Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:060/14
Data do Acordão:05/07/2014
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
REQUISITOS
DECISÃO EXPRESSA
Sumário:I - São requisitos dos recursos por oposição de acórdãos a que se aplica o ETAF de 2002:
– identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
– que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
– que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
– a oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas.
II - Não pode prosseguir recurso com fundamento em oposição de julgados se nos acórdãos fundamento e recorrido não há pronúncia expressa sobre questão relativamente à qual se coloca a existência de oposição de acórdãos.
Nº Convencional:JSTA000P17439
Nº do Documento:SAP20140507060
Data de Entrada:01/22/2014
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – Vem a Fazenda Publica, inconformada com o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 30 de Abril de 2013 que julgou procedente a reclamação judicial deduzida por A…………….., melhor identificado nos autos, contra o despacho do chefe de finanças de Fafe, que indeferiu o pedido de nulidade da citação, vem nos termos dos artigos 27º, nº1, al. b) do ETAF e 284º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, interpor recurso para este Tribunal, por oposição com o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 13 de Novembro de 2012, proferido no âmbito do processo nº 04205/10.
Por despacho de 25 de Setembro de 2013, a fls. 445/447 dos autos, a Exmª Relatora do Tribunal Central Administrativo Norte, veio admitir o recurso, ordenando a notificação das partes para apresentarem alegações, nos termos e no prazo referido no nº 3, do artigo 282º, ex vi nº5, do artigo 284º, ambos do CPPT.
A recorrente apresentou a fls. 457/470 alegação tendente a demonstrar alegada oposição de julgados, formulando as seguintes conclusões:
«1. O acórdão em recurso entendeu que o juiz da 2.ª instância, no âmbito de recurso sobre matéria de facto, deve formar a sua convição pessoal sobre os factos, no gozo pleno da livre apreciação da prova, tendo a mesma amplitude de poderes que tem a 1.ª instância.
2. Este entendimento diverge da jurisprudência dominante nos tribunais administrativos e fiscais, que sempre defendeu que o recurso da matéria de facto se destina a controlar a análise critica da prova feita na 1.ª instância e que a decisão aí tomada só deve ser revogada se não constituir uma solução plausível, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência.
3. Essa jurisprudência, de que é expressão o acórdão-fundamento, é aquela que garante a perfeita conciliação entre os princípios da imediação e da livre apreciação da prova com a garantia da dupla jurisdição.
4. Ela permite, com efeito, que a decisão factual relevante seja aquela que decorre da imediação e do contacto presencial com a prova e, em simultâneo, que essa decisão seja controlada e sancionada pela 2.ª instância.
5. Em vista do exposto, o acórdão do TCAN, que adotou distinto entendimento, deve ser revogado.
SEM PRESCINDIR
6. Ainda que se entendesse que a jurisprudência do acórdão em recurso sobre a amplitude e natureza dos poderes do julgador de 2.ª instância era de aceitar, a decisão recorrida não poderia permanecer na ordem jurídica.
7. Na verdade, o TCAN afirmou explicitamente que tinha dúvidas quanto à ocorrência do esquecimento da testemunha e quanto à falta de entrega da citação ao aqui Recorrido.
8. Não tendo a certeza subjetiva sobre o facto, nem convição de que ele ocorreu, o tribunal não o podia dar como provado.
9. Tendo-o feito, violou as regras dos arts.341.° e 342.º do C.P.C, bem como a do atual art.607.°, 5 do C.P.C.
10. Essa violação é tanto mais grave quanto é certo que o facto em apreço constitui facto constitutivo do direito do reclamante, facto cuja prova lhe cumpria de acordo com as regras do ónus da prova.
11. Pelo que, de acordo com as citadas regras, o non liquet quanto ao facto devia ser valorado a favor da AT, com a consequente improcedência da nulidade por falta de citação.»

2 – A…………., ora recorrido veio apresentar as suas contra alegações, concluindo da seguinte forma (fls. 499 e segs.):
«1.ª— “A decisão do relator ou o acórdão (na sequência para a conferência), que reconheça a existência de oposição não impede que no julgamento do conflito de jurisprudência se decida em sentido contrário — Jorge Lopes de Sousa in Código de Procedimento e Processo Tributário Anotado e Comentado, 6.ª Edição, 2011, Áreas Editora, IV volume, página 482.
2.ª— Considerando-se que o entendimento do Tribunal Central Administrativo do Norte, no acórdão recorrido, acerca da extensão dos seus poderes de apreciação da matéria de facto, enquanto Tribunal de 2.ª instância, não deve ser considerado como uma decisão propriamente dita, não se verificará a oposição jurisprudencial, requisito da admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos, nos termos do artigo 284.º do CPPT,
3.ª— A questão de fundo (relativamente à qual a Recorrente invoca a existência de contradição jurisprudencial) é concernente “à extensão e natureza dos poderes do julgador de 2.ª instância em sede de recurso sobra a matéria de facto e no âmbito do mesmo quadro legal” — cfr. despacho do TCAN de apreciação da questão preliminar de existência da oposição, de 25-09-2013, apud acta.
4.ª — Quanto ao enquadramento legal: o acórdão recorrido foi proferido a 30 de Abril de 2013, enquanto que o acórdão fundamento foi proferido a 13 de Novembro de 2012. Pelo que, ambas as decisões foram proferidas na vigência do Decreto-Lei n.º 44129, de 28 de Dezembro de 1961, na sua versão posterior à revisão implementada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro — agora, carinhosamente, apelidado de “antigo” Código de Processo Civil — o qual é aplicável, em sede processual tributária, ex vi da alínea e), do artigo 2.° e, em matéria de recurso, do artigo 281.º, ambos do CPPT.
5.ª— Da análise do Decreto-Lei n.º 44129 de 28 de Dezembro de 1961 e dos diplomas que o foram alterando [até ter sido revogado pela alínea a), do artigo 4.°, da Lei 41/2013, de 26 de Junho], verifica-se que o Código de Processo Civil, aprovado por aquele diploma, foi, ao longo da sua vigência, objeto de subsequentes alterações, sempre no sentido de, progressivamente, se aumentarem os poderes do Tribunal de 2.ª instância enquanto julgador em sede de matéria de facto (em regra, a Relação ou os Tribunais Centrais Administrativos).
6.ª— Tal como o legislador refere no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro (que implementou uma profunda reforma no C. P. C.) “Pretende-se, com este sistema, propiciar um certo grau de «especialização funcional» dos tribunais superiores, atribuindo naturalmente — no que ao processo ordinário se refere — à 2.ª instância competência para apreciar os recursos que envolvem controvérsia sobre a matéria de facto ou a resolução de questões de natureza processual, e reservando o Supremo — que constitucionalmente surge caracterizado como verdadeiro «tribunal de revista» (...) Dando mais um passo no sentido de transformar as relações numa verdadeira 2.ª instância de reapreciação da matéria de facto decidida na 1.ª instância, ampliam-se os poderes que o artigo 712.° do Código de Processo Civil...” [sublinhado e destaque nosso).
7.ª— De facto, ainda que gradualmente, o legislador tem procurado materializar a Relação (ou, em sede tributária, o TCA) como uma verdadeiro 2.º grau de jurisdição.
8.ª— É inquestionável que sendo a prova produzida em 1.ª instância, são manifestas as limitações da 2.ª instância na análise dessa prova, com base em gravações.
9.ª— A questão fulcral não é a de saber se o Tribunal da Relação (ou, em matéria tributária o TCA) deve ser um verdadeiro 2.º grau de jurisdição, criando a sua própria convicção em relação aos factos relevantes (e devidamente impugnados).
10.ª — Isto porque a necessidade de existência do um verdadeiro (no sentido material e não meramente formal, ou lógico-abstrato) duplo grau de jurisdição, em sede de matéria de facto, é uma exigência de Justiça resultante dos princípios estruturantes do nosso regime jurídico-processual e materializadora de uma garantia resultante do próprio Direito Natural.
11.ª— Na verdade, fulcral é saber que a análise da prova pelos julgadores em 2.ª instância (e, consequentemente, a formação da sua convicção) está limitada pelo facto de a prova não ser produzida na sua presença, e que, não obstante os avanços tecnológicos já verificados, a gravação da prova, ainda, não permite ao julgador em 2.ª instância retirar da audição das gravações, a mesma riqueza de elementos/indícios que o julgador em 1ª instância retira da prova produzida na sua presença.
12.ª— Contudo, não se pode simplesmente concluir que as limitações inerentes à apreciação da prova em 2.ª instância impedem o Tribunal da Relação (ou, em matéria tributária, o TCA) de — no julgamento da matéria de facto — formar adequadamente a sua própria convicção.
13.ª— Fulcral é que na formação da sua convicção o julgador do Tribunal da Relação (ou, em matéria tributária o TCA) tenha, necessária e adequadamente, em consideração as referidas limitações inerentes ao facto de estar a julgar em 2.ª instância.
14.ª— Também, durante o julgamento da matéria de facto em 1.ª instância, caberá ao julgador, por exemplo, no que se refere aos depoimentos por videoconferência, considerar adequadamente o facto de tais depoimentos não serem prestados na sua presença. O que não impede que o julgador em 1.ª instância possa apreciar livremente tais depoimentos, servindo-se dos mesmos para a formação da sua convicção.
15.ª— Para que a prova indicada pelo recorrente imponha a alteração da decisão da matéria de facto, não é necessário que a mesma torne, absolutamente, implausível a decisão da matéria de facto do julgador em 1.ª instância.
16.ª — Efetivamente, se o julgador da 2.ª instância, depois de uma ponderosa análise da prova, tendo necessariamente em conta o facto de estar a analisar a mesma em 2.ª instância, verificar que a decisão de 1.ª instância — não obstante ser uma das decisões possíveis — não é a correta, então, estará sob a imposição de proceder à devida correção da matéria de facto, alterando a mesma.
17.ª— Se, depois de ter analisado a prova, o Tribunal de 2.ª instância (Relação ou TCA) tivesse a convicção de que, materialmente, os factos estariam mal decididos, mas não os pudesse modificar, simplesmente por os mesmos integrarem uma das lógicas potenciais a retirar da prova produzida, então, a sua atuação seria meramente formal, ou seja, de verificação do raciocínio lógico, in abstracto, do julgador de 1.ª instância.
18.ª — Pelo que, nesses moldes e em bom rigor, os Tribunais da Relação ou os Tribunais Centrais Administrativos não seriam uma “verdadeira 2.ª instância de reapreciação da matéria de facto”.
19.ª — Na norma que determina os poderes da Relação (ou do TCA) no julgamento do recurso quanto à matéria de facto, ou seja no artigo 712° do CPC, o julgador apesar de fazer uso do termo “impuserem” na alínea b), do n.º 1 desse artigo, não faz qualquer referência a tal imposição na alínea a), do n.º 1, desse mesmo artigo.
20.ª— Ao analisar-se a terminologia utilizada na alínea b), do n.º 1, do artigo 685.°-B, do CPC, percebe-se a intenção do legislador de impor sobre o recorrente que impugne a decisão da matéria de facto, um exigente ónus de especificação quer dos factos impugnados, quer dos concretos meios de prova que, no entender deste, demonstram o erro na decisão daqueles pontos da matéria de facto.
21.ª— O nosso sistema de recursos continua a assentar decisivamente na reponderação da decisão recorrida, não sendo, em princípio, destinados a criar matéria nova ou a realizar novas diligências probatórias mas tão somente a verificar se ao Tribunal de 1.ª instância julgou, ou não, adequadamente a matéria litigiosa, face aos elementos a que teve efetivamente acesso e de que podia e devia conhecer,
22.ª— A exigência acrescida da impossibilidade de destruição da decisão por outro meio de prova — prevista na alínea b), do n.º 1, do artigo 712.°, do CPC — contradiz a interpretação de que o termo “impunham” foi adotado na alínea b), do n.º 1, do artigo 685.°-B, do CPC, no sentido de prever a necessidade de absoluta implausibilidade da decisão de 1.ª instância, para que haja uma alteração da respetiva matéria de facto.
23.ª— Na alínea b), do n.º 1, do artigo 685.º-B, do CPC, não se faz qualquer exigência de insusceptibilidade de destruição da decisão a tomar em 2.ª instância, porque esta norma visar a previsão de um ónus de impugnação específica da matéria de facto, por parte do recorrente, e não a delimitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação, ou do TCA, em relação à decisão da matéria de facto.
24.ª— Por outro lado, — em comparação com a alínea b), do n.º 1, do artigo 712.º, do CPC — a alínea a), do n.º 1, deste artigo 712.ª, não faz qualquer referência ao verbo “impor”, nem exige a impossibilidade de destruição por quaisquer outros meios de prova.
25.ª — Assim, nos termos desta alínea a), caso não tenha havido gravação de depoimentos e do processo constarem todos os elementos que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa, o Tribunal da Relação (ou o TCA), enquanto Tribunal com poderes de cognição factual, poderá alterar a matéria de facto. Sendo que, quando tenha ocorrido a gravação dos depoimentos prestados, a Relação (ou o TCA), também, pode alterar a decisão da 1.ª instância, se o recorrente tiver cumprido o ónus de especificação previsto no artigo 685.°-B, do CPC.
26.ª — A solução para a presente questão, geradora de contradição jurisprudencial, não pode ser retirada apenas da apreciação do elemento literal, devendo antes ser obtida tendo em consideração o evoluir legislativo supra referenciado (elemento histórico), bem como os princípios basilares do regime processual civil português (subsidiariamente aplicável em sede tributária), nomeadamente o principio fulcral da existência (material, e portanto, não meramente formal ou abstrata) de um duplo grau de jurisdição.
27.ª— Concluímos assim, que, nos termos dos artigos 685°-B e 712.ª do antigo CPC, aplicáveis, em concreto, ex vida alínea e), do artigo 2.° e do artigo 281.º ambos do CPPT, o Tribunal Central Administrativo, enquanto tribunal de 2.ª instância, tem poderes para alterar a matéria de facto, devendo analisar os elementos probatórios disponíveis nos autos, e formar a sua própria convicção com base nos mesmos — tendo, necessária e adequadamente, em consideração as limitações inerentes ao facto de estar a julgar em 2.ª instância — não devendo cingir a sua atividade ao mero apuramento da razoabilidade, ou plausibilidade, da convicção do julgador da 1ª instância, por tal ser “manifestamente [inconciliável] com a efetividade do duplo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, vigente no nosso sistema jurídico”.
28.ª — No humilde entender do Recorrido, qualquer que seja a decisão do venerando Supremo Tribunal de Justiça quanto à supra explanada questão geradora de divergência jurisprudencial, o acórdão recorrido, não deverá ser alterado no que respeita à decisão da matéria de facto, devendo manter-se a decisão do Tribunal Central Administrativo do Norte, também, quando à questão da nulidade por falta de citação.
29.ª— O recurso por oposição de acórdãos (284.º do CPPT) é relativo à análise e resolução da oposição de soluções jurídicas (ou seja, matéria de Direito), não cabendo, em princípio, ao Supremo Tribunal Administrativo conhecer da matéria de facto, não sendo nomeadamente, de realizar a reapreciação da convicção substancial que as instâncias formaram sobre as provas produzidas e sujeitas a livre apreciação do julgador (cfr. n.º 3, do artigo 722.º e n.º 2, do artigo 729.º, ambos do antigo CPC).
30.ª — Acresce dizer que, não obstante o entendimento vertido pelo Tribunal Central Administrativo do Norte no acórdão recorrido, no que respeita aos poderes de cognição da matéria de facto do Tribunal de 2.ª instância, a realidade é que nesse acórdão o TCAN não só analisou a prova apresentada e produzida nos autos, como, também, a razoabilidade da decisão do Tribunal de 1.ª instância.
31.ª — Apesar de o Tribunal de 1.ª instância não ter posto em causa a forma como a testemunha B……….. prestou depoimento, acabou por dar como não provado que a mesma se esqueceu de entregar a carta (dotação) ao Reclamante, ora Recorrido, por tal ser “contrário às regras da experiência”.
32.ª — Contudo, tendo analisado tal depoimento, em conjunto com a demais prova dos autos, o Tribunal Central Administrativo do Norte entendeu que, de acordo com as regras da experiência é perfeitamente possível que tal esquecimento tivesse acontecido. Tendo o TCAN considerado que a decisão do Tribunal de 1.ª instância não era razoável, alterando-a.
33.ª — No fundo, na decisão alterada pelo acórdão recorrido, o Tribunal de 1.ª instância reiterou aquilo que já tinha decidido na sua sentença de 31 de Maio de 2012, na qual havia indeferido a reclamação in casu, sem sequer ouvir a testemunha B……….. (ou seja a pessoa que recebeu a carta), porque, no seu entender, era muito pouco provável que a mesma se tivesse esquecido de a entregar ao citando. Sendo que só após recurso (procedente) para o TCAN, é que o Tribunal de 1.ª instância acabou por ouvir a testemunha B……………..
34.ª — De facto, tendo em conta as circunstâncias e a prova no caso concreto, não se podia considerar contrário às regras da experiência que B………… se tenha esquecido de entregar a carta (citação) ao Reclamante e que esta se tenha extraviado.
35.ª — Na verdade, se a citação realizada na pessoa de terceiro não fosse propensa a este tipo de situações, o legislador não teria visto qualquer necessidade de realização da notificação prevista no artigo 241.º do CPC.
36.ª — E não podia ser com base em considerações probabilísticas ou abstratas, mas com base nas circunstâncias e na prova existente no caso concreto, que o Tribunal de 1.ª instância devia ter decidido se, efetivamente, se verificou a falta de citação.
37.ª — Assim, in casu, o Tribunal Central Administrativo do Norte teve em conta que, conforme a testemunha B…………… depôs: a carta foi recebida alguns meses depois de a mesma ter dado à luz o seu filho e numa altura em que o seu pai se encontrava doente.
38.ª — Acresce que, conforme foi dado como provado, in casu, a Administração Tributária não realizou a supra referida notificação prevista no artigo 241.º do CPC, tendo — com tal ilícito — contribuído para que B……………… não mais se tivesse lembrado da carta (citação) em questão.
39.ª — Acresce, ainda, que é manifesto que se o revertido/Executado tivesse tido conhecimento do teor da citação — nomeadamente se tivesse sido citado/informado do direito conferido no n.º 5, do artigo 23° da LGT, constando expressamente na citação que caso procedesse ao pagamento no prazo na oposição, ficaria isento de juros e custas — o mesmo não teria suportado € 76.808,64 (setenta e seis mil oitocentos e oito euros e sessenta e quatro cêntimos) a mais do que aquilo que lhe seria exigível — cfr. facto n.º 7 dos factos dado como provado.
40.ª — Ninguém, no seu perfeito juízo, (que inclusive pede dinheiro emprestado para pagar a dívida) paga € 76.808,64 a mais do que aquilo que seria necessário.
41.ª— De facto, para além dos vários elementos que indiciaram que efetivamente o Reclamante nunca chegou a tomar conhecimento da citação, é a própria pessoa que recebeu a citação, ou seja B…………., quem reconhece que se esqueceu de entregar a carta (citação) ao Reclamante — conforme o Tribunal Central Administrativo do Norte teve a possibilidade de verificar.
42.ª — A prova do facto de que a B…………….. se esqueceu de entregar a citação ao Reclamante é, na realidade, a prova de um facto negativo: prova da não entrega da citação ao Reclamante.
43.ª — Sendo que, “[a] acrescida dificuldade da prova de factos negativos deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina «iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur”
44.ª - E, não obstante a dificuldade da prova de um facto negativo, verificou-se que, in casu, o Reclamante produziu a prova possível e, com o devido respeito, idónea para dar como provado tal facto.
45.ª — Na verdade, na esteira de Jorge Lopes de Sousa e de Joaquim Freitas da Rocha, entende o Reclamante que o n.º 6, do artigo 190.º, do CPPT, é inconstitucional — violando os princípios da segurança jurídica e da confiança, com a sua vertente da proibição da indefesa — por fazer recair sobre o citando o ónus da prova do facto de que não teve conhecimento da citação, realizada na pessoa de terceiro, por facto que não lhe é imputável.
46.ª— Acresce que, in casu, o comportamento ilícito da administração tributária (ao não realizar a notificação prevista no artigo 241.º do CPC) contribuiu para que o Reclamante acabasse por não ter conhecimento da citação.
47.ª— Pelo que, estando provado que a Administração Tributária não cumpriu os requisitos da citação, não tinha o Executado/Reclamante que provar que não teve conhecimento do ato por facto que não lhe foi imputável. Pois, conforme expõe Jorge Lopes de Sousa, tal ónus só recairia sobre o citando no caso de a citação ter sido “devidamente praticada”.
48.ª— E, se já é assaz questionável a constitucionalidade do n.º 6, do artigo 190.º, do CPPT, quando faz recair sobre o citando o ónus da prova do desconhecimento da citação por facto que não lhe é imputável, nos casos em que a citação foi devidamente realizada; ainda mais inaceitável e inconstitucional é que se interprete tal norma no sentido de que tal ónus recai sobre o citando, mesmo quando a citação foi realizada com desrespeito dos formalismos legalmente previstos para tal ato.
49.ª— De facto, se a Administração Tributária não cumpriu as formalidades impostas legalmente para a realização da citação, é da mais elementar justiça que seja a mesma quem tem que provar que, apesar de tais ilegalidades, o citando teve conhecimento efectivo do conteúdo da citação.
50.ª— Pelo que, mesmo que o Reclamante, ora Recorrido, não tivesse conseguido provar que não tomou conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável, em face da dúvida desse desconhecimento, atento tudo o supra exposto, sempre o Tribunal de 1.ª instância devia ter decido tal facto em beneficio do citando, ou seja, dando como provado que o Reclamante não tomou conhecimento do conteúdo da citação, por motivo que não lhe foi imputável.
51.ª— E foi esse o raciocínio do Tribunal Central Administrativo do Norte que — após ter feito uma análise cuidada da prova e considerado irrazoável a decisão do Tribunal de 1.ª instância — decidiu, e bem, alterar a decisão da matéria de facto, dando como provado que “B……………… se esqueceu de entregar a carta (de citação) ao ora reclamante, carta que se extraviou”.
52.ª— E, ao dar como provado tal facto, o Tribunal Central Administrativo do Norte aplicou, devidamente, a alínea a), do n.º 1 e os nºs 2 e 4 do artigo 165.º, bem como o n.º 6 do artigo 190.°, ambos do CPPT, declarando a nulidade de falta de citação do Executado/Reclamante.
53.ª — Pelo que, nestas matérias, o acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 30 de Abril de 2013 (acórdão recorrido), não merece nenhum reparo devendo, portanto, manter-se o mesmo.»

3 – O Exmº Procurador-geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu douto parecer, argumentando, em síntese, existir circunstância que obsta ao conhecimento do recurso por oposição de acórdãos derivada da falta de identidade quanto às situações de facto e da diversidade da regulamentação jurídica aplicável.

4 – Colhidos os vistos dos Excelentíssimos Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre apreciar em conferência do pleno da secção.

5No acórdão recorrido encontram-se fixados os seguintes factos:
1- Contra o Reclamante foi movida, por reversão, execução fiscal n.º 0400200601040693, para cobrança do valor de 250.167,29€- cfr fls. 61 dos autos.
2 - Foi enviada citação, por carta registada com aviso de recepção, dirigida ao Reclamante, para o seu domicílio fiscal - cfr. fls. 61 a 63 dos autos.
3 - A referida carta foi recebida por B……………, em 18.05.2009 - cfr, fls. 61 a 6.3 dos autos.
4 - O Serviço de Finanças não remeteu a cada registada imposta pelo artigo 241° do CPC.
5 – B…………….. vive com o ora Reclamante em união de facto desde 2004.
6 - A dívida exequenda foi paga em três pagamentos por conta efectuados em 16 de Junho, 31 de Julho e 10 de Agosto e, ainda, em 20 de Junho por compensação com crédito resultante da liquidação de I.R.S, do ano de 2008 - cfr. fls. 47 a 51 e 57 dos autos.
7 - O Reclamante pagou a título de juros e custas a quantia global de 76.808,64€.
8 - Por requerimento escrito, apresentado em 15.07.2010, o Reclamante suscitou junto do Serviço de Finanças a falta e nulidade da sua citação, tendo em 16.07.2010 procedido à junção de documentos para a sua apreciação - cfr. fls., 42 a 56 dos autos.
9 - Por despacho de 29.07.2010, foi indeferido aquele seu pedido, nos seguintes termos - cfr. fls. 57 dos autos:
“(…) Dos elementos que se encontram juntos os autos conclui-se que:
- a citação da reversão foi efetuada no dia 18 de Maio de 2009, domicílio fiscal do executado e na pessoa do seu cônjuge, tal como havia sido feito a notificação para o exercício do direito de audição;
- a quantia em dívida foi paga em três pagamentos por conta efetuados em 16 de junho, 31 de Julho e 10 de Agosto de 2009 e ainda em 20 de junho por compensação com o crédito resultante da liquidação de IRS de 2008;
- a notificação da penhora do imóvel, foi também concretizada no seu domicílio fiscal e na pessoa do seu cônjuge, em 1 de Julho de 2009.
- quer no despacho de reversão quer na nota de citação consta a advertência de que “se for efetuado o pagamento no prazo de Oposição (trinta dias) ficam os revertidos dispensados do pagamento de juros de mora o das custas do processo”
- as execuções fiscais foram declaradas extintas por pagamento.
Em razão do que vem referido mesmo concedendo que não se deu cumprimento àquela norma do Código de Processo Civil [artigo 241º] conclui-se que tinha o requerente conhecimento pleno da disposição legal vertida no n.° 5 do artigo 23º L.G. T., e só porque não quis ou não pode deixou de efetuar o pagamento no prazo da Oposição e com aquele beneficio. Além do mais já no projeto de despacho para o exercício do direito de audição se faz menção expressa dessa norma legal - artigo 23° da LGT - e mesmo o requerente a refere no exercício desse direito.
Nestes termos, indefiro o pedido.
(…)”
10 - O Reclamante foi notificado deste despacho, em 30.07.2010, por carta registada com aviso de recepção - cfr fls. 58 a 60 dos autos.
11 - A Petição inicial que motiva estes autos foi remetida, via sito SITAF, a este Tribunal em 16.08.2010 - cfr. fls. prévia à petição inicial.
12 - No sistema informático da Administração Tributária, o processo executivo figura como extinto por pagamento, desde 10.08.2009 - cfr. fls. 297 dos autos.

6. Com relevo para a decisão, fixou-se a seguinte matéria de facto no acórdão fundamento:
1. A impugnante dedica-se à actividade de cabeleireiro e estética;
2. A impugnante foi alvo de uma inspecção pelos serviços da A.F., referente aos exercícios de 2004 a 2006, em sede de IVA e IRC;
3. No âmbito da referida inspecção foi corrigida a matéria colectável declarada;
4. A impugnante não entregou à A.T. o montante de € 5.775,00, a título de IVA pela venda de 50% do aparelho de laser;
5. Tal venda constituiu ainda uma mais-valia de € 2.750,00, que não foi contabilizada;
6. A.T. não considerou o custo de € 10.000,00 referente à elaboração do projecto de investimento no âmbito do programa SIPIE, tendo, consequentemente, corrigido para o montante de € 1.900,00 a título de IVA em falta;
7. Foram ainda efectuadas as correcções constates dos mapas a fls. 10, 11, 12, 14 a 19, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido;
8. Da análise dos valores globais declarados e contabilizados verificou-se que:
i. Ao longo do período em causa as margens de lucro brutos das vendas de mercadorias e dos serviços prestados têm vindo a diminuir, sendo que as percentagens de lucro bruto das vendas de mercadorias se reduzem em 2006 a metade relativamente a 2004 - cfr. fls. 5 e 6 do relatório de inspecção;
ii. Os custos e os proveitos de 2005 cresceram em percentagens idênticas (cerca de 47%), porém para um crescimento de volume de negócios de 49,53% o custo das vendas e prestações de serviços cresceu 221,27% - cfr. fls. 5 e 6, do relatório de inspecção;
iii. Em 2006 os custos com o pessoal não acompanham o crescimento dos serviços prestados -cfr. fls. 5 e 6 do relatório de inspecção;
iv. A rubrica “fornecimentos e serviços externos” cresceu em medida superior à do volume de negócios - cfr. fls. 6 do relatório de inspecção;
v. Em 2005 a impugnante aproveitou das amortizações do exercício, mas em 2004 e 2006 não considerou qualquer valor nessa rubrica - cfr. fls. 6 do relatório de inspecção;
vi. o resultado fiscal apenas é positivo em 2004 e 2006 - cfr. fls. 6 do relatório de inspecção;
vii. Desde o início da sua actividade a matéria colectável da impugnante foi sempre nula - cfr. fls. 6, do relatório de inspecção;
9. Do confronto dos valores de vendas e prestações de serviços pagos com IVA incluído, através de Multibanco, constante dos mapas elaborados pela impugnante com os valores das receitas financeiras obtidas por Multibanco constantes dos extractos bancários fornecidos pela impugnante constata-se que na maioria dos meses daquele período os valores contabilizados são inferiores aos valores recebidos - cfr. fls. 15 do relatório de inspecção;
10. As entradas em bancos, por depósitos em numerário, por cheques de pequeno valor e por Multibanco são muito superiores ao valor de negócios declarado - cfr. fls. 16 do relatório de inspecção;
11. A impugnante contabilizou a nota de débito n.º 240022, de 24.09.2004, emitida por D……………….., Lda., referente à execução de um projecto de investimento no âmbito de programa SIPIE;
12. A impugnante não exibiu o estudo e comprovativo do seu indeferimento;
13. A impugnante lançou este custo, que ascende a € 10.000,00, na conta 432 - “Despesas de Investigação”;
14. A impugnante adquiriu um aparelho de Laser (laser gentle yag) em 26.12.2005, à empresa espanhola “C………., S.A”, pelo preço de €55.000,00 - cfr. factura n.º 112689;
15. Esta aquisição foi contabilizada como aquisição intracomunitária com dedução total de IVA no montante de € 11.550,00 - cfr. factura n.º 112689;
16. Em 11.12.2006 a impugnante vendeu 50% do referido equipamento à sociedade “W……..”;

17. Tendo sido apurada uma mais-valia fiscal de €2.750,00;
18. Em consequência de tais correcções ao volume de negócios declarado nos exercícios de 2004, 2005 e 2006, de €303.377,93; €453.643,32 e €514.887,03, respectivamente veio o mesmo a ser corrigido para €371.582,09, 510.511,03 e 536.648,71, respectivamente.


7. Da admissibilidade do recurso de oposição de acórdãos.
O presente recurso vem interposto do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte no processo 1459/10.3BEBRG (fls. 401 e segs.) invocando a Fazenda Pública que está em oposição com a decisão proferida no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 13 de Novembro de 2012, proferido no âmbito do processo nº 04205/10 (acórdão fundamento) porquanto no acórdão em recurso se terá entendido «que o juiz da 2.ª instância, no âmbito de recurso sobre matéria de facto, deve formar a sua convição pessoal sobre os factos, no gozo pleno da livre apreciação da prova, tendo a mesma amplitude de poderes que tem a 1.ª instância» enquanto que no acórdão fundamento se terá entendido que «o recurso da matéria de facto se destina a controlar a análise critica da prova feita na 1.ª instância e que a decisão aí tomada só deve ser revogada se não constituir uma solução plausível, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência».
Por despacho de fls.445 e segs. a Exmº Relatora no Tribunal Central Administrativo Norte considerou que, tal como defende a recorrente, poderá ocorrer a invocada oposição de acórdãos.
Não obstante tal despacho, importa reapreciar se a mesma se verifica, pois tal decisão não faz caso julgado e não impede ou desobriga o Tribunal de recurso de proceder à reapreciação da necessária verificação dos pressupostos processuais de admissibilidade, prosseguimento e decisão do recurso, em conformidade com o disposto no actual artigo 641º, n.º 5, do Código de Processo Civil (anterior artº 685º-C, nº 5 do mesmo diploma), podendo, se for caso disso, ser julgado findo o recurso (cf., neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos do Pleno desta secção de 07.05.2003, recurso 1149/02, de 18.01.2012, recurso 1030/10, e de 12.12.2012, recurso 932/12.

Por isso, e perante o circunstancialismo fáctico-jurídico supra descrito cumpre apreciar, antes de mais, se se verificam os requisitos do recurso por oposição de acórdãos.

7.1 Como vem afirmando a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, tendo os autos dado entrada posteriormente a 1 de Janeiro de 2004 é aplicável o regime previsto nos artigos 27.º, alínea b) do ETAF, 284.º do CPPT e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), pelo que são os seguintes os requisitos de admissibilidade dos recursos por oposição de acórdãos:
- existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito;
– a decisão impugnada não estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
No que concerne à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados constitui também jurisprudência pacífica do pleno desta secção que se devem adoptar os critérios já assentes no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detectar a existência de uma contradição, ou seja:
– identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
– que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
– que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta; o que pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais.
– a oposição deverá decorrer de expressa resolução da questão de direito suscitada, não sendo atendível a oposição implícita dos julgados – ver acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 18.02.1998, recurso 28637, de 12.03.2003, recurso 35205, de 26.09.2007, recurso 452/07, de 21.05.2008, recurso 460/07, de 06.06.2009, recurso 617/08, e de 13.11.2013, recurso 594/12.



7.2 No caso vertente a recorrente faz consistir a alegada oposição no facto de o acórdão recorrido ter considerado que « o juiz da 2.ª instância, no âmbito de recurso sobre matéria de facto, deve formar a sua convição pessoal sobre os factos, no gozo pleno da livre apreciação da prova, tendo a mesma amplitude de poderes que tem a 1.ª instância», argumentando que, por outro lado, na tese do acórdão fundamento, «o recurso da matéria de facto se destina a controlar a análise critica da prova feita na 1.ª instância e que a decisão aí tomada só deve ser revogada se não constituir uma solução plausível, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência».

A nosso ver não se verifica a aventada oposição.
Vejamos.
O acórdão recorrido elegeu como questões a decidir as seguintes:
a) saber se se verificava erro de julgamento da matéria de facto por se ter dado como não provado que a testemunha “B………………. se esqueceu de entregar a carta (de citação) ao ora reclamante e que a mesma se extraviou”;
b) saber se se verificava erro de julgamento de direito quanto à nulidade da citação.
E quanto à primeira questão – erro de julgamento na apreciação da matéria de facto - o acórdão começou por ponderar que a justificação apresentada pela testemunha para o facto de se ter esquecido de entregar a carta de citação ao reclamante era atendível e os seus pressupostos não foram postos em causa pela Fazenda Pública. Especificou também que o seu discurso não tinha hesitações e não foi abalado pelo contraditório.
Mas considerou, por outro lado, que, tal como fora sublinhado pela primeira instância, seria estranho que alguém que, como a testemunha, demonstrava ser organizada, se fosse esquecer de uma carta das finanças.
Para concluir que, perante estas duas vertentes, seria razoável a dúvida no espírito do julgador quanto aos factos e que esta dúvida no caso concreto teria de ser decidida a favor do executado.
No prosseguimento de tal discurso argumentativo ponderou o acórdão recorrido que « o artigo 241.° do Código de Processo Civil estabelece que sempre que a citação se mostre efectuada em pessoa diversa do citando será enviada pela secretaria no prazo de dois dias úteis, carta registada ao citando, comunicando-lhe a data e o modo por que o acto se considera realizado, o prazo para o oferecimento da defesa e as cominações aplicáveis à falta desta, o destino dado ao duplicado e a identidade da pessoa em que a citação foi realizada»
- que «esta carta registada prevista no artigo 241º não foi enviada ao citando»
- e que « o n.° 6 do artigo 190.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário dispõe que «só ocorre falta de citação quando o respectivo destinatário alegue e demonstre que não chegou a ter conhecimento do acto por motivo que não lhe foi imputável.».
E concluiu, citando de Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e Processo Tributário anotado, 6ª edição, Áreas Editora, vol. III, pags. 366/367, que «os princípios da segurança jurídica e da confiança, com a sua vertente de proibição da indefesa, não permitem que, na dúvida sobre se o executado teve ou não possibilidade de se defender num processo em que são afectados os seus direitos, se ficcione que ele teve essa possibilidade . A ser assim, o destinatário da citação terá o ónus de alegar que não chegou a ter conhecimento do acto por motivo que lhe não foi imputável, mas se o tribunal (ou o órgão da execução fiscal) ficar na dúvida sobre se esse motivo corresponde ou não à realidade, deverá valorar essa dúvida em favor do executado, repetindo a citação.» - fls. 412.

No fundo a base lógica do aresto recorrido, no que respeita à apreciação da matéria de facto, assenta na conclusão de que na dúvida sobre os motivos que determinaram o não conhecimento do acto de citação por parte do executado, e tendo ocorrido omissão do serviço de finanças no cumprimento do disposto no artº 241º do Código de Procedimento e Processo Tributário (envio de carta registada ao citando comunicando-lhe os dados da citação), essa dúvida deverá ser valorada a favor do executado, repetindo-se a citação.

o acórdão fundamento ( fls. 571 e segs.) versou sobre o imputado erro de julgamento da sentença ali impugnada no que respeita à apreciação e valoração da prova respeitante aos factos levados ao probatório nos pontos 14 e 16 da decisão de primeira instância, respeitantes à aquisição de um aparelho laser (laser gentie yag) em 26.12.2005, à empresa espanhola “E…………., S.A”, pelo preço de €55.000,00.
A sentença recorrida não havia dado como provado que tal equipamento tivesse sido adquirido em regime de compropriedade pela impugnante e “F……….., Lda,” antes considerou provado que a impugnante vendera, em 11.12.2006, 50% do referido equipamento à sociedade “F………………”.

E sobre tal questão, referente ao julgamento da matéria de facto, o acórdão fundamento, após sublinhar, como considerando preliminar, que ao Tribunal Central Administrativo «assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.°, n.° 1 do CPC, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos» e que a lei processual civil impõe ao recorrente o ónus rigoroso « de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida» veio a concluir que «Perante a análise dos elementos presentes nos autos, com a consideração de todos os meios probatórios (…) não pode ser atendida a pretensão da Recorrente, na medida em que a prova produzida nos termos articulados pela Recorrente não é susceptível de colocar em crise o exposto pelo Tribunal recorrido». – cf. fls. 598 e 603.

Constata-se assim que o acórdão recorrido e o acórdão fundamento se fundaram em pressupostos factuais bem distintos, que determinaram implicações jurídicas diversas.
Com efeito, no que concerne ao erro na apreciação da matéria de facto, o acórdão recorrido abordou a questão na perspectiva do ónus da prova do não conhecimento do acto de citação por motivo não imputável ao respectivo destinatário, em face da previsão do artº 199º nº 6 do Código de Procedimento e Processo Tributário, concluindo, face ao não cumprimento do disposto no artº 241º do Código de Procedimento e Processo Tributário, que, na dúvida sobre os motivos que determinaram o não conhecimento do acto de citação por parte do executado, essa dúvida deverá ser valorada a favor do executado.
Por sua vez o acórdão fundamento, ponderando, que se impunha ao recorrente o ónus de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considerava incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida, concluiu, atento o disposto no artº 685º-B, nº 1 do Código de Processo Civil, na redacção do decreto-lei 303/07 de 24.08, que a alegação do recorrente não comportava elementos que permitissem colocar em crise a apreciação da matéria de facto efectuada pela primeira instância,

Resulta do exposto que, quer no acórdão recorrido, quer no acórdão fundamento, as considerações sobre os poderes da segunda instância na reapreciação da matéria de facto, surgem a latere, não constituindo a decisão propriamente dita, nem sequer, como vimos, fundamento da decisão.

Ora, como vem afirmando a jurisprudência do Pleno desta Secção “para ocorrer a aventada oposição é indispensável pois que sejam idênticos os factos neles tidos em conta e que em ambos os arestos a decisão haja assumido forma expressa, não bastando a simples oposição entre razões ou argumentos enformadores das decisões finais ou a simples invocação de decisões implícitas” (ver, para além dos já acima citados, os seguintes acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 02.01.2010, recurso 1042/08, de 05.06.2013, recurso 180/12, de 03.07.2013, recurso 700/12, e de 26.03.2014, recurso 865/13, bem como o Acórdão do Plenário do Supremo Tribunal Administrativo de 12.11.2009, proferido no recurso 429/03, todos in www.dgsi.pt)
Ou, por outras palavras, “para fundamentar o recurso por oposição de julgados apenas é relevante a oposição entre soluções expressas, sendo que a oposição deverá existir relativamente às decisões propriamente ditas e não em relação aos seus fundamentos” (Jorge Sousa e Simas Santos, in Recursos Jurisdicionais em Contencioso Fiscal, pág. 424).

Concluiu-se assim que não existe identidade da questão fundamental de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto.
Não se verificam, pois, os requisitos do recurso com fundamento em oposição de acórdãos, pelo que o presente recurso deve ser julgado findo nos termos do artº 284º, nº 5 do Código de Procedimento e Processo Tributário.

8. Alega também a recorrente que, ainda que se entendesse que a jurisprudência do acórdão em recurso sobre a amplitude e natureza dos poderes do julgador de 2.ª instância era de aceitar, a decisão recorrida não poderia permanecer na ordem jurídica.
Isto porque o TCAN afirmou explicitamente que tinha dúvidas quanto à ocorrência do esquecimento da testemunha e quanto à falta de entrega da citação ao aqui Recorrido e, não tendo a certeza subjectiva sobre o facto, nem convicção de que ele ocorreu, o tribunal não o podia dar como provado.

É manifesto que esta alegação da Fazenda Pública não pode proceder.
Com efeito, e como bem nota o recorrido, a pretensão da Fazenda Pública visa, neste ponto, alcançar uma reapreciação da convicção substancial que as instâncias formaram sobre as provas produzidas.
Ora, como é sabido o recurso por oposição de acórdãos destina-se a dirimir a querela interpretativa relativa à mesma questão de direito, na perspectiva da sua imediata aplicação ao caso concreto, não cabendo nos poderes de cognição do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, que conhece apenas de direito, sindicar a matéria de facto fixada pelas instâncias (cfr. arts.º 26º e 27º do ETAF).

9. Termos em que acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em julgar findo o recurso.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 7 de Maio de 2014. – Pedro Manuel Dias Delgado (relator) – Dulce Manuel da Conceição Neto – Joaquim Casimiro Gonçalves – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – José da Ascensão Nunes Lopes – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Ana Paula da Fonseca Lobo – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – José Maria da Fonseca Carvalho.