Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0879/14.9BEVIS 0377/18
Data do Acordão:11/18/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS
INCONSTITUCIONALIDADE ORGÂNICA
RESPONSABILIDADE FISCAL
Sumário:I - A norma contida no art. 147.º n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais (CSC), depende de lei formal da Assembleia da República ou de lei do Governo precedida de autorização legislativa que definisse a extensão e sentido da responsabilidade que na mesma se encontra prevista – artigos 165.º n.ºs 1, i) e 2 da atual C.R.P., por referência ao seu art. 103.º n.º 2 (a estas disposições correspondem os artigos 168.º n.ºs 1, i) e 2 e 106.º n.ºs 2 da C.R.P., na versão vigente à data da entrada em vigor do C.S.C.).
II - Inexistindo tal lei formal ou de autorização legislativa, a norma contida no art. 147.º n.º 2 do C.S.C. padece de inconstitucionalidade orgânica, não podendo ser aplicada, e resulta preenchido o fundamento de oposição previsto no art. 204.º n.º1, b), do C.P.P.T.
Nº Convencional:JSTA000P26766
Nº do Documento:SA2202011180879/14
Data de Entrada:04/18/2018
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A..........
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional pela Autoridade Tributária e Aduaneira, visando a revogação da sentença de 03-01-2018, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que julgou totalmente procedente a oposição à execução fiscal relativa a dívidas de IVA, intentada por A…………., melhor identificada nos autos, - na qual peticionava a extinção daquela execução fiscal contra si revertida, com fundamento em responsabilidade solidária, por não ter recebido qualquer valor na partilha imediata após dissolução da “B………….., Lda”.

Inconformada, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou alegações que rematou com o seguinte quadro conclusivo:

“a) Incide o presente recurso sobre, a aliás douta sentença, que julgou procedente a presente oposição, com a consequente extinção do processo executivo sob o nº. 2526 2014 01028430 no que diz respeito à oponente;
b) Está em causa nos presentes autos a responsabilização da oponente nos termos do art.º 147º, nº. 2 do CSC, no sentido de que a oponente é solidariamente e ilimitadamente responsável pelo pagamento das dívidas tributárias da devedora originária B……….. LDA”, NIPC ………….., em razão da “dissolução com partilha imediata” da sociedade;
c) Entendeu o decisor, de forma sucinta, que a responsabilidade dos sócios para efeitos do art.º 147º, nº. 2 do CSC é limitada pelo valor global dos bens partilhados, sendo que, no caso dos autos, o valor dos bens a partilhar era nulo;
d) Razão porque, não tendo a oponente recebido qualquer valor da sociedade aquando da dissolução com partilha, não pode ser responsabilizada na qualidade de sócia pelo pagamento das dívidas fiscais que ulteriormente vieram a ser liquidadas à sociedade devedora;
e) Contudo, salvo melhor posição, não podemos concordar com a interpretação da norma do art.º 147º, nº. 2 do CSC levada a efeito pelo Meritíssimo Juiz para decidir nos termos em que o fez;
f) Cabe indagar do alcance da norma do art.º 147º, nº. 2 do CSC, com apelo às regras de interpretação das leis, tendo ainda em conta as particularidades dos créditos fiscais;
g) Do nosso ponto de vista, o entendimento subscrito pelo decisor não tem apoio na letra da lei, devendo socorrer-nos para o efeito do disposto no art.º 11º da LGT e do art.º 9º do Código Civil, prevendo o seu nº. 1 que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, devendo reconstituir o pensamento legislativo a partir do texto, tendo em conta a unidade do sistema jurídico;
h) No caso dos autos, temos que a norma do art.º 147º, nº. 2 do CSC, afirma, de forma clara, directa e expressa que, pelas dívidas de natureza fiscal exigíveis em data posterior à dissolução, são responsáveis todos os sócios, responsabilidade que assumidamente é ilimitada e solidária;
i) O que quer dizer que, da letra da lei não se extrai nenhum indício de que o legislador disse menos do que o que pretendia, de forma a que a responsabilidade ilimitada e solidária dos sócios, nas circunstâncias previstas na norma, apenas possa ter aplicação se houver partilha de valores para os sócios e até ao valor dos bens partilhados;
j) Na missão de reconstituir o pensamento legislativo, o texto da lei constitui o ponto de partida da interpretação, que delimita e afasta os sentidos que não tenham na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expressa;
k) Ora, ressalvada melhor interpretação, não vemos como possa caber no espírito do legislador uma interpretação do art.º 147º, nº. 2 do CSC, que limite a responsabilidade dos sócios apenas se houver partilha de valores para os sócios e até ao valor dos bens partilhados;
l) Queremos com isto dizer que a interpretação da norma tal qual foi efectuada pelo douto Tribunal não tem um mínimo de suporte legal, ainda que imperfeitamente expresso, razão porque uma tal interpretação não cabe no espírito do legislador;
m) Aqui chegados e porque somos de parecer que, a respeito do previsto no art.º 147º, nº. 2 do CSC, o legislador não disse menos do que aquilo que pretendia dizer, então, temos que a norma consagra um regime de responsabilidade dos sócios muito próprio, especial e excecional;
n) E a razão de ser da consagração desse especial regime de responsabilidade prende-se com o facto de estarmos perante créditos de natureza tributária;
o) Foi o próprio legislador que quis consagrar, no caso de partilha imediata de sociedades comerciais, um regime de responsabilidade dos créditos fiscais ainda não exigíveis à data da dissolução, mais grave do que o que se aplica aos créditos não fiscais, não havendo quaisquer dificuldades de interpretação da norma;
p) É que não se pode descurar que estamos perante créditos de natureza e ordem pública (créditos fiscais), cuja arrecadação serve fins de promoção da justiça, da igualdade e da satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas;
q) Reflexo da importância dos créditos tributários, em função da missão que lhes está cometida, vigora ainda o princípio da indisponibilidade dos créditos fiscais e a proibição da concessão de moratórias no seu pagamento, particularidades também aplicáveis apenas aos créditos fiscais;
r) O que redunda na conclusão de que, a respeito da norma do art.º 147º, nº. 2 do CSC, o legislador pretendeu nele verter um regime de responsabilidade específico para os créditos de natureza fiscal, regime esse distinto e mais gravoso que o aplicável aos demais créditos, em razão de se tratar de créditos que revestem natureza e ordem pública.
s) A norma não suscita problemas de interpretação, não podendo aceitar-se a interpretação veiculada pelo julgador porque a mesma não tem no texto legal um mínimo de correspondência verbal.
t) Em suma, o Meritíssimo Juiz incorreu em erro de julgamento, por errada aplicação da lei, mormente o disposto no art.º 147º, nº. 2 do CSC e art.º 9º e 11º do CC.
Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, ordenando-se, em consequência, a substituição da douta sentença recorrida, por outra em que se julguem improcedentes, por não provados, os vícios imputados ao despacho que sustenta a responsabilidade solidária da oponente, com as legais consequências.”

A recorrida não aduziu contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de embora se possa reconhecer razão à recorrente no que respeita ao decidido quanto ao artigo 147.º, n.º 2 do CSC, ainda assim o recurso deve improceder, com a seguinte fundamentação:

“Das conclusões de fls. 171 a 173 resulta que se imputa ao decidido erro de julgamento, na interpretação efetuada do art. 147.º n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais (C.S.C.), em termos de não ser possível responsabilizar por dívidas fiscais a recorrente, sócia sem recebimento de qualquer valor na partilha imediata após dissolução da B……………, Lda..
A F. P. acaba a pugnar pela improcedência da oposição.
Vejamos.
A oponente apresentou oposição em que invoca falta de notificação do projeto de reversão para exercer direito de audição e não estarem preenchidos os fundamentos da reversão.
Foi no conhecimento desta última questão que se decidiu na sentença proferida, aderindo a posição constante de acórdão do T.C.A. Sul que cita, que a dita disposição restringe a sua aplicação ao valor dos bens partilhados.
No caso, em que se procedeu à liquidação sem que houvesse bens a partilhar, segundo o que foi levado ao registo e ficou a constar na respetiva escritura, foi entendido não ser aplicável o dito art. 147.º n.º 2 do C.S.C..
Crê-se que, de acordo com a própria doutrina que também se cita na dita sentença, visando-se com a disposição em causa evitar que o fisco seja defraudado, não faz sentido adotar tal entendimento.
Por outro lado, foi já decidido também pelo T.C.A. Sul nos seus acórdãos de 27-11-2012 e de 18-9-2014 nos processos n.ºs 05948/12 e 04767/14, que a dita norma adota uma solução de compromisso entre os interesses dos sócios, que pretendem proceder à liquidação de uma sociedade com partilha imediata, e os interesses do fisco, acautelados através da previsão de uma responsabilidade ilimitada e solidária dos respetivos sócios pelas dívidas fiscais posteriormente exigíveis.
Aliás, esta posição jurisprudencial assenta ainda na doutrina de Raul Ventura que cita.
Assim, a interpretação efetuada não pode subsistir, sendo de revogar o decidido.
No entanto, a oponente suscita ainda questão de falta de audição prévia, o que efetuou por referência ao previsto no art. 23.º n.º 4 e 60.º da L.G.T., e de que não se conhecer por ter sido julgada preterida.
Resultam dos autos elementos que permitam que se conheça da mesma em substituição.
Seja como for, é de definir que, tratando-se a responsabilidade da oponente solidária, nos termos do art. 22.º da L.G.T., a reversão tem de garantir o direito de audição prévia em termos semelhantes àqueles que se encontram previstos quanto ao primitivo devedor quer por referência à liquidação, quer à conclusão do relatório de inspeção, conforme previsto no art. 60.º n.º 1 al. a) e) da L.G.T., sendo no dito art. 22.º n.º 4 previsto que “as pessoas solidaria ou subsidiariamente responsáveis poderão reclamar ou impugnar a divida cuja responsabilidade lhes for atribuído nos mesmos termos do devedor principal (...)“.
Aliás, quanto aos responsáveis subsidiários tal encontra-se expressamente previsto no art. 23.º n.º 4 da L.G.T., impondo-se a sua aplicação ao presente caso quanto mais não for porque a situação é quanto a tal semelhante.
No sentido de tal preterição provocar a anulação do ato de reversão e da consequente citação foi já decidido pelo T.C.A. Sul no seu acórdão de 29-6-16, proferido no proc. 08733/15, por referência ao dito art. 60.º n.º 1 al. e) — de notar que no presente caso a oponente também invoca ter ocorrido relatório de inspeção.
Concluindo:
É de reconhecer razão à recorrente quanto ao decidido a respeito do art. 147.º n.º 2 do C.S.C..
No entanto, o recurso é, ainda assim, improcedente.
Com efeito, há matéria de oposição que importa ainda conhecer, nomeadamente, a relativa ao exercício do direito de audição prévia, de que se crê resultar procedente a oposição, bem como ser de anular a reversão e a citação efetuadas.”
Pelo relator deste processo foi suscitada questão prévia e ordenada que sobre a mesma fossem ouvidas as partes, em despacho do seguinte teor:
“ Insofismavelmente, é de conhecimento oficioso a inconstitucionalidade das normas como, entre muitos, se fundamenta desde os já remotos Acórdãos do STA de 3/2/93,Rec. Nº 13 621, 25/10/95, Rec. Nº 15 287, 17/6/98, Rec. Nº 22 421 e de 13/12/2000, Rec. Nº 24 319.
Por outro lado, na ordem de apreciação dos vícios invocados logra prioridade a inconstitucionalidade da lei em que se baseou o acto recorrido pois se trata de matéria de conhecimento oficioso, embora a intervenção do tribunal se tenha de circunscrever à fiscalização concreta da constitucionalidade pois a fiscalização abstracta incumbe em exclusivo ao Tribunal Constitucional (cfr.artº.281º da C.R.P.).
Vale isto por dizer que na sentença e/ou no recurso dela interposto para o STA pode ser suscitada pelas partes ou “ex-officio” a inconstitucionalidade das normas que definem os elementos da tributação, mesmo que a questão não tenha, antes, sido suscitada, já que se trata de matéria que vem sendo entendida como de conhecimento oficioso, não integrando questão nova a alegação, em recurso jurisdicional, de inconstitucionalidade de normas aplicadas pela sentença ou ao abrigo das quais o acto administrativo foi praticado.
Assim, a oficiosidade do conhecimento da inconstitucionalidade das normas impõe-se aos tribunais administrativos e fiscais que devem recusar a aplicação de normas inconstitucionais ou que contrariem outras de hierarquia superior.
Estamos aqui perante uma emanação do princípio do valor conformador dos preceitos constitucionais, que terão de prevalecer sobre outras normas legais, quando com elas se mostrem incompatíveis em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade das normas jurídicas, apreciando, por impugnação dos factos ou oficiosamente, a existência da inconstitucionalidade das normas aplicáveis ao caso concreto submetido a julgamento.
A ser assim, como é, por virtude da questão prévia da inconstitucionalidade do artº 147º, nº2 do CSC, ficará postergado o conhecimento dos fundamentos do recurso atrás condensados , ou seja, fica prejudicado o conhecimento das demais questões colocadas nestes autos.
E, a nosso ver, ocorre a inconstitucionalidade do art. 147.º n.º 2 do C.S.C..
Neste ponto, com a devida mesura, seguiremos o discurso jurídico vertido no Acórdão deste Tribunal de 06-11-2019, no Processo nº0857/12.2BELRS 01173/16, subscrito pelo relator desta formação na qualidade de 2º adjunto e que se encontra disponível em www.dgsi.pt e do qual dimana a seguinte doutrina:
I -A norma contida no art. 147.º n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais (CSC), depende de lei formal da Assembleia da República ou de lei do Governo precedida de autorização legislativa que definisse a extensão e sentido da responsabilidade que na mesma se encontra prevista – artigos 165.º n.ºs 1, i) e 2 da atual C.R.P., por referência ao seu art. 103.º n.º 2 (a estas disposições correspondem os artigos 168.º n.ºs 1, i) e 2 e 106.º n.ºs 2 da C.R.P., na versão vigente à data da entrada em vigor do C.S.C.).
II - Inexistindo tal lei formal ou de autorização legislativa, a norma contida no art. 147.º n.º 2 do C.S.C. padece de inconstitucionalidade orgânica, não podendo ser aplicada, e resulta preenchido o fundamento de oposição previsto no art. 204.º n.º1, b), do C.P.P.T..
Lavrando nesse entendimento, considerando prejudicado o conhecimento das demais questões, haverá que negar provimento ao recurso, revogar a sentença proferida e julgar extinta a execução
Ouçam-se as partes sobre a questão prévia ora suscitada.”

A recorrida veio pronunciar-se nos seguintes termos:

“1. O douto tribunal a quo vem invocar a questão da inconstitucionalidade orgânica da norma contida no Art.º 147º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais (CSC), com a qual a recorrida nada tem a opor.
2. Contudo,
3. A recorrida entende que deve a proposta de decisão ser alterada nos seguintes termos:
“Lavrando nesse entendimento, considerando prejudicado o conhecimento das demais questões, haverá que negar provimento ao recurso, manter a sentença proferida, com fundamentação diferente e julgar extinta a execução”.
Nestes termos;
Requer-se a V. Ex.ª que, seja alterada a decisão negando provimento ao recurso, mantendo a sentença proferida, com fundamentação diferente e julgando extinta a execução.”
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Os autos vêm à conferência satisfeitos os vistos legais.

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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

A) Em 4 de Novembro de 1993 foi registada a constituição da sociedade «B………….. Lda.» em que figuravam como sócios A……….. e C…………..
[cfr. certidão do registo comercial de fls. 51 a 57 dos autos]
B) Em 31 de Agosto de 2012 foi elaborada ata da assembleia geral da sociedade «B………….. Lda.» onde foi deliberada a dissolução da sociedade e por “já não ter qualquer ativo nem passivo, se encontra em condições de poder ser dada como liquidada”, sendo, ainda declarado o “encerramento da liquidação por inexistência de ativo e passivo”.
[cfr. ata de fls. 76 a 79 dos autos]
C) Em 18 de Setembro de 2012 foi registada a dissolução e encerramento da liquidação da sociedade «B…………. Lda.»
[cfr. certidão do registo comercial de fls. 51 a 57 dos autos]
D) Em 1 de Julho de 2014 e contra «B…………. Lda.» foi instaurado no Serviço de Finanças de Castro Daire o processo de execução fiscal n.º 2526201401028430, para cobrança de IVA, no valor de EUR 22.689,34, referente ao 4.º trimestre de 2011 e cuja data limite de pagamento voluntário era 2014/06/09.
[cfr. capa do PEF e certidão de dívida de fls. 40 e 41 dos autos]
E) Em 2 de Outubro de 2014 foi elaborada informação no processo de execução fiscal em causa com o seguinte teor:
“Para os devidos efeitos, cumpre-me informar V. Ex.ª que os autos em referência foram instaurados contra a executada B…………… LDA, pessoa coletiva n.º …………., com última sede na Av. ……….., ……... em Castro Daire, por dívidas de IVA ao ano de 2011, no valor de € 22 689,34 acrescido de custas processuais e de juros de mora à taxa legal vigente, cifrando-se o valor global atual em € 23 131,03.
A identificada sociedade encontra-se com a atividade cessada, tendo sido igualmente registada a dissolução, encerramento da liquidação e cancelamento da respetiva matrícula na Conservatória do Registo Comercial, tudo com efeitos a 18.09.2012.
No âmbito das diligências efetuadas por este Serviço, verificou-se a inexistência de bens, sendo certo que essa inexistência patrimonial já havia sido declarada e assumida pelos sócios que, reunidos em Assembleia Geral no dia 31.08.2012, afirmaram e lavraram em ata (nº 28) que a sociedade não tinha qualquer ativo ou passivo, estando portanto em condições de se proceder à sua liquidação, o que de resto veio a suceder, com a apresentação e registo na Conservatória do Registo Comercial pela ap 001 de 2012/09/18.
Estabelece o n.º 2 do art. 22º da Lei Geral Tributária (LGT) que para além dos sujeitos passivos originais, a responsabilidade tributária pode abranger solidária ou subsidiariamente outras pessoas, responsabilidade essa que, nos termos do n.º 1 do citado preceito, abrange não apenas a totalidade da dívida tributária, mas também os juros e demais encargos legais.
Sucede que em matéria tributária, a responsabilidade solidária e a subsidiária apresentam regimes distintos. Isto porque, enquanto que a subsidiariedade do responsável só opera e se efetiva por reversão do processo de execução fiscal, instituto que depende da verificação de um conjunto de pressupostos (essencialmente elencados no art.º 24º da LGT e no n.º 2 do art. 153.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário), o apuramento da responsabilidade solidária depende de um dos dois critérios prescritos no art.º 513º do Código Civil (CC), isto é, da respetiva estipulação legal ou da vontade das partes.
É justamente por isso que, diferentemente do que sucede com os responsáveis subsidiários, o chamamento à execução fiscal dos responsáveis solidários ocorre, verificada a aludida estipulação legal (ou, sendo caso disso, a vontade das partes), de forma imediata, direta, individual e, como acima se disse, integral, ou seja, nos mesmos termos do devedor originário.
Estipula o n.º 3 do referido art.º 22º da LGT que a responsabilidade tributária por dívidas de outrem é, salvo determinação em contrário, apenas subsidiária. Essa determinação em contrário remete-nos para as fontes da solidariedade, que, já se disse, podem ter natureza convencional ou legal.
Ora, não existindo nos autos de execução fiscal em referência qualquer manifestação de vontade nesse sentido, importará apurar se o ordenamento jurídico dispõe de norma habilitante que objetivamente determine essa responsabilização. Ora, referindo-se às dívidas de natureza fiscal, o n.º 2 do art.º 147.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC) dispõe que pelas dívidas ainda não exigíveis à data da dissolução ficam ilimitada e solidariamente responsáveis todos os sócios.
Na situação em pauta, não pode deixar de observar-se que todo o procedimento que culminou com a extinção da sociedade teve início com a deliberação tomada por unanimidade dos sócios, na qual se declarou em ata a inexistência de ativo e de passivo, verificando-se agora a existência de passivo superveniente.
Nestes termos, entendo estarem verificados os pressupostos para que se proceda à solidária responsabilização das pessoas que ao tempo da dissolução eram titulares do capital social da originária devedora, a saber, C………., NIF ………… e, A……….., NIF ……….”
[cfr. informação constante de fls. 80 e 81 dos autos]
F) Na mesma data foi proferido despacho com o seguinte teor:
“Com base nos fundamentos que constam da informação que antecede, que aqui convoco para todos os legais efeitos, verifica-se que no processo executivo em referência se encontram concretamente preenchidas as condições legalmente exigidas para que se proceda à efetivação da responsabilidade solidária dos sócios ao tempo da dissolução da executada originária, nos termos das disposições conjugadas do art.º 22.º da LGT e do art.º 147.º do Código das Sociedades Comerciais.
Com efeito, atenta a qualidade jurídico-tributária de responsáveis solidários que resulta dos supra citados normativos, determino a imediata citação pessoal de C…………, NIF ……….. e de A………...
[cfr. despacho constante de fls. 81 dos autos]
G) O despacho de reversão referido anteriormente não foi precedido de audição prévia da Oponente
[cfr. decorre da informação e despacho anteriormente referidos bem como da posição das partes expressa nos respetivos articulados]
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2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA e 2º. Al. e) do CPPT.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, e o tema suscitado oficiosamente por este Tribunal, as questões que cumpre decidir subsumem-se a saber se:
(i) Inconstitucionalidade da norma em que se baseou a reversão da execução objecto do presente processo;
(ii) A decisão vertida na sentença, a qual julgou totalmente procedente a oposição padece de erro de julgamento, por errada aplicação do disposto no artigo 147.º, n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais e, se assim for;
(iii) Se pode e deve conhecer-se, em substituição, da questão de falta de audição prévia, por referência ao previsto no art. 23.º n.º 4 e 60.º da L.G.T., e de que a sentença não conheceu por ter sido julgada prejudicada.
Vejamos.
Das conclusões emerge que se imputa ao decidido erro de julgamento, na interpretação efetuada do art. 147.º n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais (C.S.C.), em termos de não ser possível responsabilizar por dívidas fiscais a recorrente, sócia sem recebimento de qualquer valor na partilha imediata após dissolução da B…………., Lda..
Antes de tudo e como bem se salvaguarda na sentença recorrida e os autos objectivam, não está em causa a apreciação da eventual responsabilidade da Oponente, com fundamento no seu exercício da gerência e que conduziu à circunstância da sociedade não ter qualquer bem a liquidar e que levou à dissolução da mesma, nomeadamente ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT.
Com efeito e como também se delimita na sentença, a oponente deduziu oposição invocando como fundamentos a falta de notificação do projecto de reversão para exercer direito de audição e não estarem preenchidos os fundamentos da reversão.
Com extremo rigor, justificou o Mº Juiz a razão por que devia ser estabelecida uma dada ordem na cognição das causas de pedir invocadas, para o que convocou o disposto no art.º 124.º, n.º 2 do CPPT, aplicável à Oposição ex vi do art.º 211.º do CPPT, para concluir que a ordem de conhecimento devia ser a seguinte: (i) no caso de vícios conducentes à nulidade, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, a mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos; (ii) no caso de vícios geradores de anulabilidade, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre os mesmos, uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a ordem constante da alínea i).
Seguindo esse raciocínio, concluiu o julgador que à falta de relação de subsidiariedade entre a arguição dos vícios formulada pela Oponente, e tendo presente que todos os vícios invocados se reconduzem à anulabilidade do acto, a apreciação destes deve, prioritariamente, ser aquela que conduz a uma maior estabilidade da relação processual em causa.
Assinalou ainda que, sempre que é arguida a falta de fundamentação de um ato esta regra tem, necessariamente, de comportar excepções quando os vícios de violação de lei dependem dos fundamentos da decisão, o que sucede quando sem se conhecer a motivação da decisão não é possível conhecer a legalidade do ato, isso na senda de Jorge Lopes de Sousa in CPPT Anotado e Comentado, 6.ª Ed., Vol. II, p. 341, em que exprime que “Embora o vício de falta de fundamentação não assegure a mais eficaz tutela dos direitos do impugnante, o seu conhecimento prioritário pode ser necessário, nas situações em que a falta de fundamentação afete a própria possibilidade de o tribunal se aperceber de qual o real conteúdo do ato impugnado, a nível dos seus pressupostos de facto ou de direito. Na verdade, o STA tem vindo a reconhecer que à regra sobre a ordem de conhecimento de vícios (o art.º 57.° da LPTA estabelecia uma ordem de conhecimento idêntica à que consta do art.º 124.° do CPPT) têm de ser abertas exceções, necessariamente, quando a apreciação dos vícios de violação de lei depende da averiguação dos fundamentos da decisão, o que sucede quando sem se conhecer a motivação da decisão não é possível apreciar a legalidade do ato”.
Mas o Mº Juiz foi ainda rigoroso e assertivo ao captar que das alegações constantes da petição inicial da Oponente, não obstante esta impute ao acto de reversão o vício de falta de fundamentação, estriba a ocorrência desse vício na circunstância da Administração Fiscal não ter demonstrado o recebimento de bens em razão da partilha do acervo patrimonial da sociedade, do seu valor, etc. e não na míngua de fundamentação de direito ou de facto. Ou seja, estamos perante a fundamentação substancial, que é caracterizada pela exigência da existência dos pressupostos reais e dos motivos concretos aptos a suportarem uma decisão legítima de fundo, que não está abrangido pelo dever legal de fundamentação (formal) a qual se reconduz a saber se estamos perante uma exposição sucinta dos factos e das regras jurídicas em que se fundam, que os seus destinatários concretos, pressupostos cidadãos diligentes e cumpridores da lei, ficam em condições de fazer a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade decidente.
Por esse prisma veio o juiz a concluir que a alegação de falta de fundamentação configura, em bom rigor, a alegação de erro quanto aos pressupostos de facto do acto de reversão e não de falta de fundamentação.
Seguindo esse trilho, resolveu – e bem – que o conhecimento dos vícios imputados pela Oponente fosse efectuado, antes dos demais, pela aferição da eventual responsabilidade substantiva da Oponente, emergente do disposto no art.º 147.º do Código das Sociedades Comerciais, por ser aquele que em caso de procedência maior tutela confere à Oponente.
Conhecendo dessa questão, por remissão para a fundamentação vertida em acórdão do T.C.A. Sul que cita e que aponta para que a mencionada disposição restringe a sua aplicação ao valor dos bens partilhados, na consideração de que no caso vertente, em que se procedeu à liquidação sem que houvesse bens a partilhar, segundo o que foi levado ao registo e ficou a constar na respectiva escritura, foi entendido não ser aplicável o dito art. 147.º n.º 2 do C.S.C..
Para assim decidir, adoptou-se o seguinte discurso fundamentador na bem elaborada sentença:
“(…)
É consabido que constitui regra do nosso ordenamento jurídico que o património constitui a garantia geral as obrigações de harmonia, nomeadamente, com o art.º 601.º do CC.
No que tange às sociedades comerciais, nomeadamente nas sociedades por quotas, vigora a regra que só o património social responde para com os credores pelas dívidas da sociedade (cfr. n.º 3 do art.º 197.º do CSC).
Todavia, a regra comporta exceções, nomeadamente nos casos em que ocorre a partilha do património societário entre os sócios e que se encontra prevista no art.º 147.º do mesmo Código.
Dispõe aquele preceito o seguinte regime:
“1. Sem prejuízo do disposto no artigo 148º, se, à data da dissolução, a sociedade não tiver dívidas, podem os sócios proceder imediatamente à partilha dos haveres sociais, pela forma prescrita no artigo 156º.
2. As dívidas de natureza fiscal ainda não exigíveis à data da dissolução não obstam à partilha nos termos do número anterior, mas por essas dívidas ficam ilimitada e solidariamente responsáveis todos os sócios, embora reservem, por qualquer forma, as importâncias que estimarem para o seu pagamento”.
Do estatuído no preceito anteriormente transcrito emerge que sem prejuízo da liquidação por transmissão global (transferência in totum do acervo patrimonial positivo e negativo da sociedade para um – ou alguns - dos sócios), é admitida a partilha do património societário caso a sociedade não tenha dívidas.
Prevê-se, também, que ainda que os sócios reservem parte do património societário para a satisfação de dívidas de natureza fiscal ainda não exigíveis à data da dissolução, por essas dívidas ficam ilimitada e solidariamente responsáveis todos os sócios.
Em anotação ao referido preceito Menezes Cordeiro afirma que aquele n.º 2 visa prevenir a “hipótese de uma dissolução destinada, precisamente, a defraudar o fisco” [CSC Anotado, 2.ª ed., p. 545].
Importa, ainda, ter presente que subsequente à decisão de dissolução da sociedade comercial se segue, em regra, a liquidação da mesma, enquanto “conjunto de atos que visam pôr termo ao modo coletivo de funcionamento do direito, perante uma pessoa coletiva (…), implica o levantamento de todas as situações jurídicas relativas à sociedade em liquidação, a resolução de todos os problemas pendentes que a possam envolver, a realização pecuniária (se for o caso) dos seus bens, o pagamento de todas as dívidas e o apuramento do saldo final, a distribuir pelos sócios” [Menezes Cordeiro, Direito das Sociedades, Vol. I, 3.ª Ed., p 447].
Por outras palavras, decidida a dissolução da sociedade incumbe ao seu liquidatário ou liquidatários converter o acervo patrimonial da sociedade em pecúnia de modo a com esta satisfazer os credores sociais e, havendo remanescente, proceder à sua distribuição pelos sócios.
Liquidação essa que, uma vez finda e registada na competente Conservatória, dá lugar à extinção da sociedade nos termos do art.º 160.º n.º 2 do CSC.
Efetuado o enquadramento legal importa entrar no caso em apreço.
Dimana da factualidade assente, e é incontrovertido porquanto o despacho de reversão assentou nessa mesma circunstância, que à data da decisão de dissolução da sociedade esta não detinha qualquer património para partilhar nem para liquidar.
Consequentemente é incontrovertido que a Oponente não recebeu qualquer bem pela partilha da sociedade.
Como refere Menezes Cordeiro, o estatuído no n.º 2 do preceito em crise constitui uma norma antiabuso que visa prevenir a distribuição do património societário entre os sócios com vista a impedir o fisco de, em momento ulterior, encontrar património que responda pelas dívidas tributárias.
Todavia, a aplicação daquele preceito tem como pressuposto que tenha havido partilha entre os sócios do acervo patrimonial da sociedade o que, como dimana da factualidade assente, não foi o caso.
Efetivamente, e por apelo ao facto assente «B», do cotejo da ata da assembleia geral da sociedade emerge que não foi deliberada qualquer partilha de património mas sim a dissolução da sociedade e, verificando-se a circunstância de nada haver a liquidar, se deu a liquidação por encerrada.
Brotando, deste modo, que não ocorreu o circunstancialismo previsto naquele preceito para que houvesse lugar à responsabilidade ilimitada e solidária dos sócios pelas dívidas tributárias não exigíveis à data da dissolução.
Não obstante, mesmo que se entendesse estar verificado o pressuposto do art.º 147.º do CSC, isto é, que apesar da inexistência de património a partilhar existiu partilha sempre se diria que, como afirmou o venerando TCAS no douto aresto proferido no processo n.º 06133/12 de 22/01/2013 “o art.º 147.º, n.º 2, do CSC, deve ser interpretado no sentido de que a responsabilidade dos sócios (…) é limitada (…) pelo valor global dos bens partilhados”.
Sendo incontroverso que o valor dos bens a partilhar era no presente caso nulo.
Como bem afirmou aquele venerando Tribunal naquele douto aresto, que com a devida vénia aqui se transcreve:
“ a amplitude da responsabilidade não é aquela que parece resultar de uma interpretação meramente literal e apressada do n.º 2.
Por um lado essa amplitude não pode ultrapassar o limite estabelecido no art.º 197.º, n.º 3, [valor do património societário] sob pena de se entender que a posição muito mais favorável para o Estado daí resultante violaria o princípio da proporcionalidade e a igualdade entre credores, e por outro compete sempre à AT provar que a sociedade tinha bens e que esses bens foram partilhados, por se tratar de factos constitutivos do seu direito (art.º 342.º, n.º 1, do C.C.).
Ou seja, compete-lhe essa prova e nessa medida os sócios respondem solidariamente, até ao valor dos bens partilhados, não sendo essa responsabilidade limitada pelo valor da respetiva quota, sem prejuízo do sócio que efetuar à Fazenda Pública pagamento superior à sua quota-parte gozar de direito de regresso contra os outros sócios, nos termos gerais (cfr. art.º 524.º do Código Civil).
Cremos que foi com este sentido que o legislador usou o termo ilimitadamente, que não pode pois ser encarado como sinónimo de responsabilidade absoluta por dívidas fiscais ainda não exigíveis à data da partilha.
Com efeito, a dissolução da sociedade acarreta uma situação de indivisão dos bens (que eventualmente existam) a partilhar; nesse contexto, por razões de utilidade, os sócios podem evitar a intervenção do liquidatário partilhados diretamente entre si os bens adicionais.
Mas se não for feita a partilha o limite será sempre o acervo de bens a partilhar.
Portanto, presumindo que o legislador consagrou a solução mais adequada (art.º 9.º, n.º 2, do Código Civil), parece que não poderá ser outra a interpretação a extrair do preceito em causa, que visa acautelar e nada mais do que isso a posição da Fazenda Pública nas dívidas fiscais que muito provavelmente existem à data da dissolução mas que só virão a concretizar-se algum tempo depois.
Nesta perspetiva o art.º 147.º, n.º 2, não cria quaisquer novas responsabilidades tributárias à revelia da Assembleia da República, podendo apenas ser visto, quando muito, como mero desincentivo à partilha dos bens da sociedade dissolvida enquanto não estiverem liquidadas todas as dívidas fiscais da mesma”.
Subscrevendo-se sem reservas aquele douto entendimento pode afirmar-se, à guisa de conclusão, de que o art.º 147.º do CSC tem como pressuposto que os sócios tenham transferido para a sua esfera pessoal património societário, sob pena de violação de princípios de proporcionalidade e adequação aos fins a atingir.
Efetivamente, inexistindo património societário suscetível de ser liquidado nada mais restava aos sócios que encerrar a referida liquidação, à míngua de atos a praticar, sendo certo que os atos que conduzem a essa circunstância serão, à partida, praticados pelos gerentes e não pelos sócios.
Considerar-se que a inexistência de património a liquidar importa a constituição de responsabilidade solidária e ilimitada dos sócios pelas dívidas fiscais que vierem ulteriormente a ser liquidadas seria violador não só do princípio da responsabilidade da sociedade limitada ao seu património mas também manifestamente desproporcionado por inexistência de contrapartida da constituição dessa responsabilidade.
Poder-se-á afirmar ser também violador do princípio constitucional da igualdade na medida em que conferiria idêntico tratamento a quem aproveitou pessoalmente património societário (porquanto existia património a partilhar e este foi partilhado) e quem nada recebeu por inexistirem bens a partilhar.
Assim, e em jeito de conclusão, pode afirmar-se que não tendo a Oponente recebido qualquer valor da sociedade não é responsável, em razão de ter sido sócia da mesma à data da dissolução, pelo pagamento das dívidas fiscais que ulteriormente vierem a ser liquidadas àquela.
Salienta-se, todavia, que não está em causa a apreciação da eventual responsabilidade da Oponente, com fundamento no seu exercício da gerência e que conduziu à circunstância da sociedade não ter qualquer bem a liquidar e que levou à dissolução da mesma, nomeadamente ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT.
Conclui-se, deste modo e em face do exposto, pela verificação de erro quanto aos pressupostos de facto do despacho de reversão (inexistência de partilha imediata) com a inerente procedência da presente Oposição.
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Ficando deste modo prejudicado o conhecimento dos demais vícios invocados pela Oponente.”
Quid juris?
Sustenta a recorrente AT que o Meritíssimo Juiz incorreu em erro de julgamento, por errada aplicação da lei, mormente o disposto no art.º 147º, nº. 2 do CSC e art.º 9º e 11º do CC, considerando que não cabe no espírito do legislador uma interpretação do art.º 147º, nº. 2 do CSC, que limite a responsabilidade dos sócios apenas se houver partilha de valores para os sócios e até ao valor dos bens partilhados, o que vale por dizer que a significação da norma tal qual foi efectuada pelo Tribunal recorrido não tem um mínimo de suporte legal, ainda que imperfeitamente expresso.
Daí, pois, que a recorrente conclua que, no art.º 147º, nº. 2, do CSC, se consagra um regime de responsabilidade dos sócios muito próprio, especial e excepcional cuja razão de ser se prende com o facto de estarmos perante créditos de natureza tributária, querendo o legislador no caso de partilha imediata de sociedades comerciais, instituir um regime de responsabilidade dos créditos fiscais ainda não exigíveis à data da dissolução, mais grave do que o que se aplica aos créditos não fiscais, de natureza e ordem pública, cuja arrecadação serve fins de promoção da justiça, da igualdade e da satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas.
Em reforço argumentativo, a recorrente ainda aduz que neste campo vigora o princípio da indisponibilidade dos créditos fiscais e a proibição da concessão de moratórias no seu pagamento, particularidades também aplicáveis apenas aos créditos fiscais, que aponta para que com a norma do art.º 147º, nº. 2 do CSC, o legislador pretendeu estabelecer um regime de responsabilidade específico para os créditos de natureza fiscal, regime esse distinto e mais gravoso que o aplicável aos demais créditos, em razão de se tratar de créditos que revestem natureza e ordem pública.
Começaremos por evidenciar que a tese da recorrente está alinhada com a jurisprudência manifestada, entre outros, nos acórdãos do T.C.A. Sul de 27-11-2012 e de 18-9-2014 nos processos n.ºs 05948/12 e 04767/11, ancorada na doutrina de Raul Ventura que citam, segundo a qual a dita norma adopta uma solução de compromisso entre os interesses dos sócios, que pretendem proceder à liquidação de uma sociedade com partilha imediata, e os interesses do fisco, acautelados através da previsão de uma responsabilidade ilimitada e solidária dos respectivos sócios pelas dívidas fiscais posteriormente exigíveis.
Ponderando.
Na ordem de apreciação das causas de pedir logra prioridade a inconstitucionalidade da lei em que se baseou o acto recorrido pois se trata de matéria de conhecimento oficioso, embora a intervenção do tribunal se tenha de circunscrever à fiscalização concreta da constitucionalidade pois a fiscalização abstracta incumbe em exclusivo ao Tribunal Constitucional (cfr.artº.281º da C.R.P.).
A CRP proibe os tribunais, nos feitos submetidos ao seu julgamento, de aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados – cfr. artº 204 da CRP.
Ora, louvando-nos no Prof. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional II, Tomo II, pág. 441, Lisboa, “ O juiz, dado que não está sujeito a invocação da inconstitucionalidade por uma das partes, não tem de aplicar normas que repute inconstitucionais.”
Daí que, insofismavelmente, é de conhecimento oficioso a inconstitucionalidade das normas como, entre muitos, se fundamenta desdse os já remotos Acórdãos do STA de 3/2/93,Rec. Nº 13 621, 25/10/95, Rec. Nº 15 287, 17/6/98, Rec. Nº 22 421 e de 13/12/2000, Rec. Nº 24 319.
Vale isto por dizer que na sentença e/ou no recurso dela interposto para o STA pode ser suscitada pelas partes ou “ex-officio” a inconstitucionalidade das normas que definem os elementos da tributação, mesmo que a questão não tenha, antes, sido suscitada, já que se trata de matéria que vem sendo entendida como de conhecimento oficioso, não integrando questão nova a alegação, em recurso jurisdicional, de inconstitucionalidade de normas aplicadas pela sentença ou ao abrigo das quais o acto administrativo foi praticado.
Assim, a oficiosidade do conhecimento da inconstitucionalidade das normas impõe-se aos tribunais administrativos e fiscais que devem recusar a aplicação de normas inconstitucionais ou que contrariem outras de hierarquia superior.
Estamos aqui perante uma emanação do princípio do valor conformador dos preceitos constitucionais, que terão de prevalecer sobre outras normas legais, quando com elas se mostrem incompatíveis em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade das normas jurídicas, apreciando, por impugnação dos factos ou oficiosamente, a existência da inconstitucionalidade das normas aplicáveis ao caso concreto submetido a julgamento.
A ser assim, como é, por virtude da questão prévia da inconstitucionalidade do artº 147º, nº2 do CSC, ficará postergado o conhecimento dos fundamentos do recurso atrás condensados , ou seja, fica prejudicado o conhecimento das demais questões colocadas nestes autos.
E, a nosso ver, ocorre a inconstitucionalidade do art. 147.º n.º 2 do C.S.C..
Neste ponto, com a devida mesura, seguiremos o discurso jurídico vertido no Acórdão deste Tribunal de 06-11-2019, no Processo nº0857/12.2BELRS 01173/16, subscrito pelo relator desta formação na qualidade de 2º adjunto e que se encontra disponível em www.dgsi.pt e que passamos a excertar:
“(…)
3.3. Inconstitucionalidade do art. 147.º n.º 2 do C.S.C .
A recorrente pede que se conheça da inconstitucionalidade do art. 147.º n.º 2 do C.S.C., não no entendimento tido na sentença recorrida, mas no sentido da responsabilidade ser ilimitada e solidária tal como aplicado, pela AT, no ato de citação.
Vejamos o que a esse respeito consta da sentença recorrida:
"Vem suscitada a inconstitucionalidade do artº 147º do Código das Sociedades Comerciais,
Sobre esta questão trazemos à colação o acórdão proferido no processo nº 06133/12 de 22/01/2013 do Tribunal Central Administrativo que para os devidos efeitos se transcreve o sumário: "I - O princípio da limitação da responsabilidade dos sócios impede que estes respondam para com os credores pelas dívidas da sociedade, salvo estipulação contratual em contrário (art.º 197º, n.º 3, do CSC). II. Por essas dívidas responde o património da sociedade, excepto, designadamente, em caso de extinção, situação em que os sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada (art.º 163.º do CSC). II. A existência de dívidas de natureza fiscal ainda não exigíveis à data da dissolução não obsta à partilha do seu património; V. Atentos os princípios referidos em I. e II. supra, o art.º 147. n.º 2, do CSC, deve ser interpretado no sentido de que a responsabilidade dos sócios não é limitada pelo valor da respectiva quota, mas pelo valor global dos bens partilhados. Nesta perspectiva o art.º 147. n.º 2, do CSC, não cria quaisquer novas responsabilidades tributárias à revelia da Assembleia da República, podendo apenas ser visto, quando muito, como mero desincentivo à partilha dos bens da sociedade dissolvida enquanto não estiverem liquidadas todas as dívidas fiscais da mesma. Não é, por isso, inconstitucional."
E de tal extraiu que "não colhe este fundamento da Oponente."
Na sentença recorrida adotou-se, pois, um entendimento do art. 147.º n.º 2 do C.S.C., segundo a qual é de aplicar "pelo valor global dos bens partilhados", salvo estipulação contratual em contrário, ou o disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada, por referência, respetivamente, aos artigos 197.º n.º 3 e 163.º n.º 2 do C.S.C.
Tal entendimento não tem suporte na letra do dito art. 147.º n.º 2, em que se encontra prevista a responsabilidade solidária e ilimitada, sem qualquer distinção quanto a sócios de responsabilidade ilimitada ou limitada, não sendo de admitir o entendimento tido de acordo com o art. 9.º n.º 2 do Código Civil.
Contudo, o Tribunal Constitucional (T.C.) tem adotado um conceito funcional de norma, "consoante a sua justificação e sentido", incluindo em tal apreciação "o ato de poder público que cont[enha] uma reserva de conduta" - assim, nos acórdãos n.ºs 183/2008 e 441/2012, acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt (conceito diferente do tradicional, em que a norma era caracterizada pela generalidade e abstração).
E em acórdão recente do mesmo T.C.A. Sul - de 17-10-2019 proferido no processo 387/18.9BELLE, acessível em www.dgsi.pt - procedeu-se à aplicação da dita norma não no sentido efetuado na sentença recorrida, mas com o sentido de que os ditos sócios "respondem como todo o seu património", ou seja, num regime “mais gravoso que o estabelecido no artigo 163.º para o passivo superveniente" - assim, foi considerado, citando a doutrina do prof. Raul Ventura, de Carolina Cunha e de Joana Dias.
Admitindo que desse modo se possa conceber a responsabilidade por dívidas fiscais, não se pode deixar de observar que a redação dada ao art. 147.º n.º 2 do C.S.C. remonta ao Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de setembro, pelo qual foi aprovado o C.S.C.
Este foi aprovado, após um longo processo legislativo iniciado após o Código Civil de 1966, tendo-se procurado pôr "termo a inúmeras dúvidas e controvérsias", e regulado “mais pormenorizadamente situações até agora não previstas na lei", conforme consta do ponto 2 do seu preâmbulo.
Durante o referido processo legislativo não foi possível proceder à aplicação de lei de autorização legislativa da Assembleia da República (A.R.), a qual chegou a ser obtida aquando do VII Governo Constitucional quanto a dois capítulos "disposições penais e isenções fiscais".
Com efeito, a dita autorização caducou com a queda do respetivo Governo, não se tendo logrado posteriormente obter nova autorização, conforme consta da "nota preambular" do Exm.º Ministro da Justiça José Meneres Pimentel publicada no BMJ 327, a pág. 43.
Aliás, só veio a ser incluído no C.S.C. o título VII referente às ditas "disposições penais", uma vez obtida autorização legislativa da A. R. pela Lei n.º 41/86, de 13 de setembro, a qual não incluiu as ditas "isenções fiscais".
Estando a matéria em causa de algum modo relacionada com a dissolução e liquidação de sociedades, observa-se com interesse o que consta dos pontos 14 e 15 do preâmbulo do dito Dec.-Lei n.º 262/86 que aprovou o C.S.C.:
-"Regula-se a dissolução, segundo as linhas tradicionais, acolhendo-se quanto a sociedades unipessoais a posição de Ferrer Correia e tendo presente o disposto na 2.ª Directiva da CEE”;
-“A liquidação continua a ser regulada nos moldes tradicionais, estabelecendo-se, todavia, um prazo máximo de cinco anos para a liquidação extrajudicial (artigo 150.º) e regras relativas ao passivo e activo supervenientes (artigos 163.º e 164.º).”
Tais referências não permitem considerar que a referida autorização legislativa da A.R. fosse dispensável quanto à responsabilidade de sócios por dívidas de natureza tributária ainda não exigíveis à data da dissolução da sociedade com partilha imediata, disposição cujo caráter é inovatório, conforme se defende no recurso interposto.
Com efeito, ao tempo da entrada em vigor do C.S.C., ocorrida a 1/11/1986, segundo o previsto no art. 2.º do referido Dec.-Lei 262/86 que o aprovou, vigorava o Código de Processo das Contribuições e Impostos (CPCI) de 1963.
Doutrina muito relevante veio a defender que, após a vigência do Código Civil de 1966, "o regime normal das obrigações é o da conjunção", sendo a solidariedade passiva excecional, de acordo com o previsto no art. 513.º do Código Civil - assim, Soares Martinez em Direito Fiscal, na 10.ª ed. Almedina (reimpressão da 7.ª ed., de 1993), a pág. 246, e Braz Teixeira em Direito Fiscal, Lições ao 5.º ano jurídico de 1977/78, ed. da AAFDL, pág. 297.
Aliás, segundo estes autores a responsabilidade solidária, que surge quanto a pessoa alheia à constituição do vínculo tributário, não se confunde com a obrigação solidária.
A responsabilidade pessoal e solidária encontrava-se prevista no C.P.C.I. quanto a "administradores, gerentes e membros do conselho fiscal" (art. 16.º) e quanto a "liquidatários" (art. 17.º), estando ligada ao período em que exerceram atividade ou ao dos factos geradores da dívida - assim, Rúben Anjos de Carvalho e Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos Anotado e Comentado, 2.ª ed. Livraria Almedina, 1969, Vol. 1, pág. 133 e 141.
No entanto, quanto à responsabilidade de liquidatários a mesma encontrava-se prevista "na liquidação de qualquer sociedade", por violação do dever de "começar por satisfazer as dívidas fiscais", o que, com o devido respeito, não abrange o caso de partilha imediata que veio a ser posteriormente previsto no C.S.C.
No dito C.P.C.I., a legitimidade dos executados abrangia os "devedores originários" e os "sucessores de impostos" (art. 146.º n.º1), estando previsto que se procedesse à "destrinça da responsabilidade de cada herdeiro" (art. 151.º).
No Código de Processo Tributário (C.P.T.), de 1991, foi prevista a "responsabilidade fiscal por dívidas de outrem" (art. 11º n.º1), mas colhe-se já referência a que a "lei estabeleça o regime da responsabilidade tributária".
A responsabilidade dos administradores ou gerentes das empresas e sociedades foi aí prevista quando de responsabilidade limitada (art. 13.º), mantendo-se como "subsidiária e solidária entre si".
A "responsabilidade dos liquidatários de sociedades" (art. 14.º), foi também mantida em termos semelhantes ao anteriormente previsto no C.P.C.I., operando ainda, a título solidário e subsidiário, de acordo com o previsto na parte final do art. 11.º n.º 1 ("entender-se-á, salvo disposição em contrário, que esta é subsidiária").
No C.P.T. foi ainda mantida a dita legitimidade dos executados quanto a "sucessores", bem como a "destrinça da responsabilidade de cada herdeiro" (arts. 239.º e 241.º), não havendo dúvida que se considerarem abrangidos apenas os sucessores mortis causa - neste sentido, Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, em Código de Processo Tributário, 4.ª ed. Almedina, 1998, pág. 506, ponto 3.
A "responsabilidade tributária" obteve expressão na Lei Geral Tributária (L.G.T.), aprovada pelo Dec.-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro, a qual foi precedida da Lei n.º 41/98, de 4 de agosto, pela qual foi concedida autorização que, de acordo com o seu ponto 15, incluiu "estabelecer os princípios gerais sobre responsabilidade tributária, solidária e subsidiária", sendo, quanto à solidária, em termos de a "regular", "prevendo-a quanto aos sujeitos passivos do imposto, sócios e liquidatários".
Quanto à solidariedade, tida por excecional, foi prevista "quando se verificarem os pressupostos do facto tributário em relação a mais de uma pessoa" (art. 21.º n.º 1), bem como "no caso de liquidação de sociedades de responsabilidade ilimitada ou de outras entidades sujeitas ao mesmo tipo de responsabilidade” (art. 21.º n.º 2).
A "responsabilidade solidária" veio a ser prevista também com caráter "excecional", apenas nos casos previstos na "lei" - artigo 22.º n.º 1 da L.G.T.
Entre esta forma de responsabilidade, a de "liquidatários" (art. 26.º n.º1), em termos semelhantes aos já referidos constantes quer do C.P.C.I., quer do C.P.T.
Consideramos que o aí previsto não permite, assim, que aí se enquadre o que entretanto tinha sido previsto no art. 147.º n.º 2 do C.S.C., com o devido respeito, pela opinião em contrário - na Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª ed. 2012, Encontro de Escrita, pág. 258, ponto 5, Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa enquadram no art. 26.º n.º 1 da L.G.T. o art. 147.º n.º 2 do C.S.C.
É certo que o art.147.º n.º 2 do C.S.C. se insere na "Liquidação da sociedade" (Capítulo XIII da parte geral do C.S.C.), sob a epígrafe "Partilha imediata".
No entanto, neste caso, sendo pressuposto que, à data da dissolução, a sociedade não tenha dívidas, não há propriamente liquidação, com pagamento a credores.
Por outro lado, também nenhuma referência se obtém no art. 26.º n.º 1 da L.G.T. quanto à responsabilidade por dívidas então ainda não exigíveis, nem que tal responsabilidade se verifique, "embora reservem por qualquer forma as quantias necessárias para o seu pagamento".
Consideramos, pois, existirem diferenças significativas entre as ditas disposições.
Finalmente, no art. 29.º da L.G.T., prevê-se a "transmissão dos créditos e obrigações fiscais".
Salvo os casos previstos na "lei", quanto à "cessão a terceiros" (n.º1) e "transmissão inter vivos" (n.º3), apenas é possível em caso de "sucessão universal por morte" (n.º 2).
Neste caso, prevê-se a transmissão de obrigações "originárias ou subsidiárias", "mesmo que não tenham sido liquidadas" e "sem prejuízo do benefício do inventário".
A considerar-se que a norma contida no art. 29.º n.º 2 da L.G.T. abranja a transmissão inter vivos, como forma de sucessão, entendida amplamente - o que dificilmente se concebe, pois àquela forma de transmissão se refere o seguinte n.º3 -, resulta inovatória relativamente ao anteriormente previsto quer no C.P.C.I., quer no C.P.T.
Conforme referido anteriormente, nestes apenas se previu a sucessão mortis causa, não servindo, pois, a nova norma contida no art. 29.º n.º 2 para convalidar a inconstitucionalidade orgânica originária que resulta quanto ao referido art. 147.º n.º 2 do C.S.C.
O T.C. tem considerado a definição dos pressupostos legais da responsabilidade, seja solidária ou solidária, como matéria de incidência subjetiva ou de garantias dos contribuintes - nesse sentido, para além dos acórdãos indicados pelo recorrente, o n.º 149/2013, de que se reproduz o extrato que segue:
- (…) "há de entender-se que a definição destes outros pressupostos legais, por virtude de cuja ocorrência o responsável fica, igualmente, obrigado ao cumprimento da prestação tributária, tornando-o "sujeito passivo da relação tributária", integram, ainda, o conceito de incidência, relevado pela nossa Lei Fundamental como elemento essencial dos impostos para efeitos de sujeição ao princípio da legalidade tributária, de reserva de lei formal, na aceção já precisada. Mas, independentemente de um tal entendimento, poderá ainda ver-se o estabelecimento de um regime de responsabilidade tributária solidária ou subsidiária pelas dívidas tributárias de outrem como implicando com as "garantias dos contribuintes", elevadas, igualmente, à categoria de elemento essencial dos impostos pela norma constitucional e sujeitas ao mesmo princípio da legalidade tributária. Na verdade, a obrigação de responsabilidade tributária não deixa de corresponder à imposição, sobre certo sujeito jurídico, de uma obrigação de cumprimento de imposto a título solidário e subsidiário, afetando, pela via da constituição de uma tal garantia patrimonial solidária ou subsidiária, o seu património, em favor do credor tributário."
Assim sendo, a norma contida no art. 147.º n.º 2 do C.S.C. depende de lei formal da Assembleia da República ou de lei do Governo precedida de autorização legislativa que defina a extensão e sentido da responsabilidade que na mesma se encontra prevista - artigos 165.º n.ºs 1, i) e 2 da atual C.R.P., por referência ao seu art. 103.º n.º 2 (a estas disposições correspondem os artigos 168.º n.ºs 1, i) e 2 e 106.º n.ºs 2 da C.R.P., na versão vigente à data da entrada em vigor do C.S.C.).
Consideramos que, inexistindo tal lei formal ou de autorização legislativa, a norma contida no art. 147.º n.º 2 do C.S.C. padece de inconstitucionalidade orgânica, não podendo ser aplicada.
Não existe fundamento para a responsabilidade tributária, consideramos preenchido o fundamento de oposição previsto no art. 204.º n.º 1, b), do C.P.P.T., tendo de se revogar a sentença recorrida e julgar extinta a execução - art. 176.º n.º 1, b), do C.P.P.T.”
Lavrando nesse entendimento, considerando prejudicado o conhecimento das demais questões, haverá que negar provimento ao recurso, revogar a sentença proferida e julgar extinta a execução, o que se determinará no dispositivo infra.

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3. Decisão:

Nos termos expostos, os Juízes Conselheiros da Secção do Contencioso Tributário do S.T.A. acordam em negar provimento ao recurso, confirmar a sentença proferida por fundamentação distinta e julgar extinta a execução, quanto à pessoa da opoente A………...

Custas pela recorrente.

*

Lisboa, 18 de Novembro de 2020. - José Gomes Correia (relator) – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro.