Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02/20.0BALSB
Data do Acordão:12/09/2020
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:DECISÃO ARBITRAL
RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
TRIBUTAÇÃO AUTONOMA
REMUNERAÇÃO
GESTOR
Sumário:O requisito previsto na alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC para a exclusão da Tributação Autónoma sobre bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes e relativo ao diferimento de uma parte não inferior a 50 % do pagamento daquelas remunerações por um período mínimo de três anos deve considerar-se cumprido numa situação como a dos autos, em que o pagamento de uma parcela correspondente a 50% daquelas remunerações foi diferido de forma proporcional ao longo de um período de três anos.
Nº Convencional:JSTA000P26883
Nº do Documento:SAP2020120902/20
Data de Entrada:01/07/2020
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A................. (EUROPE) - SUCURSAL EM PORTUGAL
Votação:MAIORIA COM 4 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


- Relatório -

1 – A Autoridade Tributária e Aduaneira vem, nos termos dos n.º 2 a 5 do artigo 25.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), interpor recurso para este Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida a 18 de Novembro de 2019 no processo n.º 233/2019-T, por alegada contradição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com o decidido na decisão arbitral proferida a 12 de Outubro de 2017 no Processo n.º 545/2016-T, transitada em julgado.

A Recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

A. O Recurso Para Uniformização de Jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o STA, no caso concreto, proceder à anulação da decisão arbitral e realizar nova apreciação da questão em litígio quando suscitada e demonstrada tal contradição pela parte vencida.

B. Nos termos do artigo 25.º/2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (Decreto-Lei 10/2011, de 20 de janeiro), «A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda suscetível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo. (Redação da Lei n.º 119/2019, de 18/09)».

C. De acordo com o n.º 3 do citado artigo «ao recurso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral».

D. Ora, desde logo, quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário que as situações de facto sejam substancialmente idênticas; haja identidade na questão fundamental de direito; se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e a oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas.

E. Para que se considere que há oposição de soluções jurídicas, entende a jurisprudência do STA que ambos os acórdãos devem versar sobre situações fácticas substancialmente idênticas.

F. Tal como refere o acórdão do STA proferido a 2010-12-07 no âmbito do processo n.º 0511/06, (2) «Para que exista oposição, não é exigível uma total identidade de factos – que muito raramente se verificará – mas, antes, que eles preencham a mesma hipótese normativa, isto é, concretizem a mesma fattispécie legal.»

G. A oposição de soluções jurídicas pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas, entendida não como uma total identidade dos factos, mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais.

H. Em causa está, comum a ambos os processos, e atendendo à matéria de facto subjacente a cada uma das situações em apreço, a verificação do preenchimento dos dois requisitos, que, nos termos do artigo 88.º, n.º 13, al. b), segunda parte, do CIRC, excluem de tributação os bónus e remunerações variáveis pagas a gestores, administradores e gerentes de pessoas colectivas: «salvo se o seu pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50 % por um período mínimo de três anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período.»

I. Subjacente ao Acórdão recorrido, com interesse para o presente recurso, foi dada como provada a factualidade transcrita nas alegações de recurso, para cuja leitura se remete.

J. Subjacente ao Acórdão fundamento, com interesse para o presente recurso, foi dada como provada a factualidade transcrita nas alegações de recurso, para cuja leitura se remete.

K. Da aludida leitura, infere-se que entre o acórdão recorrido e o Acórdão Fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto.

L. Em ambos os casos, foram atribuídos aos gestores/administradores das respectivas entidades uma remuneração variável, a qual foi deduzida para efeitos de apuramento tributável do respectivo período em que foi atribuída.

M. Em ambos os casos, 50% da remuneração variável relativa ao período da sua atribuição foi diferida por um período inferior a três anos.

N. No acórdão arbitral de que se recorre, a ora Recorrida atribuiu aos seus gestores uma remuneração variável no ano de 2014, referentes a 2013 (49% do bónus de 2013), 2012 (17% do bónus de 2012) e 2011 (17% do bónus de 2011).

O. No acórdão fundamento, no ano de 2012, a aí Requerente procedeu ao pagamento da primeira parcela (50%) da remuneração variável atribuída - no montante total de € 950.623,33, referente ao ano de 2011 -, tendo efectuado o pagamento da restante parcela de forma proporcional, correspondente a 50% do total atribuído, ao longo dos três anos seguintes.

P. Atenta a similitude da factualidade e a convocação de idêntico dispositivo legal, deverá considerar-se preenchido o primeiro requisito do recurso para uniformização de jurisprudência.

Q. Para que haja oposição de acórdãos é ainda necessário que as decisões em confronto se pronunciem sobre a mesma questão fundamental de direito, ou seja, importa que as soluções opostas tenham sido perfilhadas relativamente ao mesmo fundamento de direito.

R. Ora, estava em causa em ambos os processos aferir do preenchimento dos requisitos cumulativos presentes no artigo 88.º, n.º 13, al. b), segunda parte, do CIRC, tendo os acórdãos aqui em confronto interpretado de forma distinta a redacção da aludida norma.

S. Sendo que, no concerne ao pressuposto do «pagamento estar subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50% por um período mínimo de três anos», julgou aquele Tribunal arbitral que: «Face ao teor literal, o sentido de "diferimento por um período mínimo de três anos" tanto poderia significar o diferimento para um termo mínimo de três anos ou para um diferimento ao longo de um período de três anos. Assim sendo, há que, nos termos das regras gerais de interpretação, atender à ratio da norma. Conforme já expresso pelo Tribunal Constitucional o objetivo do legislador parece ser a sujeição parcial das remunerações variáveis a critérios de produtividade, conferindo maior assertividade a normas programáticas (não imperativas) como são as recomendações da CMVM. Qualquer uma das interpretações cumpre com o sentido e objetivos das normas. O pagamento ao longo dos três anos, mediante a obtenção de resultados positivos cumpre com o desiderato de aferição da boa gestão numa perspetiva de prestação de contas anual. Perante o desempenho positivo da empresa naquele ano, vence-se, para o administrador, o direito a receber uma quota-parte da remuneração variável diferida. Esta interpretação está também conforme com as boas práticas defendidas para o governo das sociedades e, no caso das instituições bancárias, obrigatória, nos termos do artigo 115.º-E do RGICSF. Conforme supra desenvolvido, não podemos confundir as diretrizes relativas ao pagamento de stock options com as normas relativas a bónus e outras remunerações varáveis: é claro o sentido de diferimento ao longo de um ''prazo de três anos" para a primeira e o diferimento ''por um período mínimo de três anos" para as restantes remunerações. Por razões de coerência do sistema jurídico, não faria também sentido que uma norma similar e com a mesma ratio tenha interpretações distintas no Direito Fiscal e no Direito Bancário. Assim sendo, prevalece a interpretação compatível com uma política de pagamentos parcelares ao longo do período de três anos mas também com o pagamento após este período porque o que se definiu foi o período mínimo de diferimento obrigatório (pode, por exemplo, o pagamento ser diferido para o final de quatro anos ou de forma parcelar no 4.º, 5.º e 6.º anos). Em qualquer das situações, a exclusão de tributação autónoma depende também do desempenho positivo da entidade durante todo o período de diferimento definido.»

T. Por relação ao decidido em sede arbitral no processo cuja decisão se contesta, considerou-se diferentemente no processo n.º 545/2016-T, que: «Só verificado o desempenho positivo da sociedade ao longo do período mínimo de três anos está cumprido um dos requisitos que permite a exclusão daquela tributação. Logicamente, os bónus atribuídos antes do final desse período mínimo não poderão usufruir do citado desagravamento, porque o mesmo depende da verificação cumulativa dos dois requisitos já indicados. Nos termos da lei, o pagamento com direito a exclusão de tributação autónoma, está subordinado ao diferimento de pelo menos 50% da remuneração variável por um período mínimo de três anos; e o que o Requerente fez foi diferir 1/3 dos referidos 50% por um ano, outro 1/3 por dois anos e o último 1/3 por três anos. A norma sub judice exige, porém, que o pagamento de, pelo menos metade dos bónus, seja diferido no seu todo por um (e não durante um) período mínimo de três anos; e não que seja diferido por um período de três anos apenas o pagamento de uma porção daquele montante. Sendo certo que a norma em análise tem como destinatários as sociedades em geral e não apenas as instituições de crédito, cabe citar no sentido que vimos apontando, Ana Perestrelo de Oliveira. Diz a autora que «a Recomendação da Comissão Europeia de 30.4.2009 ao dispor que "uma grande parte da componente variável (da remuneração) não deve ser paga antes de decorrido um lapso de tempo mínimo", terá influenciado a redacção da Recomendação III.4 do Código de Governo das Sociedades da CMVM: Uma parte significativa da remuneração variável deve ser diferida por um período não inferior a 3 anos e o direito ao seu recebimento (qualquer parte do recebimento) deve ficar dependente da continuação do desempenho positivo da sociedade ao longo desse período"» (parênteses nossos). Nesta matéria, para efeitos de compreensão da ratio legis sobre a regra do diferimento, deve igualmente relevar-se o disposto no n.º 2 e no n.º 3 do artigo 8.º do Aviso n.º 10/2011 do Banco de Portugal e nas Recomendações III.6 e III.7 do Código de Governo da CMVM. Nos termos destas disposições, quando as remunerações variáveis forem pagas pela entrega de acções, devem os administradores mantê-las «até ao termo do seu mandato». Quando a remuneração variável compreender a atribuição de opções, «o início do período de exercício (da opção) deve ser diferido por um prazo não inferior a três anos.» (parênteses nossos). Acresce, ainda, finalmente, que a interpretação do Tribunal face à expressão constante das “Guidelines on Remuneration Policies and Practices” trazida aos autos pelo Requerente «o direito à remuneração a pagar em regime diferido deve ser adquirido numa base estritamente proporcional» (artigo 67.º da PI) diverge da defendida pelo Requerente. Entende o Tribunal que é o direito à remuneração que deve ir sendo adquirido proporcionalmente ao longo do período (neste caso 3 anos), sendo que o pagamento da dita remuneração deve ser feito posteriormente em regime diferido.»

U. Enquanto no Acórdão fundamento se entendeu que a ratio legis do artigo 88.º, n.º 13, al. b), segunda parte, do CIRC deve ser entendida no sentido de que o pagamento de, pelo menos metade dos bónus, seja diferido no seu todo por um (e não durante um) período mínimo de três anos, já no acórdão recorrido se entendeu em sentido distinto, tendo o Tribunal arbitral concluído que qualquer «uma das interpretações cumpre com o sentido e objectivos das normas. O pagamento ao longo dos três anos, mediante a obtenção de resultados positivos cumpre com o desiderato de aferição da boa gestão numa perspectiva de prestação de contas anual. Perante o desempenho positivo da empresa naquele ano, vence-se, para o administrador, o direito a receber uma quota-parte da remuneração variável diferida.»

V. Enquanto que, por um lado, no acórdão fundamento, entendeu o colectivo de árbitros que o artigo 88.º, n.º 13, al. b), segunda parte, do CIRC exige que o pagamento de 50% dos bónus seja diferido no seu todo por um período mínimo de três anos - e não que seja diferido por um período de três anos apenas o pagamento de uma porção daquele montante -, já no acórdão arbitral contestado, o colectivo de árbitros considerou o contrário, isto é, considerou que prevalece a interpretação compatível com uma política de pagamentos parcelares ao longo do período de três anos e também com o pagamento após este período.

W. O acórdão arbitral contestado pretere a interpretação assumida pela ora Recorrente e assume como válida a interpretação da Recorrida, ou seja, a de que a intenção do legislador se matrimonia com uma política de pagamentos parcelares ao longo do período de três anos, dado que o que a lei define é o período mínimo de diferimento obrigatório e não o modo como o dito pagamento é (ou não) repartido durante o aludido período.

X. Em suma, entre a decisão recorrida e o Acórdão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre as mesmas questões fundamentais de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo acórdão que decida definitivamente a questão controvertida acolhendo o decidido no acórdão Fundamento.

Y. A decisão tomada no âmbito do Acórdão arbitral recorrido, que admite ambas as interpretações trazidas à contenda, ganha relevo pelo facto de admitir que a interpretação defendida pela ora Recorrida se encontra correcta, acabando assim por lhe atribuir razão na contenda e entender preenchido o requisito temporal.

Z. Pelo facto de, ao fim ao cabo, aceitar as interpretações da ora Recorrente e Recorrida, assumindo assim a irrelevância do momento e da forma como o pagamento das remunerações variáveis é efectuado, o Tribunal acaba por, em nosso entender, anular a necessidade de preenchimento do 1.º requisito da exclusão de tributação autónoma – qualquer interpretação serve!

AA. Como se trata de requisitos cumulativos, a relevância do preenchimento do «condicionado desempenho positivo da sociedade ao longo desse período» está directamente dependente do preenchimento do requisito do pagamento diferido/adiado por três anos.

BB. O Tribunal arbitral deveria ter tomado partido por uma das interpretações veiculadas, a fim de, a partir dessa tomada de posição, se perceber se considerava ou não o 1.º dos requisitos preenchido.

CC. Na situação de considerar que o primeiro requisito não se encontrava preenchido, escusada seria a análise do preenchimento do segundo requisito; mas, para tanto, seria curial que o Tribunal arbitral tivesse assumido, sem pruridos, como sua uma das interpretações possíveis da redacção do artigo 88.º, n.º 13, al. b), segunda parte, do CIRC.

DD. Termos em que é de concluir dever esse Tribunal Superior acolher o entendimento perfilhado no Acórdão Fundamento.

EE. Os dois requisitos cumulativos para exclusão da tributação autónoma em análise devem ser analisados tendo em conta a relação que estabelecem entre si.

FF. A norma sub judice contém uma condição material primeira para a atribuição de bónus aos administradores: o desempenho positivo da sociedade ao longo do período de três anos. Sem a verificação desta condição não haverá qualquer exclusão tributária, seja qual for a forma e o momento em que o respetivo pagamento se efectue.

GG. Só no final do período de três anos é que se pode concluir se está verificada a condição de exclusão de tributação autónoma traduzida naquele desempenho positivo, como diz a lei: «ao longo desse período» de três anos.

HH. Conclui-se que a exclusão tributária – esta delimitação negativa face à regra que é a da tributação autónoma - está dependente da verificação futura de um facto de formação sucessiva que se vai formando ao longo de um período mínimo de três anos.

II. A menos que a lei expressamente o dissesse, não se pode entender que a lei conceda um desagravamento fiscal condicionado antes de cumprida a condição desse desagravamento.

JJ. O diferimento a que a norma se refere impõe, ao invés, que não exista qualquer pagamento de bónus até que a condição da exclusão tributária esteja cumprida.

KK. Se acaso se tiver verificado o referido desempenho positivo da sociedade, para almejar a exclusão de tributação autónoma, coloca-se seguidamente a necessidade de respeitar o modo de pagamento imposto pela lei.

LL. Para efeitos da citada exclusão, a lei impõe ainda uma subordinação quanto ao momento do pagamento: «O pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50% por um período mínimo de três anos».

MM. Na situação em apreço, a ora Recorrida não diferiu o pagamento dos bónus por um período mínimo de três anos, tal como exige a lei, tendo antes diferido 49% do valor num único ano, e os restantes 51% em três parcelas iguais de 17%, repartidas por três anos.

NN. Ora, a lei exige que o pagamento seja diferido por um período mínimo de três anos e não que sejam diferidas prestações desse pagamento.

OO. Refere Ana Perestrelo Oliveira, no seu Manual de Governo de Sociedades, página 209, Almedina 2017, que «a Recomendação da Comissão Europeia de 30.4.2009 ao dispor que "uma grande parte da componente variável (da remuneração) não deve ser paga antes de decorrido um lapso de tempo mínimo", terá influenciado a redacção da Recomendação III.4 do Código de Governo das Sociedades da CMVM: Uma parte significativa da remuneração variável deve ser diferida por um período não inferior a 3 anos e o direito ao seu recebimento (qualquer parte do recebimento) deve ficar dependente da continuação do desempenho positivo da sociedade ao longo desse período».

PP. Para efeitos de compreensão da ratio legis sobre a regra do diferimento, deve igualmente relevar-se o disposto no n.º 2 e no n.º 3 do artigo 8.º do Aviso n.º 10/2011 do Banco de Portugal e nas Recomendações III.6 e III.7 do Código de Governo da CMVM.

QQ. Nos termos destas disposições, quando as remunerações variáveis forem pagas pela entrega de acções, devem os administradores mantê-las «até ao termo do seu mandato»; quando a remuneração variável compreender a atribuição de opções, «o início do período de exercício (da opção) deve ser diferido por um prazo não inferior a três anos.»

RR. É o direito à remuneração que deve ir sendo adquirido proporcionalmente ao longo do período (neste caso 3 anos), sendo que o pagamento da dita remuneração deve ser feito posteriormente em regime diferido.

SS. Em suma, a ressalva final da alínea b) do artigo 88.º, n.º 13 do CIRC reclama uma leitura conjunta: mais de 50% do pagamento tem que ter ficado suspenso por mais de 3 anos, por estar condicionado à verificação, no final desse período, do desempenho positivo da sociedade.

TT. De tudo o que acima se deixou, decorre encontrar-se o acórdão recorrido em desconformidade com todos os preceitos e princípios acima referidos, não merecendo, por isso, ser mantido na ordem jurídica, devendo antes ser uniformizada jurisprudência no sentido da interpretação assumida no acórdão no processo n.º 545/2016-T, convergente com a decisão proferida no acórdão Fundamento.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência:

- ser admitido, por verificados os respectivos pressupostos; E

- ser julgado procedente, nos termos e com os fundamentos acima indicados e, consequentemente, revogada a decisão arbitral recorrida, sendo substituída por outra consentânea com o quadro jurídico vigente, como é de Direito e Justiça”.

2 – Contra-alegou a Recorrida, concluindo nos seguintes termos:

82. De acordo com o art.º 88º, nº 13, al. b) do CIRC existem dois requisitos cumulativos para que se possa beneficiar da exclusão da Tributação Autónoma aquando do pagamento de bónus, um ligado ao seu diferimento por um período mínimo de três anos, e outro relativo ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período.

83. O fundamento do pedido de pronúncia arbitral e do presente recurso é o cumprimento do primeiro desses requisitos.

84. Tendo em conta a unidade sistemática do ordenamento jurídico e em homenagem ao princípio da certeza e segurança jurídica, independentemente do ramo de Direito de que emane um conceito, este deve ser interpretado com sentido idêntico em todos os ramos.

85. O termo “diferimento” emana do ramo de Direito Bancário, pelo que estando presente numa norma de Direito Fiscal, a sua interpretação deve manter-se consistente com o sentido claro e inequívoco explicitado nas normas de Direito Bancário.

86. No caso em apreço, conforme suportado pelas normas de Direito Bancário, o conceito de “diferimento” está associado a pagamentos parcelares/faseados, e não ao pagamento depois de decorridos três anos.

87. Esse é também o sentido correcto em termos lógicos e de política de gestão de remunerações.

88. Existem diferentes tipos de remunerações variáveis e para cada uma destas existe um procedimento referente à forma de pagamento que é ele próprio também distinto.

89. Os bónus são um tipo de remuneração variável distinto das stock options, cada uma das quais com procedimentos e prazos de atribuição distintos.

90. A apreciação do desempenho positivo da Ré está ausente do Relatório de inspecção, não fazendo parte do processo arbitral ora recorrido.

De todo o exposto conclui-se que o tribunal “a quo” fez uma correta aplicação do Direito, pelo que deverá ser negado provimento ao Recurso e em consequência ser mantida na ordem jurídica a sentença em causa, com todas as consequências legais”.


3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA emitiu o douto parecer de fls. 71 a 78 dos autos, no sentido da verificação dos pressupostos para prosseguimento do recurso para uniformização de jurisprudência por considerar, em suma, que apesar de as duas decisões arbitrais em confronto assentarem em situações de facto idênticas, perfilharam soluções jurídicas opostas na interpretação que foi feita do disposto no n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC.

Pronunciando-se pela verificação dos requisitos estabelecidos para a admissibilidade do recurso, o Excelentíssimo Procurador-Geral veio depois aduzir, quanto ao mérito do recurso, “que a ressalva final da alínea b) do n.º 13 do artigo 88º do CIRC reclama uma leitura conjunta: Mais de 50% do pagamento tem que ter ficado suspenso por mais de 3 anos, por estar "condicionado" (o termo é da norma) à verificação, no final desse período, do desempenho positivo da sociedade. O que significa também que, fora do contexto da norma tributária, só se admite a ressalva por se presumir que se trata de remunerações que incentivam gestores, administradores ou gerentes, estabelecendo essa "condição" que acaba por resultar numa componente variável da remuneração que é excepcionada porque, ultrapassando a fasquia dos 50%, é muito apreciável e idónea como mecanismo de alinhamento da conduta dos agentes (os comissários) com os interesses do principal (o comitente, a sociedade)”.

Por defender que o “entendimento a dar ao termo “diferimento” adoptado na alínea a) do n.º 13 do artigo 88º” não pode “dissociar-se do desempenho positivo da sociedade nesse período”, e por verificar que no caso em apreço nos autos a Recorrida “não diferiu o pagamento do bónus por um período mínimo de três anos, como exigido na lei”, tendo antes diferido “49% num ano e os restantes 51% em três parcelas iguais de 17% repartidas por três anos”, o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA concluiu pelo provimento do recurso e, consequentemente, pela revogação da decisão arbitral recorrida.

4 – Cumprido o estipulado no n.º 2 do artigo 92.º do CPTA, cumpre decidir em conferência no Pleno da Secção.



- Fundamentação -

5 – Questões a decidir

Importa decidir previamente da verificação dos pressupostos substantivos dos quais depende o conhecimento do mérito do presente recurso para uniformização de jurisprudência, a saber, a existência de contradição entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão invocado como fundamento relativamente à mesma questão fundamental de direito e, bem assim, a de que a decisão arbitral recorrida não se encontre em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada da Secção.

Concluindo-se no sentido da verificação daqueles requisitos, haverá então que conhecer do mérito do recurso, que consiste em saber se, atendendo à factualidade provada na decisão arbitral recorrida, estava cumprido o requisito relativo ao diferimento de uma parte não inferior a 50 % da remuneração variável por um período mínimo de três anos, necessário para o afastamento da tributação autónoma aplicável ao pagamento de bónus e remunerações variáveis a gestores, administradores e gerentes de pessoas colectivas e prevista na al. b) do n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC.

6 – Matéria de facto

6.1 É do seguinte teor o probatório fixado na decisão arbitral recorrida:

1) No período de 2014, a Requerente atribui aos gestores da sociedade uma remuneração variável no valor total de € 408.039,30, relativos a 2013 (49% do bónus de 2013), 2012 (17% do bónus de 2012) e 2011(17% do bónus de 2011);

2) Esta remuneração variável foi deduzida para efeitos de apuramento do lucro tributável de 2014, mas não foi sujeita a tributação autónoma pela Requerente na Declaração modelo 22 entregue;

3) Na sequência da ação inspetiva externa realizada pela Direção de Finanças de Lisboa relativamente ao exercício de 2014, foi entendido que por não estarem preenchidos os pressupostos da delimitação negativa de incidência previstos no al. b) do n.º 13 do artigo 88.º do Código do RIC, procedeu ao ajustamento fiscal em sede de tributação autónoma do valor de €142.813,76 (35% x €408.039,30), acrescido de juros compensatórios no valor de € 20.205,20

4) Em consequência, foi emitida a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2018..., no montante global de € 163.018,94.

6.2 Por sua vez, é do seguinte teor o probatório fixado na decisão arbitral fundamento:

a. O Requerente era, à data dos factos, uma instituição de crédito portuguesa, mais concretamente um banco com sede em Portugal, sendo posteriormente extinto, em 2013, por via de fusão por incorporação, com neutralidade fiscal, numa sociedade de direito inglês, o B…, que lhe sucedeu em todos os seus direitos, cujo objecto social consistia na realização de operações financeiras, estando autorizado a efectuar as operações descritas no artigo 4.º do RGICSF, sujeito, como tal, à regulamentação e supervisão do Banco de Portugal.

b. O Requerente entregou, em 30 de Maio de 2012, a sua Declaração de Rendimentos Modelo 22, na qual apurou um lucro tributável de € 39.924.867,45 (dos quais € 33.936.137,33 sujeitos a tributação e € 5.988.730,12 isentos) e, em consequência, o montante de € 2.237.685,50 de imposto a pagar (cfr. Documento 4 junto ao pedido de pronúncia arbitral).

c. Na sequência de uma acção inspectiva, de carácter externo e de âmbito parcial, dirigida à análise do apuramento do IRC efectuado pelo Requerente, com referência ao exercício de 2011, designadamente em cumprimento da Ordem de Serviço OI2014…, emitida pela Direcção de Finanças de Lisboa, o Requerente foi notificado, através do Ofício n.º…, de 16 de Março de 2016, do respectivo Projecto de Relatório, cujo Ponto III.1.3.1.1. respeitava a uma proposta de correcção de tributação autónoma, relativa a bónus e outras remunerações variáveis de administradores, no montante de € 332.718,20, por se entender que o montante pago pelo Requerente a título de remunerações variáveis aos seus administradores estava sujeito a tributação autónoma, à taxa de 35%, nos termos da al. b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC (cfr. Documentos 5 e 6 junto ao pedido de pronúncia arbitral).

d. Em 5 de Abril de 2016 os Serviços de Inspecção Tributária notificaram o Requerente do Relatório de Inspecção Tributária, onde se mantiveram as correcções preconizadas para o referido exercício (cfr. Documento 6 junto ao pedido de pronúncia arbitral), não tendo o Requerente exercido o direito de audição.

e. Na sequência das conclusões constantes do Relatório de InspecçãoTributária, o Requerente foi notificado da demonstração de liquidação de IRC, da demonstração de liquidação de juros e da demonstração de acerto de contas, referente ao exercício de 2011, nas quais se apurou o montante de € 314.762,87 a pagar, cujo prazo de pagamento voluntário terminou no dia 7 de Junho de 2016, tendo procedido ao seu pagamento integral em 6 de Junho de 2016 (cfr. Documento 7 junto ao pedido de pronúncia arbitral).

f. A política de remuneração dos membros dos órgãos sociais aplicada pelo Requerente, à data dos factos, foi aprovada em sede de Assembleia Geral em 8 de Agosto de 2011 e consta da respectiva Acta número 62 (cfr. Documento 8 junto ao pedido de pronúncia arbitral), determinando-se que:

“2. Remuneração dos membros da Comissão Executiva do Conselho de Administração:

a) Os membros da Comissão Executiva auferem uma remuneração fixa em dinheiro aprovada pela Assembleia Geral do Banco, que poderá ser diversa entre eles, paga doze vezes durante o ano, e uma eventual remuneração variável, a qual não poderá exceder 15% do resultado operacional recorrente do exercício (Resultado Consolidado Operacional). O Resultado Consolidado Operacional (RCO) não incluirá os resultados decorrentes de eventos extraordinários não ligados à exploração corrente do Banco e de suas filiais, assim como os resultados quer correntes quer extraordinários apurados directa ou indirectamente relativamente a sociedades participadas que não sejam consideradas filiais, ou seja, a associadas e outras participações minoritárias.”

g. O Requerente seguiu como elemento limitador - até 15% do Resultado Consolidado Operacional-RCO - da atribuição de remuneração variável aos membros executivos do seu órgão de administração, daí excluindo, para o seu apuramento, para mais ou para menos, impactos decorrentes da participação indirecta e minoritária no Banco C… com base no facto de que o acompanhamento da actividade do Banco C… e a gestão de tal participação não competiam aos administradores do Requerente (cfr. Documento 8 junto ao pedido de pronúncia arbitral e prova testemunhal).

h. O Requerente, no âmbito da sua política de remuneração, elegeu também definir como limite de atribuição de remuneração variável a manutenção de um rácio de solvabilidade adequado, estabelecendo que tal rácio não poderia ser significativamente afectado pelo pagamento de remuneração variável aos membros da Comissão Executiva, nem contribuir para pôr em causa a continuidade e sustentabilidade da actividade futura do banco (Documento 8 junto ao pedido de pronúncia arbitral).

i. A atribuição da remuneração variável aos administradores da sua Comissão Executiva do Conselho de Administração foi aprovada pelo Comité de Remunerações em 14 de Fevereiro de 2012 e consta da respectiva acta, referida no Relatório de Inspecção Tributária (Documento 9 junto ao pedido de pronúncia arbitral), sendo sintetizada da seguinte forma:

Nome do AdministradorValor do BónusMoeda
D...756.472GBP
E...519.151GBP
F...310.000EUR
G...380.000EUR
j. O Requerente procedeu em 2012 ao pagamento da primeira parcela (50%) da remuneração variável aos administradores da sua Comissão Executiva do Conselho de Administração referente ao exercício de 2011, no montante de € 950.623,33, tendo efectuado o pagamento da restante parcela (correspondente a 50% do total atribuído) ao longo dos três anos seguintes de forma proporcional (Documento 6 junto ao pedido de pronúncia arbitral).

k. As remunerações anuais do Conselho de Administração Executivo são as seguintes (Documento 6 junto ao pedido de pronúncia arbitral):

NomeRemuneração Anual25%
D...320.508,0080.127,00
E...308.986,0077.246,50
F...138.206,8834.551,72
G...156.000,0039.000,00
• Nos anos de 2011 e 2012 o Requerente teve resultados líquidos negativos (€ -111.989.574,82 e € -2.757.055,07 respectivamente), verificando-se, contudo, lucros tributáveis, tendo havido pagamento de IRC (cfr. Documentos 4 e 12 juntos ao pedido de pronúncia arbitral).

Fundamentação da matéria de facto

A factualidade provada teve por base a posição assumida pelas Partes e não contestada e a análise dos documentos junto aos autos pelo Requerente, que não foram impugnados.

Para além do facto constante do ponto g) do probatório, o depoimento testemunhal não se revelou suficientemente convincente e esclarecedor para servir de base à convicção do tribunal.

7 – Decidindo

7.1 Da verificação dos pressupostos substantivos do recurso

Dispõe o n.º 2 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT), ao abrigo da qual foi o presente recurso interposto, que: A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda suscetível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.

Por sua vez, dispõe o n.º 3 do mesmo preceito legal que: Ao recurso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral.

Importa, pois, em primeiro lugar, apreciar se existe oposição entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral invocada como fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito e, após – caso seja de reconhecer a existência de tal oposição –, verificar se a orientação perfilhada na decisão arbitral recorrida está ou não de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada deste STA, pois que apenas no caso de o não estar haverá que admitir o recurso, ex vi do n.º 3 do artigo 152.º do CPTA (aplicável por remissão do n.º 3 do artigo 25.º do RJAT).

Como se deixou consignado no acórdão do Pleno desta secção do STA de 4 de Junho de 2014, rec. n.º 01763/13, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito é exigível “que se trate do mesmo fundamento de direito, que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica e que se tenha perfilhado solução oposta nos dois arestos: o que, como parece óbvio, pressupõe a identidade de situações de facto, já que sem ela não tem sentido a discussão dos referidos pressupostos. Sendo que a oposição também deverá decorrer de decisões expressas, que não apenas implícitas. (Cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 25/3/2009, rec. nº 598/08 e do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, de 22/10/2009, rec. nº 557/08; bem como Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, pp. 1004 e ss.; e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. IV, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 44 ao art. 279º pp. 400/403.)”.

Portanto, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral invocada como fundamento devem adoptar-se os critérios já firmados por este STA, quais sejam:

- Identidade da questão de direito sobre que recaíram as decisões em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;

- Que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica;

- Que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;

- A oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

Vejamos.

Alega a Recorrente que entre os arestos em confronto existe oposição juridicamente relevante para o efeito de admitir o presente recurso para uniformização de jurisprudência. Desde logo, alega a Recorrente que “existe uma manifesta identidade de situações de facto” já que em ambos os casos foram atribuídas remunerações variáveis aos gestores/administradores das respectivas entidades, as quais foram diferidas em 50% “por um período inferior a três anos”: se “no acórdão arbitral de que se recorre, a ora Recorrida atribuiu aos seus gestores uma remuneração variável no ano de 2014, referentes a 2013 (49% do bónus de 2013), 2012 (17% do bónus de 2012) e 2011 (17% do bónus de 2011)”, “no acórdão fundamento, no ano de 2012, a aí Requerente procedeu ao pagamento da primeira parcela (50%) da remuneração variável atribuída - no montante total de € 950.623,33, referente ao ano de 2011 -, tendo efectuado o pagamento da restante parcela de forma proporcional, correspondente a 50% do total atribuído, ao longo dos três anos seguintes”.

Sendo as situações de facto idênticas, a Recorrente considera ainda que, nos dois processos, está em causa “a verificação do preenchimento dos dois requisitos, que, nos termos do artigo 88.º, n.º 13, al. b), segunda parte, do CIRC, excluem de tributação os bónus e remunerações variáveis pagas a gestores, administradores e gerentes de pessoas colectivas, sendo perfilhadas decisões opostas a este respeito, transcrevendo as partes que considera mais relevantes dos dois arestos em confronto.

A posição da Recorrente quanto à existência de oposição juridicamente relevante entre os arestos em confronto não é afastada pela Recorrida e é secundada pelo Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA, para quem as duas decisões arbitrais em confronto não só assentaram em situações de facto idênticas como perfilharam soluções jurídicas opostas na interpretação que foi feita do disposto no n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC.

E com razão.

Com efeito, e percorrido o probatório de cada uma das decisões, verificamos que nos dois casos estamos perante instituições de crédito: no caso da decisão arbitral recorrida, estamos perante a sucursal portuguesa de uma Instituição de Crédito com sede na União Europeia e no caso da decisão arbitral fundamento estamos perante um Banco com sede em Portugal.

Nos dois casos, foram atribuídas remunerações variáveis aos administradores e gestores daquelas sociedades: no caso da decisão arbitral recorrida, foi aprovada em 2012 a atribuição de uma remuneração variável referente ao ano de 2011 e no caso da decisão arbitral fundamento, foi aprovada em 2014 a atribuição de uma remuneração variável referente aos anos de 2011, 2012 e 2013.

Em ambos os casos, o pagamento de um valor correspondente a 50% das remunerações variáveis foi diferido por um período de três anos.

Sendo similar a factualidade dada como provada em cada uma das situações, verificamos ainda que nos dois casos foi colocada ao tribunal arbitral a questão de saber se estavam verificados os requisitos necessários para a exclusão de tributação dos bónus e remunerações variáveis pagas a gestores, administradores e gerentes de pessoas colectivas em sede de Tributação Autónoma de IRC.

Concretamente, o requisito de exclusão de Tributação Autónoma que foi aferido nos dois processos arbitrais foi o requisito relativo ao diferimento de uma parte não inferior a 50 % da remuneração variável por um período mínimo de três anos, prevista na al. b) do n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC. E foi sobre o cumprimento deste requisito que se tomaram decisões diametralmente opostas, pois que se na decisão arbitral recorrida se considerou que a interpretação da norma é “compatível com uma política de pagamentos parcelares ao longo do período de três anos mas também com o pagamento após este período porque o que se definiu foi o período mínimo de diferimento obrigatório”, na decisão arbitral fundamento decidiu-se, em sentido oposto, que a norma exige que “o pagamento de, pelo menos metade dos bónus, seja diferido no seu todo por um (e não durante um) período mínimo de três anos; e não que seja diferido por um período de três anos apenas o pagamento de uma porção daquele montante”.

Não obstante, importa salientar que, ao contrário do que pretende a Recorrente, o requisito igualmente previsto na al. b) do n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC e relacionado com o desempenho positivo da sociedade ao longo do período de diferimento não pode constituir fundamento de análise no contexto do presente recurso porque não só não foi levado ao probatório como não foi especificamente analisado na decisão arbitral recorrida. Motivo pelo qual o cumprimento daquele requisito não poderá ser, naturalmente, analisado em sede do presente recurso.

Assim, sendo as hipóteses fácticas subsumíveis ao mesmo quadro substancial de regulamentação jurídica, os dois arestos divergem, contudo, quanto às soluções propugnadas, verificando-se que a orientação perfilhada na decisão arbitral recorrida não está de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada deste Supremo Tribunal Administrativo.

Há, pois, entre a decisão sufragada na decisão arbitral recorrida e a decisão sufragada na decisão arbitral fundamento uma oposição relativamente à mesma questão fundamental de direito, o que permite dar como verificada a divergência das decisões que justifica a prossecução do presente recurso para uniformização de jurisprudência.

E não havendo ainda jurisprudência deste STA sobre a questão, deve o recurso prosseguir para conhecimento do respectivo mérito.

7.2 Da apreciação do mérito do recurso

O Tribunal Arbitral, depois de percorrer diversa legislação e regulamentação relativa ao diferimento do pagamento de remunerações variáveis pagas a gestores, concluiu que face ao teor literal da norma em análise, “o sentido de “diferimento por um período mínimo de três anos” tanto poderia significar o diferimento para um termo mínimo de três anos ou para um diferimento ao longo de um período de três anos” havendo, como tal, de atender à ratio da norma que “parece ser a sujeição parcial das remunerações variáveis a critérios de produtividade, conferindo maior assertividade a normas programáticas (não imperativas) como são as recomendações da CMVM”. Para o Tribunal, “qualquer uma das interpretações cumpre com o sentido e objetivos das normas. O pagamento ao longo dos três anos, mediante a obtenção de resultados positivos cumpre com o desiderato de aferição da boa gestão numa perspetiva de prestação de contas anual. Perante o desempenho positivo da empresa naquele ano, vence-se, para o administrador, o direito a receber uma quota-parte da remuneração variável diferida. Esta interpretação está também conforme com as boas práticas defendidas para o governo das sociedades e, no caso das instituições bancárias, obrigatória, nos termos do artigo 115.º-E do RGICSF”, não fazendo sentido, para o Tribunal, “uma norma similar e com a mesma ratio tenha interpretações distintas no Direito Fiscal e no Direito Bancário”. De igual modo, o Tribunal considera que esta interpretação cumpre ainda “o princípio da legalidade, especificamente do seu corolário de reserva de lei parlamentar, atendendo a que a norma foi aprovada pela Assembleia da República”, citando ainda algumas passagens do Acórdão do Tribunal Constitucional proferido no Processo n.º 197/2016 para sustentar o cumprimento do princípio da capacidade contributiva e da igualdade.

Discorda a Recorrente do assim decidido, considerando “curial que o Tribunal arbitral tivesse assumido, sem pruridos, como sua uma das interpretações possíveis da redacção do artigo 88.º, n.º 13, al. b), segunda parte, do CIRC”. Para a Recorrente, “a ressalva final da alínea b) do artigo 88.º, n.º 13 do CIRC reclama uma leitura conjunta: mais de 50% do pagamento tem que ter ficado suspenso por mais de 3 anos, por estar condicionado à verificação, no final desse período, do desempenho positivo da sociedade”, devendo os dois requisitos cumulativos “ser analisados tendo em conta a relação que estabelecem entre si”. Como tal, sem a verificação da condição do desempenho positivo da sociedade “não haverá qualquer exclusão tributária, seja qual for a forma e o momento em que o respetivo pagamento se efectue”, motivo pelo qual o desempenho positivo consiste num “facto de formação sucessiva que se vai formando ao longo de um período mínimo de três anos” e “a menos que a lei expressamente o dissesse, não se pode entender que a lei conceda um desagravamento fiscal condicionado antes de cumprida a condição desse desagravamento”. Relativamente ao pagamento da remuneração, entende a Recorrente que “a lei exige que o pagamento seja diferido por um período mínimo de três anos e não que sejam diferidas prestações desse pagamento”. Por outras palavras, “é o direito à remuneração que deve ir sendo adquirido proporcionalmente ao longo do período (neste caso 3 anos), sendo que o pagamento da dita remuneração deve ser feito posteriormente em regime diferido”.

É outra a opinião da Recorrida. Depois de explicitar que “o fundamento do pedido de pronúncia arbitral e do presente recurso é” apenas o cumprimento do requisito ligado ao diferimento do pagamento da remuneração variável por um período mínimo de três anos” (na medida em que “a apreciação do desempenho positivo da Ré está ausente do Relatório de inspecção, não fazendo parte do processo arbitral ora recorrido”), vem defender que os conceitos utilizados pelas normas jurídicas devem ser interpretados com sentido idêntico em todos os ramos do Direito “tendo em conta a unidade sistemática do ordenamento jurídico e em homenagem ao princípio da certeza e segurança jurídica”. “O termo “diferimento” emana do ramo de Direito Bancário”, encontrando-se aí “associado a pagamentos parcelares/faseados, e não ao pagamento depois de decorridos três anos”, sendo também este “o sentido correcto em termos lógicos e de política de gestão de remunerações”. Motivo pelo qual considera a Recorrida “que o tribunal “a quo” fez uma correta aplicação do Direito”.

Por fim, e por defender que o “entendimento a dar ao termo “diferimento” adoptado na alínea a) do n.º 13 do artigo 88º” não pode “dissociar-se do desempenho positivo da sociedade nesse período”, e por verificar que no caso em apreço nos autos a Recorrida “não diferiu o pagamento do bónus por um período mínimo de três anos, como exigido na lei”, tendo antes diferido “49% num ano e os restantes 51% em três parcelas iguais de 17% repartidas por três anos”, o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA concluiu pelo provimento do recurso e, consequentemente, pela revogação da decisão arbitral recorrida.

Vejamos.

Dispõe a alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC que são tributados autonomamente, à taxa de 35%, “os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estas representem uma parcela superior a 25 % da remuneração anual e possuam valor superior a (euro) 27 500, salvo se o seu pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50 % por um período mínimo de três anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período”.

Como já foi referido anteriormente, a questão em discussão nos presentes autos prende-se, unicamente, com o significado a conferir à expressão “salvo se o seu pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50 % por um período mínimo de três anos”. Com efeito, a questão relativa ao desempenho positivo da sociedade não foi levada ao probatório da decisão arbitral recorrida, não tendo, consequentemente, nela sido especificamente analisado. Em rigor, o Tribunal Arbitral apenas menciona a questão do desempenho positivo da sociedade para evidenciar que a interpretação por si defendida a respeito do requisito que estava verdadeiramente em discussão (ou seja, do requisito relativo ao diferimento do pagamento do prémio) não inquina irremediavelmente a possibilidade de verificação daquele primeiro requisito (ou seja, do requisito relativo ao desempenho positivo da sociedade), não procedendo a qualquer análise concreta relativa à sua verificação ou não verificação. Motivo pelo qual não cabe agora a este Tribunal proceder a essa análise.

Ora, através da mera leitura da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC não é possível interpretar definitivamente o seu conteúdo, precisamente porque a palavra diferir tem um significado polissémico. Em rigor, diferir pode significar o acto de adiar, de deixar algo para ocasião futura ou para mais adiante e pode, igualmente, significar o acto de fazer durar ou demorar (precisamente neste sentido, vide https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/diferir e https://dicionario.priberam.org/diferir). Como tal, numa mera interpretação literal do teor da norma, a expressão “diferimento por um período mínimo de três anos” tanto pode significar o diferimento ao longo de um período de três anos (como se admite na decisão arbitral recorrida) ou diferimento para um termo mínimo de três anos (como se decidiu na decisão arbitral fundamento e se admite igualmente na decisão arbitral recorrida).

Importa, pois, convocar outros elementos que nos permitam proceder a uma interpretação adequada da norma em análise. A norma fiscal em apreço reporta-se a uma realidade disciplinada por um conjunto de normas não fiscais e que importa tomar em consideração na medida em que, nos termos do n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil (aplicável ex vi o artigo 2.º da Lei Geral Tributária), “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” e também porque, nos termos do n.º 2 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária, “sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei”.

Neste contexto, começamos por verificar que o n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC foi aditado pela Lei do Orçamento do Estado para 2010 (Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril). De acordo com o respectivo Relatório elaborado pelo Ministério das Finanças e da Administração Pública, a justificação subjacente ao aditamento deste artigo foi a seguinte: “em conformidade com a política de boas práticas que o Governo tem vindo a estimular junto do sector financeiro e, bem assim, com as orientações mais recentes da CMVM quanto às sociedades cotadas, prevê a presente Proposta de Lei a fixação de uma taxa autónoma de IRC de 35%, aplicável a todos os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estas representem uma parcela superior a 25% da remuneração anual e possuam valor superior a 27 500 euros, salvo se o seu pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50% por um período mínimo de 3 anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período” (nosso sublinhado).

Ora, as orientações mais recentes da CMVM a que alude o referido Relatório são as orientações emitidas por aquele organismo em 2010 e designadas de Código de Governo das Sociedades, em cujo ponto II.1.5.1 se dispõe que “a remuneração dos membros do órgão de administração deve ser estruturada de forma a permitir o alinhamento dos interesses daqueles com os interesses de longo prazo da sociedade, basear-se em avaliação de desempenho e desincentivar a assunção excessiva de riscos. Para este efeito, as remunerações devem ser estruturadas, nomeadamente, da seguinte forma: (i) A remuneração dos administradores que exerçam funções executivas deve integrar uma componente variável cuja determinação dependa de uma avaliação de desempenho, realizada pelos órgãos competentes da sociedade, de acordo com critérios mensuráveis prédeterminados, que considere o real crescimento da empresa e a riqueza efectivamente criada para os accionistas, a sua sustentabilidade a longo prazo e os riscos assumidos, bem como o cumprimento das regras aplicáveis à actividade da empresa. (…) (iii) Uma parte significativa da remuneração variável deve ser diferida por um período não inferior a três anos, e o seu pagamento deve ficar dependente da continuação do desempenho positivo da sociedade ao longo desse período” (nosso sublinhado).

No mesmo sentido, podia ler-se no ponto IV.4. da Carta Circular do Banco de Portugal n.º 2/2010/DSB de 1/02/2010 (já revogado mas contemporâneo da introdução da norma em apreço) que uma parte significativa da remuneração variável dos membros executivos do órgão de administração “deve ser diferida por um período não inferior a três anos e o seu pagamento deve ficar dependente da continuação do desempenho positivo da instituição ao longo desse período”.

Como esclarece Nuno Miguel Morujão [“Comentário ao Acórdão 545/2016-T do Tribunal Arbitral do CAAD (sobre a tributação autónoma incidente em remunerações variáveis de gestores)” in Revista de Arbitragem Tributária, n.º 9, Junho de 2018, pp. 16 a 23], “o denominador comum a estas normas está pois no objetivo de se evitar os efeitos perversos e de curto prazo que uma política de remunerações pode suscitar. Para tal, as componentes variáveis da remuneração devem depender de critérios de desempenho pré-definidos e mensuráveis, numa perspetiva de médio-prazo, para que se possa aferir se foi criado valor de forma sustentada”. Neste sentido, o Autor não tem dúvidas “quanto à finalidade extrafiscal” do disposto no n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC: “a indução de melhores práticas de governação, pelo menos no que tange às políticas de remuneração. De facto, a CMVM tem vindo a salientar a importância de ser evitada a assunção excessiva de riscos, e de se “alinhar a estrutura remuneratória com os interesses [dos acionistas de longo prazo] cuja prossecução incumbe à administração, o que pode ser eficazmente realizado através da previsão da remuneração variável, indexada à avaliação do desempenho”.

Portanto, e como lembra a decisão arbitral recorrida, o objectivo do legislador fiscal aquando da adopção do n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC foi “a sujeição parcial das remunerações variáveis a critérios de produtividade, conferindo maior assertividade a normas programáticas (não imperativas) como são as recomendações da CMVM”, utilizando-se “a política fiscal para pressionar (ao tributar de forma agravada) as sociedades a adotar as melhores práticas de governação das sociedades”. No mesmo sentido já se tinha, aliás, pronunciado o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 197/2016, proferido no Processo n.º 465/2015, ao afirmar que “no caso da al. b) do n.º 13 do artigo 88.º, a intenção da lei parece ser a de sujeitar a tributação autónoma as remunerações variáveis que se não encontrem associadas a critérios de produtividade, isso porque se excecionam da tributação aquelas situações em que o pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50% por um período mínimo de três anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período.”

De maneira que nenhuma crítica se pode apontar à decisão arbitral recorrida quando esta afirma que qualquer uma das interpretações veiculadas a respeito da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC (v.g., diferimento durante três anos e diferimento para o termo de três anos) “cumpre com o sentido e objectivos” da norma, admitindo, por essa via, a interpretação levada a cabo pela Recorrida no caso sub judice. Com efeito, é para o Tribunal arbitral evidente que “o pagamento ao longo dos três anos, mediante a obtenção de resultados positivos cumpre com o desiderato de aferição da boa gestão numa perspetiva de prestação de contas anual. Perante o desempenho positivo da empresa naquele ano, vence-se, para o administrador, o direito a receber uma quota-parte da remuneração variável diferida.”. E “por razões de coerência do sistema jurídico, não faria também sentido que uma norma similar e com a mesma ratio tenha interpretações distintas no Direito Fiscal e no Direito Bancário”.

É neste particular contexto que cumpre ainda chamar à colação a regulamentação específica a que foi sujeita a política de remunerações aplicável ao sector bancário, com alterações introduzidas ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) por força da transposição da Directiva n.º 2013/36/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013 para o ordenamento jurídico nacional (através do Decreto-lei n.º 157/2014, de 24 de Outubro). E isto porque o n.º 7 do artigo 115.º-E daquele Regime Geral estabelece que “uma parte substancial da componente variável da remuneração deve ser diferida durante um período mínimo de três a cinco anos, devendo tal componente e a duração do período de diferimento ser fixados em função do ciclo económico, da natureza da atividade da instituição de crédito, dos seus riscos e da atividade do colaborador em questão, devendo ser respeitado o seguinte:

a) Pelo menos 40 % da componente variável da remuneração é diferida, sendo esse montante elevado para pelo menos 60 % quando a componente variável da remuneração seja de valor particularmente elevado;

b) O direito ao pagamento da componente variável da remuneração sujeita a diferimento deve ser atribuído numa base proporcional ao longo do período de diferimento” (nosso sublinhado).

Verificamos, portanto, que a interpretação do disposto na alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC levada a cabo pela Recorrida no caso sub judice não só é conforme com as boas práticas defendidas para o governo das sociedades como, estando em causa uma instituição bancária, é a interpretação que se revela actualmente obrigatória ao abrigo do disposto no artigo 115.º-E do RGICSF. Como tal, não nos merece censura a conclusão a que chegou o Tribunal a quo ao considerar que a remuneração variável atribuída no caso sub judice deveria estar excluída de Tributação Autónoma em virtude de o pagamento de uma parcela correspondente a 50% do respectivo montante ter sido diferida de forma proporcional ao longo de um período de 3 anos.


- Decisão -

8 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em tomar conhecimento do mérito do recurso e negar-lhe provimento.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 9 de Dezembro de 2020. - Isabel Cristina Mota Marques da Silva (Relatora) – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Paulo José Rodrigues Antunes - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (vencido, conforme declaração de voto junta) - Gustavo André Simões Lopes Courinha (vencido, conforme declaração de voto junta) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (vencido, nos termos da declaração de voto do Senhor Conselheiro Gustavo Courinha) - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro (vencida, nos termos da declaração de voto do Senhor Conselheiro Gustavo Courinha).

Vencido.

Os pressupostos de facto, versados nas duas decisões apontadas em contradição, não incorporam a substancial semelhança exigida para se afirmar verificada a oposição entre elas, pelo que, decidiria não tomar conhecimento do mérito deste recurso, para uniformização de jurisprudência.

Concreta e decisivamente, dos factos julgados provados, na decisão arbitral recorrida, sem mais e com objetividade, não se pode concluir e afirmar, estarmos em presença da “sucursal portuguesa de uma Instituição de Crédito com sede na União Europeia”.


[ Redigi em meio informático e revi ]

Lisboa, 9 de dezembro de 2020

Aníbal Ferraz


Voto de vencido
Voto vencido a presente decisão, por discordar do entendimento nela vertido para o artigo 88.º, n.º 13, alínea b) do Código do IRC.
Entendo, ao invés, que o elemento hermenêutico predominante para efeitos da interpretação da norma aqui em causa deve ser o histórico, com a occasio legis desta concreta norma de incidência a ser absolutamente decisiva para se descobrir o seu desiderato e, por conseguinte, o seu escopo.
Assim, parece-nos que tributação muito elevada associada aos prémios e bónus de produtividade teve como desiderato dissuadir o fenómeno (algo generalizado nos anos que antecederam a crise financeira de 2008) do empolamento dos ganhos societários por partes dos gestores (lato sensu), conducente a maiores prémios recebidos por estes, por meio de uma acentuada assunção de maiores riscos de perdas e imparidades verificáveis nos exercícios ulteriores.
Por isso, na leitura que aqui perfilhamos (e que acompanha amplamente aquela sufragada pela Recorrente), o diferimento do pagamento da maioria do bónus, juntamente com a verificação de resultados positivos, por um período mínimo de 3 anos após o respectivo vencimento, configuram condições legais cumulativas de não tributação, porquanto demonstrativas da sustentabilidade e viabilidade da gestão geradora daqueles prémios. Dito de outro modo, só uma vez verificado aquele período sem a apresentação de resultados negativos e com o pagamento a suceder-lhe, pode a lei extrair a conclusão de que o risco de artificialização dos ganhos da empresa por parte dos gestores (lato sensu) já não se verifica, assim retirando justificação para aquela pesada tributação desta concreta despesa societária.

Gustavo Lopes Courinha.