Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0137/22.5BCLSB
Data do Acordão:02/23/2023
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
INFRACÇÃO DISCIPLINAR
ALTERAÇÃO
FACTO
Sumário:Não se justifica admitir revista se o acórdão recorrido não parece padecer de qualquer erro ostensivo, mostrando-se fundamentado de forma consistente e plausível, ao entender que a imputação de novos factos na decisão final condenatória, não constantes da acusação e que consubstanciam uma alteração substancial dos factos, tem de observar previamente o procedimento do art. 359º do CPP.
Nº Convencional:JSTA000P30601
Nº do Documento:SA1202302230137/22
Data de Entrada:02/06/2023
Recorrente:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL E OUTROS
Recorrido 1:VITÓRIA SPORT CLUBE – FUTEBOL, S.A.D.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo


1. Relatório
Federação Portuguesa de Futebol interpõe a presente revista, nos termos do art. 150º do CPTA, do acórdão do TCA Sul de 15.12.2022 que negou provimento ao recurso que interpusera do acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), em sede de arbitragem necessária, tendo o TAD proferido acórdão, em 01.08.2022, julgando parcialmente procedente o recurso interposto pela Vitória Sport Clube – Futebol SAD [Vitória, SAD], da decisão proferida pelo Conselho de Disciplina – Secção Profissional da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), que, no âmbito dos processos disciplinares nº .../... e (apenso) ...-.../..., decidiu condenar a aqui Recorrida, em cúmulo material, na sanção de interdição do seu recinto desportivo por 1 jogo e na sanção de multa correspondente ao valor de €36.070,00 (bem como, acessoriamente, a condenou no pagamento à Sporting Clube de Braga – Futebol, SAD da quantia de €11.276,52 que esta teve de despender na reparação de danos sofridos no seu autocarro oficial).
A FPF interpõe a presente revista, alegando que esta visa a apreciação de questão com elevada relevância jurídica e social.

Em contra-alegações a Recorrida defende a inadmissibilidade do recurso, ou a sua improcedência.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

A Vitória, SAD impugnou no TAD a decisão proferida pela Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), que, no âmbito dos processos disciplinares nº .../... e (apenso) ...-.../..., decidiu condenar a aqui Recorrida, em cúmulo material, na sanção de interdição do seu recinto desportivo por 1 jogo e na sanção de multa correspondente ao valor de €36.070,00.

O TAD julgou parcialmente procedente recurso da Demandante decidindo, “(…) condenar esta, alterando em conformidade as sanções aplicadas na decisão disciplinar sub judice, na sanção única de multa de 284,00 UC, aplicando o fator de ponderação de 0,75 (cfr. artigo 36.º, n.º 2 do RDCOLP), é fixada em € 21.726,00 (vinte e um mil setecentos e vinte e seis euros), (…)”.

O TCA Sul para o qual a FPF apelou, considerou, nomeadamente, o seguinte [atendendo a que na decisão final condenatória se procedeu a uma alteração dos factos imputados à Recorrida, sem que previamente esta fosse notificada para se pronunciar sobre tal alteração], “Pretende a Recorrente que a factualidade apurada e imputada, ex novo, à Recorrida, na decisão disciplinar condenatória não se alterou de forma substancial, não havendo, portanto, lugar à notificação para que se pronunciasse novamente sobre os factos e/ou sobre a sua qualificação jurídica.
Tratar-se-ia, pois, de uma alteração não substancial dos factos e da qualificação jurídica imputada à Recorrida e não se impunha a concessão do período de tempo necessário à reorganização da sua estratégia de defesa, a que alude o n.º 3 do artigo 358.º do Código de Processo Penal (aplicável ex vi do artigo 16.º, n.º 1 do RDLPFP19).
Claramente, não tem razão.
Segundo o artigo 1º, f) do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do artº 16º, nº 1 do RDLPFP 2019/2020: “[a]lteração substancial dos factos» aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis (…)”.
Por sua vez, nos termos do artº 359º do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do artº 16º, nº 1 do RDLPFP 2019/2020com a epígrafe “Alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia: (…)
O cerne da questão é o que será aqui o “crime diverso”.
Será só em casos em que o tipo objetivo e subjetivo é outro?
Necessariamente a noção de crime diverso, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 1.º, n.º 1, al. f) e 359.º, ambos do CPP, não pode dizer apenas à imputação de crime previsto em diferente normativo legal, cabendo também naquele conceito o ilícito penal previsto na mesma norma, mas cometido noutras circunstâncias quanto a algum dos elementos essenciais do tipo, subjetivo ou objetivo.
Inevitavelmente, ocorre alteração substancial quando diverso é o contexto objetivo do cometimento do crime, como quando o mesmo foi perpetrado em circunstancialismo diverso, mormente a intenção, quando ela integra o respetivo tipo legal.
E este ponto é tudo quanto releva in casu.
A defesa a deduzir perante uma acusação com imputações de teor genérico e conclusivo como a que resulta dos pontos 12º a 15º e 21º da acusação acima referidos, outra, bem diferente, é circunstanciar a infração e dizer que a entrada dos artefactos foi feita por determinada sala do recinto desportivo e que àquela sala apenas se acede pelo interior do recinto desportivo, pelo que aquele material pirotécnico teve de ser ali levado e acondicionado por alguém a quem foi franqueada a entrada no estádio D. Afonso Henriques.
Só assim se poderá de forma mais fidedigna (mais próxima da “certeza possível”) aferir quem, potencialmente, pode ter deixado entrar esse material, conferindo quem se encontrava ao serviço e tinha acesso a tal divisão nos dias que antecederam a descoberta do material em causa.
Saber qual o desiderato da previsão legal constante dos artigos do Regulamento Disciplinar aplicáveis à matéria ou se tal será mais ou menos facilmente conseguido por força da manutenção da presente medida disciplinar é, aqui, inconsequente (…)
Bastaria à Recorrente, na dúvida sobre a natureza substancial ou não da alteração da imputação feita, ter observado o procedimento do artº 359º do CPP. Dessa forma teria salvaguardado as garantias de defesa da arguida/Recorrida, a efetividade do princípio do acusatório, e poderia ter logrado a consecução da teleologia subjacente aos preceitos.
Isso, sob pena de perversão de quaisquer garantias jus-penalmente consagradas e que, por remissão do artº 16º, nº 1 do RDLPFP, 2019/2020 (…) são aqui aplicáveis in totum.
(…)
Atendendo ao que acima vem vertido, impõe-se, pois, secundar o decidido pelo TAD, ao revogar parcialmente a decisão condenatória na parte referente ao preenchimento do ilícito previsto no artº 118º do RDCOLP, em virtude de o Recorrente ter procedido a uma alteração substancial dos factos descritos na acusação sem observar os trâmites ínsitos ao artº 359º do CPP, aplicável ex vi do artº 16º, nº 1 do RDLPFP, 2019/2020.
Mostra-se, pois, inconsequente, debater a questão de saber se in casu se mostra ou não preenchido o tipo previsto no artº 118º do RDCOLP, mormente na sequência da alteração ocorrida na decisão final sancionatória em relação ao conceito de “falta de fiscalização adequada” constante da acusação.
Pelo exposto, cumpre negar provimento ao recurso interposto e confirmar a decisão em crise.”

Alega a Recorrente na presente revista que o acórdão recorrido teria incorrido em erro de julgamento ao entender que o CD procedeu a uma alteração substancial dos factos descritos na acusação, sem observar os trâmites previstos no art. 359º do CPP, aplicável ex vi do artº 16º, nº 1 do RDLPFP 2019/2020.
A Recorrente não é, porém, convincente.
Com efeito, o acórdão recorrido não parece padecer de qualquer erro ostensivo, mostrando-se fundamentado de forma consistente e plausível, nos termos acima transcritos, ao entender que a imputação de novos factos na decisão final condenatória, não constantes da acusação e que consubstanciam uma alteração substancial dos factos, tem de observar previamente o procedimento do art. 359º do CPP.
Assim sendo, e porque as instâncias decidiram, no essencial, no mesmo sentido e o acórdão recorrido parece estar correctamente fundamentado, através de um discurso plausível, quanto às questões submetidas pela Recorrente à sua apreciação, não se justifica a admissão da revista para uma melhor aplicação do direito, não se vendo igualmente, que a concreta questão que nos autos se discute detenha uma relevância jurídica ou social superior ao normal para este tipo de problemática, pelo que não se justifica postergar a regra da excepcionalidade da revista.

4. Decisão
Face ao exposto, acordam em não admitir a revista.
Custas pela Recorrente.

Lisboa, 23 de Fevereiro de 2023. – Teresa de Sousa (relatora) – Carlos Carvalho – José Veloso.