode ser considerada estranha ao ponto de qualificável como erro grosseiro, a atribuição da capacidade residual de 100% para outra função compatível a um sinistrado ao qual foi atribuída uma IPP de 30% … .
Posto isto, embora com fundamentos algo diversos, confirma-se a decisão recorrida nesta questão.

Do subsídio de elevada incapacidade permanente.
Não podem subsistir dúvidas sérias sobre o acerto da decisão, considerando que a situação está inequivocamente prevista em norma especial, o artigo 37º do DL n.º 503/99, de 20 de Novembro que aprovou o novo regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública. Leia-se:
«Artigo 37.º
Subsídio por situações de elevada incapacidade permanente
A incapacidade permanente absoluta ou a incapacidade permanente parcial que impliquem uma redução na capacidade geral de ganho igual ou superior a 70% conferem ao sinistrado ou doente direito a um subsídio cujo valor é igual a 12 vezes a remuneração mínima mensal garantida em vigor à data do acidente ou da atribuição da incapacidade permanente resultante de doença profissional, na proporção do grau de incapacidade fixado, sendo pago de uma só vez
Assim, a sentença é de confirmar na totalidade.”

3. Numa situação com contornos muitos semelhantes aos que ora se nos apresentam o recurso foi admitido por ter sido entendido que a “problemática dos autos envolve a apreciação de diferentes questões que assentam, fundamentalmente, na interpretação do regime jurídico estatuído na Lei n.º 98/2009, de 04/09 - regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais incluindo a reabilitação e reintegração profissionais nos termos do artigo 284.º do Código do Trabalho - e sua concatenação com o regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais na Administração Pública, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 503/99, de 20/11, com o estatuído no artigo 20.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30/12, que aprovou o Orçamento do Estado para 2012, e com o Estatuto da Aposentação.
Apesar da sintonia das decisões proferidas por ambas as instâncias, o certo é que nenhuma das partes se mostra totalmente convencida da bondade das mesmas, por isso que ambas recorrem de revista, o que, por si, é índice da complexidade das questões. Acórdão de 28.04.2016 (rec. 422/16).
Tendo o Acórdão que conheceu dessa revista decidido da mesma forma que o Acórdão recorrido, mas tendo tido um voto de vencido. – vd. Acórdão de 7/07/2016.
Sendo assim, e sendo que a jurisprudência deste Tribunal sobre a matéria aqui em causa ainda se não encontra estabilizada, mantém-se a conveniência no recebimento do recurso para que a resolução do presente caso possa contribuir para a melhor clarificação jurídica, de molde a poder servir de elemento jurisprudencial orientador.

DECISÃO
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir a revista.
Sem custas
Lisboa, 12 de Julho 2018. - Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.