Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0321/04.3BEBJA 031/15
Data do Acordão:05/05/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CONCURSO INTERNO
CHEFE DE SERVIÇOS
Sumário:Não é de admitir a revista se as questões suscitadas desmerecem tanto por não se divisar a necessidade de uma melhor aplicação do direito, como por, face aos contornos particulares do caso concreto, elas não terem vocação «universalista».
Nº Convencional:JSTA000P29370
Nº do Documento:SA1202205050321/04
Data de Entrada:04/22/2022
Recorrente:A……..
Recorrido 1:CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DO HOSPITAL ……..
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A…………… - autor da presente «acção administrativa especial - vem, invocando o artigo 150º do CPTA, interpor revista do acórdão do TCAS de 02.12.2021, que negou provimento à sua apelação da sentença do TAF de Beja - de 25.02.2019 - que «julgara totalmente improcedente» a sua impugnação da deliberação de 05.05.2004 pela qual o Conselho de Administração do HOSPITAL ……………, EPE [H……] nomeou a médica B………….. - aqui contra-interessada - para a categoria de «Chefe de Serviço de Pneumologia» da carreira médica hospitalar, e a falta de decisão sobre o seu requerimento apresentado em 24.09.2002, bem como a condenação do H……. a decidir este requerimento, e, consequentemente, a nomeá-lo, definitivamente, no lugar para o qual foi nomeada a contra-interessada, com efeitos reportados a 05.05.2004.

Alega que o «recurso de revista» deve ser admitido em nome da «necessidade de uma melhor aplicação do direito» e em nome da «relevância jurídica e social da questão».

Os recorridos – H…… e B………….- não apresentaram contra-alegações.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. O autor da acção – A………… - pediu ao tribunal a declaração de nulidade, ou a anulação, da deliberação de 05.05.2004 do CA do H……. - que, na sequência da sua graduação em concurso interno, nomeou a Dra. B………….. como Chefe de Serviço de Pneumologia - e da falta de decisão do seu requerimento de 24.09.2002 - em que requeria que lhe fosse certificada a deliberação, caso a haja, proferida sobre o seu requerimento de 07.01.1997, no qual pedia a sua nomeação como responsável pela valência de pneumologia e que se obrigasse a ora contra-interessada a trabalhar de acordo com as suas indicações - bem como a condenação da entidade demandada a decidir sobre este seu requerimento - de 24.09.2002 com referência ao de 07.01.1997 - e, consequentemente, a nomeá-lo definitivamente como Chefe do Serviço de Pneumologia com efeitos desde 05.05.2004.

O tribunal de 1ª instância - TAF/Beja - julgou a sua pretensão totalmente improcedente, e fê-lo por considerar verificada a «ilegitimidade activa, substantiva e superveniente» do autor, uma vez que, por efeito da sua aposentação compulsiva [publicada in DR, nº146, 2ª série, de 31.07.2006], já tinha cessado a sua relação jurídica de emprego com o H….., razão pela qual nunca poderia ocupar o lugar reclamado.

O tribunal de 2ª instância - TCAS - negou provimento à apelação interposta pelo autor, e manteve a decisão do TAF mas com outra fundamentação. Entendeu-se, no acórdão aí proferido, julgar improcedente a nulidade processual/erro de julgamento de facto que tinha sido invocada pelo apelante - ele invocara erro de julgamento de facto e nulidade processual porque a 1ª instância dera como provada a sua aposentação compulsiva [facto H] com base num documento [documento nº3 junto com a contestação da contra-interessada] que não era susceptível de a provar uma vez que a mesma nunca lhe fora notificada -, bem como julgar improcedente o erro de julgamento de direito apontado à sentença recorrida.

Quanto a este último, escreve-se no acórdão do tribunal de apelação o seguinte:

[…]

«O certo é que o caso reveste outros contornos que nos permitem atingir a mesma solução da sentença recorrida. […] O que acontece é que independentemente da situação de aposentado do recorrente, o certo é que da impugnação do acto de nomeação da contra-interessada não retira o recorrente qualquer vantagem directa, na medida em que o acto impugnado - de nomeação da candidata classificada em 1º lugar - é um acto praticado no seguimento da homologação da decisão final do júri de ordenação dos candidatos ao concurso a que o recorrente também concorreu, ou seja, é um acto de execução […] o acto impugnado não tem per si qualquer relevância material para o autor pois se limita a nomear a candidata classificada em 1º lugar e sem tomar qualquer decisão sobre a situação concreta dos demais candidatos […]. O tribunal a quo identificou como ilegitimidade substantiva […], não estando o tribunal ad quem vinculado a essa qualificação jurídica […] sempre se verifica que, independentemente da situação de aposentado, a pretendida nomeação do ora recorrente nunca seria possível em sede de execução de sentença de uma eventual anulação do acto de nomeação da ora contra-interessada. […] Por outro lado, quanto ao pedido formulado em 2002, mais não é do que pedido de certidão, e não de condenação à prática de acto devido […]. Além de que, sempre seria uma renovação do pedido de 1997, o qual já obteve resposta - vide alínea B) do probatório. Donde, carece o recorrente de razão, pelo que, com esta fundamentação, se confirma a sentença recorrida de improcedência da presente acção».

[…]

Novamente o autor, e apelante, discorda do decidido, e pede revista deste acórdão do tribunal de apelação. Imputa-lhe erro de julgamento relativamente ao aí decidido sobre a nulidade processual/erro de julgamento de facto e sobre o erro de julgamento de direito.

Quanto ao primeiro, alega que a sua aposentação compulsiva devia ter sido dada como não provada porque o documento nº3 junto com a contestação da contra-interessada não permitia a sua comprovação, com efeitos na sua esfera jurídica, porque nunca lhe fora notificada essa aposentação. E alega que isto tem inequívoca influência no sentido da decisão proferida.

Quanto ao segundo, explica que apenas não impugnou a homologação da classificação final do concurso porque ainda não lhe foram fornecidas todas as informações que são necessárias para tal, as quais solicitou à entidade ora recorrida, e invoca em seu favor os artigos 60º, nº2, e 106º, nº1, do CPTA - versão aplicável - e 70º da Portaria nº177/97, de 11.03. E conclui que entender-se de forma distinta redundará numa violação do seu direito à tutela jurisdicional efectiva - artigos 20º da CRP e 2º do CPTA.

Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista - referidos no citado artigo 150º do CPTA - ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Parece evidente que a «importância» do presente litígio, quer em termos jurídicos quer em termos sociais, e mormente a das questões que se pretendem sujeitar ao crivo do tribunal de revista, se esgota dentro das fronteiras do caso concreto, uma vez que a sua decisão se repercutiria, essencialmente, na esfera jurídica do autor, apelante, e ora recorrente, sem ganhar autonomia paradigmática em relação a casos futuros idênticos. Não será curial, portanto, proceder à «admissão da revista» em nome da «importância fundamental» das questões que nela são suscitadas.

Nas suas alegações de revista, o recorrente tudo faz para obter uma terceira instância, uma nova apreciação do litígio que já obteve dois julgamentos de improcedência ainda que com diferentes motivações. Mas como é sabido, a lei não permite essa terceira instância, só abrindo portas ao recurso de revista quando ele for claramente necessário para uma melhor aplicação do direito. O que significa que temos de estar, por regra, perante uma decisão claramente deficiente em termos jurídicos.

Ora, no presente caso, nota-se que as instâncias, embora coincidindo na decisão final, tiveram dificuldades em enquadrar juridicamente as pretensões do autor, e subsumir a matéria de facto provada aos institutos jurídicos mais apropriados. E tudo isto porque os articulados não primavam pela clareza, enredando-se numa teia de razões díspares para obter uma finalidade: condenar a entidade demandada a «nomear o autor» como Chefe do Serviço de Pneumologia, com efeitos desde 05.05.2004.

Apesar dessa complexidade - e sempre na avaliação preliminar e sumária que nos compete - o enquadramento jurídico do caso, efectuado no acórdão recorrido, surge como lógico e credível, conduzindo a uma solução juridicamente razoável e aceitável, de modo algum carente de revisão em nome da clara necessidade de uma melhor aplicação do direito. Naturalmente que o recorrente, de modo legítimo, continua a lutar pela «sua razão», mas esta não preenche os pressupostos para a admissão revista. Sendo certo que o primeiro erro de julgamento apontado ao acórdão recorrido contende, essencialmente, com o seu julgamento de facto, cujo controlo escapa ao tribunal de revista - artigo 150º, nº4, do CPTA.

Importa, pois, manter a regra da excepcionalidade dos recursos de revista, e recusar a admissão do aqui interposto por A……………..

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em não admitir a revista.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 5 de Maio de 2022. - José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Carlos Carvalho.