Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01760/15.0BESNT 0896/17
Data do Acordão:10/14/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULA CADILHE RIBEIRO
Descritores:TAXA MUNICIPAL
POSTO DE ABASTECIMENTO DE COMBUSTÍVEIS
CONSTITUCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA
Sumário:I - A taxa prevista no artigo 70.º, e posterior artigo 69.º, da Tabela de Taxas e outras Receitas do Município de Sintra, quando aplicável a equipamentos de abastecimento de combustíveis líquidos inteiramente localizados em propriedade privada, não assenta em qualquer atribuição ou competência para licenciar o posto de abastecimento de combustíveis, mas antes no poder de tributar os particulares beneficiários de utilidades prestadas ou geradas pela atividade do município, designadamente pela prestação de serviços no domínio da prevenção de riscos e da proteção civil ou sobre a realização de atividades dos particulares que oneram permanentemente o ambiente do município, aspetos estes não valorados no quadro do licenciamento.
II - Essa taxa não padece de inconstitucionalidade por violação do princípio da legalidade tributária no sentido de reserva de lei formal, ínsito nos artigos 165.º, n.º 1, alínea i) e 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
Nº Convencional:JSTA000P26502
Nº do Documento:SA22020101401760/15
Data de Entrada:09/06/2017
Recorrente:A............, S.A.
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE SINTRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – Relatório
1.1. A…………, S.A., com os sinais dos autos, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida na sequência de indeferimento expresso das reclamações apresentadas contra os atos de liquidação de taxas cobradas por equipamentos de abastecimento de combustíveis líquidos, relativos aos anos de 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014, no montante de €8.651,25, referentes ao posto sito na Av. ……… – São João das Lampas (anos 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014), e ao posto sito na Av. ………/Av. ………, lote …… – Rio de Mouro (ano 2014), efetuadas ao abrigo dos artigos (consoante os anos) 69.º ou 70.º, n.º 1.1. da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra.

1.2. A Recorrente formulou as seguintes conclusões:
«a) Veio a douta sentença recorrida propugnar que o tributo cobrado assume a natureza de taxa e não já de imposto, não enfermando como tal, da inconstitucionalidade que lhe é assacada pela ora recorrente. Salvo devido respeito, tão pouco neste concreto ponto assiste razão ao Tribunal a quo.
b) Analisando o tributo em questão, fácil se mostra concluir que, ao contrário do entendimento vertido na douta sentença recorrida, o mesmo não apresenta a natureza de uma taxa já que não se vislumbra qualquer (...) prestação concreta um serviço do domínio público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares". Senão veja-se:
c) Da análise do citado preceito normativo resulta claro que este incide sobre os postos de abastecimento, independentemente da utilização ou não de bens do domínio público, um tributo de montante fixo e igual para todos, a que acresce uma taxação determinada em função da utilização da via pública. Ou seja, não oferece dúvida face ao teor da norma regulamentar, que esta abrange os postos inteiramente instalados em propriedade privada.
c) Ora, os postos de abastecimento em questão encontram-se instalados inteiramente em terreno do domínio provado, decorrendo também no seu interior todos os actos relativos ao abastecimento e actividades complementares de abastecimento das viaturas.
e) Assim sendo, não ocupando os referidos postos de abastecimento, nem utilizando para o seu funcionamento, quaisquer bens do domínio público ou semi-público da autarquia, forçoso se torna concluir que não existe qualquer contraprestação da Câmara Municipal de Sintra face ao pagamento da referida “taxa" pela ora impugnante, resultante da utilização privada de bens do domínio público e privado camarário.
f) Por outro lado, a ora recorrente não beneficiou da utilização concreta dos serviços de repartição ou funcionários municipais, designadamente no domínio da prevenção de riscos ambientais. É certo que, conforme avança a douta sentença recorrida, entre o enunciado exemplificativo das taxas municipais, a Lei n.º 53-E/2006, de 29 de Dezembro, se deixa dito no artigo 6º/2 que “as taxas municipais podem também incidir sobre a realização de actividades dos particulares geradoras de impacto ambiental negativo”.
g) Mas não é menos certo que estes serviços têm de assentar na prestação concreta de um serviço (artigo 3.º), não sendo suficiente a existência de meras prestações presumidas. Ou seja, uma interpretação conforme ao disposto nos artigos 103.º, nº 2 e 238.º, n.º 4 da Constituição, exige que o artigo 6º/2 da Lei n.º 53-E/2006 seja aplicado restritivamente, com o sentido de ser subsidiário aos pressupostos objectivos das taxas (artigo 3º do mesmo diploma legal).
h) É que o serviço concreto exige utilidades divisíveis (artigo 5.º, n.º 2). Ora, a proteção ambiental, em geral, é absolutamente indivisível, pois respeita a toda a população do concelho e a terceiros (podendo estes também vir a ser beneficiados com os serviços relativos à proteção ambiental). Conforme deixa dito Sérgio Vasques em anotação ao referido artigo 6º/2 da Lei n.º 53-E/2006, “(...) a qualificação de um tributo local como taxa exige por princípio que este incida sobre prestações efectivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo e não apenas sobre prestações de que o sujeito passivo seja o presumível causador ou beneficiário. Sempre que um tributo local assente sobre prestações presumidas com um grau de força relativo, em termos que o aproveitamento da prestação pública não se possa dizer certo mas apenas provável, estaremos perante contribuições cuja criação está vedada às autarquias locais em virtude da reserva do lei parlamentar constante do artigo 165º, n.º 1, alínea j) da Constituição da República. (...) A proteção do ambiente, e proteção civil ou a promoção do desenvolvimento local podem servir de base de incidência às taxas locais mas apenas quando essas actividades se materializem em prestações públicas concretas de que os respetivos sujeitos sejam os efectivos causadores ou beneficiários e nunca quando eles tornem a forma de prestações públicas difusas (…)”, sublinhado nosso (vide 'Regime das Taxas Locais — Introdução e Comentário, pág. 116)
l) Acresce, ainda, que a ora Recorrente não beneficiou da remoção de qualquer obstáculo jurídico à actividade por si desenvolvida, bastando, para tanto, atentar na própria previsão do tributo.
j) Em idêntico sentido (e num caso em tudo similar ao dos presentes autos) já se pronunciou o Tribunal Constitucional: “Através de uma taxa como a que vem identificada nos autos, o obrigado ao pagamento não beneficia da utilização dos serviços de repartição ou funcionários municipais, nem da remoção de qualquer obstáculo jurídico ao exercício da actividade em causa. Assim, a imposição da taxa em apreciação apenas poderia fundar-se na ocupação do domínio público e aproveitamento de bens de utilização pública. Porém, é manifesto que este tipo de contrapartida não pode concretizar-se na situação dos autos: de facto, estando o posto de abastecimento instalado inteiramente em terreno privado e decorrendo também na propriedade privada todos os actos todos os actos relativos ao abastecimento das viaturas implica qualquer utilização de bens semi-públicos, não sendo sequer possível ligá-la a uma eventual renovação de licença ou a quaisquer diligências que o município deva realizar para a conceder” (vide acórdão do Tribunal Constitucional n.º 515/2000)
k) Mas ainda que se admitisse que o tributo em análise se fundava na remoção de um obstáculo jurídico (o que apenas se admite por mera cautela e sem conceder), sempre haveria que analisar, em concreto, se o seu fundamento seria ou não arbitrário.
l) Ora, a este propósito outra conclusão não se poderá retirar que não seja a de que o fundamento da norma contida no artigo 70º (e posterior artigo 69º) da Tabela de Taxas e outras Receitas do Município de Sintra se mostra efectivamente arbitrário, porquanto se pretende, pura e simplesmente, garantir a oportunidade de angariar uma receita tributária nada despicienda.
m) Com efeito: (i) não se trata de usar nenhum bem do domínio público municipal, pois o estabelecimento encontra-se integralmente em terrenos particulares; (ii) não se trata de uma contrapartida por vistoria, inspeção ou outra qualquer atividade de fiscalização (que não se verificou no caso em apreço) e (iii) não se trata sequer de liquidar uma taxa por ocasião do deferimento da licença de exploração do posto de abastecimento de combustíveis (que foi atribuída pelo Ministério de Economia DRN).
n) O facto tributário previsto no referido artigo 70º (e posterior artigo 69º) da Tabela de Taxas e outras Receitas do Município de Sintra, é apenas e tão-só a presença no território do município de Sintra de um posto do abastecimento de combustíveis.
o) É como se o obstáculo jurídico permanecesse, embora assumindo apenas natureza financeira: e taxa a liquidar por conta da atividade que, mesmo licenciada continua a ser tida como relativamente proibida, continua a ser qualificada como tendo um impacto ambiental negativo. Ou seja, trata-se de um obstáculo jurídico artificial e arbitrariamente criado.
p) Não se desconhece a jurisprudência vertida no acórdão n.º 316/2014, proferido pelo Tribunal Constitucional em 01/04/2014. No entanto, não poderá deixar de se fazer ressaltar a existência de vários votos de vencido, entre eles o da MM Conselheira Maria Lúcia Amaral, nos termos do qual se deixa dito o seguinte: “Os confins do autogoverno municipal estão constitucionalmente fixados e consubstanciam-se na prossecução dos interesses próprios das populações respectivas. Perante esses confins, parece-me difícil sustentar que a atribuição legal ao município de deveres especiais de protecção de um certo bem jurídico seja condição necessária e suficiente para que, após essa atribuição e por causa dele, o ente municipal se torne o responsável (na aceção constitucional do termo) pela proteção desse bem perante as suas populações, ao ponto do dispensar a intervenção do Estado e da sua lei na decisão de tributar. Sobretudo quando está em causa (como acontece no caso doe autos) uma afetação da propriedade privada, esta leitura do âmbito do autogoverno municipal parece-se-me excessivamente alargada porque sem fundamento constitucional que a sustente”.
q) Por último, é ainda pertinente referir que o específico conteúdo da justificação contida na norma — "impacto ambiental negativo da actividade" — poderia, quanto muito e conforme acima se deixou dito, ser susceptível de classificar o tributo como contribuição especial, designadamente na categoria de "contribuições para maiores despesas" (entendidas como aquelas em que a prestação devida pelos particulares encontraria a sua razão de ser no facto de estes ocasionarem com a sua actividade um acréscimo de despesas para as entidades públicas).No entanto, esta situação acaba por não ter qualquer relevo prático, porquanto a criação deste tipo de contribuição fica igualmente de fora da competência das Câmaras Municipais, uma vez que tem a mesma exigência formal que os impostos (vide neste sentido acórdão do Tribunal Constitucional n.º 24/2009, de 14/01/09, in www.tribunalconstitucional.pt).
s) Pelo que, e em conclusão, fácil se torna concluir que a norma que consagra o tributo em discussão (cfr. Artigo 70º (e posterior artigo 69º) da Tabela de Taxas e outras Receitas do Município de Sintra) não estabelece uma "taxa”, mas antes enquadra a previsão de um verdadeiro imposto, pelo que, não se encontrando prevista em diploma emanado pela Assembleia da República, mostra-se ferida de Ilegalidade por desrespeito das regras de reserva de lei formal em matéria de criação de impostos.
t) Assim, a norma regulamentar aplicada pela Câmara Municipal de Sintra, aplicável a postos de combustível inteiramente instalados em domínio privado padece de inconstitucionalidade orgânica e formal, por violação do disposto nos artigos 103º, 2 e 165º, n.º 1, alínea i) da Constituição da República Portuguesa.
u) O que significa que, sofrendo o referido artigo 70º (e posterior artigo 69º) da Taxa de Taxas e outras Receitas do Município de Sintra (em que se fundou a liquidação impugnada) de inconstitucionalidade orgânica, não poderá deixar de se reputar de ilegal a liquidação efectuada à sua sombra.
v) Ao não decidir nos termos acima expostos, a douta sentença recorrida incorreu na violação do disposto nos artigos 103º, 2 e 165º, n.º 1, alínea i) da C.R.P e aplicou norma regulamentar inconstitucional.
Termos em que, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser o presente recurso ser julgado procedente e consequentemente ser revogada a sentença e substituída por outra que anule integralmente a liquidação impugnada.».

1.2. A Recorrida apresentou contra-alegações que concluiu do seguinte modo:
«1. O Município de Sintra pugna pela manutenção da douta sentença recorrida proferida em 20-03-2017 que julgou improcedentes os vícios invocados pela ora recorrente em sede de impugnação, considerando válida e constitucional a taxa cobrada pelo Município de Sintra.
2. A douta sentença recorrida não padece da alegada violação do disposto no art.º 103.º, 2 e 165.º, n.º 1, al. i) da C.R.P., tendo aplicado norma da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra que respeita o princípio da legalidade tributária consagrado nos referidos preceitos constitucionais.
3. Nestes autos o recorrente veio deduzir impugnação judicial contra o indeferimento expresso das reclamações graciosas e consequentemente dos atos de liquidação da renovação das taxas devidas por equipamentos de abastecimento de combustíveis líquidos, relativos aos anos de 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014, no valor total de € 8.651,25,
4. O ato de liquidação da taxa tem como fundamento a norma prevista no nº 1, ponto 1.1., do artº 70. da TTORMS e do n.º 1.1. do art.º 69.º da TTORMS devidas “ em virtude dos condicionamentos no plano de tráfego e acessibilidades, do impacto ambiental negativo da atividade nos recursos naturais (ar, águas e solo) e da consequente atividade de fiscalização desenvolvida pelos serviços municipais .
5. Os equipamentos de abastecimento de combustíveis líquidos em causa encontram-se inteiramente instalados em propriedade privada.
6. A atividade da recorrente traduzida na exploração dos postos de abastecimentos de combustíveis interfere permanentemente, com a conformação de bens públicos, como o ambiente (ar, águas e solos), o urbanismo o ordenamento do território e a gestão do tráfego, tendo o município como atribuição proteger tais bens.
7. A atividade da recorrente é causa de uma atividade de vigilância e de ações de prevenção por parte do município, não só para dar cumprimento à lei, como principalmente para evitar que os riscos quanto à segurança de pessoas e bens, os riscos para a saúde pública e os riscos ambientais associados à existência e funcionamento daquelas instalações se materializem.
8. As taxas das autarquias locais são tributos que assentam na prestação concreta de um serviço público local, na utilização privada de bens do domínio público e privado das autarquias locais, ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares, quando tal seja atribuição da autarquia nos termos da lei, nos termos previstos no artº 3º da Lei 53-E/2006, de 29-12.
9. A taxa impugnada assenta na prestação de serviço público e, simultaneamente na remoção de um obstáculo jurídico à atividade da impugnante, reconduzindo-se ao art.º 3.º do RGTAL.
10. A atividade do município em ordem a garantir a integridade dos valores ambientais resultante da atividade da impugnante constitui a contrapartida que dá causa ao pagamento do tributo impugnado que reveste a natureza jurídica de taxa, nos termos previstos no artº 3º do RGTAL
11. A obrigação do Município de suportar a atividade de exploração que permanentemente interfere com a conformação de bens públicos que tem por atribuição proteger constituem também contrapartida que dá causa ao pagamento da taxa impugnada, sendo que a remoção do obstáculo jurídico não tem que permitir necessariamente a utilização de um bem do domínio público.
12. O tributo em causa reveste a natureza jurídica de taxa existindo claramente sinalagma traduzido na contraprestação do município que funda a exigência do tributo.
13. A contraprestação do município que fundamenta o pagamento da taxa ocorre independentemente dos postos de abastecimento se encontrarem implantados inteiramente em propriedade privada ou em terrenos do domínio público, sendo que no caso encontram-se inteiramente instalados em propriedade privada.
14. Os municípios têm poderes tributários próprios nos termos previstos no n.º 4 do art.º 238.º, n.º 2 do art.º 254.º CRP e artº 3.º do RGTAL.
15. Aliás, decorre do texto constitucional o dever de defesa do ambiente extensivo a toda a administração (art.º 66.º da CRP).
16. As taxas sobre atividades de impacto ambiental negativo que representam um risco para os bens jurídicos consagrados na Lei 11/87, aplicável ex vi do disposto no n.º 2 do art.º 4.º e n.º 2 do artº 6.º do RGTAL.
17. É notório que a atividade de exploração de um posto de abastecimento de combustíveis é poluente, quer pela emissão de gases na altura do abastecimento dos depósitos do posto, como os emanados no abastecimento pelos próprios consumidores, como ainda pelas infiltrações de substâncias químicas no solo e subsolo e nas águas envolventes.
18. O funcionamento de um PAC determina desde logo desgaste ambiental significativo quer do ar, quer dos solos e águas residuais, decorrente do manuseamento de combustíveis e das possíveis infiltrações, somando a estes um fator de risco acrescido pela própria natureza dos materiais utilizados, ainda que sejam cumpridas todas as normas de segurança exigíveis na atividade em questão.
19. Ao que acima se disse, acrescem todas as condicionantes urbanísticas decorrentes da localização de um PAC, designadamente as previstas na Portaria n.º 131/2002, de 9 de Fevereiro que, ao abrigo do DL 302/2001 aprova o regulamento de construção e exploração de Postos de Abastecimento de Combustíveis.
20. Atentas as atribuições e competências do município, torna-se claro que cada PAC representa um acréscimo de serviços a executar pelo município, no âmbito das suas atribuições e competências.
21. Ao abrigo do ordenamento jurídico ora em vigor só pode concluir-se que a norma prevista no art.º 70.º, n.º 1, ponto 1.1. da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra, para 2010, 2011, 2012 e no n.º 1.1. do art.º 69.º da TTORMS, para 2013 e 2014, que criou o tributo impugnado não padece da alegada inconstitucionalidade, nem de qualquer outra invalidade.
22. É entendimento da jurisprudência que o tributo em causa reveste a natureza jurídica de taxa.
23. O Acórdão do Tribunal Constitucional nº 581/2012, de 05-5-12, proferido no Proc.º nº 204/12, julgou não inconstitucional, quando aplicável a equipamentos de abastecimento de combustíveis líquidos inteiramente localizados em propriedade privada, o artº 70º, nº 1, 1.1. da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra para 2008, norma idêntica à que serviu de fundamento aos atos de liquidação em causa.
24. A Decisão Sumária do Tribunal Constitucional nº 108/2013, de 20-02, proferida no Processo nº 789/12, formulou idêntico juízo de não inconstitucionalidade da norma contida no artº 70º, nº 1, 1.1. da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra, para 2008.
25. A norma regulamentar que fundamentou os atos de liquidação impugnados não padece do alegado vício de inconstitucionalidade, por violação do princípio da legalidade tributária, não se verificando qualquer violação das regras de reserva de lei previstas nos art.ºs 103.º, nº 2 e 165.º, nº 1 al. i) da C.R.P.
26. Pelo que deve ser julgada improcedente o presente recurso mantendo-se os atos de liquidação impugnados.
Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exas., colendos Desembargadores, melhor suprirão, deve o presente recurso ser julgado improcedente e mantida na integra a douta sentença recorrida.»

1.3. O Magistrado do Ministério Público junto do Supremo Tribunal Administrativo emitiu douto parecer no sentido de ser dado provimento ao recurso, defendendo que o tributo em causa, por ausência de bilateralidade, é um imposto e não uma taxa.

2. Fundamentação de facto
Na sentença recorrida estão provados os seguintes factos:
A) . A Impugnante é titular de uma licença de equipamento de combustíveis líquidos, referente ao posto de combustível, concessionado à B…………, Lda., sito na Av. ……… UF S. João das Lampas/Terrugem [cf. fls. 15 e 16, 20 e 21, 25 e 26, 30 a 31, 35 e 36, e 63 dos autos].
B) . O Município de Sintra emitiu a liquidação da taxa devida por abastecimento de combustíveis líquidos, referente ao ano de 2010, em nome da Impugnante, em “virtude dos condicionamentos no plano de tráfego e acessibilidades, do impacto ambiental negativo da actividade nos recursos naturais (ar, água e solos) e da consequente actividade de fiscalização desenvolvida pelos serviços municipais competentes”, prevista no n.º 1.1. do artigo 70.º da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra em vigor, relativa ao concessionário B…………, Lda., no montante de €1.242,00 [cf. fls. 12 a 14 dos autos].
C) . A liquidação a que alude a alínea B) do probatório reporta-se a 15 equipamentos de abastecimento de combustíveis líquidos instalados no posto sito na Av. ……….., calculada na base de 15unx82,80€/un/ano [cf. fls. 12 a 14 dos autos].
D) . O Município de Sintra emitiu a liquidação da taxa devida por abastecimento de combustíveis líquidos, referente ao ano de 2011, em nome da Impugnante, em “virtude dos condicionamentos no plano de tráfego e acessibilidades, do impacto ambiental negativo da actividade nos recursos naturais (ar, água e solos) e da consequente actividade de fiscalização desenvolvida pelos serviços municipais competentes”, prevista no n.º 1.1. do artigo 70.º da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra em vigor, relativa ao concessionário B…………, Lda., no montante de €1.259,40 [cf. fls. 17 a 19 dos autos].
E) . A liquidação a que alude a alínea D) do probatório reporta-se a 15 equipamentos de abastecimento de combustíveis líquidos instalados no posto sito na Av. ………, calculada na base de 15unx83,96€/un/ano [cf. fls. 17 a 19 dos autos].
F) . O Município de Sintra emitiu a liquidação da taxa devida por abastecimento de combustíveis líquidos, referente ao ano de 2012, em nome da Impugnante, em “virtude dos condicionamentos no plano de tráfego e acessibilidades, do impacto ambiental negativo da actividade nos recursos naturais (ar, água e solos) e da consequente actividade de fiscalização desenvolvida pelos serviços municipais competentes”, prevista no n.º 1.1. do artigo 70.º da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra em vigor, relativa ao concessionário B…………, Lda., no montante de €1.306,05 [cf. fls. 22 a 24 dos autos].
G) . A liquidação a que alude a alínea F) do probatório reporta-se a 15 equipamentos de abastecimento de combustíveis líquidos instalados no posto sito na Av. ………, calculada na base de 15unx82,80€/un/ano [cf. fls. 12 a 14 dos autos].
H) . O Município de Sintra emitiu a liquidação da taxa devida por abastecimento de combustíveis líquidos, referente ao ano de 2013, em nome da Impugnante, em “virtude dos condicionamentos no plano de tráfego e acessibilidades, do impacto ambiental negativo da actividade nos recursos naturais (ar, água e solos) e da consequente actividade de fiscalização desenvolvida pelos serviços municipais competentes”, prevista no n.º 1.1. do artigo 69.º da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra em vigor, relativa ao concessionário B…………, Lda., no montante de €1.345,50 [cf. fls. 27 a 29 dos autos].
I) . A liquidação a que alude a alínea H) do probatório reporta-se a 15 equipamentos de abastecimento de combustíveis líquidos instalados no posto sito na Av. ………, calculada na base de 15unx89,70€/un/ano [cf. fls. 27 a 29 dos autos].
J) . O Município de Sintra emitiu a liquidação da taxa devida por abastecimento de combustíveis líquidos, referente ao ano de 2014, em nome da Impugnante, em “virtude dos condicionamentos no plano de tráfego e acessibilidades, do impacto ambiental negativo da actividade nos recursos naturais (ar, água e solos) e da consequente actividade de fiscalização desenvolvida pelos serviços municipais competentes”, prevista no n.º 1.1. do artigo 69.º da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra em vigor, relativa ao concessionário B…………, Lda., no montante de €1.345,50 [cf. fls. 32 a 34 dos autos].
K) . A liquidação a que alude a alínea J) do probatório reporta-se a 15 equipamentos de abastecimento de combustíveis líquidos instalados no posto sito na Av. ………, calculada na base de 15unx89,70€/un/ano [cf. fls. 32 a 34 dos autos].
L) . A Impugnante é titular de uma licença de equipamento de combustíveis líquidos, referente ao posto de combustível, concessionado à C…………, Lda., sito no Gaveto Av. ………/………, lote …… – Rio de Mouro [cf. fls. 64 dos autos].
M) . O Município de Sintra emitiu a liquidação da taxa devida por abastecimento de combustíveis líquidos, referente ao ano de 2014, em nome da Impugnante, em “virtude dos condicionamentos no plano de tráfego e acessibilidades, do impacto ambiental negativo da actividade nos recursos naturais (ar, água e solos) e da consequente actividade de fiscalização desenvolvida pelos serviços municipais competentes”, prevista no n.º 1.1. do artigo 69.º da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra em vigor, relativa ao concessionário C…………, Lda., no montante de €2.152,80 [cf. fls. 37 a 39 dos autos].
N) . A liquidação a que alude a alínea M) do probatório reporta-se a 24 equipamentos de abastecimento de combustíveis líquidos instalados no posto sito no Gaveto Av. ………/………, lote …… – Rio de Mouro, calculada na base de24unx89,70€/un/ano [cf. fls. 37 a 39 dos autos].
O) . Em 20.11.2014, a Impugnante deduziu reclamação contra as liquidações identificadas em B), D), F), H) e J) do probatório, dirigida ao Presidente da Câmara Municipal de Sintra [cf. fls. 40 a 46 dos autos].
P) . A reclamação identificada no ponto anterior foi indeferida por despacho do Presidente da Câmara de Sintra, de 15.01.2015 [cf. fls. 48 a 51 dos autos].
Q) . Em 25.10.2010, a Impugnante foi notificada da decisão identificada no ponto anterior [cf. fls. 153 a 164 do PAT em apenso].
R) . Em 18.12.2014, a Impugnante deduziu reclamação contra a liquidação identificada em M) do probatório, dirigida ao Presidente da Câmara Municipal de Sintra [cf. fls. 52 a 58 dos autos].
S) . A reclamação identificada no ponto anterior foi indeferida por deliberação da Câmara Municipal de Sintra de 06.02.2015 [cf. fls. 60 a 62 dos autos].
T) . Em 13.02.2015, a Impugnante foi notificada da decisão identificada no ponto anterior [cf. fls. 86 a 90 do PAT em apenso].
U) . A 18.03.2015 foi deduzida a presente impugnação judicial [cf. fls. 3 dos autos].
V) . Foram prestadas garantias bancárias por forma a garantir o pagamento das liquidações identificadas em B), D), F), H), J) e M) do probatório [cf. fls. 65 a 76 dos autos].».

3. Fundamentação de direito
A questão que se suscita no presente recurso – saber se os atos impugnados padecem de vício de violação de lei, por inconstitucionalidade orgânica da norma contida no artigo 70.º, e posterior artigo 69.º, da Tabela de Taxas e outras Receitas do Município de Sintra, em violação do disposto nos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n,º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa, tem sido objeto de julgamento uniforme e reiterado por esta Secção de Contencioso Tributário, relativamente a outros municípios e a taxas substancialmente semelhantes à ora em causa, de que são exemplos os acórdãos de 15/11/2017, processo n.º 0173/15, de 12/02/2020, processo n.º 359/14.2BEAVR, de 03/06/2020, processo n.º 388/13.3BEAVR e de 17/06/2020, processo n.º 01693/14.7BESNT.
Por outro lado, essa jurisprudência, no que se refere ao juízo de conformidade constitucional de taxas municipais substancialmente idênticas às que estão em discussão neste recurso, devidas por equipamentos de abastecimento de carburantes líquidos, ar e água, inteiramente localizados em propriedade privada, tem vindo a ser confirmada pelo Tribunal Constitucional (cf. acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 623/2019, de 23/10/2019, no processo com o n.º 107/2019; n.º 204/2019, proferido em 27/03/2019, no processo n.º 78/18; n.º 316/2014, proferido em 01/02/2014, no processo n.º 204/12; - n.º 581/2012, proferido em 05/12/2012, no processo n.º 204/12).
Assim sendo, e tendo em conta o disposto no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil, que dispõe que o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito, cumpre julgar improcedente o recurso remetendo, no essencial, para a fundamentação expendida no referido acórdão de 15/11/2017, proferido no processo com o n.º 0173/15 (952/12.8BEAVR), que deverá ser lido com as necessárias adaptações ao presente caso, ao abrigo da faculdade que nos é concedida pelo n.º 5 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Em conclusão:
I - A taxa prevista no artigo 70.º, e posterior artigo 69.º, da Tabela de Taxas e outras Receitas do Município de Sintra, quando aplicável a equipamentos de abastecimento de combustíveis líquidos inteiramente localizados em propriedade privada, não assenta em qualquer atribuição ou competência para licenciar o posto de abastecimento de combustíveis, mas antes no poder de tributar os particulares beneficiários de utilidades prestadas ou geradas pela actividade do município, designadamente pela prestação de serviços no domínio da prevenção de riscos e da proteção civil ou sobre a realização de atividades dos particulares que oneram permanentemente o ambiente do município, aspetos estes não valorados no quadro do licenciamento.
II - Essa taxa não padece de inconstitucionalidade por violação do princípio da legalidade tributária no sentido de reserva de lei formal, ínsito nos artigos 165.º, n.º 1, alínea i) e 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

4- Decisão
Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, nega-se provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Não se procede à junção de cópia do acórdão remetido, porque se encontra disponível no sítio www.dgsi.pt

Lisboa, 14 de outubro de 2020. - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro (relatora) - Joaquim Manuel Charneca Condesso – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos.