Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0867/16
Data do Acordão:07/12/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:VÍTOR GOMES
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
CONTRATAÇÃO PÚBLICA
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Saber quais as consequências da falta ou insuficiência da indicação exigida pelo programa do concurso de termos ou condições de execução do contrato não submetidos à concorrência é uma questão jurídica de alcance geral que vem suscitando alguma divergência jurisprudencial, sustentando-se alternativas razoáveis de interpretação face à dificuldade de concatenação das disposições legais pertinentes, e assume consequências práticas importantes no regime de formação dos contratos públicos.
Nº Convencional:JSTA000P20809
Nº do Documento:SA1201607120867
Data de Entrada:07/05/2016
Recorrente:A..., SA
Recorrido 1:MUNICÍPIO DO SEIXAL E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar


Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo


1. A………………… SA pede revista, ao abrigo do art.º 150.º do CPTA, do acórdão do TCA Sul de 5/5/2016 que negou provimento a recurso de sentença do TAF de Almada que julgou improcedente a acção de contencioso pré-contratual intentada contra ao Município do Seixal com vista à anulação da deliberação que excluiu a proposta apresentada pela recorrente num concurso público para fornecimento de refeições em refeitórios escolares e adjudicou o concurso à proposta da contra-interessada B……………… Lda.

A proposta da A…………… foi excluída ao abrigo das disposições da al. b) do n.º 2 do artº 70.º e da al. d) do n.º 2 do art.º 146.º do CCP, com fundamento em que não cumprira as exigências das al.s e) e g) do n.º 2 do ponto 4 do programa do concurso, quanto às indicações do mapa de controlo da recepção de mercadorias e quanto à formação específica para o pessoal de apoio às refeições na componente pedagógica.

A recorrente sustenta que a proposta não podia ter sido excluída quanto aos elementos considerados em falta no mapa de controlo da recepção de mercadorias visto que esses elementos eram integrados por outro documento que também faz parte da proposta da A…………… Quanto à formação específica do pessoal com vista ao acompanhamento das crianças durante a refeição, contendo a proposta um módulo de formação destinado a todo o pessoal, também a exigência estava assegurada.

Requereu prova por testemunhas, destinada a provar que a dispersão por dois documentos não é de molde a pôr em causa a finalidade visada com a exigência e que os termos em que foi concebido o módulo de apoio psicopedagógico e comportamental ao pessoal proporcionavam a formação pretendida pelo Município. As instâncias indeferiram a produção de prova e julgaram improcedentes as referidas ilegalidades.

2. As decisões proferidas pelos tribunais centrais administrativos em segundo grau de jurisdição não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário. Apenas consentem recurso nos termos do n.º 1 do art.º 150.º do CPTA, preceito que dispõe que das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, a título excepcional, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.

3. São as seguintes as questões que a recorrente prende ver apreciadas no recurso:
1) Constando dos documentos que integram a proposta referência expressa e escrita aos elementos exigidos pelas peças concursais cuja alegada falta gerou a sua exclusão e oferecendo o concorrente prova testemunhal em acção de contencioso pré-contratual por si intentada, pode o tribunal presumir, sem ouvir a referida prova, que o conteúdo da proposta não cumpre os requisitos exigidos pelas aludidas peças?
2) Integra a previsão da alínea b) do n.º 2 do artigo 70º do CCP, determinando a sua exclusão, a omissão, na proposta, de termos ou condições relativos a aspectos da execução do contrato não submetidos à concorrência? Ou só integra esta previsão a apresentação de termos ou condições desconformes com o exigido nas peças concursais?

4. A segunda questão colocada no recurso versa sobre um problema jurídico de alcance geral, que é o de saber quais as consequências da falta ou insuficiência da indicação exigida pelo programa do concurso de termos ou condições de execução do contrato não submetidos à concorrência. O acórdão recorrido considerou que essa falta ou insuficiência se compreende na previsão da al. b) do n.º 2 do art.º 70.º do CCP, na disposição que fulmina com a exclusão a apresentação de termos ou condições que violem tais aspectos da execução.

Esta é uma questão relativamente à qual se vem suscitando alguma divergência jurisprudencial e são sustentáveis alternativas razoáveis de interpretação, face à dificuldade de concatenação das disposições legais imediatamente pertinentes, designadamente da al. c) do n.º 1 do art.º 57.º, da al. b) do n.º 2 do art.º 70.º, do n.º 2 do art.º 72.º e da al. d) do n.º 2 do art.º 146.º do Código dos Contratos Públicos. Trata-se de uma questão susceptível de repetir-se nos mesmos termos em situações semelhantes e que assume consequências práticas importantes no regime de formação dos contratos públicos (a aceitação ou exclusão das propostas por razões que não contendem com aspectos de execução submetidos à concorrência), com reflexos na racionalidade final desse regime.

Apesar de já poder contar-se com alguma jurisprudência do STA com ligação a esta questão (cfr. acs de 6/11/2014 – P. 598/14, de 3/12/2015 – P. 996/15 e de 28/1/2016 – P. 1371/15), a aplicação da doutrina que dela dimana é influenciada por particularidades dos casos sujeitos ou especialidades argumentativas que justificam que ainda não possa considerar-se a questão esgotada e se admita o presente recurso.

5. Decisão

Pelo exposto, decide-se admitir o recurso.

Lisboa, 12 de Julho de 2016. – Vítor Gomes (relator) – Alberto Augusto Oliveira – São Pedro.