Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01247/16
Data do Acordão:11/25/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
Sumário:É de admitir recurso de revista relativamente à questão da interpretação do quadro legal (DL 75/2008 na sua conjugação e aplicação temporal com o regime precedente instituído pelo DL 115-A/98 - alterado, por apreciação parlamentar, pela Lei n.º 24/99) referente ao final do mandato dos professores que integravam os conselhos executivos ou se encontravam como directores e respectivos vice-presidentes, vogais ou adjuntos, assim como os membros das comissões provisórias e das comissões executivas instaladoras de gestão das escolas, designadamente quanto à existência ou não de direito a compensação pelos suplementos que tenham deixado de auferir devido à execução a partir de 31 de maio de 2009 do novo regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário.
Nº Convencional:JSTA000P21207
Nº do Documento:SA12016112501247
Data de Entrada:11/07/2016
Recorrente:MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
Recorrido 1:A............ E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar – art. 150º, 1, do CPTA.

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo (art. 150º, 1 do CPTA)


1. Relatório

1.1. O MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO recorreu nos termos do art. 150º, 1, do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do TCA proferido em 3 de Junho de 2016, que confirmou a sentença proferida pelo TAF de Aveiro, que por seu turno julgou procedente a acção administrativa comum instaurada por A………… e outros, pedindo a sua condenação a título de responsabilidade civil extracontratual fundada em acto ilícito e culposo nos montantes respeitantes ao suplemento remuneratório que deixaram de auferir, na qualidade de elementos do Conselho Executivo de Agrupamento de Escolas de ……….

1.2. O recorrente justifica a admissão da revista face à relevância jurídica e social das questões em causa, designadamente saber se a pretensão dos autores emerge da responsabilidade civil extracontratual e em que termos a existência de acto administrativo inimpugnável obsta à procedência da pretensão dos autores, destacando ainda que existe jurisprudência contraditória no TCA Norte sobre interpretação e aplicação do Dec. Lei 75/2008, de 22 de Abril.

2. Matéria de facto

Os factos dados como provados são os seguintes:

“(…)

1- Os autores A…………, B…………, C………… e D………… são docentes em exercício de funções no Agrupamento de Escolas de …….., sito em Rua ………, ….-…, ………, Aveiro.

2- No dia 02.07.2007, os autores foram empossados respectivamente como Presidente e como Vice-Presidentes do Conselho Executivo do Agrupamento de Escolas de ……… para o mandato correspondente ao triénio 2007-2010.

3- Em reuniões ocorridas nos dias 2 e 6 de Março de 2009, o Conselho Geral Transitório do Agrupamento deliberou iniciar o procedimento para recrutamento do Director.

4- Designou, para tanto, a comissão paritária competente para avaliar as candidaturas e deliberou a aprovação do regulamento do concurso.

5- O aviso de abertura do concurso foi publicado na II Série do Diário da República no dia 02.04.2009.

6- Houve diversos opositores ao concurso.

7- As actas relativas às reuniões realizadas em 2 e 26 de Março foram aprovadas.

8- Em 26.05.2009 o Conselho Geral Transitório do Agrupamento de Escolas de ………, procedeu à eleição do Director, tendo sido eleita a candidata E………….

9- No dia 01.07.2009, realizou-se a tomada de posse da Directora eleita.

10- Em consequência os autores deixaram nessa data de exercer funções inerentes ao mandato que cumpriam.

11- Tendo também deixado de receber o respectivo suplemento remuneratório, no valor mensal de €529,62 para a autora A………… e no valor mensal de €308,95 para cada um dos restantes Autores, D…………, B………… e C………….

12- E passaram a assumir as suas funções normais de professores de agrupamento, tendo-lhes sido atribuído horário semanal correspondente à sua posição na carreira.

13- Os autores sentiram-se diminuídos perante os colegas de profissão, atendendo às funções e cargos desempenhados, eleitos pelos pares.

14- Os autores sentiram-se defraudados e incomodados perante quem neles votou e que, considerando que estavam a exercer um bom mandato, por verem-se removidos do mesmo.

15- Os autores instauraram em 01.07.2010 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro o processo cautelar nº 331/09.4 AVR, pelo qual requereram que fossem decretadas as seguintes providências cautelares, nos seguintes termos:

a) suspensão de eficácia do acto administrativo consubstanciado na deliberação do Conselho Geral Transitório do Agrupamento de Escolas de ……… de iniciar o procedimento concursal para recrutamento do Director;

b) suspensão da eficácia do acto de abertura do concurso para recrutamento do Director do Agrupamento de Escolas de ………;

c) suspensão da eficácia da deliberação do Conselho Geral Transitório do Agrupamento de Escolas de ……… de aprovar o regulamento do concurso para recrutamento e eleição do Director do Agrupamento; e

d) suspensão da tomada de posse do Director eleito pelo Conselho Geral Transitório, agendado para 1 de Junho de 2009, pelas 18:30 horas.

16- Aquele requerimento foi liminarmente rejeitado em sede de despacho liminar a que alude o artigo 116º nº 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, proferido em 01.07.2009, despacho que não transitou em julgado.

17- Os autores não instauraram qualquer acção judicial destinada à impugnação de qualquer um daqueles actos referidos em 15 supra.

(…)”

3. Matéria de Direito

3.1. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA, tem repetidamente sublinhado trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

3.2. Os autores pretendem ser ressarcidos das diferenças remuneratórias deixadas de auferir em virtude de terem cessado funções no Conselho Executivo em 1-7-2009, sendo que tinham sido empossados nos respectivos cargos para o mandato correspondente ao triénio 2007-2010.

Como decorre da matéria de facto foi aberto concurso para Director, através de aviso publicado no DR, II Série, de 2-4-2009. Os autores instauraram processo cautelar visando a suspensão de eficácia dos actos que iniciaram procedimento concursal para recrutamento do director. A providência foi liminarmente indeferida por decisão que ainda não transitou. Contudo, os autores não instauraram qualquer acção judicial destinada a impugnar os referidos actos.

A primeira instância condenou o réu a pagar aos autores as quantias pedidas, isto é, o suplemento deixado de auferir pelos autores relativo ao exercício de funções no Conselho Executivo.

TCA Norte apreciou em primeiro lugar a questão da existência de erro na forma de processo por estarem em causa matéria objecto de actos administrativos e os autores não os terem impugnado através da acção administrativa especial. Considerou, além do mais, que, estavam reunidos os pressupostos exigidos pelo art. 38º, 1 do CPTA para que os autores fizessem uso da acção administrativa comum para verem satisfeita a sua pretensão. De seguida decidiu que estavam verificados os pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual.

As questões suscitadas são complexas, suscitam dificuldades superiores ao comum e respeitam a uma generalidade de situações, como se disse no acórdão desta formação que admitiu um recurso de revista num caso semelhante – cfr. acórdão de 26-1-2012, proferido no processo 029/12.

Por outro lado o acórdão deste STA, de 26-9-2013, proferido no processo acima referido, decidiu em sentido contrário (embora com um voto de vencido) ao do acórdão recorrido:

“(...)

A solução das instâncias, sobrepondo uma aparente força da letra da lei «completam os mandatos» a tudo o mais que decorre da intenção legislativa não pode persistir.

E aliás, a situação não se poderia nunca resolver apenas pela letra da lei. A letra da lei também estabelece a eleição «até 31 de Maio de 2009» e a tomada de posse «nos 30 dias subsequentes à homologação dos resultados eleitorais pelo director regional de educação» (art. 24.º, 1).

Por isso, sendo que tem ainda correspondência com o sentido literal considerar «completam os mandatos» como dirigindo-se, por um lado, ao regime ao abrigo do qual continuavam esses mandatos (o regime de 98) e, por outro lado, como referindo como termo final necessário o da eleição e tomada de posse do novo director, pela evidente impossibilidade de coexistência de diversos directores, sob diversos regimes, e porque nesta perspectiva não há solução de continuidade, assegurando-se a plena e desejada entrada em funcionamento do novo regime, deve ser este o sentido que se deve colher das normas em causa, por ser esse o sentido decisivo da lei (artigo 9.º do Código Civil).

Ora, neste quadro não se verifica a alegada actuação ilegal por parte da Administração, actuação ilegal que suportou a sua condenação.

(…)”

Resulta do exposto que deve ser admitida a revista quer pela importância jurídica das questões a decidir, quer ainda pelo facto da decisão recorrida estar em contradição com a jurisprudência deste STA.

4. Decisão

Face ao exposto admite-se a revista.

Lisboa, 25 de Novembro de 2016. – São Pedro (relator) – Vítor GomesAlberto Augusto Oliveira.