Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0668/13
Data do Acordão:11/27/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
VALOR PATRIMONIAL TRIBUTÁRIO
FUNDAMENTAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I - O documento de cobrança a que se refere o artigo 119.º do Código do IMI não afasta a necessidade de fundamentação normativa dos actos de liquidação de IMI determinados por nova avaliação do prédio quando o novo valor patrimonial tributário vá servir de base a liquidações de imposto referentes a anos anteriores àquele no qual o acto de avaliação teve lugar.
II - Decorre das regras gerais consagradas quanto à fundamentação dos actos tributários, designadamente do disposto no n.º 2 do artigo 77.º da LGT, que a Administração tributária tem de dar a conhecer ao contribuinte a base legal que lhe permite sustentar a aplicação do novo valor patrimonial tributário a anos anteriores à realização da avaliação, ou seja, desde a aquisição que justificou a avaliação do prédio segundo as regras instituídas pela Reforma da Tributação do Património de 2003, porquanto tal aplicação, embora se possa encontrar justificada em face das regras gerais do CIMI, não surge como uma evidência e os contribuintes têm direito à fundamentação expressa e acessível dos actos que afectem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos (artigo 268.º, n.º 3 da Constituição).
Nº Convencional:JSTA00068474
Nº do Documento:SA2201311270668
Data de Entrada:04/26/2013
Recorrente:A............
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LEIRIA DE 26/10/2012.
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:LGT ART60 ART77 N2.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- Relatório -
1 – A…………, com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, de 26 de Outubro de 2012, que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra liquidações adicionais de IMI relativas aos anos de 2004 e 2005, bem como contra liquidação de IMI relativa ao ano de 2006, apresentando para tal as seguintes conclusões:
I. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria no passado dia 26 de Outubro de 2012, que julgou improcedente a Impugnação Judicial apresentada pelo Impugnante – ora RECORRENTE -, que correu termos na 2.ª Unidade Orgânica daquele T sob o n.º 834/07.5BELRA.
II. A referida Impugnação Judicial teve por objecto a apreciação da (i)legalidade dos actos tributários de liquidação adicional de IMI n.ºs 182809587 (relativo ao ano de 2004) e 182809587 (referente ao ano de 2005) e, bem assim, do acto de liquidação de IMI n.º 2006 388907603 (respeitante ao ano de 2006), todos praticados durante o ano de 2007 na sequência da avaliação do prédio urbano U-08625 realizada em 11 de Maio de 2007.
III. A título preliminar, impõe-se ao RECORRENTE referir que uma conclusão acerca da legalidade ou ilegalidade dos actos impugnados deve constituir o resultado de uma apreciação alicerçada na motivação de facto e de direito subjacentes à sua prática; de facto, como lapidarmente entende este SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO, “A legalidade dos actos administrativos afere-se em função das razões nele invocadas, não sendo de considerar os fundamentos que, em momento posterior à prática do acto, o órgão administrativo venha invocar como seu motivo (…)”(cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21 de Junho de 2001, proferido no processo 046898).

IV. Travejando o que se afirma, nota-se que a actuação da Administração é vinculada, i.e., deve ser conforme com o bloco de legalidade vigente a cada momento, sujeitando-se, fundamentalmente, à “exigência de que os actos da Administração encontrem o seu fundamento justificativo numa norma jurídica precedente ou, pelo menos, que não contrariem os comandos emitidos sob tal forma” (cf. SÉRVULO CORREIA, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, Almedina, p. 17).
V. Neste domínio, a ilegalidade específica denominada de violação de lei, “consiste na discrepância entre o conteúdo ou o objecto do acto e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis” (cf. FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, VoII, Almedina, p. 390), não havendo, nestes casos, “correspondência entre a situação abstractamente delineada na norma (…) e os pressupostos de facto ou de direito que integram a situação concreta sobre a qual a Administração age” (cf. SÉRVULO CORREIA; Noções de Direito Administrativo, Vol. I, Editora Danúbio, p. 463).
VI. Em suma, salienta-se que a conformidade – legalidade – dos actos praticados pela Administração tributária encontra-se dependente da verificação de determinados requisitos materiais, reportando-se o vício de violação de lei à desconformidade entre as circunstâncias factuais e jurídicas (pressupostos de facto e de direito) que integram a previsão e a estatuição da norma que parametriza a actuação da Administração e o(s) consequente(s) acto(s) por esta praticado(s).
VII. Ora, conforme considerado provado na sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, o valor patrimonial tributário que constitui a base tributável dos actos de liquidação de IMI ora impugnados resulta de avaliação concluída pela Administração tributária em 11.05.2007 (cf. ponto B. do probatório).
VIII. Neste contexto, infere-se dos actos ora impugnados que a Administração tributária pretendeu liquidar adicionalmente IMI relativamente aos anos de 2004 e 2005 – na medida em que, quanto a estes anos, havia já liquidado a respectiva colecta de IMI por referência ao valor patrimonial tributário então vigente -, e, relativamente ao ano de 2006, praticar um acto de liquidação integralmente conformado pelo valor daquela nova avaliação.
IX. Resulta do que antecede, por outras palavras, que os actos tributários impugnados consubstanciam uma aplicação retroactiva – para efeitos de apuramento do IMI relativo aos anos de 2004, 2005 e 2006 – do valor patrimonial tributário resultante da avaliação realizada e notificada ao RECORRENTE em Maio de 2007.
X. No entanto, importa sublinhar – como se fez aprofundadamente na p.i. de Impugnação Judicial – que nos actos tributários ora impugnados a Administração tributária não identificou a norma legal que permite sustentar esta retroacção de efeitos (por referência à qual, por seu turno, se permitiria ao ora RECORRENTE a aferição da (i)legalidade dos actos em causa).
XI. Sucede que, conforme igualmente referido, a denotada ausência de fundamentação normativa intensifica-se perante a subsistência de normas expressas em sentido aparentemente contrário ao da actuação concretamente promovida pela Administração tributária e consubstanciada nos actos impugnados.
XII. Com efeito, estabelece o n.º 1 do artigo 113.º do Código do IMI, que “O imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita” (o destacado é do RECORRENTE).
XIII. De igual modo, o regime transitório aprovado pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, prevê, no seu artigo 21.º, que “Os valores patrimoniais tributários resultantes das correcções efectuadas, nos termos dos artigos 16.º, 17.º, n.º 1, e 19.º, entram em vigor em 31 de Dezembro de 2003, reportando-se, também, a esta data os resultados das participações e eventuais reclamações efectuadas nos termos dos artigos 18.º e 20.º” nada estabelecendo quanto às avaliações realizadas após a primeira transmissão realizada na vigência do IMI, nos termos do artigo 15.º do mesmo diploma (como se verifica no caso vertente).
XIV. Por fim, o artigo 27.º do referido Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, prevê uma retroacção de efeitos semelhante à promovida pela Administração tributária através dos actos impugnados, mas circunscreve os seus efeitos aos domínios específicos do IMT e do Imposto do Selo.
XV. Perante o contexto normativo sumariamente identificado, impor-se-ia retroagir ao dia 31 de Dezembro de 2003, somente, os efeitos da actualização do valor patrimonial tributário realizada ao abrigo do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro (nos termos do que se dispõe no transcrito artigo 21.º), considerando o novo valor patrimonial - tal como resultante da avaliação realizada em Maio de 2007 – na liquidação de IMI desse mesmo ano (reportada ao dia 31 de Dezembro de 2007, nos termos do que se dispõe no artigo 113.º do Código do IMI) e não dos anos anteriores.
XVI. Não obstante o que fica exposto, o certo é que a administração tributária promoveu a retroação daqueles efeitos aos anos de 2004, 2005 e 2006, sem que, para tal, identificasse o parâmetro normativo que – mais do que impor a prática de tais actos – legitimaria tal conduta administrativa; por outras palavras: os actos tributários ora impugnados não identificam a norma legal ao abrigo da qual foram praticados.
XVII. O mesmo é dizer, portanto, que tais actos não permitem ao ora RECOREENTE – nem, tão pouco, ao Tribunal “a quo” – sindicar a sua (des) conformidade com o parâmetro normativo aplicado, pela singela – mas objectiva – razão de que não identificam a norma legal que, in concreto, fundamentou a conduta administrativa em escrutínio.
XVIII. Ora, a actuação vinculada da Administração tributária tem por função primordial acautelar a legalidade dos seus actos, garantindo, já na perspectiva dos direitos dos contribuintes, a possibilidade de uma sindicância objectiva entre os actos concretamente praticados e as normas legais aplicáveis.
XIX. Corolário do princípio da legalidade, implícito na obrigação legal de fundamentação, é, portanto, o da identificação das normas concretamente aplicadas pela Administração, permitindo aos contribuintes – e aos próprios tribunais, por iniciativa daqueles – sindicar a conformidade dos referidos actos.
XX. Resulta do que antecede, portanto, que ao não identificar a norma habilitante para a prática dos actos ora impugnados, a Administração tributária prejudicou objectivamente os direitos de defesa do RECORRENTE, impedindo-o de sindicar cabalmente a validade material dos actos submetidos à apreciação do Tribunal a quo.
XXI. Discorda-se, portanto, da apreciação feita pelo Tribunal a quo, ao entender, em síntese, que “é indicado nas liquidações em causa a base tributável (valor patrimonial tributário do prédio), a taxa de imposto aplicável e a colecta apurada, elementos essenciais à demonstração do valor do imposto liquidado adicionalmente. Assim, entendemos que o Impugnante estava em condições de conhecer as razões que estiveram na base do processamento das liquidações adicionais de IMI em causa”.
XXII. Em suma – e conforme sobejamente alegado na sua p.i. de Impugnação Judicial -, impõe-se concluir que os actos ora impugnados padecem do vício de falta de fundamentação devendo, por esse motivo, ser anulados e, bem assim, anulada a sentença ora recorrida, que – erradamente – os manteve na ordem jurídica.
XXIII. Perante a aparente inexistência de norma legal habilitante para a prática dos actos tributários impugnados recrudesce a necessidade de notificação do RECORRENTE para o exercício do direito de audiência prévia, tal como imposta pelo artigo 60.º da Lei Geral Tributária.
XXIV. Com efeito, este momento preliminar – circunscrito pela notificação do eventual projecto de decisão ao contribuinte – teria permitido o exercício do contraditório por parte do ora RECORRENTE, antecipando, designadamente, a discussão do enquadramento jurídico subjacente à prática dos actos ora impugnados.
XXV. Em particular, o exercício do direito de audição prévia poderia ter permitido – sendo esse o caso – superar o identificado vício de falta de fundamentação, possibilitando à Administração tributária a identificação do parâmetro legal que, no seu entender, justificou a prática dos actos impugnados.
XXVI. No entanto, decidiu o Tribunal a quo, a propósito, que “dado que o Impugnante aceitou o valor patrimonial tributário resultante da avaliação do imóvel de acordo com as regras do IMI, e sendo esta a motivação da emissão das liquidações adicionais de IMI impugnadas, não se antevê que factos ou “informações” relevantes é que o Impugnante poderia ter aduzido em sede de audição prévia”.
XXVII. Ora, conforme referido na sua p.i. de Impugnação Judicial, o RECORRENTE não pretende questionar a validade da avaliação realizada em 2007 – razão pela qual, de resto, não suscitou a 2.ª avaliação -, mas apenas a retroacção dos seus efeitos a períodos anteriores a 2007.
XXVIII. Não procede, portanto, a argumentação aduzida pelo Tribunal “a quo” para indeferir o pedido formulado pelo ora RECORRENTE, impondo-se, também por esse motivo, a anulação da decisão recorrida e, consequentemente, dos actos tributários impugnados.
XXIX. Entende ainda o RECORRENTE que a não consideração do arrendamento do prédio avaliado – sobejamente demonstrado na sua p.i. de Impugnação judicial -, designadamente através da declaração, em sede de IRS, das respectivas rendas, é passível de violar o princípio da capacidade contributiva.
XXX. Com efeito, o n.º 1 do artigo 4.º da Lei Geral Tributária estabelece que o pressuposto da tributação assenta na capacidade contributiva do sujeito passivo – seja esta revelada directamente (pelo rendimento) ou indirectamente (pelo património ou pela sua utilização); neste domínio, a capacidade contributiva é, simultaneamente, o critério primordial de quantificação da carga tributária, reclamando imposto igual para quem estiver na mesma situação e imposto diferente para quem estiver em diferente situação.
XXXI. Neste contexto, o RECORRENTE considerou que as liquidações de IMI impugnadas devem ser anuladas por violação do artigo 13.º da Constituição da república Portuguesa e do artigo 4.º, n.º 1 da LGT, na medida em que, pela detenção do imóvel tributado, auferia uma renda anual de €1260 (€105*12) e com base nas liquidações impugnadas teria de suportar, em 2004, IMI no montante de €4.163,22, em 2005, IMI no montante de €4.757,96, e em 2006 IMI no montante de €4.757,96, ou seja, terá que pagar de IMI em montante correspondente ao quádruplo do valor da renda efectivamente recebida.
XXXII. Com efeito, a referida renda resulta de um regime de arrendamento urbano totalmente desfasado da realidade do mercado livre e concorrencial susceptível de comprimir, de forma totalmente injustificada, o direito de propriedade do RECORRENTE.
XXXIII. Em virtude da referida compressão foi estabelecido o regime especial constante do artigo 17.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, impondo que a liquidação de IMI seja proporcional aos valores das rendas recebidas e não, pelo contrário – como sucedeu nos presentes autos – cegamente fundamentada no valor patrimonial tributário dos respectivos imóveis.
XXXIV. De resto, a circunstância de o anterior proprietário não ter cumprido a obrigação acessória de comunicar ao Serviço de Finanças que o imóvel se encontrava arrendado conforme previsto naquele regime, não pode determinar, sem mais, a desaplicação do regime legal especial aplicável aos prédios arrendados.
XXXV. Na verdade, e conforme demonstrado, o RECORRENTE comprovou por outros meios – v.g., através das suas declarações de rendimentos – que o imóvel se encontra arrendado; consequentemente, encontrando-se materialmente demonstrados os pressupostos de aplicação daquele regime, devem ser anuladas as liquidações adicionais de IMI impugnadas, sendo emitidas novas liquidações que respeitem o limite previsto para prédios urbanos arrendados determinado pelo artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro.
XXXVI. De resto, e ao contrário do que entende, a este propósito, o tribunal a quo, a aplicação do regime previsto no referido artigo 17.º (na redacção vigente até ao dia 31 de dezembro de 2006), não implica a apreciação e declaração de invalidade da avaliação realizada nos termos do artigo 38.º e seguintes do Código do IMI.
XXXVII. Pelo contrário: a aplicação de tal regime apenas impunha, uma vez demonstrados o arrendamento, o valor da renda e a sua sujeição a tributação em sede de IRS, a fixação, para efeitos exclusivamente de IMI, de uma base tributável proporcional ao valor da referida renda, mantendo-se plenamente eficaz, para os restantes efeitos, o valor da avaliação realizada.
XXXVIII. Por conseguinte, conclui-se que, tendo a Administração tributária em seu poder todos os elementos necessários para comprovar, no caso concreto do RECORRENTE, os pressupostos de que dependia a aplicação do indicado regime especial – vigente até ao dia 31 de dezembro de 2006 -, impunha-se a consideração de tais elementos nas liquidações de IMI ora impugnadas, limitando a base tributável, para efeitos exclusivamente de IMI, ao montante resultante da capitalização da renda anual pela aplicação do factor 12.
XXXIX. Perante o que antecede, e em suma, deverá ser anulada a decisão recorrida e, bem assim, os actos tributários – ora impugnados – por ela mantidos na ordem jurídica.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, QUE VOSSAS EXCELÊNCIAS NÃO DEIXARÃO DE SUPRIR, DEVERÁ SER ANULADA A SENTENÇA ORA RECORRIDA, SENDO JULGADA PROCEDENTE A IMPUGNAÇÃO JUDICIAL APRESENTADA PELO ORA RECORRENTE NOS TERMOS INICIALMENTE PETICIONADOS.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
Objecto do recurso: sentença declaratória da improcedência de impugnação judicial deduzida contra liquidações adicionais de IMI (anos 2004 2005 e 2006) no montante global de €13 027,32.
FUNDAMENTAÇÃO
Questão decidenda: exigência de direito de audição prévia antes das liquidações adicionais de IMI
1. O direito de audição de que gozam os contribuintes, consagrado no art. 45.º CPPT e, sob diversas modalidades no art. 60.º nº 1 LGT, constitui direito constitucional aplicado, enquanto corolário do princípio da participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações da Administração Pública que lhe digam respeito, visando assegurar uma tutela preventiva contra qualquer lesão dos seus direitos ou interesses (art. 267 nº 5 CRP)
A preterição do direito de audição, por via da aplicação do princípio do aproveitamento do acto administrativo, apenas é admissível quando a intervenção do interessado no procedimento tributário for inequivocamente insusceptível de influenciar a decisão final.
Não estando o direito de audição contemplado em formas especiais do procedimento tributário deve ser garantido mediante aplicação subsidiária das normas pertinentes do CPA (arts. 100º a 103º CPA.)
2. O art. 13º nº 1 Lei n.º 16-A/2002, 31 Maio (1ª alteração ao OGE 2002) conferiu nova redacção ao art. 60º nº 3 LGT, o qual passou a prescrever: “Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem a alínea b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais não se tenha pronunciado”
Pondo termo a antecedente controvérsia jurisprudencial o legislador assumiu o carácter interpretativo da norma transcrita, a qual se integra na norma interpretada, retroagindo os seus efeitos ao início da vigência desta (art. 13º nº 2 Lei n.º 16-A/2002, 31 Maio; art. 13º n.º 1 CCivil; no sentido apontado acórdãos STA Pleno SCT 26.09.2007 processo n.º 903/06, 24.10.2007 processo nº 131/07)
Jurisprudência consolidada do STA-SCT tem-se pronunciado no sentido da imperatividade do direito de audição dos interessados antes de liquidações adicionais de impostos que não resultem estritamente das suas declarações de rendimentos (acórdãos 11.01.2006 processo n.º 584/05; 24.10.2007 processo nº 429/07, 24.09.2008 processo nº 489/08; 10.11.2010 processo nº 671/10; 11.05.2011 processo nº 833/10)
3. Aplicação das considerações antecedentes ao caso concreto:
a) as liquidações adicionais impugnadas, respeitantes aos anos de 2004, 2005 e 2006 resultaram de valor patrimonial tributário (VPT) do imóvel tributado fixado por avaliação efectuada em 11 maio 2007 (probatório B.)
b) não se verifica situação que justifique a dispensa do direito de audição antes da liquidação originária (art. 60.º n.º 3 LGT redacção Lei nº 16-A/2002, 31 maio)
c) é controversa a aplicação retroactiva do VPT fixado em 2007 às liquidações de IMI respeitantes a anos anteriores, considerando a norma constante do art. 113º nº 1 CIMI e as normas transitórias constantes dos arts. 21º e 27º DL nº 287/2003, 12 novembro;
d) o exercício do direito de audição prévia teria permitido ao interessado a discussão do enquadramento normativo subjacente às liquidações impugnadas, mediante a invocação de argumentos que sufragassem a tese sustentada no sentido da ilegalidade da alegada aplicação retroactiva do VPT, não se justificando a sua dispensa com fundamento na insusceptibilidade de influência na prática e quantificação de posteriores liquidações adicionais
Neste contexto fica prejudicada a apreciação das restantes questões enunciadas nas conclusões do recurso, versando a legalidade dos actos tributários praticados a jusante, com preterição do direito de audição
CONCLUSÃO
O recurso merece provimento.
A sentença impugnada deve ser revogada e substituída por acórdão com o seguinte dispositivo:
- declaração de procedência da impugnação judicial
- anulação das liquidações adicionais de IMI


Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -

4 – Questões a decidir
São as de saber se bem decidiu a sentença recorrida ao julgar improcedente a impugnação judicial deduzida contra liquidações de IMI por inverificação dos alegados vícios de falta de fundamentação das liquidações sindicadas, preterição do direito de audiência prévia antes daquelas e violação de lei – violação do princípio da capacidade contributiva – ao não ter considerado para efeitos de IMI que o prédio em causa estava arrendado não lhe aplicando o regime especial previsto no artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro.

5 – Matéria de facto
Na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria objecto do recurso foram dados como provados os seguintes factos:
A. Em 09.11.2004, o Impugnante, na sequência da aquisição de um prédio sito na Avenida …………, em Coimbra, entregou a declaração modelo 1 do IMI para actualizar a sua inscrição na matriz predial – cfr. documento a fls. 2 e 3 do PAT, que se dá por reproduzido;
B. Em 11.05.2007, a administração fiscal actualizou o valor patrimonial do imóvel indicado em A. supra para €1.189.490,00 – cfr. documentos a fls. 11 a 15 do PAT, que se dão por reproduzidos;
C. Em 28.05.2007, o Impugnante foi notificado das liquidações adicionais de Imposto Municipal de Imóveis (IMI) nºs. 2004 453703803 e 2005 449977303, relativas aos anos de 2004 e 2005, respectivamente, com referência ao prédio indicado em A. supra – cfr. documentos n.º 1 e n.º 3 juntos com a petição inicial, que se dão como reproduzidos;
D. Em 16.08.2007, o Impugnante foi notificado da liquidação de IMI n.º 2006 3889076603, respeitante ao ano de 2006, relativa ao prédio indicado em A. supra – cfr. documento nº 2 junto com a petição inicial, que se dá como reproduzido;
E. O Impugnante apresentou declarações anuais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) relativas a 2004, 2005 e 2006, nas quais, além do mais, foi declarado o recebimento de rendas referentes ao imóvel indicado em A. supra – cfr. documentos n.ºs 7, 8 e 9 juntos com a petição inicial, que se dão como reproduzidos.


6 – Apreciando
6.1 Do alegado erro de julgamento da sentença recorrida ao julgar improcedente a impugnação das liquidações de IMI sindicadas
A sentença recorrida, a fls. 95 a 109 dos autos, julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pelo ora recorrente contra liquidações de IMI dos anos de 2004 a 2006, por considerar que os vícios de falta de fundamentação, de preterição do direito de audiência prévia e de violação de lei (violação do princípio da capacidade contributiva) invocados pelo impugnante na sua petição de impugnação não se tinham por verificados.
Insurge-se contra o decidido o impugnante, alegando, em síntese, que nos actos tributários ora impugnados a Administração tributária não identificou a norma legal que permite sustentar a retroacção de efeitos aos três anos anteriores ao da realização da avaliação, o que se mostrava necessário para permitir ao ora recorrente aferir da legalidade ou ilegalidade dos actos em causa, razão pela qual, ao contrário do decidido, os actos sindicados se encontram feridos do vício de falta de fundamentação. Mais alega que, em face da aparente inexistência de norma legal habilitante para a prática dos actos tributários impugnados recrudesce a necessidade de notificação do RECORRENTE para o exercício do direito de audiência prévia, tal como imposta pelo artigo 60.º da Lei Geral Tributária, porquanto tal audição teria permitido o exercício do contraditório por parte do ora RECORRENTE, antecipando, designadamente, a discussão do enquadramento jurídico subjacente à prática dos actos ora impugnados. Alega finalmente que a não consideração do arrendamento do prédio avaliado (…) designadamente através da declaração, em sede de IRS, das respectivas rendas, é passível de violar o princípio da capacidade contributiva.

O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo tribunal no seu parecer junto aos autos e supra transcrito defende que o recurso merece provimento, em razão da preterição do dever de audiência prévia, porquanto não se verifica situação que justifique a dispensa do direito de audição antes da liquidação originária (art. 60.º n.º 3 LGT redacção Lei nº 16-A/2002, 31 maio); é controversa a aplicação retroactiva do VPT fixado em 2007 às liquidações de IMI respeitantes a anos anteriores, considerando a norma constante do art. 113º nº 1 CIMI e as normas transitórias constantes dos arts. 21º e 27º DL nº 287/2003, 12 novembro e porque o exercício do direito de audição prévia teria permitido ao interessado a discussão do enquadramento normativo subjacente às liquidações impugnadas, mediante a invocação de argumentos que sufragassem a tese sustentada no sentido da ilegalidade da alegada aplicação retroactiva do VPT, não se justificando a sua dispensa com fundamento na insusceptibilidade de influência na prática e quantificação de posteriores liquidações adicionais.
Vejamos.
A sentença recorrida, no que à alegada falta de fundamentação respeita, considerou, relativamente às liquidações adicionais respeitantes aos anos de 2004 e 2005, que estas não padecem do vício de falta de fundamentação porquanto as mesmas permitem ao sujeito passivo conhecer os fundamentos pelos quais foi apurado o valor de IMI a pagar, pois que é indicado nas liquidações em causa a base tributável (valor patrimonial tributário do prédio), a taxa de imposto aplicável e a colecta apurada, elementos essenciais à demonstração do valor do imposto liquidado adicionalmente, estando, pois, o contribuinte em condições de conhecer as razões que estiveram na base do processamento das liquidações adicionais de IMI em causa (cfr. sentença recorrida, a fls. 99 e 100 dos autos) e quanto à liquidação de 2006, considerou a sentença recorrida estar-se não perante uma liquidação adicional, mas perante um mero aviso de pagamento/documento de cobrança que, cumprindo na íntegra com as exigências consagradas no artigo 119.º do Código do IMI (…) não enferma do vício de falta de fundamentação que lhe foi assacado pelo Impugnante (cfr. sentença recorrida, a fls. 100 e 101 dos autos).
Olhando ao teor das liquidações sindicadas, juntas pelo impugnante como documentos 1, 2 e 3 da sua petição de impugnação (a fls. 24 a 26 dos autos) constata-se que todas são meras notas de cobrança, duas delas contendo a referência “adicional” em rectângulo à esquerda (as referentes a 2005 e 2004 – docs. 1 e 3), a outra contendo nesse campo a referência “2.ª prestação” (a referente a 2006 – doc. 2).
E enquanto meros documentos de cobrança, cumprem todos eles na íntegra as exigências consagradas no artigo 119.º do Código do IMI, das quais não consta a referência a quaisquer normas legais.
A questão que se coloca é, porém, a de saber se não seria exigível, de acordo com as regras gerais consagradas quanto à fundamentação dos actos tributários, designadamente o disposto no n.º 2 do artigo 77.º da LGT, que a Administração tributária desse a conhecer ao contribuinte qual a base legal que lhe permite sustentar a aplicação do novo valor patrimonial tributário, fixado em avaliação realizada em 2007, aos três anos anteriores à realização desta, ou seja, desde a aquisição a título gratuito que justificou a avaliação do prédio segundo as regras instituídas pela Reforma da Tributação do Património de 2003.
E parece-nos que sim, porquanto a aplicação do novo valor patrimonial tributário desde a data da transmissão, e não apenas a partir da data em que a avaliação teve lugar, embora se possa encontrar justificada em face das regras gerais do CIMI, não surge como uma evidência, sem carecer de qualquer justificação, sendo que os contribuintes têm direito à fundamentação expressa e acessível dos actos que afectem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos (artigo 268.º, n.º 3 da Constituição).
Entendemos, pois, carecidas da adequada fundamentação – aquela que permitiria ao seu destinatário apreender os motivos pelos quais a Administração tributária actuou ou não de forma legal, dando-lhe a possibilidade de se conformar com tal actuação ou de a impugnar com conhecimento de causa – as liquidações sindicadas, que como tal não se poderão manter, porquanto violam o disposto no n.º 2 do artigo 77.º da LGT ao omitir a referência às disposições legais que permitiriam legitimar tal conduta da Administração.

O recurso merece, por isso, provimento, sendo de revogar a sentença recorrida que assim o não julgou.

Prejudicado fica o conhecimento das demais questões suscitadas.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e anulando as liquidações sindicadas.

Custas pela recorrida, apenas em 1.ª instância, pois não contra-alegou neste Supremo Tribunal.

Lisboa, 27 de Novembro de 2013. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Ascensão Lopes - Dulce Neto.