Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0415/15
Data do Acordão:05/04/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IRC
LIQUIDAÇÃO OFICIOSA
Sumário:I - Contrariamente ao que sucede nos casos em que a declaração de rendimentos é apresentada nos termos previstos na lei – aí se incluindo o prazo legal para a sua apresentação, pois que os termos previstos na lei o incluem também -, a declaração de rendimentos tardiamente apresentada não beneficia da presunção de verdade estabelecida no artigo 75.º da Lei Geral Tributária, sendo livremente valorada.
II - A entrega tardia da declaração de rendimentos não tem necessariamente por efeito a anulação da liquidação oficiosa da liquidação de IRC na medida da diferença para menos, como julgado, pois que os valores aí declarados, por si só, não se presumem verdadeiros.
Nº Convencional:JSTA00069693
Nº do Documento:SA2201605040415
Data de Entrada:04/10/2015
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:CIRC01 ART83 N1 B N10.
LGT98 ART75.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- Relatório -
1 – A Fazenda Pública recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 28 de Agosto de 2014, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…………, com os sinais dos autos, na qualidade de revertido na execução fiscal, contra liquidação de IRC referente ao ano de 2008 e juros compensatórios da sociedade B………….., Lda, no montante de 8.074,94, anulando a liquidação sindicada na parte impugnada.
A recorrente conclui as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A. A Fazenda Pública discorda do julgamento que na sentença foi feito no âmbito da impugnação em presença, porque faz uma errónea subsunção do caso concreto ao direito aplicável, nomeadamente aos art.s 83.º, n.ºs 1, al. b), e 10, do CIRC, na redação vigente à data da liquidação impugnada, 75º, nº 1, da LGT e 59.º do CPPT, atentas as razões que de imediato passa a expor.
B. A sentença recorrida julgou procedente a impugnação judicial intentada contra a liquidação oficiosa de IRC relativa ao ano fiscal de 2008 lançada pela AT ao abrigo da competência atribuída pelo art. 83.º n.º 1, al. b), do CIRC, dada a falta de entrega da declaração periódica de rendimentos a que se referia o art. 112.º do CIRC, na redação em vigor aquando do vencimento da obrigação declarativa.
C. A douta sentença recorrida, depois de afirmar que “a liquidação de IRC efetuada nos termos do art. 83.º, n.º 1, do CIRC é uma liquidação provisória (…), (p)rovisoriedade que, aliás, é patente nos casos previstos de falta de apresentação de declaração de rendimentos, em que se aponta um prazo para a liquidação oficiosa substancialmente mais curto que o prazo geral de caducidade do direito à liquidação, já que tal liquidação, operada ao abrigo daquele dispositivo, deve ser efetuada «até 30 de novembro do ano seguinte àquele a que respeita»”,
D. observa que, perante a liquidação oficiosa, o sujeito passivo poderia impugná-la ou dela reclamar graciosamente, tentando demonstrar que a mesma se afastava da sua realidade tributária, “ou poderia, dentro do prazo de caducidade do direito à liquidação, apresentar ainda a sua declaração periódica em falta de modo a que a liquidação oficiosa pudesse ser corrigida nos termos do n.º 10 do art. 83.º do CIRC”,
E. declarando que foi o que a sociedade declarante fez, pelo que “a Declaração Modelo 22 de IRC apresentada em 26.11.2010 deveria ter sido aceite para os fins do n.º 10 do art. 83.º do CIRC, ao invés de ter sido desconsiderada, como foi, pela AT”.
F. Continua a sentença recorrida que a liquidação oficiosa não poderia sobrepor-se “à constatação de ter vindo a ser declarado rendimento colectável inferior”, concluindo que “a apresentação daquela Declaração Modelo 22 deveria ter originado a correspondente correcção à liquidação oficiosa, em conformidade com o disposto no n.º 10 do mesmo artigo 83.º do CIRC, com consideração dos rendimentos aí declarados, diferentes (para menos) dos considerados na liquidação oficiosa”,
G. decidindo, enfim, pela procedência da presente impugnação por não ter considerado declaração periódica de rendimentos referente ao ano de 2008 que a sociedade veio a apresentar em 26.11.2010, designadamente a matéria colectável aí declarada.
H. Um primeiro reparo a fazer à fundamentação da sentença recorrida, respeitosamente, é o de que o emprego da via da heteroliquidação nos termos do n.º 1, al. b), do art. 83.º do CIRC, na redação vigente à data da liquidação impugnada, não produz uma liquidação provisória no sentido em que a sua provisoriedade não seja a que, num plano hipotético, paira sobre qualquer liquidação que apure imposto adicional a pagar até ao termo do prazo legal de caducidade.
I. Ademais, ao contrário do que afirma a sentença recorrida, e como já afirmou esse Colendo Supremo Tribunal, em acórdão de 18.06.2014, tirado no proc. 0184/12, “(a) liquidação é efetuada até 30 de novembro do ano seguinte a que respeita. Porém, sendo excedido esse prazo – art. 90.º, n.º 1, b) do atual CIRC, de natureza meramente disciplinar ou ordenador do funcionamento dos serviços da Administração Tributária, nenhuma repercussão desse excesso pode ser retirada para a legalidade eficácia ou perfeição do ato de liquidação que venha a ocorrer em momento posterior”,
J. mesmo porque, como nesse Douto acórdão se salienta, “não está prevista qualquer sanção ou consequência para a ultrapassagem de tal prazo sendo que as graves consequências decorrentes da caducidade do direito à liquidação não podem achar-se subentendidas em tal preceito, por dele se não retirar o mínimo elemento literal nesse sentido”, pois (o) único prazo de caducidade do direito à liquidação, aplicável na presente situação é o que decorre do disposto no art. 45, n.º 1 da Lei Geral Tributária – 4 anos (…)”.
K. Por outro lado, ao contrário do que refere a sentença recorrida, a declaração modelo 22 de IRC apresentada em 26.11.2010 não deveria ter sido aceite, de imediato, para os fins do n.º 10 do art. 83.º do CIRC, ao invés de ter sido desconsiderada, como foi, pela AT.
L. O legislador, para aplicação do princípio da prevalência da declaração do contribuinte na determinação da matéria tributável, previsto nos art.s 75º, nº 1, da LGT e 59º, nº 2, do CPPT, tanto num como noutro colocou a exigência de “apresentação nos termos da lei”, em que se inclui o cumprimento dos prazos de entrega das declarações, que a própria lei precisamente estabelece,
M. estipulando também que, se a apresentação ocorrer depois de emitida liquidação para o ano fiscal, quando não dê origem a liquidação de imposto a pagar de montante superior ao já liquidado ou reembolso inferior e exista divergência entre o contribuinte e o serviço na qualificação de atos, factos ou documentos invocados, ou fundada dúvida sobre a sua existência, a sua valia fica condicionada à apreciação em sede de impugnação administrativa (art. 59º, nº 5, do CPPT).
N. Com a omissão declarativa da sociedade gerida pelo impugnante, nos termos e prazos previstos no art. 112.º do CIRC, a iniciativa do procedimento de liquidação deixou de assentar na autoliquidação do sujeito passivo e transferiu-se para a AT, por força da lei, nos termos especialmente previstos para o caso,
O. deixando de operar a presunção de verdade que aproveitaria à declaração periódica de rendimentos da sociedade B……… se tivesse cumprido pontualmente a obrigação acessória de entrega da declaração de rendimentos nos termos da lei,
P. retornando-lhe o ónus de demonstrar que a sua matéria tributável é efetivamente inferior à oficiosamente apurada.
Q. Neste aspeto a Fazenda Pública louva-se no acórdão do TCA Norte de 30.03.2006, proc. n.º 00272/04, que decidiu que o art. 75º, nº 1, da LGT, mais do que não permitir reputar uma declaração periódica de rendimentos, apresentada fora do prazo legal previsto para o efeito, de verdadeira, não lhe confere a virtualidade de, só por si, servir de suporte para o desempenho do ónus do sujeito passivo de prova do excesso da quantificação, derivado do estabelecimento da matéria tributável por métodos indirectos.
R. E, porque a liquidação nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 83.º do CIRC assenta na determinação da matéria tributável por avaliação indirecta, por se basear em rendimentos presumidos, competia ao impugnante arguir e fazer prova dum suposto excesso de quantificação da matéria tributável determinada nesses termos, de acordo com o n.º 3 do art. 74.º da LGT – causa de pedir que nem sequer é invocada na impugnação em apreço.
S. A declaração periódica de rendimentos entregue em 26.11.2010 não podia ser processada legalmente como uma declaração de substituição, devido ao facto de a competência da liquidação ter sido devolvida à AT, nos termos da al. b) do mesmo preceito tendo sido lançada a liquidação oficiosa impugnada, e nem sequer podia ter sido convolada em reclamação graciosa, nos termos do n.º 5 do art. 59.º do CPPT.
T. Como se decidiu no Acórdão do TCA Sul de 18.05.2004, tirado no processo n.º 01355/03, “efetuada oficiosamente uma liquidação, está só poderá ser anulada, nomeadamente por inexistência de facto tributário ou excesso de liquidação, se o contribuinte reclamar ou impugnar tal liquidação e demonstrando que in casu não existiu facto tributário ou se verificou excesso de liquidação; a simples apresentação tardia de uma declaração de rendimentos da qual vem a resultar inexistência de imposto ou imposto diverso do anteriormente liquidado não anula automaticamente a anterior liquidação.”
U. Posto isto, o princípio da tributação do rendimento real não impede que existam situações em que não há outra solução senão o recurso à tributação do rendimento normal, quando não é possível conhecer com suficiente aproximação o rendimento real.
V. Mesmo a formulação do princípio no art. 104.º da Constituição da República Portuguesa refere que a tributação das empresas incidirá “fundamentalmente” sobre o seu rendimento real: é um princípio que admite, excecionalmente, desvios ou exceções.
W. De toda a argumentação desenvolvida conclui-se que a AT atuou no exercício de uma competência vinculada, ao abrigo dos art.s 104º da Constituição da República Portuguesa e art. 83º, nº 1 al. b) do CIRC, da redação aplicável, e que o impugnante, ao reagir contra a não consideração da declaração modelo 22 apresentada em 26.11.201, pretendeu o reconhecimento judicial de uma realidade declarada que não só não provou como não invocou nos meios adequados, nomeadamente como fundamento da presente impugnação.
X. A Fazenda Pública propugna, então, a procedência do recurso, devendo a sentença recorrida, portanto, ser revogada, e decidida a improcedência da impugnação no que concerne à ilegalidade assacada à liquidação impugnada por erro sobre os pressupostos de facto, por não ter considerada a declaração referente ao IRC de 2008 apresentada pela sociedade B………. em 26.11.2010, designadamente a matéria colectável dela decorrente.
Y. Caso se entenda, diante da revogação propugnada, conhecer, por substituição da outra questão suscitada pelo impugnante com vista à pretendida anulação do ato impugnado, cujo conhecimento implicitamente ficou prejudicado pela solução dada ao litígio na sentença recorrida,
Z. a Fazenda Pública, por cautela de representação, reitera toda a argumentação aduzida em contestação contra o pretendido vício formal de falta de fundamentação da liquidação impugnada, porquanto a AT não teria esclarecido qual a base sobre a qual foi determinada a matéria coletável subjacente à liquidação impugnada, nem ter sido observado o dever de a citação do responsável subsidiário ora impugnante incluir os elementos necessários da respetiva liquidação.
AA. argumentação reiterada nos pontos 51. a 62. das alegações supra que, para todos os efeitos, aqui se dá por reproduzida.
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, e, consequentemente, decidida a improcedência da impugnação.
2 – Contra-alegou o recorrido, concluindo nos seguintes termos:
A) Pretexta a Fazenda Pública que não se conforma com a Douta decisão que julgou procedente a impugnação do acto tributário de liquidação oficiosa de IRC referente ao período tributário de 2008 e relativo à sociedade B…………., Lda., por considerar que a decisão incorreu em erro de julgamento.
B) Entende a Fazenda Pública que “(…)(a douta sentença sob recurso incorreu em erro de julgamento de Direito porquanto fez errónea interpretação e aplicação do disposto no n.º 1, al. b), e no n.º 10 do art.º 83.º do CIRC, na redacção vigente à data da liquidação impugnada…”,
C) Porquanto no seu entendimento a declaração Modelo 22 de IRC apresentada pelo contribuinte em momento posterior à liquidação oficiosa, ao invés do que refere a sentença a quo não deveria ter sido aceite, no imediato, para os efeitos do n.º 10 do artigo 83.º do Código do IRC ao invés de ter sido desconsiderada, como foi, pela AT.
D) Ora, in casu, a Administração Fiscal constatada a falta de entrega pelo contribuinte – B…………… Lda.- da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC liquidou oficiosamente IRC com fundamento no referido preceito legal.
E) Não obstante, a sociedade no uso da faculdade prevista no n.º 10 do actual artigo 90.º do Código do IRC apresentou a sua declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC em 26/11/2010 – dentro do prazo de caducidade de 4 anos -, de modo a que a liquidação oficiosa pudesse ser corrigida.
F) Possibilidade essa conferida por lei e afastada “tout court” pela Administração Fiscal.
G) Prescreve o n.º 10 do referido artigo 83.º do Código de IRC que “A liquidação prevista no n.º 1 pode ser corrigida, se for caso disso, dentro do prazo a que se refere o artigo 93.º, cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas”.
H) O artigo 93.º do mesmo diploma vem estabelecer que “A liquidação de IRC, ainda que adicional, só pode efectuar-se nos prazos e nos termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da lei geral tributária”.
I) Assim, a liquidação oficiosa de imposto efectuada nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 83.º do código do IRC sempre poderia ser objecto de rectificação nos termos anteriormente descritos.
J) Acresce tem sido entendimento da jurisprudência que “independentemente do direito de a Administração Tributária lançar mão do disposto no artigo 83.º, n.º 1, al. b) do CIRC e, nesse caso, perante a falta de apresentação da declaração de rendimentos, liquidar imposto com base na matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada, a verdade é que essa pretensão não pode sobrepor-se à constatação, resultante de acção de fiscalização (prévia) desencadeada para o efeito, do facto de aí se ter fixado o lucro tributável em zero e, bem assim, de aí a Administração se ter abstido de efectuar qualquer correcção à matéria colectável.” (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte proferido no âmbito do processo n.º 00175/05.2BEPRT) (negrito nosso).
K) Pelo que, “Efectuada liquidação oficiosa em sede de IRC, ao abrigo do art. 83.º, n.º 1, alínea b) do CIRC, esta poderá ser corrigida, se for caso disso (n.º 10 do mesmo artigo), o que poderá suceder, nomeadamente, se o contribuinte apresentar posteriormente a declaração até então omitida e a Administração Tributária aceitar os rendimentos aí declarados, ou outros que possam vir a ser apurados, mas diferentes dos considerados na liquidação oficiosa.” (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul proferido em 25/09/2007 no âmbito do processo n.º 01911/07).
L) Em resumo, a declaração de rendimento Modelo 22 de IRC apresentada pelo contribuinte posteriormente à liquidação oficiosa poderá relevar se apresentada dentro do prazo em que ainda possa ser exercido o direito de liquidação – prazo de caducidade.
M) prazo esse em que a Administração Fiscal ainda poderia corrigir a liquidação oficiosa considerando os rendimentos declarados pelo contribuinte se outros não viessem a ser apurados no âmbito de uma processo de inspecção.
N) o que de facto não se verificou nos presentes autos.
O) Face ao exposto, não poderia a Administração Tributária deixar de considerar os rendimentos declarados pela sociedade B…………… Lda. aquando da apresentação da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC por referência ao período de 2008 em 26/11/2010.
P) Em face do que fica dito, a decisão em Recurso não merece qualquer reparo, devendo manter-se na Ordem Jurídica.
Assim, determinando a anulação do acto tributário de liquidação oficiosa de IRC referente ao período tributário de 2008, e confirmando a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, farão V. Exªs inteira e sã JUSTIÇA!


3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
Objecto do recurso: sentença anulatória da liquidação de IRC (exercício de 2008) e respectivos juros compensatórios, no montante total de €8.074,94
FUNDAMENTAÇÃO
Questão decidenda: relevância da declaração de rendimentos apresentada pelo sujeito passivo após o termo do prazo legal e após a liquidação oficiosa efectuada pela administração tributária (arts. 90.º n.º 1 al. b) e 120.º CIRC)
Para a solução da questão são relevantes as seguintes considerações:
Primordialmente, a prescrição constitucional segundo a qual a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real (art. 104º nº 2 CRP);
Sem prejuízo da eventual responsabilidade contraordenacional, por incumprimento de obrigação declarativa (apresentação da declaração após o termo do prazo legal), a presunção de veracidade da declaração de rendimentos do sujeito passivo não é ilidida, ainda que apresentada após o termo do prazo legal; a ilisão da presunção apenas ocorre nos estritos termos da norma legal aplicável, cuja previsão não se verificou no caso concreto (art. 75.º n.º 1 e 2 LGT);
A administração tributária aceitou a quantificação do lucro tributável constante da declaração apresentada pelo sujeito passivo em 26.11.2010, respeitante ao exercício de 2008, não procedendo a qualquer correcção posterior;
A correcção da liquidação do imposto resultante da declaração extemporânea do sujeito passivo tem fundamento, legal, desde que efectuada no decurso do prazo de caducidade da liquidação (arts. 90.º, n.ºs 1 al. b) e 101º CIRC)
A solução jurídica propugnada, no sentido da anulação oficiosa impugnada, alinha com jurisprudência dos tribunais superiores (acórdão TCA Sul 25.09.2007 processo n.º 1911/07)
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada deve ser confirmada.

As partes foram notificadas do parecer do Ministério Público (fls. 163/165 dos autos) e nada vieram dizer.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

- Fundamentação -

4 – Questão a decidir
É a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao ter julgado procedente a impugnação, anulando a liquidação oficiosa de IRC na parte impugnada, em virtude da entrega de declaração Modelo 22 após o termo do prazo legal, mas dentro do prazo de caducidade do direito à liquidação.
5 – Matéria de facto
Na sentença objecto do presente recurso foram dados como provados os seguintes factos:
1. Verificado pela Administração Tributária que a sociedade B……………, LDA, NIPC ………….., não havia apresentado a declaração Modelo 22 de IRC referente ao exercício de 2008 no respetivo prazo, foi efetuada em 26/11/2009 a liquidação oficiosa de IRC referente àquele exercício de 2008 e respectivos juros compensatórios, no montante total de 8.074,94€, a Liquidação n.º 2009 8310023625 (cuja respetiva demonstração consta de fls. 39 do Processo Administrativo), a que corresponde o Documento de Cobrança nº 2009 1861840, cuja data limite de pagamento era 13/01/2010.
(cfr. fls. 31-47 e Informação de fls. 64 ss., todas do Processo Administrativo)
2. Naquela liquidação oficiosa foi considerada como matéria colectável a de 29.891,76 €, correspondente à matéria coletável da sociedade no exercício anterior (2007).
(cfr. fls. 39 e fls. 44-45 do Processo Administrativo)
3. O Processo de Execução Fiscal que havia sido instaurado em 04/02/2010 contra a sociedade B…………., LDA., NIPC ………… para cobrança da quantia de 8.074,94€ decorrente daquela liquidação oficiosa de IRC n.º 2009 8310023625, foi revertido contra o aqui Impugnante A……………, NIF ……….., enquanto responsável subsidiário, na sequência do que este foi citado para a execução fiscal através de ofício de 21/10/2010 (junto sob Doc. n.º 4 com a Petição Inicial), que lhe foi remetido por correio registado com aviso de receção que se mostra assinado em 26/10/2010 por terceira pessoa.
(cfr. Informação de fls. 64 ss, fls. 37-42 e fls. 53-54 todas do Processo Administrativo e Doc. n.º 4 com a Petição Inicial)
4. Em 26/11/2010 foi apresentada a Declaração Modelo 22 de IRC da sociedade B………….., LDA., NIPC ………., referente ao exercício de 2008 (constante de fls. 48 do Processo Administrativo e igualmente junta sob Doc. n.º 5 com a Petição Inicial, a fls. 45 ss. dos autos), ali se declarando 3.181,09€ de matéria colectável, de que resultava imposto a pagar de 852,40€, cujo pagamento veio a ser efectuado em 27/12/2010 através do Documento de Cobrança nº 164235013012 (junto sob Doc. n.º 6 com a Petição Inicial, a fls. 49 dos autos).
5. A Petição Inicial do presente Processo de Impugnação foi apresentado neste Tribunal em 20/01/2011.
(cfr. fls. 1-2 ss).

6 – Apreciando
6.1 Do alegado erro de julgamento da sentença recorrida.
A sentença recorrida, a fls. 192 a 210 dos autos, julgou procedente a impugnação deduzida pelo ora recorrido, anulando a liquidação oficiosa de IRC relativa a 2008 na parte impugnada (ou seja, na parte em que excede os valores constantes da Declaração Modelo 22 tardiamente apresentada), no entendimento de que embora a liquidação oficiosa de IRC impugnada tenha sido efetuada de acordo com a lei (…) - porquanto à data da liquidação não havia sido ainda apresentada Declaração Modelo 22 de IRC do ano de 2008, a qual veio apenas a ser apresentada em 26/11/2010, já após ter sido esgotado o prazo para pagamento voluntário da liquidação em crise com instauração do respetivo processo de execução fiscal, e até já após o aqui Impugnante ter sido citado (…) -, (…) a circunstância de ter sido apresentada, posteriormente à liquidação oficiosa aqui impugnada, a Declaração Modelo 22 de IRC dela deveria ter resultado a correção à liquidação em conformidade com o disposto no n.º 10 do mesmo artigo 83.º do CIRC (…) ao invés de ter sido desconsiderada, como foi, pela Administração Tributária – cfr. sentença recorrida, a fls. 92 e 93 dos autos.
Discorda do decidido a Fazenda Pública, imputando à sentença recorrida erro de julgamento, alegando que com a omissão declarativa da sociedade gerida pelo impugnante, nos termos e prazos previstos no art. 112.º do CIRC, a iniciativa do procedimento de liquidação deixou de assentar na autoliquidação do sujeito passivo e transferiu-se para a AT, por força da lei, nos termos especialmente previstos para o caso, deixando de operar a presunção de verdade que aproveitaria à declaração periódica de rendimentos da sociedade B……… se tivesse cumprido pontualmente a obrigação acessória de entrega da declaração de rendimentos nos termos da lei, retornando-lhe o ónus de demonstrar que a sua matéria tributável é efetivamente inferior à oficiosamente apurada, o que não fez, não bastando para o efeito a entrega de declaração de substituição.
No seu parecer junto aos autos e supra transcrito o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA sustenta o não provimento do recurso.
Vejamos.
Não se acompanha a sentença recorrida quando julga verificada uma “ilegalidade à posteriori” da liquidação oficiosa da liquidação oficiosa de IRC efectuada ao abrigo do então vigente artigo 83.º n.º 1 alínea b) do Código do IRC mercê da apresentação extemporânea da declaração modelo 22 de IRC até então omitida. É que, o que o n.º 10 do então artigo 83.º do Código do IRC não estabelece em parte alguma haver lugar à correcção oficiosa da liquidação se entretanto – e qualquer que seja o momento em que o faça, desde que dentro do prazo de caducidade – o contribuinte vier apresentar a declaração omitida, antes, que a liquidação podia ser corrigida, se fosse caso disso, dentro do prazo de caducidade, cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas.
Ora, poder ser corrigida, designadamente em virtude da apresentação tardia de declaração que a Administração tributária aceite como ver verdadeira é coisa bem diversa de ter necessariamente de ser corrigida, sob pena de ilegalidade do acto de liquidação oficiosa praticado antes dessa entrega, pois que, contrariamente ao que sucede nos casos em que a declaração de rendimentos é apresentada nos termos previstos na lei – aí se incluindo o prazo legal para a sua apresentação, pois que os termos previstos na lei o incluem também - a declaração de rendimentos tardia não beneficia já de tal presunção estabelecida no artigo 75.º da Lei Geral Tributária, sendo livremente valorada.
Assim, e contrariamente ao decidido, não há verdadeiramente uma alternativa entre impugnar ou reclamar graciosamente da liquidação oficiosa ou entregar tardiamente a declaração de rendimentos omitida. Ou melhor, a entrega tardia da declaração de rendimentos não tem necessariamente por efeito a anulação da liquidação oficiosa na medida da diferença para menos, como julgado, pois que os valores aí declarados, por si só, não se presumem verdadeiros.
Não pode, pois, manter-se a sentença recorrida que nesse pressuposto julgou, sendo de revogar o julgado recorrido, baixando os autos ao tribunal “a quo” para que se pronuncie sobre os demais fundamentos invocados pelo impugnante na sua impugnação e que foram julgados prejudicados.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos ao tribunal a quo para que conheça dos demais fundamentos da impugnação.

Custas pelo recorrido.
Lisboa, 4 de Maio de 2016. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Pedro DelgadoFonseca Carvalho.