Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02453/15.3BELRS
Data do Acordão:07/13/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
DIREITO DE SUPERFÍCIE
Sumário:I - O poder de se construir em solo alheio configura o direito de superfície, regulado nos artigos 1524.º e seguintes do Código Civil (CC), e que a Recorrente é titular de um direito de superfície dos solos em que ela própria edificou os imóveis a que respeitam as liquidações, tendo assim adquirido a qualidade de superficiária das obras que edificou, no exercício do direito de uso privativo do terreno.
II - O legislador fiscal, no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), separou o momento da aquisição do direito de superfície daquele em que o mesmo é exercido e tratou de forma diferente estas duas faculdades constitutivas do direito de superfície, determinando no nº 2 do artigo 8º do CIMI que, nos casos de direito de superfície, o imposto é devido pelo superficiário após o início da construção da obra ou do termo da plantação.
III - Portanto, quando o direito de superfície é constituído pela faculdade de construir ou manter uma obra em terreno alheio, o superficiário (titular do direito de superfície) é sujeito passivo de IMI desde o ano, inclusive, em que iniciar a construção, sendo que, nas situações em que o direito de superfície consiste na faculdade de fazer ou manter plantações em terreno alheio, o superficiário só é sujeito passivo de IMI a partir do ano, inclusive, em que terminar a plantação.
Nº Convencional:JSTA000P31251
Nº do Documento:SA22023071302453/15
Data de Entrada:05/23/2023
Recorrente:SINDICATO DA BANCA, SEGUROS E TECNOLOGIAS - MAIS SINDICATO
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1. – Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional pelo SINDICATO DA BANCA, SEGUROS E TECNOLOGIAS – MAIS SINDICATO, anteriormente denominado SINDICATO DOS BANCÁRIOS DO SUL E ILHAS, melhor identificado nos autos, visando a revogação da sentença de 30-01-2023, do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação que intentara na sequência da formação do indeferimento tácito da reclamação graciosa deduzida contra a liquidação de IMI e juros compensatórios relativa ao ano de 2010, no valor global de 71.923,24€ (63.020,90€ de imposto e 8.902,34€ de juros compensatórios), referente ao prédio anteriormente inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., sito na Rua ..., anterior freguesia ..., actual artigo ...10 da freguesia das ....

Inconformado, nas suas alegações, formulou o recorrente SINDICATO DA BANCA, SEGUROS E TECNOLOGIAS – MAIS SINDICATO, as seguintes conclusões:

A. A sentença recorrida é nula por não ter apreciado uma questão que devia ter apreciado por ter sido suscitada pelo recorrente e que se prende com a nulidade do ato de liquidação – por falta de fundamentação;
B. Com efeito, o recorrente tinha suscitado a questão da preterição de uma formalidade essencial – a falta de fundamentação – que afeta a validade do ato impugnado fulminando-o de nulidade o que não foi sequer analisado na sentença;
C. A sentença mal interpreta e aplica os artigos 8º, nº2, 9º, nº 1 c) e 10º do CIMI;
D. Do artigo 8º, nº 2 resulta que o superficiário é o sujeito passivo após o início da construção. Porém, o início da tributação – como aliás a A.T. reconhece no artigo 52º da sua contestação – só ocorre a partir do ano da conclusão da obra, definindo o artigo 10º o que se entende por data da conclusão da obra ou do prédio;
E. Assim, para fazer remontar o IMI ao ano 2010, a A.T. tinha de provar que nessa altura já era possível a normal utilização do imóvel com o valor patrimonial fixado em 18.005.970,00€, o que não se provou minimamente.
Termos em que deve ser revogada a sentença recorrida, sendo substituída por decisão que considere a impugnação procedente, assim se fazendo Justiça!

Não foram apresentadas contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de o recurso não merecer provimento, no parecer que se segue:

OBJETO
Vem o Contribuinte em epígrafe insurgir-se contra a Sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em 30.01.2023, a qual julgou improcedente a impugnação apresentada contra o ato de liquidação de IMI relativo ao ano de 2010, no valor global de € 71.923,24.
A nosso ver e salvo melhor, a questão a resolver será a relativa à determinação do sujeito passivo de IMI, quando estão em causa prédios que foram objeto de constituição de direito de superfície.
Todavia, o Recorrente vem, primeiramente, invocar a nulidade da Sentença sob escrutínio alegando que, em sede de Petição Inicial e alegações escritas, invocou a preterição de formalidade essencial do ato de liquidação, concretamente, a falta de fundamentação, sendo que, a seu ver, tal alegação não foi apreciada pelo Tribunal a quo, o que, refere, é causa de nulidade da Sentença.
Quanto a tal matéria somos a dizer que, em sede de PI, não vem alegada a falta de fundamentação do ato de liquidação, nem o pedido formulado refere a nulidade do citado ato impugnado, como, aliás, é bem explicitado pelo Mmo. Juiz no Despacho (datado de 11.04.2023) relativo à admissão do presente recurso.
MOTIVAÇÃO
Em sede de motivação, vem a Recorrente apresentar as seguintes Conclusões:
A sentença recorrida é nula por não ter apreciado uma questão que devia ter apreciado por ter sido suscitada pelo recorrente e que se prende com a nulidade do ato de liquidação – em causa nos autos – por falta de fundamentação;
Com efeito, o recorrente tinha suscitado a questão da preterição de uma formalidade essencial – a falta de fundamentação – que afeta a validade do ato impugnado fulminando-o de nulidade o que não foi sequer analisado na sentença;
A sentença mal interpreta e aplica os artigos 8º, nº 2, 9º, nº 1 c) e 10º do CIMI;
Do artigo 8º, nº 2, resulta que o superficiário é o sujeito passivo após o início da construção. Porém, o início da tributação – como aliás a AT reconhece no artigo 52º da sua contestação – só ocorre a partir do ano da conclusão da obra, definindo o artigo 10º o que se entende por data da conclusão da obra ou prédio;
Assim, para fazer remontar o IMI ao ano de 2010, a AT tinha de provar que nessa altura já era possível a normal utilização do imóvel com o valor patrimonial fixado em 18.005.970,00 €, o que se não provou minimamente.
Conclui o Recorrente pugnando pela revogação da sentença recorrida e a sua substituição por decisão que considere a impugnação procedente.
DO MÉRITO
Como supra referido, a questão a resolver é a da determinação do sujeito passivo do IMI relativamente a prédios que foram objeto de constituição de direito de superfície.
Nos termos da Sentença sob escrutínio, quando o direito de superfície é constituído pela faculdade de construir ou manter uma obra em terreno alheio, o superficiário (titular do direito de superfície) é sujeito passivo de IMI desde o ano, inclusive, em que iniciar a construção, sendo irrelevante para efeitos de tributação, em sede de IMI, a data (de uma eventual licença de utilização) da conclusão da obra.
Já para o Recorrente, o imposto só é devido após a conclusão das obras de edificação, sendo que a lei entende por conclusão a data em que se torna possível a respetiva utilização para os fins a que se destina.
Assim, para o Recorrente, a AT, para fazer remontar o IMI ao ano de 2010, tinha de provar que nessa altura já existia licença para a normal utilização do imóvel, o que só veio a acontecer em 04.10.2013, ou seja, posteriormente ao ano do tributo em causa.
Salvo o devido respeito por diversa posição, entendemos não caber aqui razão ao Recorrente.
Com efeito, afigura-se-nos que a norma regulamentadora, em caso de direito de superfície, é a norma específica que consta do nº 2 do art. 8º do CIMI.
Diferentemente, somos a entender que o art. 9º, do mesmo diploma, se destina às situações comuns em que está em causa a propriedade ou a aquisição do prédio.
E será apenas no caso da aplicação do citado art. 9º, concretamente, no que concerne à estatuição referente ao início da tributação a partir do ano da conclusão das obras de edificação, que importará aferir da data da conclusão das referidas obras nos termos do disposto no art. 10º do CIMI.
Ao contrário do defendido pelo Recorrente, o mencionado art. 8º não se limita a determinar o sujeito passivo do imposto. Regulamenta especificamente o momento em que o imposto é devido para o superficiário.
Entender de outro modo seria desprezar a norma referente aos casos de direito de superfície, ou seja, seria entender que, na fixação do sentido e alcance da lei, o legislador não consagrou as soluções mais acertadas nem soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
CONCLUSÃO
Pelo exposto entendemos, salvo melhor, não merecer o presente recurso provimento.

Notificado do Parecer supra, o recorrente veio expor o seguinte:

1. Relativamente à questão da falta de fundamentação, a mesma foi invocada na p.i. (artigo 13.º) e nas alegações escritas (2ª e 3ª conclusões).
2. No demais mantém o que invocou na sua alegação de recurso e conclusões.
*

Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.

*

2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

A) Em 23.11.2011, representantes da Impugnante e do Município de Lisboa, assinaram o escrito denominado “Contrato de compra e venda com rescisão parcial do direito de superfície”, contendo os seguintes considerandos:
“Considerandos:
1. Encontram-se constituídos a favor do aqui SEGUNDO OUTORGANTE, dois direitos de superfície sobre duas parcelas de terreno, sitas na Rua ..., com as áreas de 4.177 m2 e 2.080 m2, com validade até 11/06/2035, prorrogáveis por períodos de 35 anos, e sobre as quais se encontram construídos, respectivamente, uma Clínica e um Parque de Estacionamento em semicave, conforme escritura de 23/02/1999, com início a fls 5 do Livro de Notas n.º 33-M do Notariado da Câmara Municipal de Lisboa.
2. Por despacho de 08/01/2003 da Vereadora do Pelouro do Urbanismo à data, foi deferido o pedido relativo à ampliação do parque de estacionamento, através do processo n.º .../OB/2001, para o qual foi emitida licença de construção em Fevereiro, com uma área de construção que veio a exceder a parcela titulada pelo Direito de superfície constituído anteriormente.
3. Por despacho de 01/08/2003, da mesma Vereadora do pelouro do Urbanismo, foi aprovado o projecto referente às alterações efectuadas no decorrer da obra do edifício da Clínica, através do processo n.º .../2003, também com uma área de construção cuja ocupação veio a ultrapassar a área da parcela titulada pelo já identificado Direito de Superfície.
4. Da sobreposição do levantamento topográfico entregue em 28/01/2008 com os desenhos que estiveram na base da constituição do Direito de Superfície, verificou-se que, no que diz respeito à Clínica, estava indevidamente ocupada uma parcela de terreno com a área de 29,00 m2, e que o parque de estacionamento ocupa, também indevidamente, três parcelas de terreno com, respectivamente, 112,00 m2, 337,00 m2 e 63,00 m2.
5. Da diferença de áreas ocupadas a título do Direito de superfície anteriormente constituído, e as áreas que vieram a ser ocupadas em sequência das construções acima referidas, resultou o cálculo dos valores devidos pelo superficiário a título de regularização, num total de €140.017,55 (cento e quarenta mil e dezassete euros e cinquenta e cinco cêntimos).
6. Tendo as partes acordado, o PRIMEIRO OUTORGANTE em alienar, e o SEGUNDO OUTORGANTE em adquirir, aceitaram o resultado de uma avaliação conjunta e definitiva no montante de €6.738.277,00 (seis milhões, setecentos e trinta e oito mil, duzentos e setenta e sete ouros), para a aquisição da nua propriedade, que conduzirá naturalmente à extinção do direito de superfície nos termos do art.° 1636.°, al d), do Código Civil, ao qual acrescerá o montante devido a título de correcção da superfície efectivamente ocupada, atento o tempo decorrido, no valor do referidos €140.017,55.
7. Mostrando-se inútil a constituição de um direito de superfície sobre as parcelas identificadas e não incluídas na constituição do direito de superfície anterior, apresenta-se o valor decorrente da correcção integrado no valor da alienação atribuído a cada uma das parcelas, dando origem ao valor global de €6.878.294,55 (seis milhões, oitocentos e setenta e oito mil, duzentos e noventa e quatro euros e cinquenta e cinco cêntimos).
8. O levantamento topográfico referido no Considerando 4 supra evidenciou ainda a existência de uma parcela de terreno de 218 m2, do prédio urbano descrito no registo predial sob o n° ...95 da freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o artigo ...26, que tendo sido cedida em direito de superfície, não está a ser utilizada pelo superficiário, mas antes como domínio público.” (cfr. fls. doc. nº ... junto com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
B) Através do contrato referido na alínea antecedente, de entre outros prédios, a Impugnante adquiriu por 5.523.917,00€, a propriedade plena da parcela de terreno para construção com a área total de 3.959,00m2, composta por duas parcelas de terreno, sendo uma delas com 362m2 a ser desanexada do prédio urbano descrito no registo predial sob o nº ...95 da freguesia ..., e outra com a área de 3.597m2, descrito no registo predial sob o nº ...60 da mesma freguesia, confrontando a Norte com a Rua ..., a Nascente com domínio privado e ..., a Sul com domínio provado e ... e a Poente com ... e ... (cfr. fls. 22 e 23 dos autos).
C) Em 14.07.2014, a Impugnante apresentou a “Declaração para inscrição ou atualização de prédios urbanos na matriz”, indicando os seguintes elementos:
Motivo: Prédio Melhorado/Modificado/Reconstruído
Artigo Provisório: P1132
Tipo: Urbano
Artigo: 889
Elementos do prédio: Conservatória de Lisboa; Registo nº ...03;
Norte: Rua ...
Sul: com domínio privado e ...
Nascente: com domínio privado e ...
Poente: com ... e ...
Afetação: Serviços
Nº de Pisos: 7
Data da Licença de Utilização: 2013-10-04
Data de Conclusão das Obras: 2003-02-28
Data de Ocupação: 2003-03-10
Data do facto: 2003-02-28 (cfr. fls. 39 e 40 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos).
D) Com base na declaração mencionada na alínea antecedente, foi em 01.09.2014, realizada a 1ª avaliação do prédio fixando o VPT em 18.005.970,00€, mantendo como data da licença de utilização 04.10.2013, como data de conclusão da obra 28.02.2003 e como data de ocupação 10.03.2003 (cfr. fls. 37 e 38 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos).
E) Em 18.11.2014 foi emitida em nome da Impugnante a liquidação de IMI do ano de 2010, referente ao prédio com o artigo ...32º da freguesia ..., ..., realizada com base no VPT referido na alínea antecedente, resultando no montante de imposto a pagar de 63.020,90€ e 8.902,34€ de juros compensatórios, no total de 71.923,24€ (cfr. fls. 5 do PAT, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
F) Notificada da liquidação referida na alínea antecedente, a Impugnante apresentou reclamação graciosa que foi instaurada no SF de Lisboa 10 sob o nº ...98 (cfr. fls. 2 e ss. do processo de reclamação graciosa apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
G) Em 17.08.2015 foi apresentada a presente impugnação (cfr. fls. 4 dos autos).
****
Factos Não provados:
1 – Não foi provado que as construções erigidas nos lotes de terreno adquiridos pela Impugnante à Câmara de Lisboa em 2011, relativas a uma Clínica e um Parque de Estacionamento, tenham, até 2010, sido declaradas junto da AT com vista à respetiva inscrição na matriz e respetiva avaliação.
****
Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.
****
Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na posição factual expressa pelas partes na p.i., contestação, na prova documental junta aos autos e no processo administrativo em apenso, conforme referido a propósito de cada alínea do probatório.
O facto dado como não provado resulta da concatenação de todos os elementos de prova juntos aos autos, não resultando o mínimo indício de que alguma vez tenha sido promovida a inscrição da referida Clínica e do Parque de Estacionamento na respetiva matriz predial urbana.
*

2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA E 2º, al. e) do CPPT.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pelo recorrente, as questões que cumpre decidir subsumem-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou improcedente a impugnação, padece em (i) primeiro lugar de nulidade por omissão de pronúncia sobre a questão da nulidade do acto de liquidação, por falta de fundamentação e em (ii) segundo, impõe-se a determinação do sujeito passivo do IMI relativamente a prédios que foram objecto de constituição de direito de superfície, tendo em conta que o imposto só é devido após a conclusão das obras de edificação, sendo que a lei entende por conclusão a data em que se torna possível a respectiva utilização para os fins a que se destina, cabendo à AT, para fazer remontar o IMI ao ano de 2010, a prova de que nessa altura já existia licença para a normal utilização do imóvel, o que só veio a acontecer em 04.10.2013, ou seja, posteriormente ao ano do tributo em causa.
Quanto à alegada nulidade da sentença por omissão de pronúncia seria decorrente de, tendo invocado na p.i. e nas alegações escritas também a preterição de formalidade essencial do acto de liquidação, concretamente, a falta de fundamentação, e de a mesma não ter sido apreciada pelo Tribunal a quo, o que, refere, é causa de nulidade da Sentença.
O certo é que, em consonância com o ponto de vista manifestado pelo Mº Juiz recorrido e pelo Ministério, em sede de PI, não vem alegada a falta de fundamentação do acto de liquidação, nem o pedido formulado refere a nulidade do citado ato impugnado.
Na verdade, no despacho prolatado pelo Juiz a quo em 11.04.2023, não é suprida a invocada nulidade pelas seguintes razões:
“Encontra-se suscitada a nulidade por omissão de pronúncia, considerando o Recorrente que a sentença não se pronunciou quanto ao fundamento de impugnação constante da p.i., de falta de fundamentação da liquidação.
No entanto, compulsada a p.i. não se verifica ter sido suscitada a nulidade da liquidação por preterição de formalidade essencial - falta de fundamentação -, nem o pedido formulado refere a nulidade do ato impugnado, como o Recorrente invoca no recurso.
Assim, não se reconhece nem se compreende o vício imputado à sentença.”
O recorrente não aceita essa percepção afirmando na resposta ao Parecer do Ministério Público que:
“1. Relativamente à questão da falta de fundamentação, a mesma foi invocada na p.i. (artigo 13.º) e nas alegações escritas (2ª e 3ª conclusões).
2. No demais mantém o que invocou na sua alegação de recurso e conclusões.”
Ora, perscrutado o artº 13º da p.i. vê-se que o mesmo tem o seguinte teor:
“Por outro lado, a tributação no ano de 2014 ao ano de 2010, nas circunstâncias descritas, não encontra fundamento no artº 9º do CIMI nem tal vem demonstrado ou sequer fundamentado na Nota de Liquidação”.
E que, analisado o pedido, nele se verteu:
“Termos em que deve ser dado provimento à presente impugnação anulando-se os atos impugnados, por vício de violação de lei e decidindo-se que o impugnante nada deve relativamente ao IMI em causa do ano de 2010 e de juros compensatórios”.
Ainda que nas alegações escritas seja invocado claramente o vício de falta de fundamentação, o certo é que, em sede de PI, não vem alegado tal vício do acto de liquidação, nem o pedido formulado refere a nulidade do citado acto impugnado.
Nos termos do nº 1 do artº 125º do CPPT e à semelhança do que sucede no processo judicial comum conforme o estatuído na al. d) do nº 1 do artº 615º do CPC, é causa de nulidade da sentença em processo judicial tributário a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.
Aquela regra comporta a excepção prevista no nº 2 do artº 608º do CPC que estipula que «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras». E as questões suscitadas pelas partes e que justificam a pronúncia do Tribunal terão de ser determinadas pelo binómio causa de pedir-pedido. A ser assim e de acordo com o entendimento do Prof. J.A.Reis, Anotado, Coimbra, 1984, Vol. V, pág. 58, haverá tantas questões a resolver quantas as causas de pedir indicadas pelo recorrente na petição inicial e que fundamentam o pedido de anulação do acto impugnado.
Da análise da sentença recorrida resulta que a Mº Juiz «a quo» se pronunciou especificamente e de forma clara, rigorosa e explícita sobre a causa de pedir invocada pela impugnante na p.i. para justificar o pedido de anulação do acto.
Por isto, e porque os recursos visam a alteração das decisões judiciais, não cabendo ao tribunal que os decide a pronúncia sobre temas que não foram apreciados pelo tribunal recorrido, salvo os de conhecimento oficioso, a questão ficou de fora, também, do âmbito do presente recurso.
Assim, porque a questão em apreço – falta de fundamentação - não foi enunciada na petição inicial, não foi nem devia ser conhecida pelo tribunal «a quo», nem pelo tribunal «ad quem», inferindo-se das conclusões alegatórias em análise, que a recorrente aduziu questão nova sobre a qual pretende a emissão de pronúncia, o que o mesmo é dizer que a questão suscitada excede o objecto do recurso.
Por isso não merece censura a sentença recorrida por dela não ter conhecido, a qual, por isso, também não incorre na nulidade assacada de omissão de pronúncia.

*

Quanto ao erro de julgamento, como bem denota o Ministério Público, a questão a resolver será a referente à determinação do sujeito passivo de IMI, quando estão em causa prédios que foram objecto de constituição de direito de superfície.
No ponto, argumenta o recorrente que a sentença interpretou e aplicou incorrectamente os artigos 8º, nº 2, 9º, nº 1 c) e 10º do CIMI, porquanto (i) do artigo 8º, nº 2, resulta que o superficiário é o sujeito passivo após o início da construção. Porém, o início da tributação – como aliás a AT reconhece no artigo 52º da sua contestação – só ocorre a partir do ano da conclusão da obra, (ii) o artigo 10º define o que se entende por data da conclusão da obra ou prédio e (iii) portanto, para fazer remontar o IMI ao ano de 2010, a AT tinha de provar que nessa altura já era possível a normal utilização do imóvel com o valor patrimonial fixado em 18.005.970,00 €, o que se não provou minimamente.
Com base nesse acervo de razões, o Recorrente termina a pedir a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por decisão que considere a impugnação procedente.
Aquilatando.
Para julgar improcedente a impugnação, adoptou-se na sentença recorrida a seguinte fundamentação:
“(…)
Como supra se referiu, a questão a decidir nos presentes autos consiste em aferir se é legal a liquidação de IMI impugnada, designadamente por a Impugnante não era em 2010 proprietária plena do imóvel, sendo-o a CML que se encontrava isenta de IMI, e se são ilegais os juros compensatórios liquidados pelas mesmas razões.
Vejamos.
Como resulta do probatório, desde 1999 que o Impugnante era detentora do direito de superfície de duas parcelas de terreno, nas quais foram construídos uma Clínica e um Parque de Estacionamento em semi-cave (alínea A) dos factos provados – considerando 1), tendo em fevereiro de 2003 (alínea A) dos factos provados – considerando 2) sido emitida licença de construção para ampliação do Parque de Estacionamento e por despacho camarário de 01.08.2003 (alínea A) dos factos provados – considerando 3) foi aprovado o projeto de alterações efetuadas no decorrer da obra do edifício da Clínica.
Como resulta do probatório, pelo menos até ao ano de 2010, nunca terá sido promovida a inscrição daqueles prédios na matriz, o que apenas sucedeu com a entrega da Modelo 1 de IMI pelo Impugnante ocorrida em 14.07.2014.
A questão a resolver é, assim e antes do mais, a da determinação do sujeito passivo do IMI, relativamente a prédios que foram objeto da constituição de direito de superfície.
Ora, nos termos do artigo 1524º do Código Civil (CC), o direito de superfície consiste na faculdade de construir ou manter, perpétua ou temporariamente, uma obra em terreno alheio, ou de nele fazer ou manter plantações.
Podemos dizer que o direito de superfície é definido no CC como um direito real menor por oposição ao direito de propriedade. Assim, da definição legal resulta que o direito de superfície é um direito que incide sobre o solo ou a superfície de um prédio, pressupondo que um terceiro tem a propriedade sobre o referido prédio.
Por outro lado, o legislador fiscal, no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), separou o momento da aquisição do direito de superfície daquele em que o mesmo é exercido e tratou de forma diferente estas duas faculdades constitutivas do direito de superfície. Desta forma, determina o nº 2 do artigo 8º do CIMI que, nos casos de direito de superfície, o imposto é devido pelo superficiário após o início da construção da obra ou do termo da plantação.
Assim, quando o direito de superfície é constituído pela faculdade de construir ou manter uma obra em terreno alheio, o superficiário (titular do direito de superfície) é sujeito passivo de IMI desde o ano, inclusive, em que iniciar a construção, sendo que, nas situações em que o direito de superfície consiste na faculdade de fazer ou manter plantações em terreno alheio, o superficiário só é sujeito passivo de IMI a partir do ano, inclusive, em que terminar a plantação.
Como resulta dos autos, o Impugnante já detinha as construções nos terrenos cedidos pela Câmara, em 2003, uma vez que nesse ano promoveu alterações na Clínica e no Parque de Estacionamento, pelo que, pelo menos desde 2003, que é sujeito passivo de IMI relativamente aos referidos prédios construídos enquanto proprietário dos mesmos e é sujeito passivo dos terrenos em que as construções estão implantadas na qualidade de superficiário por já terem ali sido realizadas essas mesmas construções, pelo que se estranha a sua posição de imputar a responsabilidade pelo imposto à Câmara Municipal, por ser a detentora da nua propriedade dos terrenos.
Por outro lado, a liquidação impugnada resulta da avaliação patrimonial realizada pela AT com base na declaração modelo 1 de IMI apresentada pelo Impugnante nos termos do artigo 13º do CIMI, sendo que foi o próprio Impugnante que naquela declaração declarou como data de conclusão das obras e do facto tributário 2003-02-28, e como data de ocupação 2003-03-10, sendo irrelevante para efeitos de tributação em sede de IMI a data da licença de utilização.
Aliás, o que se retira da posição expressa pelo Impugnante nos presentes autos é que aquela entende que o facto de se ter furtado durante vários anos ao pagamento de IMI pela não declaração das construções realizadas, se encontra justificada precisamente com a sua omissão, o que não se afigura uma posição minimamente aceitável, designadamente do ponto de vista legal.
Pelo que se disse, afigura-se perfeitamente legal a liquidação impugnada, porquanto em 2010 o Impugnante era sujeito passivo de IMI.
Também como decorrência do que antes se referiu, dúvidas não existem de que foi a própria omissão declarativa do Impugnante que conduziu a que a emissão da liquidação apenas tivesse ocorrido em 2014 já que, tendo as obras das construções erigidas nos terrenos cedidos pela CML em direito de superfície sido concluídas em 2003, já há muito que a sua obrigação de apresentação da Modelo 1 de IMI se verificara, pelo que é imputável ao Impugnante o retardamento da liquidação, nos termos do artigo 35º da LGT e do artigo 117º, nº 1 do CIMI.
É assim a impugnação de improceder na totalidade.”
Como resulta cristalino do seu discurso jurídico, pronunciando-se sobre a determinação do sujeito passivo do IMI relativamente a prédios que foram objecto de constituição de direito de superfície, na Sentença recorrida é perfilhado o entendimento de que, quando o direito de superfície é constituído pela faculdade de construir ou manter uma obra em terreno alheio, o superficiário (titular do direito de superfície) é sujeito passivo de IMI desde o ano, inclusive, em que iniciar a construção, sendo irrelevante para efeitos de tributação, em sede de IMI, a data (de uma eventual licença de utilização) da conclusão da obra.
Como vimos, a tese do recorrente é a de que o imposto só é devido após a conclusão das obras de edificação, sendo que a lei entende por conclusão a data em que se torna possível a respectiva utilização para os fins a que se destina pelo que a AT, para fazer remontar o IMI ao ano de 2010, tinha de provar que nessa altura já existia licença para a normal utilização do imóvel, o que só veio a acontecer em 04.10.2013, ou seja, posteriormente ao ano do tributo em causa.
Ora, sufragando plenamente a tese da sentença recorrida secundada pelo Ministério Público, também se entende que a norma regulamentadora, em caso de direito de superfície, é a norma específica ínsita no nº 2 do art. 8º do CIMI já que o art. 9º, do mesmo diploma legal, se aplica às situações comuns em que está em causa a propriedade ou a aquisição do prédio.
Por assim ser, como realça o Ministério Público no seu douto Parecer aprovando a solução ditada na sentença sob escrutínio, só no caso da aplicação do aludido art. 9º, concretamente, no que respeita à estatuição tocante ao início da tributação a partir do ano da conclusão das obras de edificação, que importará aferir da data da conclusão das referidas obras nos termos do disposto no art. 10º do CIMI.
Em suma: o aludido art. 8º, nº2 do CIMI, visa não só firmar a determinação do sujeito passivo do imposto mas, ainda, a regulamentar especificamente o momento em que o imposto é devido para o superficiário, traduzindo-se um outro entendimento na postergação da norma atinente aos casos de direito de superfície, o que valeria por dizer que, na fixação do sentido e alcance da lei, o legislador não consagrou as soluções mais acertadas nem soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Nesse sentido apontam, entre outros, os acórdãos deste STA de 02/06/2010, Processo nº 027/10, de 19/10/2011, Processo nº 0351/11, de 14/01/2015, Processo nº0280/12 e de 18/11/2020, Processo nº 038/09.2BEPRT.
Por esse prisma, soçobra plenamente o presente recurso e deve confirmar-se a sentença recorrida.
**
*
**

3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente (cfr.artº.527, do C. P. Civil).
*

Lisboa, 13 de Julho de 2023. - José Gomes Correia (relator) - Anabela Ferreira Alves e Russo - Joaquim Manuel Charneca Condesso.