Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0349/13
Data do Acordão:05/06/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA
Sumário:I - A Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, nos recursos interpostos directamente das decisões dos TT de 1ª Instância, apenas tem competência para conhecer de matéria de direito (cfr. artºs 12º, nº 5, 26º, al. b) e 38º, al. a) do ETAF, na actual redacção e 280º, nº 1 do CPPT).
II - Se nas conclusões das alegações de recurso se manifestar divergência por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer ainda porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos, o recurso não versa exclusivamente matéria de direito, sendo competente para dele conhecer o Tribunal Central Administrativo e não o Supremo Tribunal Administrativo.
Nº Convencional:JSTA000P18978
Nº do Documento:SA2201505060349
Data de Entrada:03/04/2013
Recorrente:A.... E OUTRA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – A……… e mulher B………, melhor identificados nos autos, recorreram para Tribunal Central Administrativo Norte da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou improcedente a impugnação judicial por eles apresentada contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, referente aos anos de 1997 e 1998.

Terminam as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«A) ERRO DE JULGAMENTO quanto à decisão de não verificação de ocorrência no processo de liquidação do tributo - IRS97/98 — do vício de preterição de formalidades legais: deveria atender-se aos preceitos legais (artigos 66º - e não 67º - do CIRS conjugado com o artigo 68º), segundo redacção do Decreto-Lei nº 7/96, de 7 de Fevereiro que alargava o direito à reclamação para a comissão de revisão a todos os casos excluídos do nº 4 do art.º 66º do CIRS, não se cingindo apenas à aplicação de métodos indirectos;
B) ERRO DE JULGAMENTO que ocorre — quase por osmose — no que se refere “Falta da notificação prevista no nº 3 do artigo 68º (na redacção recebida pelo Decreto-Lei nº 7/96, de 07 de Fevereiro)”: “o sujeito passivo será previamente notificado para, no prazo de 15 dias, apresentar a declaração em falta ou substituir a declaração apresentada, sem prejuízo das sanções aplicáveis”;
C) Incorrecta classificação dos rendimentos atribuídos pela empresa “ C……., Lda” ao seu sócio-gerente, a título de “despesas de deslocação em viatura própria”, não se fazendo prova do contrário ao arrepio do nº 1 do artigo 74º a Lei Geral Tributária. Na verdade, a pretensa “omissão” de rendimentos decorre de simples presunções.»

2 – A Fazenda Publica não apresentou contra alegações.

3 – O recurso foi interposto no TCA Norte, este por acórdão exarado a fls. 116 e segs dos autos, veio a declarar-se incompetente em razão da hierarquia, por considerar que o recurso tem por fundamento, exclusivamente matéria de direito e declarou competente para esse efeito, o Supremo Tribunal Administrativo.

4 – Notificadas as partes para, querendo, se pronunciarem sobre esta questão prévia, nada vieram dizer.

5 – O Exmº Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso jurisdicional.

6 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

7- Em sede factual apurou-se em primeira instância a seguinte matéria de facto:

1. O Impugnante apresentou a 30 de Abril de 1998, a declaração modelo 3 de IRS, referente ao ano de 1997, a qual deu origem a reembolso no valor de € 953,76;
2. O Impugnante a 30 de Abril de 1999, apresentou a declaração modelo 3 de IRS, referente ao ano de 1998, a que deu origem a um reembolso de € 1.687,80;
3. Na sequência de uma acção inspectiva efectuada à sociedade “C………, Lda. “, da qual o Impugnante é sócio gerente, foram efectuadas correcções aos rendimentos declarados, das quais resultaram liquidações adicionais aos exercícios de 1997 e 1998;
4. Consta do Relatório de Inspecção que:
“ (…) no decurso da visita de fiscalização, conferimos a quilometragem da viatura do Sr. A…….., que tem a matrícula …..-…….-DG e constatamos que esta era apenas de 128.963 Km, ou seja, inferior aos 134.750 Km apresentados à empresa para pagamento (...) os sócios se deslocam efectivamente em serviço da empresa, utilizando muitas vezes as suas viaturas. Mas não temos dúvidas quanto ao facto de que os mesmos são reembolsados das importâncias gastas mediante a apresentação dos documentos das despesas (...) pelas deslocações ao estrangeiro, não há lugar a pagamento de ajudas de custo uma vez serem pagas as despesas de alojamento e alimentação mediante a apresentação dos respectivos documentos (...) nos dois exercícios de 1997 e 1998, foram adquiridos, em cada um deles, 3 cheques ……., no valor individual de 300.000$00, perfazendo 900.000$00 em cada ano (...)
5. No RIT foi concluído que as importâncias pagas ao Impugnante configuram rendimentos da categoria A;
6. O Impugnante apresentou reclamação graciosa contra as liquidações adicionais de IRS 1997/1998, no montante, respectivamente, de € 6.957,25 e € 5.672,69, a qual foi indeferida por despacho do Director de Finanças, a 30 de Maio de 2006;
7. O Impugnante foi notificado do indeferimento da reclamação graciosa a 06 de Junho de 2006;
8. O Impugnante deduziu recurso hierárquico a 28 de Junho de 2006.

8. Em face do teor das conclusões da alegação do recurso, da posição assumida pelo Tribunal Central Administrativo Norte a questão que aqui deve ser prioritariamente colocada é a de saber da competência em razão da hierarquia do Supremo Tribunal Administrativo.
A competência em razão da hierarquia integra pressuposto processual relativo ao Tribunal, constituindo requisito de interesse e ordem pública, devendo, por isso mesmo, o seu conhecimento preceder o de qualquer outra matéria – cf. artigos 16º n.º 1 e 2 do CPPT e 13º do CPTA.

Ora, de harmonia com o disposto nos artigos 26º al. b) e 38º al. a) do novo ETAF e 280º n.º 1 do CPPT-, à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo compete apenas conhecer dos recursos interpostos de decisões dos tribunais tributários de 1ª Instância, com exclusivo fundamento em matéria de direito, Sendo que aos Tribunais Centrais Administrativos compete, por sua vez conhecer dos recursos de decisões dos tribunais tributários de 1ª Instância, com excepção dos referidos na alínea b) do n.º 1, do citado art. 26.º do referido Estatuto.
A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem vindo a entender que na delimitação da competência do Supremo Tribunal Administrativo em relação à do Tribunal Central Administrativo deve entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas conclusões das respectivas alegações o recorrente pede a alteração da matéria fáctica fixada na decisão recorrida ou invoca, como fundamento da sua pretensão, factos que não têm suporte na decisão recorrida, desde que estes, em abstracto, não sejam indiferentes para serem ponderados no julgamento da causa - vide neste sentido Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 20.05.2009, recurso 18/09, de 03.10.2007, recurso 373/07, de 31.01.2007 , recurso 1027/06 e de 17.01.2007, recurso 962/06, todos in www.dgsi.pt.
O recurso não tem assim exclusivamente por fundamento matéria de direito se nas respectivas conclusões se questionar a questão factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer ainda porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos.

No caso subjudice, a Exmª Relatora no Tribunal Central Administrativo Norte para declarar aquele Tribunal incompetente, em razão da hierarquia, concluiu de modo essencial, e além do mais, que o recuso só tem fundamento em matéria de direito.
Ora, salvo o devido respeito, entende-se que os recorrentes, ao invés, questionam a factualidade tida por provada na sentença sob recurso.
Na verdade, os recorrentes manifestam clara discordância com o decidido no que respeita aos juízos de apreciação da prova efectuados pelo Tribunal recorrido, assumindo divergência nas ilações de facto retiradas do probatório, invocando, expressamente, na alínea c) das suas conclusões de recurso que houve «Incorrecta classificação dos rendimentos atribuídos pela empresa “C……., Lda” ao seu sócio-gerente, a título de “despesas de deslocação em viatura própria”, não se fazendo prova do contrário ao arrepio do nº 1 do artigo 74º a Lei Geral Tributária»( Sublinhado nosso.)
E é o que resulta também do teor das alegações de recurso a fls. 96 em que os recorrentes manifestam divergência em relação às ilações de facto retiradas do probatório, ao questionarem «Que elementos de prova de que “não há lugar a pagamento de ajudas de custo uma vez serem pagas as despesas de alojamento e alimentação mediante a apresentação dos respectivos documentos” !? — E quais documentos !?».
E também ao contestarem a afirmação constante do ponto 4 do probatório no sentido de que “nos dois exercícios de 1997 e 1998, foram adquiridos, em cada um deles, 3 cheques ……, no valor individual de 300.000$00, perfazendo 900.000$00 em cada ano”, questionando « mas, trataram-se de aquisições para esta viatura específica?».
Trata-se de conclusão e alegações em que os recorrentes põem em causa o que sobre tal matéria ficou fixado nos pontos 4 e 5 do probatório e as ilações que a sentença retirou de tal matéria de facto ao concluir que "como resulta do facto provado no nº 4, a Administração Tributária recolheu vários indícios que permitiram, sem sombra de dúvidas, sustentar legalmente as liquidações sub judice" (cf. sentença a fls. 68)

Verifica-se, assim divergência com o decidido em sede de matéria de facto invocando-se no recurso erro de julgamento quanto à apreciação da matéria de facto, pelo que, no caso subjudice, não estamos perante recurso fundamentado exclusivamente em matéria de direito.

Ocorre, pois, a incompetência deste Supremo Tribunal Administrativo já que versando o recurso, também, matéria de facto, será competente para dele conhecer o Tribunal Central Administrativo Norte – arts. 280º, nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 26º alínea b) e 38º alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Existindo no processo decisões divergentes sobre questão de competência, prevalece a decisão do tribunal de hierarquia superior – nos termos do n.º 2 do artigo 5.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
9- DECISÃO
Termos em que, face ao exposto, se decide julgar a Secção de Contencioso Tributário do STA incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso jurisdicional, declarando-se competente para o efeito o Tribunal Central Administrativo Norte (Secção do Contencioso Tributário).

Sem custas.
Lisboa, 6 de Maio de 2015. – Pedro Delgado (relator) – Fonseca Carvalho – Ascensão Lopes.