Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:047836
Data do Acordão:10/13/2004
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:JORGE DE SOUSA
Descritores:JOGOS DE FORTUNA OU AZAR.
CASINO.
MÁQUINA ELÉCTRICA DE DIVERSÃO.
AVARIA.
PRÉMIO.
USURPAÇÃO DE PODER.
TUTELA ADMINISTRATIVA.
CONCESSÃO.
PRINCÍPIO DA BOA-FÉ.
QUESTÃO FISCAL.
INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA.
FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO.
Sumário:I - O vício de usurpação de poder ocorre quando a competência para praticar o acto praticado por um órgão da Administração couber a um órgão de outro poder do Estado, designadamente do poder judicial ou do poder legislativo.
II – Enquanto na função jurisdicional há um conflito de interesses cuja resolução tem como fim específico a realização do Direito e da Justiça, na função administrativa a actuação não se destina propriamente a resolver um conflito de interesses, antes prosseguindo os seus fins próprios: um qualquer dos interesses públicos que à Administração incumba realizar.
III - O direito de explorar jogos de fortuna ou azar é reservado ao Estado, tendo ínsito um interesse público cuja prossecução cabe ao Estado, pelo que as relações que se estabelecem entre a concessionária, no exercício de poderes do Estado, e os particulares, no âmbito da actividade de jogo, são relações administrativas, que se inserem na prossecução daquele interesse público.
IV - O princípio da boa-fé visa proteger a confiança dos administrados no comportamento da Administração, impedindo-lhe, designadamente, que pratique actos que afectem a esfera jurídica dos cidadãos, quando o seu comportamento anterior era idóneo a convencer estes de que não viriam a ser afectados.
V - Não pode inferir-se da permissão para reabertura à exploração de máquinas de jogos que tinham sofrido avarias uma permissão para receber as quantias das apostas sem a contrapartida de pagamento dos correspondentes prémios.
VI - A parte de um acto em que se decide que a concessionária de exploração de jogo de fortuna ou azar não poderá deduzir à receita bruta de uma máquina de jogo o valor de um determinado prémio, visando produzir efeitos apenas a nível do imposto especial de jogo de que a concessionária é sujeito passivo, nos termos do disposto no art. 84.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, constitui acto administrativo respeitante a questão fiscal, para efeitos do art. 41.º, n.º 1, alínea b), do E.T.A.F. de 1984, pelo que carecem de competência material para a sua apreciação a Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo e o respectivo Pleno.
VII - A fundamentação de direito do acto administrativo não tem de fazer-se, necessariamente, pela referência a normas de direito positivo podendo sê-lo através da indicação da doutrina legal ou dos princípios jurídicos em que o acto se baseia e é suficiente para a existência da fundamentação de direito, a compreensão pelo destinatário, do quadro normativo em que a deliberação impugnada assentou.
Nº Convencional:JSTA00062139
Nº do Documento:SAP20041013047836
Data de Entrada:01/19/2004
Recorrente:A...
Recorrido 1:SE DO TURISMO E OUTRO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:AC 1 SUBSECÇÃO DO CA.
Decisão:PROVIMENTO PARCIAL.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - ACTO.
Legislação Nacional:CPA91 ART6-A ART124 ART125 ART133.
CONST97 ART202 ART266.
DL 422/89 DE 1989/12/02 ART2 ART9 ART84.
ETAF84 ART21 ART26 ART41.
CPC96 ART495 ART510.
CPC67 ART104.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC36943 DE 1997/05/14.; ASS STJ DE 1963/02/01 IN BMJ N124 PAG414.; AC STA PROC41169 DE 2002/11/12.; AC STA PROC43/03 DE 2003/04/29.; AC STA DE 1987/03/01 IN BMJ N365 PAG469.; AC STA DE 1997/03/11 IN BMJ N465 PAG360.; AC STA DE 2001/01/17 IN AD N478 PAG1294.; AC STA PROC30682 DE 1993/02/25.; AC STA PROC1835/02 DE 2003/05/27.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A... interpôs neste Supremo Tribunal Administrativo recurso contencioso de anulação do Despacho n.º 318/2001/SET, de 18-4-2001, proferido pelo Senhor Secretário de Estado do Turismo que indeferiu o recurso hierárquico que interpôs do despacho do Inspector-Geral dos Jogos que determinara que a recorrente procedesse ao pagamento a B..., frequentadora do Casino da Póvoa de Varzim, de um prémio (jackpot) no valor de Esc. 8.600.000$00, conseguido em máquina de jogo, não podendo deduzir tal quantia da receita da máquina.
Por acórdão da Secção foi negado provimento ao recurso.
Inconformada, a Recorrente, que alterou a sua designação social para ..., interpôs o presente recurso para este Pleno da Secção do Contencioso Administrativo, apresentando alegações com as seguintes conclusões:
1 – O presente recurso jurisdicional vem interposto do acórdão proferido pela 3ª Subsecção da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo que negou provimento ao recurso contencioso de anulação do despacho n.º 318/2001/SET, de 18 de Abril de 2001, de Sua Excelência o Senhor Secretário de Estado do Turismo, que negou provimento ao recurso hierárquico interposto pela ora alegante do despacho de 7 de Dezembro de 2000, do Exmo. Senhor Inspector-Geral de Jogos;
2 – Sustentou-se a ora alegante no recurso contencioso que o acto que ordenou o pagamento de um prémio de jogo que a Recorrente não pagou com fundamento em avaria de uma máquina, encontrava-se viciado de usurpação de poderes, porquanto pretende decidir de forma impositiva um diferendo entre entidades privadas, no âmbito de um negócio jurídico-privado, o que é atribuição privativa do poder judicial, nos termos do artigo 202º da C.R.P., sendo assim nulo, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 133 e 134º, ambos do C.P.A.;
3 – O Tribunal entendeu que a Administração actuou ao abrigo de normas administrativas e desconsiderou a imputação de tal vício; acontece que,
4 – No caso em apreço, estamos perante um diferendo que tem natureza privada pelo que as manas administrativas não legitimam a ingerência da Administração na imposição de uma decisão à Recorrente: só os tribunais judiciais o poderiam fazer;
acresce que
5– Contrariamente ao entendimento do Tribunal, também não pode, no caso em apreço, fazer-se apelo à interpretação extensiva para alargar a competência da Administração as normas de competência são de ordem pública e de direito público não comportando a susceptibilidade de interpretação extensiva;
6 – Nestes termos, salvo melhor entendimento, o acórdão recorrido ao considerar que o acto não é nulo nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 133º e 134º, ambos do C.P.A. e por errónea interpretação e aplicação da lei nomeadamente do artigo 202 da CRP;
7 – Sustentou a Recorrente no recurso de anulação que o acto recorrido era inválido por ilegalidade por violação de lei por erro nos pressupostos de facto, na medida em que faz assentar a vontade administrativa no regular funcionamento da máquina da recorrente, que serviu de instrumento ao contrato de jogo entre aquela e a recorrida particular, o que constitui errónea apreciação da situação factual em causa, pelo que o acto recorrido é anulável, nos termos do artigo 135º do Código do Procedimento Administrativo C.P.A.;
8 – No entanto, considerou o Tribunal que não tinha sido pressuposto do acto que a máquina estivesse avariada, uma vez que: “o acto tanto admite esse pressuposto como o contrário”; ora,
9 – Estando a máquina avariada, é manifesto que o acto que decide sem atender a esse pressuposto é inválido por ilegalidade por erro sobre os pressupostos de facto;
10 – É igualmente manifesto que tendo a Recorrente fundamentado o não pagamento na avaria da máquina não podia a administração não assentar nesse pressuposto para apreciar a situação dado o relevo que o aviso aposto na máquina, onde se estabelece que em caso de avaria do equipamento não há lugar a atribuição de prémio;
11 – Ao desconsiderar estes factos ou ao não considerá-los devidamente a entidade Recorrida determinou-se em erro sobre os pressupostos de facto que determinaram a Recorrente a não proceder ao pagamento; pelo que,
12 – O Tribunal ao não anular o acto com fundamento na sua invalidade por ilegalidade por erro sobre os pressupostos de facto fez uma errada apreciação e aplicação da lei; na verdade,
13 – Uma decisão administrativa que incide sobre um facto mal avaliado ou sobre uma situação fáctica que a Administração optou comodamente por não qualificar enferma inequivocamente dessa ilegalidade;
14 – Do prisma da Recorrente, o acto viola o princípio da boa-fé no exercício da actividade administrativa, contido nos artigos 266º, n.º 2, da Lei Fundamental, e 6º-A do C.P.A., na medida em que faz uma apreciação da situação subjacente como se fossem desconhecidas da Administração as regras do contrato de jogo em causa, portanto, em clara violação da confiança suscitada na Recorrente, sendo o mesmo acto anulável, nos termos do artigo 135º do C.P.A.;
15 – Entendeu o Tribunal, todavia, que a eficácia invalidante do princípio da boa fé dependeria da prova da avaria da máquina;
16 – Salvo o devido respeito, o que aconteceu no caso em apreço foi que a Administração sem cuidar da análise da situação considerou que qualquer avaria da máquina não seria imputável à jogadora, pelo que o prémio devia ser pago;
17 – A boa fé impunha, desde logo a apreciação e a consideração de todos os elementos em causa, até tomando em consideração todo o anterior procedimento da Recorrente no pagamento dos prémios decorrentes dos sinais que aparecem nos visores das máquinas;
18 – Não foi o que aconteceu, pelo contrário, a Administração, sem cuidar de analisar todos os elementos em causa cuidou de imputar à Recorrente toda a responsabilidade, incluindo a de suportar todos os encargos, não permitindo sequer que o prémio fosse deduzido na receita da máquina; e,
19 – Salvo o devido respeito, o Tribunal sem cuidar de ir mais além, secundou o entendimento da Administração e foi mesmo ao ponto de afirmar que o procedimento da Recorrente: “Pode mesmo considerar-se reveladora de muito duvidosa boa-fé a atitude da concessionária”....
20 – A Recorrente ao agir como agiu fê-lo na estrita convicção, que ainda hoje lhe assiste de estar a cumprir “in integra” uma das obrigações que lhe assistem: zelar pelo integral cumprimento das regras de jogo;
21 – Só um entendimento que parta do falso pressuposto que havia qualquer propósito de enriquecimento da concessionária pode concluir que o seu procedimento foi de duvidosa boa fé;
22 – Foi e é entendimento da concessionária que não teria cumprido a sua obrigação se tivesse procedido ao pagamento de um prémio que resultou da conjugação e das circunstâncias em que aquele ocorreu;
23 – Salvo melhor entendimento o Tribunal ao decidir pela não verificação da invalidade por ilegalidade por violação do princípio da boa fé, deu acolhimento a uma acto que padece dessa invalidade e que deve ser anulado;
24 – A ora alegante invocou ainda a ilegalidade do acto com fundamento no facto de ser imposto à Recorrente que não contabilize o pretenso prémio a pagar à recorrida particular para efeitos de cálculo da receita bruta dos jogos, valor sobre o qual é entregue ao Estado uma contrapartida de 50%; isto é:
25 – A entidade Recorrida, por um lado impõe o pagamento do prémio, sem tomar em consideração se a máquina estava ou não avariada, por outro não permite que o prémio seja tido em conta na receita bruta da máquina;
26 – O acórdão recorrido não sufragou este entendimento, invocando que “a lei quis desconsiderar o valor dos prémios pagos aos jogadores, mandando calcular as contrapartidas a pagar pelo concessionário sobre a totalidade da receita do jogo”;
27 – Salvo melhor entendimento, não é o que decorre da alínea b) do nº 1 do artigo 3º do Decreto Regulamentar n.º 29/88, de 3 de Agosto: deve entender-se por receitas brutas dos jogos o resultado que se obtém abatendo o valor dos prémios ao valor das apostas; aliás,
28 – Olhem entendimento seria manifestamente absurdo e violador do mais elementares princípios da igualdade e proporcionalidade, ínsitos no artigo 13º da Lei Fundamental;
29 – Seria admitir, como o fez o Tribunal recorrido, que a receita bruta é igual a todos os montantes apostados e que os prémios são custos de exploração; ora,
30 – Quando o legislador se refere a receita bruta o que quer dizer é que ela é o resultado dos montantes apostados menos os prémios, menos os montantes que eventualmente tenham sido necessários para repor o capital na máquina; aliás
31 – Uma máquina quando está a receber fichas dá muitas vezes prémios que não sendo jackpot, são um prémio por saída de fichas;
32 – A receita bruta dessa máquina é o resultado que ela apresenta a final depois de apurada a quantia recebida de jogadas de eventual reposição, menos os prémios; mais,
33 – É sobre esse montante que incidem os 50% a favor do Estado: o que o legislador quis dizer é que a esse resultado não podem ser abatidos os custos de exploração que só poderão ser suportados pelos 50% que ficam para a concessionária;
34 – Nestes termos, salvo o devido respeito, o acórdão recorrido fez uma errada interpretação e aplicação do disposto no Decreto Regulamentar n.º 29/88, de 3 de Agosto, nomeadamente da sua alínea b) do nº 1 do artigo 3º, levando-os a produzir um resultado violador dos princípios da igualdade e proporcionalidade, ínsitos no artigo 13º da Lei Fundamental; aliás,
35 – O entendimento ínsito no acórdão recorrido deixaria o Estado fora da realidade do jogo, uma vez que para ele deixava de funcionar o binómio típico do jogo que é a sorte/azar e que se estende a todos os intervenientes: jogadores, concessionárias e Estado;
36 – Outro teria sido o entendimento do Tribunal, pelo menos no que diz respeito à imputação do discutido prémio ao resultado da máquina, caso não tivesse laborado em manifesto erro de interpretação e aplicação da alínea b) do nº 1 do artigo 3º do já citado Decreto Regulamentar;
37 – No recurso contencioso, a Recorrente sustentou finalmente que o acto padece de vicio de forma por falta de fundamentação, dada a insuficiência e obscuridade da mesma, nos termos expostos, e atendendo ao disposto no artigo 125º do C.P.A., sendo anulável, nos termos do artigo 135º do mesmo Código, dado que padece de vício de forma por falta de fundamentação;
38 – Entendeu, contudo, o colectivo de juízes que as informações que sustentam o acto tornam “perfeitamente visível, para o exterior, o itinerário cognoscitivo e valorativo de quem decidiu, e quando assim é torna-se descabido falar de violação do dever de fundamentação”;
39 – A ora recorrente reitera agora a existência do vício, visto que, a acrescer à errada interpretação fáctica e jurídica da situação sub judice, é notória a inexistência de consistência argumentativa, arrogando-se mesmo a Administração no direito de não subsumir os seus actos a normas jurídicas concretas.
A Autoridade Recorrida contra-alegou, concluindo da seguinte forma.
a) Tendo em conta a matéria apurada em processo de averiguações, ao Inspector-Geral de Jogos competia apenas ordenar à concessionária, ora recorrente, o pagamento à jogadora; da quantia de 8.600 contos correspondente ao jackpot;
b) Tal decisão foi sancionada pelo despacho do Senhor Secretário de Estado do Turismo, nº 318/2001, de 18 de Abril, agora impugnado;
c) O despacho impugnado não padece de erro nos pressupostos de facto.
Na verdade, este despacho teve por base pressupostos de facto que correspondem a realidade, nomeadamente que à jogadora não foi fornecida qualquer informação quanto a combinações inviáveis e que, verificada como foi a combinação na linha central que lhe concedia o direito ao prémio, a jogadora é alheia a qualquer avaria da máquina.
Sendo estes os factos reais e dados como provados, não pode invocar-se, nem defender-se, que o despacho impugnado assentou em pressupostos errados.
d) Também o despacho impugnado não está ferido do vício de usurpação de poder.
Nos termos da Lei do Jogo, são as concessionárias as responsáveis pela legalidade e regularidade da exploração e prática de jogo concessionado, sujeitas, porém à fiscalização da Inspecção-Geral de Jogos.
Por outro lado, a tutela de jogos de fortuna ou azar compete ao membro do Governo responsável pelo sector do turismo (DL 422/89 – art. 2º).
“O direito de explorar jogos de fortuna ou azar é reservado ao Estado, e só pode ser exercido por empresas constituídas sob a forma de sociedades anónimas a quem o Governo adjudicar a respectiva concessão mediante contrato administrativo” (DL 422/89 – art. 9º).
Compete, pois, à Administração, nos termos legais, dirimir conflitos como os que estão em causa.
Não padece, pois, o despacho recorrido do vício de usurpação de poder.
e) Não está, também, o despacho impugnado, ferido de vício de violação de lei, por violação dos artigos 3º e 6º do Decreto Regulamentar nº 29/88 de 3 de Agosto.
Este vício resultaria por não ter sido permitido à recorrente deduzir o valor do prémio no valor da contrapartida anual de 50% das receitas brutas do jogo.
Acontece que, nos termos do nº 2 da cláusula 4º do contrato de concessão celebrado entre o Governo Português e a recorrente, a esta incumbe prestar em cada ano, entre outras uma contrapartida de 50% das receitas brutas declaradas nos jogos explorados no Casino.
Não pode, assim, a recorrente deduzir o prémio a pagar na receita da máquina, sob pena de violar a mencionada obrigação.
f) O despacho recorrido não padece de vício de forma por falta de fundamentação.
Como é jurisprudência uniforme, a fundamentação do despacho por referência, por remissão ou por relacionem, para ser válida, tem de consistir numa declaração expressa e inequívoca de concordância com anterior parecer, informação ou proposta (Ac. do STA (Pleno) de 05.04.1990, Recurso nº 16 276).
Ora, não restam dúvidas de que o despacho em causa obedeceu a tais requisitos.
A recorrida particular não apresentou contra-alegações.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso jurisdicional, manifestando concordância com o acórdão recorrido.
Por despacho do Relator, foram as partes convidadas a pronunciarem-se sobre que questão prévia da competência do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo para o conhecimento do recurso relativamente à segunda parte do acto recorrido, em que se estabelece que a Recorrente não poderá deduzir da receita da máquina o prémio que deve pagar à frequentadora do Casino que obteve o prémio, por se entender que pode estar em causa o conhecimento de uma questão fiscal.
Apenas a Recorrente se pronunciou sobre esta questão, não discutindo se se trata ou não de uma questão fiscal, colocando à possibilidade de conhecimento da questão da competência o obstáculo do caso julgado que entende ter-se formado sobre tal questão.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – No acórdão recorrido deu-se como assente a seguinte matéria de facto:
1. A recorrente é concessionária da exploração de jogos de fortuna e azar da zona de jogo da Póvoa do Varzim, nos termos do contrato publicado no D.R., III série, nº 37, de 14.2.89.
2. Em 8.4.00, cerca da meia-noite, a recorrida particular B... jogou no Casino da recorrente com a máquina nº 9316, tendo feito a aposta máxima nesse tipo de máquina (9 fichas).
3. Conseguiu a recorrida particular a combinação constituída por 3 esfinges ou faraós na linha central.
4. A essa combinação, jogando com a aposta máxima, corresponde a atribuição do jackpot.
5. À hora referida em 2., o jackpot valia Esc. 8.600.000$00.
6. A recorrente recusou-se a pagar o prémio à recorrida, alegando haver avaria da máquina.
7. A recorrida reclamou para o Coordenador da Equipa de Inspecção junto do Casino da Póvoa do Varzim (doc. fls. 3 do instrutor, que se dá por reproduzido).
8. O Inspector-Coordenador, por despacho de 24.4.00, mandou instaurar processo de averiguações.
9. No final deste processo o instrutor elaborou um relatório, cujas conclusões constam de fls. 26 a 28 do instrutor.
10. A recorrente foi notificada para se pronunciar sobre o dito relatório, o que fez apresentando a exposição e documentos constantes do processo de averiguações.
11. Em 7.12.00 o Inspector-Geral dos Jogos exarou o despacho que consta do mesmo processo, cujo conteúdo se dá por inteiramente reproduzido, e que termina determinando o seguinte: “que, no prazo de quinze dias, a concessionária, A..., pague àquela frequentadora a reclamada quantia de oito milhões e seiscentos mil escudos, não a podendo, no entanto, deduzir na receita da máquina em causa.
12. Em 9.2.01, a recorrente interpôs recurso hierárquico desta decisão para o Secretário de Estado do Turismo.
13. O Inspector-Geral de Jogos elaborou acerca do recurso hierárquico “informação”, subintitulada “Art. 172º do Código do Procedimento Administrativo”, do seguinte teor:
“1. - Vem o presente recurso hierárquico necessário interposto pela A..., do meu despacho de 7 de Dezembro de 2000.
2. - O recurso é o próprio, foi atempadamente apresentado e mostra-se interposto por quem tem legitimidade.
3. – A recorrente vem extrair conclusões do facto que incluiu na alínea g) do ponto 7 da sua minuta de recurso que manifestamente se não podem inferir do meu despacho. Com efeito, a matéria constante da referida alínea tem de ser integrada com os factos alegados nos artigos 24º a 27º da exposição da concessionária recebida em 28.07.2000 nos quais se dizia que «a IGJ se encontrava conhecedora da avaria da máquina» e que «Em 11.06.2000, a IGJ refere: (...) perante as explicações técnicas fornecidas pelos respectivos fabricantes (..) a partir desta data, poderão reabrir à exploração as máquinas ... devendo, contudo, continuar a ser alvo de aturado acompanhamento, com vista a evitar a repetição das ocorrências verificadas».
Ora, daqui resulta que, atentas as explicações técnicas dadas, a partir de 11.06.2000 foi a Recorrente autorizada a reabrir aquelas máquinas à exploração.
De facto, não olvidará a Recorrente que por sua comunicação de 18 de Maio de 2000 de que juntou cópia na falada exposição (cfr. doc. 2) deu notícia da «tradução do fax Atronix», fornecedor do equipamento, onde se lê:
«No sentido de confirmar esta afirmação e com vista a encontrar uma solução para prevenir esse tipo de problemas, agradecíamos que devolvessem as placas originais ... Foram despachadas placas novas que receberão no final da semana corrente».
Do exposto e dos autos resulta que jamais se entendeu que a Recorrente manteve em exploração a máquina em questão imediatamente após a ocorrência dos factos controvertidos; ao invés, veio posteriormente a recorrente solicitar autorização para a sua exploração que lhe foi concedida atentas as explicações técnicas fornecidas pelos respectivos fabricantes e nos precisos termos que descreve. Deste facto, apenas se concluiu no despacho recorrido que incumbe à concessionária zelar pelo bom funcionamento da máquina em questão.
4. Vem a recorrente cotejar a situação controvertida com aquela que foi objecto da minha informação de 14.04.99; diz para tanto a recorrente que aí se entendeu tratar-se de um erro evidente, o que, acrescenta-se, manifestamente não ocorre no caso vertente tanto mais que é o próprio fornecedor que ao enviar as placas novas da máquina, solicita à recorrente a remessa das placas antigas para poder confirmar a informação que prestou e, note-se, «encontrar uma solução para este tipo de problemas».
Na situação anterior, o frequentador pretendeu usar em seu beneficio um erro evidente e sabia que o prémio anunciado não era o que reclamava; no caso vertente, decidiu a recorrente não pagar o prémio que anunciava invocando para tanto uma avaria da máquina que uma pessoa medianamente inteligente e sagaz não pode confirmar.
5. Por último, vem a recorrente invocar que a decisão, «além de contrariar os normais procedimentos de tratamento de qualquer prémio atribuído na sala de máquinas, omite a respectiva fundamentação legal».
Acontece que, nos termos no nº 2) da cláusula 4 do Contrato de concessão celebrado entre o Governo Português e a recorrente, a esta incumbe prestar, em cada ano e de entre outras, contrapartida do valor de 50% das receitas brutas declaradas dos jogos explorados no casino; ora, não poderá a recorrente na presente situação deduzir o prémio na receita da máquina sob pena de violar aquela sua obrigação.
À recorrente assistirá eventualmente o direito de ser indemnizada pelo fornecedor por venda de coisa defeituosa.
6. Face ao exposto, entenda que o presente recurso não merece provimento”.
14. Em 4.4.01, foi elaborado na Secretaria-Geral do Ministério da Economia parecer jurídico acerca desse recurso hierárquico (parecer nº 16/GJ/01), do seguinte teor:
“1. A..., interpôs para o Senhor Secretário de Estado do Turismo recurso hierárquico necessário do despacho do Senhor Inspector-Geral de Jogos de 7.12.00 que, dando por provada e procedente a reclamação da frequentadora do Casino, da Póvoa do Varzim, B..., determinou que, no prazo de 15 dias, a A... pagasse aquela a quantia de Esc., 8.6000.000$00, correspondente a um Jackpot que lhe havia saído no dia 9 de Abril do ano 2000, quando jogava na máquina nº 9316 daquele casino, ao conseguir obter a combinação constituída por três esfinges, ou faraós, na linha central, não podendo, no entanto, deduzir tal quantia na receita da máquina.
Solicitado, sobre o assunto, o parecer deste Gabinete Jurídico, cumpre informar.
2. Com efeito, a, reclamante acima identificada, não obstante ter conseguido obter, na máquina de jogo, uma combinação a que correspondia um jackpot no valor de Esc. 8.600.000$00, viu-lhe negado, pela concessionária, ora recorrente, o pagamento do prémio, com o fundamento de que a máquina em causa se encontrava, na altura, avariada.
Face a tal situação, a I.G.J, determinou a abertura de um processo de averiguações tendo, a final, o Senhor Inspector-Geral de Jogos proferido o despacho recorrido, com os fundamentos que adiante se enumeram: que a concessionária pretende imputar ao jogador o ónus da exploração da máquina; que não se alcança dos autos que à jogadora tenha sido dada qualquer informação quanto a combinações inviáveis; que verificada que foi a combinação na linha central que lhe concedia o direito ao prémio, o jogador é alheio a qualquer avaria ou erro de concepção ou programação da máquina; que a combinação conseguida é a da linha central; que não pode imputar-se ao jogador o ónus de saber se a combinação máxima numa linha inviabiliza outras combinações noutras linhas; e, por último, que após a ocorrência do facto a concessionária manteve em funcionamento a máquina em causa, pelo que apenas a ela poderá ser imputado qualquer risco na sua exploração.
3. Na sua petição de recurso, a A... limita-se a repetir a alegação já produzida para negar à frequentadora o pagamento do prémio, ou seja, a ocorrência de uma avaria na máquina Esfinge Atronic nº 9316, visto não ter bloqueado ao atribuir o Jackpot, não ter accionado automaticamente o display de jackpot e não ter evidenciado no monitor a indicação de pagamento de prémio.
Estes factos, refere ainda a recorrente, levaram os seus técnicos a recorrerem aos registos da máquina para confirmarem o valor reclamado, o que, porém, não conseguiram, dado que ao ter sido dado à ”chave dos fora de serviço/última jogada" os três rolos da direita das três linhas do monitor da máquina, nos quais contava um escaravelho (linhas superior e inferior) e uma esfinge (linha central), alteraram-se o que, segundo a tese da recorrente, é perfeitamente anormal e indício de avaria.
4. Acontece, porém que, no âmbito das competências que lhe estão atribuídas pela lei, nomeadamente, as constantes do artigo 13º, nº 1, al., g) do Decreto-Lei n 184/88, de 25 de Maio, – realizar inquéritos, sindicâncias e meras averiguações relativas à boa observância da legislação reguladora da exploração e prática de jogos de fortuna ou azar e dos contrates de concessão - a I.G.J. mandou instaurar um processo de averiguações, tendo chegado à conclusão que foram praticadas várias irregularidades, tais como, a realização de intervenções na máquina sem que o inspector de serviço à sala delas tivesse conhecimento, a efectivação de várias jogadas posteriores à da saída do Jackpot, do que poderia ter resultado o desaparecimento das últimas jogadas e o da violação, pelo representante da empresa concessionária, das mais elementares instruções de I.G.J.
Da análise de todo o processo resulta, sem margem para dúvidas, que a recorrente actuou de forma negligente em todo este processo, pelo que não deve, efectivamente, recair sobre a frequentadora que conseguiu obter uma combinação que lhe conferiu direito à quantia reclamada, o ónus do deficiente funcionamento da máquina que utilizava.
5. Neste termos, e em conclusão, é nosso parecer que deve ser negado provimento ao recurso hierárquico interposto pela A..., por o acto recorrido não padecer de qualquer dos vícios apontados, devendo esta empresa proceder ao pagamento da quantia de Esc. 8,600.000$00 à frequentadora B..., deduzindo-lhe apenas as importâncias a que legalmente estiver obrigada.
Este é, s.o.m., o meu parecer.
V.Ex.ª, porém, melhor decidirá”.
15. Sobre esse parecer foi em 4.4.01 exarado o seguinte despacho, de autoria não mencionada: “Concordo com a análise e conclusões, afigurando-se que deverá ser indeferida pretensão da Recorrente, com fundamento nas razões de facto e de direito apontadas no presente Parecer e Relatório da IGJ”.
16. E outro, datado de 5.4.01, também de autoria não referenciada, do seguinte teor: “Visto, à consideração de S. Ex.a. O Senhor Secretário de Estado do Turismo”.
17. Em 18.4 01 a entidade recorrida proferiu o seguinte despacho: “Concordando com os termos e fundamentos do parecer nº 16/GJ/01, de 04.04.2001, do Gabinete Jurídico e de Contencioso da Secretaria-Geral do Ministério da Economia, bem como da informação de 28.02.2001, do Senhor Inspector-Geral de Jogos, indefiro o recurso hierárquico interposto pela A.... Para os devidos efeitos, notifiquem-se a A..., bem como o Senhor Dr. J. ..., na qualidade de mandatário da contra-interessada B..., com conhecimento ao Senhor Inspector-Geral de Jogos e ao Gabinete Jurídico e de Contencioso da Secretaria-Geral do Ministério da Economia”.
3 – Foi impugnado pela Recorrente no presente recurso contencioso um despacho do Senhor Secretário de Estado do Turismo que indeferiu o recurso hierárquico que interpôs do despacho do Inspector-Geral dos Jogos que determinara que a recorrente procedesse ao pagamento a B..., frequentadora do Casino da Póvoa de Varzim, de um prémio (jackpot) no valor de Esc. 8.600.000$00, conseguido em máquina de jogo, não podendo deduzir tal quantia da receita da máquina.
A primeira questão colocada no presente recurso jurisdicional é a de saber se o acto impugnado enferma de vício de usurpação de poder, vício este que, a existir, acarreta a nulidade do acto, por força do disposto na alínea a) do n.º 2 do art. 133.º do C.P.A..
O vício de usurpação de poder ocorre quando a competência para praticar o acto praticado por um órgão da Administração couber a um órgão de outro poder do Estado, designadamente do poder judicial ou do poder legislativo.
No caso em apreço, a Recorrente defende que, ao determinar aquele pagamento, a Autoridade Recorrida pretendeu decidir autoritariamente um conflito entre entidades privadas.
O art. 202.º da C.R.P., subordinado à epígrafe «Função jurisdicional» estabelece que «os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo» e que «na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.
Este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender, sobre a distinção entre função administrativa e função jurisdicional, que «enquanto na função jurisdicional há um conflito de interesses cuja resolução tem como fim específico a realização do Direito e da Justiça, na função administrativa, pelo contrário, a actuação da Administração não se destina propriamente a resolver um conflito de interesses, antes prosseguindo os seus fins próprios: um qualquer dos interesses públicos que à Administração incumba realizar. A função jurisdicional só está em causa quando, ao resolver-se um conflito de pretensões jurídicas entre dois cidadãos ou entre um cidadão e o Estado, apenas se pretende prosseguir o interesse público da "paz jurídica"; por seu lado, já se estará no exercício da função administrativa quando, mesmo estando em causa a resolução de um conflito de pretensões jurídicas, se visem prosseguir outro ou outros interesses públicos, para além da mera "paz jurídica", sendo em função desses interesses públicos postos pela lei a cargo da Administração, que se justifica a intervenção desta» (Acórdão de 12-11-2002, proferido no recurso n.º 41169.
Em sentido semelhante, podem ver-se os seguintes acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo:
– de 6-7-95, proferido no recurso n.º 36380, publicado em Apêndice ao Diário da República de 27-1-98, página 6097;
– de 28-10-1998, proferido no recurso n.º 37158, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 480, página 142, e no Apêndice ao Diário da República de 6-6-2002, página 6572;
– de 9-5-2000, proferido no recurso n.º 43672, publicado em Apêndice ao Diário da República de 9-12-2002, página 4164;
– de 13-3-2003, do Pleno, proferido no recurso n.º 35590;
– de 20-3-2003, proferido no recurso n.º 1280/02;
– de 29-4-2003, proferido no recurso n.º 43/03.).
Nos termos do art. 9.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, «o direito de explorar jogos de fortuna ou azar é reservado ao Estado e só pode ser exercido por empresas constituídas sob a forma de sociedades anónimas a quem o Governo adjudicar a respectiva concessão», ficando estas sob tutela do membro do Governo responsável pelo sector do turismo (art. 2.º do mesmo diploma).
À face desta norma, tem de concluir-se que a exploração de jogos de fortuna e azar é de interesse público e a sua prossecução se insere no âmbito da actividade estadual, sendo as relações que se estabelecem nesse âmbito com os particulares relações de natureza administrativa.
Sendo o direito de explorar jogos de fortuna ou azar reservado ao Estado, os poderes de que gozam transitoriamente as concessionárias, durante a vigência da concessão, são poderes próprios do Estado. Por isso, a relação que se estabelece entre a concessionária e os particulares, no âmbito da actividade de jogo, é uma relação administrativa, sendo também no âmbito da prossecução do mesmo interesse público que se insere o exercício dos poderes de tutela estaduais que foram exercidos no acto recorrido.
Como se refere no ponto 1 da matéria de facto fixada, a Recorrente é concessionária da exploração de jogos de fortuna e azar da zona de jogo da Póvoa do Varzim, nos termos do contrato publicado no D.R., III série, nº 37, de 14.2.89, e foi no exercício da actividade a que se reporta a concessão que se gerou a situação subjacente ao acto recorrido.
Por isso, tem de concluir-se que com o acto recorrido não se pretendeu resolver um conflito entre a concessionária e um particular com o fim específico de realizar o Direito e a Justiça, mas sim prosseguir um dos interesses públicos por que ao Estado deve zelar.
Assim, o acto recorrido insere-se no âmbito da actividade administrativa e não da actividade jurisdicional, pelo que não enferma do vício de usurpação de poder.
4 – A Recorrente imputou ao acto recorrido ilegalidade por violação de lei por erro nos pressupostos de facto, na medida em que faz assentar a vontade administrativa no regular funcionamento da máquina da recorrente, que serviu de instrumento ao contrato de jogo entre aquela e a recorrida particular, o que constitui errónea apreciação da situação factual em causa.
Como se depreende claramente do texto do parecer 16/GJ/01, para que remete o acto recorrido, o que foi relevante para determinar a prática do acto foi o entendimento de que nas circunstâncias em que ocorreram os factos, designadamente ter havido intervenções na máquina em causa sem controle do inspector da Inspecção-geral de Jogos que estava em serviço, terem sido efectuadas várias jogadas depois da saída do jackpot em causa, e violação de instruções daquela Inspecção, não devia recair sobre a frequentadora que conseguiu obter uma combinação ganhadora o ónus do funcionamento deficiente da máquina que utilizava.
Isto é, como se entendeu no acórdão recorrido, para a decisão da Autoridade Recorrida era irrelevante que existisse ou não avaria, pois as consequências dessa avaria não poderiam recair sobre o jogador que a utilizava.
Aliás, não tendo a Secção considerado provado que existisse qualquer avaria e sendo os poderes de cognição deste Pleno restritos a matéria de direito (art. 21.º, n.º 3, do E.T.A.F. de 1984), não podia considerar-se demonstrado qualquer erro sobre os pressupostos de facto derivada da sua hipotética existência.
Por isso, o acto recorrido não enferma do referido vício de erro sobre os pressupostos de facto.
5 – A Recorrente imputa ainda ao acto recorrido violação do princípio da boa-fé, na medida em que faz uma apreciação da situação subjacente como se fossem desconhecidas da Administração as regras do contrato de jogo em causa.
O princípio da boa-fé, referido no n.º 2 do art. 266.º da C.R.P. como um dos princípios que devem orientar a actividade da Administração, é concretizado no art. 6.º-A do C.P.A., nos seguintes termos:
ARTIGO 6.º-A
Princípio da boa-fé
1 – No exercício da actividade administrativa e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa fé.
2 – No cumprimento do disposto nos números anteriores, devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas, e, em especial:
a) A confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa;
b) O objectivo a alcançar com a actuação empreendida.
Este princípio visa proteger confiança dos administrados no comportamento da Administração, impedindo-lhe, designadamente, que pratique actos que afectem a esfera jurídica dos cidadãos, quando o seu comportamento anterior era idóneo a convencer estes de que não viriam a ser afectados.
No caso em apreço não se demonstra que se esteja perante qualquer situação desse tipo, pois não vem dado como provado que a Inspecção-Geral de Jogos ou a Autoridade Recorrida tenham tido, antes da prática do acto recorrido, qualquer actuação que pudesse inculcar na Recorrente a convicção de que não tinha de pagar prémios relativamente a máquinas que mantinha em funcionamento à disposição dos frequentadores das salas de jogo, recebendo os montantes das correspondentes apostas, desde que a Recorrente dissesse que elas estavam avariadas.
Designadamente, a autorização «para reabrir à exploração as máquinas... devendo, contudo, continuar a ser alvo de aturado acompanhamento, com vista a evitar a repetição das ocorrências verificadas», não pode, pelos seus próprios termos, servir de suporte a um entendimento daquele tipo sobre os direitos recíprocos dos jogadores e da concessionária da exploração, em termos de esta, que é quem tem obrigação de manter em boas condições de funcionamento as máquinas que explora, poder manter em funcionamento máquinas supostamente avariadas, fazendo suas as quantias das apostas feitas pelos jogadores, sem ter de suportar o encargo dos correspondentes prémios. Por outro lado, este entendimento é tão flangrantemente inaceitável, pelo patente injusto desequilíbrio que admitiria na relação contratual entre os jogadores e a concessionária, que não se pode sequer aventar, em termos de razoabilidade, que alguma concessionária pudesse, confiar em que a Administração, vinculada constitucionalmente a agir em sintonia com os princípios da justiça e da proporcionalidade, pudesse sufragá-lo.
Por outro lado, no que concerne a eventual violação do princípio da boa-fé por a Inspecção-Geral de Jogos ter conhecimento da existência de avisos nas máquinas da Recorrente informando os utilizadores que não haveria lugar a pagamento de qualquer prémio quando as respectivas jogadas fossem efectuadas com a máquina avariada, a Secção não deu como provado que tais avisos existissem nem que a Inspecção-Geral de Jogos tivesse conhecimento da sua existência pelo que, sendo os poderes do Pleno restritos a matéria de direito, não há sequer suporte fáctico que permita equacionar essa violação.
Nestes termos, não vindo provado qualquer outro comportamento anterior da Inspecção-Geral de Jogos que pudesse servir de suporte, em termos objectivos, à formação de uma convicção da Recorrente de que teria o direito que invoca, não pode dar-se como demonstrado que o acto recorrido enferme do vício de violação do princípio da boa-fé que lhe é imputado.
6 – A Recorrente imputa ainda ao recorrido vício de violação de lei na parte em que determina que o valor do prémio em causa não poderá ser tido em conta na receita bruta da máquina.
O acto recorrido contém duas decisões distintas: uma impondo à Recorrente o pagamento do prémio; a outra, relativa ao imposto a que Recorrente está vinculada, nos termos contratuais, proibindo-lhe que deduza o montante do prémio na receita da máquina em causa.
Embora a questão da dedução do montante do prémio só se possa colocar se ele dever ser pago, a decisão sobre a possibilidade de dedução é distinta da decisão sobre o dever de pagamento do prémio e perfeitamente autónoma quanto aos seus fundamentos de direito, pelo que é abstractamente concebível a anulação parcial do acto, relativamente apenas a esta última questão, pois pode ser de entender que, sendo devido o pagamento do prémio, a Recorrente o possa deduzir à receita bruta da máquina.
Na verdade, esta segunda parte do acto recorrido visa produzir efeitos apenas a nível do imposto especial de jogo de que a Recorrente é sujeito passivo, nos termos do disposto no art. 84.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, e do n.º 2 da cláusula 4.ª do Contrato de Concessão.
Como e referiu, por despacho do Relator foram as partes convidadas a pronunciar-se sobre que questão de competência que se coloca quanto ao conhecimento desta questão, tendo a Recorrente obstado à possibilidade desse conhecimento defendendo que se formou caso julgado sobre o decidido no acórdão recorrido sobre a competência.
Constata-se, porém, que no acórdão recorrido não foi apreciada esta questão da competência, nem mesmo se incluindo nele qualquer declaração genérica nesse sentido, pelo que é manifesto que não pode entender-se ter-se formado caso julgado sobre tal questão.
De resto, relativamente à competência, ao contrário do que sucedia com a legitimidade das partes à face do decidido no Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 1-2-1963 (Publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 124, página 414, em se entendeu que «é definitiva a declaração em termos genéricos no despacho saneador transitado relativamente à legitimidade, salvo a superveniência de factos que nesta se repercutam».), sempre se entendeu que apenas se formava caso julgado sobre questões que fossem concretamente decididas, pois tal resultava do teor expresso do art. 104.º, n.º 2, do C.P.C., vigente antes da reforma operada pelos Decretos-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Setembro, e 180/96, de 12 de Dezembro. (Já assim era à face do C.P.C. de 1939, por força do disposto na 2.ª parte dói mesmo art. 104.º.) A revogação deste art. 104.º operada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95 não foi motivada por uma hipotética intenção legislativa de alterar o regime então vigente sobre a formação de caso julgado quanto a questões de competência, mas sim pelo facto de se ter introduzido no n.º 3 do art. 510.º uma norma que estende expressamente esse regime à generalidade das excepções dilatórias e nulidades, limitando a formação de caso julgado formal às «questões concretamente apreciadas».
Assim, no caso em apreço, não tendo havido no acórdão recorrido uma apreciação explícita e concreta da questão da competência, não pode ter-se formado caso julgado sobre tal questão.
É, assim, de apreciar tal questão da competência, que é de conhecimento oficioso e prioritário (arts. 3.º da L.P.T.A. e 495.º do C.P.C., aplicável por força do disposto no art. 1.º daquele primeiro diploma).
7 – À face do E.T.A.F. de 1984, na jurisdição administrativa e fiscal a competência dos tribunais administrativos e dos tribunais fiscais para o conhecimento de recursos contenciosos de actos administrativos praticados por membros do Governo está repartida em função do objecto do acto impugnado: se o acto é respeitante a uma questão fiscal será competente o Tribunal Central Administrativo [art. 41.º, n.º 1, alínea a)]; se o acto impugnado respeita a uma questão que não tem aquela natureza, será competente o Supremo Tribunal Administrativo [art. 26.º, n.º 1, alínea c)].
Assim, a repartição de competência dos tribunais administrativos relativamente aos tribunais fiscais, determina-se por exclusão: serão competentes os tribunais administrativos sempre que não se verificar o factor determinante da competência dos tribunais fiscais.
A jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo tem-se pronunciado frequentemente sobre o conceito de questão fiscal, para efeitos da delimitação de competência entre tribunais fiscais e tribunais administrativos.
Nessa jurisprudência desenham-se, em linhas gerais, duas teses essenciais:
– numa delas, constitui uma questão fiscal «toda a que emerge de resolução autoritária que imponha aos cidadãos o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos do ente respectivo» (Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Administrativo:
– de 17-3-87, proferido no recurso n.º 23993, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 365, página 469, e em Apêndice ao Diário da República de 7-5-93, página 1509;
– de 12-1-88, proferido no recurso n.º 24796, publicado em Apêndice ao Diário da República de 8-10-93, página 102;
– de 22-2-90, proferido no recurso n.º 26147, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 394, página 323, e em Apêndice ao Diário da República de 12-1-95, página 1429;
– de 6-10-93, proferido no recurso n.º 26369, publicado em Apêndice ao Diário da República de 15-10-96, página 4792;
– de 2-12-93, proferido no recurso n.º 32307, publicado em Apêndice ao Diário da República de 15-10-96, página 6744;
– de 3-11-94, proferido no recurso n.º 34575, publicado em Apêndice ao Diário da República de 18-4-97, página 7646;
– de 7-8-96, proferido no recurso n.º 40641;
– de 14-5-97, do Pleno, proferido no recurso n.º 36943.), admitindo-se, or vezes a sua extensão ao «conjunto de relações jurídicas que surjam em virtude do exercício de tais funções ou que com elas estejam objectivamente conexas ou teleologicamente subordinadas»; (Neste sentido, pode ver-se o acórdão da Secção do Contencioso Administrativo: de 6-10-93, proferido no recurso n.º 26369, publicado em Apêndice ao Diário da República de 15-10-96, página 4792.)
– noutra linha, entende-se, mais amplamente, que «é questão fiscal a que exija a interpretação e aplicação de quaisquer normas de direito fiscal substantivo ou adjectivo, para resolução de questões sobre matérias respeitantes ao exercício da função tributária da Administração Pública». (Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Administrativo:
– de 31-1-89,proferido no recurso n.º 26331, publicado em Apêndice ao Diário da República de 14-11-94, página 683;
– de 8-9-93, proferido no recurso n.º 32624, publicado em Apêndice ao Diário da República de 21-8-96, página 4515;
– de 7-6-94, proferido no recurso n.º 30654, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-12-96, página 4532;
– de 10-10-96, proferido no recurso n.º 40894-A;
– de 11-3-97, proferido no recurso n.º 41144, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 465, página 360.
No mesmo sentido podem ver-se os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário;
– de 10-12-1998, proferido no recurso n.º 23100;
– de 17-1-2001, proferido no recurso n.º 24860, publicado no Apêndice ao Diário da República de 27-6-2003, página 157, e em Acórdãos Doutrinais do S.T. A., n.º 478, página 1294.)
Destas duas teses, a segunda é a que está mais em sintonia com a razão de ser da repartição de competência em razão da matéria entre os vários tipos de tribunais, que assenta, essencialmente, em procurar incrementar a melhoria da qualidade das decisões judiciais, que se crê ser um corolário natural da especialização.
Por isso, valendo esta razão de ser da repartição de competência sempre que esteja em causa a interpretação e aplicação de quaisquer normas de direito fiscal substantivo ou adjectivo e a resolução de questões sobre matérias respeitantes ao exercício da função tributária da Administração Pública, deverá adoptar-se esta segunda tese.
A questão decidida no acto recorrido, no que concerne à possibilidade de o valor do prémio em causa nestes autos não poder ser considerado na determinação da receita bruta da máquina, é, manifestamente, uma questão fiscal, pois visa produzir os seus efeitos a nível da incidência objectiva do imposto especial de jogo, influenciando a fixação da respectiva matéria colectável.
Assim, é de concluir que, por força dos referidos arts. 26.º e 41.º do E.T.A.F. de 1984, é competente a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo e não este Supremo Tribunal Administrativo para a apreciação do recurso contencioso, na parte em que decide não permitir à Recorrente deduzir valor do prémio à receita da máquina em causa.
Por isso, quanto a essa parte do acto tem de ser rejeitado o recurso contencioso, ficando prejudicado o respectivo recurso jurisdicional.
8 – A Recorrente imputa ainda ao acto recorrido vício de falta de fundamentação.
O dever de fundamentação dos actos administrativos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos é constitucionalmente imposto (art. 268.º, n.º 3, da C.R.P.).
Os arts. 124.º e 125.º do C.P.A., que concretizam as situações em que existe o dever de fundamentação e estabelecem os respectivos requisitos, têm o seguinte teor:
ARTIGO 124.º
Dever de fundamentação
1 – Para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os actos administrativos que, total ou parcialmente:
a) Neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
b) Decidam reclamação ou recurso;
c) Decidam em contrário de pretensão ou oposição formulada por interessado, ou de parecer, informação ou proposta oficial;
d) Decidam de modo diferente da prática habitualmente seguida na resolução de casos semelhantes, ou na interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou preceitos legais;
e) Impliquem revogação, modificação ou suspensão de acto administrativo anterior.
2 – Salvo disposição da lei em contrário, não carecem de ser fundamentados os actos de homologação de deliberações tomadas por júris, bem como as ordens dadas pelos superiores hierárquicos aos seus subalternos em matéria de serviço e com a forma legal.
ARTIGO 125.º
Requisitos da fundamentação
1 – A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto.
2 – Equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
3 – Na resolução de assuntos da mesma natureza, pode utilizar-se qualquer meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que tal não envolva diminuição das garantias dos interessados.
O acto recorrido impõe à Recorrente o dever de pagar um prémio pelo que é um acto relativamente ao qual a Administração tem dever de fundamentação, à face da alínea a) do n.º 1 do art. 124.º.
Este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender que a fundamentação do acto administrativo é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação. (Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo:
– de 25-2-1993, proferido no recurso n.º 30682, publicado no Apêndice ao Diário da República de 14-8-96, página 1168;
– de 31-5-1994, proferido no recurso n.º 33899, publicado no Apêndice ao Diário da República de 31-12-96, página 4331;
– de 4-5-1995, proferido no recurso n.º 28872, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 447, página 217, e no Apêndice ao Diário da República de 20-1-98, página 3831;
– de 29-6-1995, proferido no recurso n.º 36098, publicado no Apêndice ao Diário da República de 20-1-98, página 5782;
– de 7-12-1995, proferido no recurso n.º 36103, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30-4-98, página 9649;
– de 10-10-1996, proferido no recurso n.º 36738, publicado no Apêndice ao Diário da República de 15-4-99, página 6634;
– de 2-12-1997, proferido no recurso n.º 37248, publicado no Apêndice ao Diário da República de 25-9-2001, página 8477
– de 4-11-1998, proferido no recurso n.º 40618;
– de 10-3-1999, proferido no recurso n.º 32796;
– de 6-6-1999, proferido no recurso n.º 42142;
– de 9-2-2000, proferido no recurso n.º 44018;
– de 28-3-2000, proferido no recurso n.º 29197;
– de 16-3-2001, do Pleno, proferido no recurso n.º 40618;
– de 14-11-2001, proferido no recurso n.º 39559;
– de 18-12-2002, proferido no recurso n.º 48366.)
No caso em apreço, a Autoridade Recorrida remete expressamente no acto que decidiu o recurso hierárquico para os termos e fundamentos do parecer n.º 16/GL/01, de 4-4-2001 do Gabinete Jurídico e de Contencioso da Secretaria-Geral do Ministério da Economia, bem como para a informação de 28.02.2001, do Senhor Inspector-Geral de Jogos, pelo que estes parecer e informação se consideram parte integrante do acto (parte final do n.º 1 do citado art. 125.º) pelo que é à face da globalidade da fundamentação neles contida que há que apreciar a suficiência de fundamentação.
Do conjunto dos elementos que constam daqueles parecer e informação conclui-se com segurança qual a razão por que a Autoridade Recorrida decidiu como decidiu foi a de entender que as consequências de hipotético deficiente funcionamento da máquina em causa não deveriam recair sobre a frequentadora da sala de jogo que obteve uma combinação que lhe conferia o direito de receber a quantia que reclamou.
Não se indica, porém, qualquer norma jurídica que apoie tal solução.
Porém, como este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender, a fundamentação de direito do acto administrativo não tem de fazer-se, necessariamente, pela referência a normas de direito positivo podendo sê-lo através da indicação da doutrina legal ou dos princípios jurídicos em que o acto se baseia e que é suficiente para a existência da fundamentação de direito a compreensão pelo destinatário do quadro normativo em que a deliberação impugnada assentou.
( Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo:
– de 26-3-81, proferido no recurso n.º 12442, publicado em Apêndice ao Diário da República de 14-3-85, página 1501;
– de 29-5-91, proferido no recurso n.º 26229;
– de 4-5-1993, proferido no recurso n.º 31570, publicado no Apêndice ao Diário da República de 19-8-96, página 2270;
– de 9-5-95, proferido no recurso n.º 36072, publicado em Apêndice ao Diário da República de 20-1-98, página 4079;
– de 8-6-98, proferido no recurso n.º 42212, publicado em Apêndice ao Diário da República de 26-4-2002, página 4263;
– de 27-5-2003, proferido no recurso n.º 1835/02.)
No caso em apreço, no parecer em que se baseou o acto recorrido faz-se referência ao art. 13.º, n.º 1, alínea g), do Decreto-Lei n.º 184/88, de 25 de Maio, indicando-se a competência da Inspecção-Geral de Jogos para realizar inquéritos, sindicâncias e meras averiguações relativas à boa observância da legislação reguladora da exploração e prática de jogos de fortuna ou azar e dos contratos de concessão e refere-se que «no âmbito das competências» que tal norma lhe atribui, mandou instaurar um processo em que chegou à conclusão que foram praticadas várias irregularidades, que se indicam (ponto 4 desse parecer). É perfeitamente claro para um destinatário normal, com a qualidade de concessionário de exploração de jogo de fortuna ou azar, que as irregularidades detectadas no âmbito das competências para fiscalização da observância da legislação reguladora da exploração e prática de jogos de fortuna ou azar e dos contratos de concessão consistem em deveres impostos por esta legislação e pelo contrato que celebrou.
Há, assim, uma perceptível referência no referido parecer a um quadro normativo.
Por outro lado, uma concessionária da exploração de jogos de fortuna ou azar, que desenvolve quotidianamente actividade nessa área, fortemente regulamentada e fiscalizada, não pode deixar de saber qual a legislação reguladora dessa actividade nem desconhecer o teor do contrato de concessão em que figura como parte, pelo que a mera referência a este quadro normativo é objectivamente suficiente para a Recorrente se aperceber da fundamentação jurídica do acto recorrido.
Por isso, tem de concluir-se que aquele teor do referido ponto 4 do parecer em que se baseou o acto recorrido, foi suficiente para possibilitar à Recorrente conhecer os fundamentos de direito em que se baseou o acto.
Nestas condições, o acto recorrido, na parte em que decidiu impor o pagamento do prémio, não está insuficientemente fundamentado de direito.
Termos em que acordam em
– revogar o acórdão recorrido quanto ao decidido sobre a parte do acto recorrido em que se proíbe a Recorrente de deduzir a quantia relativa ao prémio na receita da máquina, declarando a incompetência em razão da matéria deste Tribunal, nessa parte;
– negar provimento ao recurso jurisdicional e confirmar o acórdão recorrido na parte em que decidiu que a Recorrente deve pagar o prémio.
Sem custas.
Lisboa, 13 de Outubro de 2004. – Jorge de Sousa – (relator) – António Samagaio – Azevedo Moreira – Rosendo José – Pires Esteves – Abel Atanásio – João Cordeiro – Santos Botelho – Pais Borges.