Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0747/09
Data do Acordão:12/16/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:MIRANDA DE PACHECO
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO
NOTIFICAÇÃO PARA PAGAMENTO
PRAZO DE PAGAMENTO
EFICÁCIA DA NOTIFICAÇÃO
Sumário: I - A notificação da nota de cobrança e para pagamento efectuada em momento anterior ao da notificação da liquidação é ineficaz e daí que não produza qualquer efeito em relação ao contribuinte.
II - Em tais circunstâncias, nada legitima a AF a considerar que a partir da notificação da liquidação passaria a correr um novo prazo para o pagamento do imposto, na ausência de nova notificação para pagamento.
Nº Convencional:JSTA00066186
Nº do Documento:SA2200912160747
Data de Entrada:07/10/2009
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF VISEU PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - OPOSIÇÃO.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART204 ART36 N1 ART88 ART163 ART84 ART85.
LGT98 ART77 N6.
CIRC88 ART102 N1.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – “A…”, ora denominada “B…”, com os demais sinais dos autos, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou improcedente a oposição que deduziu contra a execução fiscal instaurada para cobrança de IRC relativo ao ano de 2000 no montante de 238.966.11, dela vem interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
a) A recorrente foi notificada em 23/11/2004 para pagar, até ao dia 15/12/2004 (sob pena de instauração de procedimento executivo), a importância de €238.966,11, ao passo que a liquidação que deu origem a essa pretendida cobrança apenas lhe foi notificada no dia 16/12/2004, isto é, já depois de ter expirado o prazo de pagamento voluntário que lhe fora indicado;
b) Não produzindo a liquidação (como acontece com qualquer outro acto administrativo que afecte direitos e interesses legítimos dos administrados, incluídos os actos em matéria tributária) quaisquer efeitos relativamente ao contribuinte enquanto lhe não tiver sido validamente notificada (cfr., v.g., arts. 77./6 LGT e 36./1 do CPPT), só pode a oponente ser notificada para pagar o imposto liquidado com (ou após) a notificação da liquidação (cfr. art. 102º/1/2 CIRC);
c) Só com (ou após) a notificação válida da liquidação é que pode começar a correr o prazo de pagamento voluntário (neste caso, de 30 dias) do imposto liquidado e respectivos juros (cfr. o mesmo art. 102./1/2 CIRC);
d) Por isso, a oponente não foi ainda validamente notificada, nos termos e para os efeitos do artigo 102./1/2 do CIRC, da liquidação e da obrigação de proceder ao pagamento voluntário em prazo legal da importância de IRC que lhe foi liquidada.
e) Com a notificação da liquidação (ou depois, mas nunca antes), tinha (e tem) de lhe ser fixado um prazo de 30 dias para eventual pagamento voluntário, e,
f) Também só pode contar-se o prazo ou prazos para a oponente poder reagir (reclamando ou impugnando) contra o acto tributário a partir do termo desse prazo para pagamento voluntário (cfr. arts. 70º e 102º. do CPPT).
g) Quando a DGCI proceda à liquidação de IRC por sua iniciativa, deve notificar o contribuinte, nos termos do CPPT (cfr. art. 102º do CIRC), quer da liquidação do imposto quer da compensação e da liquidação de juros, comunicando-lhe (para além dos demais requisitos da notificação) que tem 30 dias a contar da notificação para proceder voluntariamente ao pagamento.
h) Ainda que a notificação acima referida pudesse ser feita (no que não se concede), por conveniência do funcionamento dos serviços, através do envio de “envelopes separados”, essa remessa em separado de diferentes comunicações não pode pôr em causa os direitos e interesses do contribuinte, nomeadamente no que concerne ao prazo de pagamento voluntário e aos prazos para reagir contra os actos de liquidação que lhe eram comunicados, devendo esses elementos ser-lhe concedidos e comunicados nos termos legalmente previstos.
i) Antes de aquela notificação válida ter lugar, não podiam e não podem a liquidação e a respectiva notificação para pagamento ter-se como válidas e eficazes relativamente à oponente, ora recorrente, e, em consequência, não podia e não pode a Administração Tributária exigir o pagamento da dívida exequenda, inexigibilidade que a ora recorrente invoca nos termos e para os efeitos, v.g., da alínea 1) do nº 1 do artigo 204. do CPPT.
j) Cabe no âmbito da referida alínea i) do nº 1 do artigo 204. do CPPT a falta de notificação do acto tributário que afecte a sua eficácia e exigibilidade.
De todo o modo e sem conceder,
k) A oponente nunca foi notificada de qualquer liquidação cujo prazo de pagamento voluntário tivesse terminado na data que consta da “certidão de dívida” com que foram instaurados os presentes autos (15/01/2005 — cfr. fls. 18), sendo certo que a indicação dessa data limite de pagamento voluntário está em contradição com as restantes notificações que foram feitas à oponente (cfr. fls. 14 a 17).
1) Assim, nessa parte, o teor da “certidão de dívida” que serve de título executivo à execução em epígrafe, não corresponde à verdade.
m) Acresce ainda que, do título não consta de forma bastante o domicílio da alegada devedora, a aqui recorrente, e, por isso, carece de força executiva (art. 163.º/1/c/2.ª parte do CPPT).
n) Com efeito, da referida certidão de dívida apenas consta, enquanto alegado domicílio da oponente: “…”, o que de forma alguma é bastante para cumprir o requisito a que se refere o artigo 163.º/1/c/2.ª parte do CPPT (não basta saber qual o concelho do Serviço de Finanças, pois dentro de um concelho existem diversas localidades, e nas várias localidades existem inúmeras vezes vias com nomes idênticos).
o) Não sendo a execução baseada num título com força executiva, essa inexequibilidade consubstancia nulidade absoluta (cfr. art. 165/1/b CPPT), uma vez que não pode ser suprida por prova documental.
p) Sendo posta em causa a validade do título, é, salvo o devido respeito, irrelevante aquilo que a nota de citação, o sistema informático da DGCI ou as páginas amarelas indiquem.
q) Ao assim não entender, a sentença recorrida violou, v.g., o disposto nas normas dos artigos arts. 102º./1/2 CIRC, 44.º/1 e 77.º/6 LGT, 36.º/1, 70º., 85.º/l/2, l02.º, 163º/1/c/2ª.parte, 165/1/b e 204º/.1/i) do CPPT, as quais deveriam ter sido interpretadas e aplicadas com o sentido constante nas precedentes alegações e conclusões.”
2 – A recorrida Fazenda Pública não contra-alegou.
3 – O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:
“Objecto: Decisão que julgou improcedente oposição à execução com fundamento em inexigibilidade da dívida exequenda, por não ter sido validamente notificada a liquidação que lhe deu origem e inexequibilidade da certidão de dívida em que se funda o processo executivo, por dela não constar o domicílio completo do devedor.
FUNDAMENTAÇÃO
Entendemos que a decisão recorrida fez uma correcta interpretação e aplicação da lei, pelo que não merece censura.
A matéria de facto fixada no probatório não configura mais que a prática de irregularidades por parte da Administração Fiscal que, erradamente, expediu os documentos referentes à nota de cobrança e demonstração do cálculo de juros antes da notificação da liquidação do IRC à recorrente,
A consequência da inversão temporal destas notificações é uma mera irregularidade, que apenas leva a não considerar vinculativo o prazo de pagamento voluntário mencionado na nota de cobrança precocemente emitida. Na verdade o atraso na notificação da liquidação não pode prejudicar nem prejudicou os direitos do contribuinte que, por essa razão, passou a beneficiar de um prazo de pagamento voluntário contado a partir daquela notificação, como resulta bem claro da certidão de dívida.
A notificação da liquidação, como bem se salienta na decisão recorrida, não enferma de qualquer vício que possa comprometer a sua validade, nem cerceou os meios de defesa do contribuinte.
A questão do domicílio da executada, constante da certidão de dívida, só teria relevância no caso de se suscitarem dúvidas quanto ao serviço de finanças ou tribunal competentes, o que não acontece no caso sub juditio. Na verdade esta exigência legal tem em vista a identificação inequívoca do devedor e a definição da competência territorial para a execução fiscal, sempre que ela é determinada pelo domicílio ou sede daquele (vide Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, II volume, 5.ª edição, nota7 ao artigo 163. °, pag. 102).
O domicílio constante da certidão de dívida, ainda que incompleto, por falta de indicação do código postal e localidade, não conduziu nem à incompetência territorial do serviço de administração tributária nem do tribunal, pelo que os elementos em falta se podem considerar irrelevantes.
CONCLUSÃO
Em nosso entender o recurso não merece provimento.”
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
4- A sentença recorrida fixou a seguinte matéria de facto:
1. No dia 23 de Novembro de 2004, a opoente foi notificada da demonstração de compensação e nota de cobrança constante de fls. 14, datada de 8.11.2004, cujo teor se dá por reproduzido, encontrando-se ali plasmada a data limite de pagamento de 15.12.2004.
2. No mesmo dia, 23 de Novembro de 2004, foi a opoente notificada da demonstração de liquidação de juros compensatórios e moratórios, datada de 8.11.2004, constante de fls. 16.
3. No dia 16 de Dezembro de 2004, foi a opoente notificada da liquidação referente a IRC de 2000, datada de 12.10.2004, dando-se aqui por reproduzido o teor de fls. 18.
4. Na certidão de dívida integrante da execução, no lugar destinado à identificação do executado, consta o seguinte: “A… / …/NIF: …”.
5. No que respeita aos juros de mora vencidos, na aludida certidão de dívida, menciona-se que o prazo de pagamento voluntário terminou em 15.1.2005 e que os juros moratórios se contam desde 18.1.2005.
6. A opoente foi citada para os termos da execução no dia 21.1.2005.
7. No sistema informático da DGCI e ainda no site das Páginas Amarelas, disponível em www.pai.pt. , a morada da opoente é …, 3800 Aveiro.
5- A sentença recorrida julgou improcedente a oposição à execução fiscal que a ora recorrente deduzira com fundamento na inexigibilidade da dívida exequenda decorrente do facto da notificação da liquidação do IRC relativo ao ano de 2000 ter ocorrido posteriormente à da notificação da respectiva nota de cobrança e para pagamento, bem como da carência de força executiva do título executivo.
São duas, portanto, as razões que a oponente, ora recorrente, invocou para defender que a dívida exequenda seria inexigível (alínea i), do n. º do artigo 204.º do CPPT).
Importa começar por apreciar a primeira delas, sendo certo que uma resposta afirmativa a essa questão prejudica o conhecimento da segunda.
Vejamos, então.
Enfrentando essa primeira questão, concluiu-se na sentença que o oponente não ficara prejudicado nos seus direitos de contribuinte pelo facto de ter sido notificado em primeiro lugar da nota de cobrança, demonstração do cálculo dos juros, bem como do prazo do prazo limite para o pagamento e só depois da liquidação de IRC em causa, uma vez que passou a beneficiar para proceder ao pagamento voluntário de um novo prazo de trinta dias após a notificação da liquidação, novo prazo este a que AF passou a atender (5. do probatório).
Por outras palavras, para a sentença, face à irregularidade constatada, tornar-se-ia legítimo à AF ficcionar um novo “dies a quo” para o pagamento voluntário das quantias liquidadas, sem necessidade para o efeito de nova notificação do contribuinte.
Não temos por acertado esse entendimento.
Na verdade, como defende a recorrente na b) das conclusões da sua alegação, as liquidações, como qualquer outro acto em matéria tributária que afectem direitos ou interesses dos contribuintes, só produzem efeitos a partir da respectiva notificação ( artigos 77.º, n.º 6 da LGT e 36.º, n.º 1 do CPPT).
Significa isso que, no caso sujeito, a notificação da nota de cobrança e fixação de data limite para pagamento ocorrida em 23/11/2004 (1. do probatório), em momento anterior à notificação da liquidação, é de todo ineficaz em relação à ora recorrente.
O mesmo é dizer que para nada pode relevar essa notificação.
Sendo assim, com a notificação da liquidação, ou em momento posterior, a AF teria necessariamente de proceder a nova notificação da recorrente para pagar o imposto em causa e os juros devidos, notificação essa que desta feita seria eficaz e na observância do disposto no n.º 1 do artigo 102.º do CIRC.
Não o tendo feito, nada legitimava a AF a considerar que a partir da notificação da liquidação passaria a correr um novo prazo para pagamento do IRC.
Não se diga, por outra parte, que do entendimento perfilhado pela AF, que obteve acolhimento na instância, não adveio qualquer prejuízo para a recorrente,
Ao invés, esse entendimento de modo algum salvaguarda os direitos de defesa da recorrente ao permitir a extracção de uma certidão de dívida e posterior instauração de uma execução fiscal sem que em momento prévio tenha sido eficazmente notificada para efectuar o pagamento do imposto liquidado e respectivos juros (cfr. artigos 88.º e 163.º do CPPT).
De facto, na situação “sub judicio”, a recorrente desconhecia, porque para tal não foi notificada, que tinha um prazo de trinta dias a contar da notificação da liquidação para efectuar o pagamento do imposto, sendo que a precedente notificação para tal fim não lhe era oponível.
Importa, pois, concluir que à recorrente não foi concedido um prazo para pagamento voluntário da dívida, facto este que determina a ilegalidade da instauração da execução por incumprimento do disposto nos artigos 84.º,85.º e “maxime” 88.º do CPPT , sendo que a dívida exequenda apenas coercivamente não seria exigível, o que configura o fundamento de oposição fiscal previsto na alínea i), do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT., ficando desta forma prejudicado o conhecimento da restante questão suscitada no recurso.
Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso, revogando-se, em consequência, a sentença recorrida e julga-se procedente a oposição deduzida e extinta a execução instaurada com vista à cobrança coerciva de IRC do ano de 2000 e respectivos juros compensatórios em causa nestes autos.
Sem custas neste STA, sendo a cargo da Fazenda Pública as custas na 1.ª instância, fixando-se a procuradoria em 1/8.
Lisboa, 16 de Dezembro de 2009. - Miranda de Pacheco (relator) - Brandão de Pinho - António Calhau.