Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0238/12
Data do Acordão:02/12/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:INSOLVÊNCIA
EXECUÇÃO FISCAL
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS TRIBUTÁRIOS
Sumário:I - Nos termos do artigo 180.º do CPPT, a remessa dos processos de execução fiscal ao tribunal de insolvência implica a remessa de todos os processos que dele são incidentes, incluindo os tramitados por apenso.
II - Tal não significa, porém, a atribuição genérica ao tribunal do processo de insolvência de competência para decidir todas as questões que são objecto daqueles processos, pelo que nos casos em que a apreciação destas nada tenha a ver com a insolvência não se justifica a referida apensação.
III - É o que sucede com a oposição em que se questionam os requisitos da reversão e a culpa da revertida na situação de insuficiência patrimonial a que chegou a devedora originária.
IV - A apreciação da questão suscitada nenhuma interferência terá sobre o aludido processo de insolvência, pois, a recorrente, não é executada no processo de execução fiscal.
Nº Convencional:JSTA00068590
Nº do Documento:SA2201402120238
Data de Entrada:03/02/2012
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:DESP TAF BRAGA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CPPT ART180
Referência a Doutrina:JORGE LOPES DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO PAG913.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – RELATÓRIO


A……………., NIF …….., residente na Rua …………, nº ……….., …………, ……………, Darque, interpôs recurso jurisdicional do despacho proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que determinou a remessa ao Tribunal Judicial de Viana do Castelo (2º Juízo Cível) nos termos e para os efeitos previstos no artigo 180º do CPPT da oposição à execução fiscal com o nº 23482006010000756 e apensos que contra si foi revertida e que corre termos no Serviço de Finanças de Viana do Castelo.
Por despacho de 09706/08, o TAF de Braga determinou a remessa dos autos ao Tribunal Judicial de Viana do Castelo, 2º juízo cível para os efeitos previstos no artº 180º do CPPT. Reagiu a recorrente, interpondo o presente recurso, cujas alegações integram as seguintes conclusões:

1- O presente processo constitui oposição fiscal deduzida pela recorrente, na qualidade de responsável subsidiária, encontrando-se na fase de produção da prova.
2- O artigo 180 n°s 1 e 2 do C.P.P.T abrange e aplica-se unicamente aos processos de execução fiscal.
3- Pelo que, é legalmente inadmissível a sustação do presente processo de oposição e a sua apensação à acção de insolvência da devedora originária.
4- Nesse sentido, veja-se o douto Acórdão do Supremo Tribunal Justiça, 17-2-93, no recurso n° 15215, em que refere que “com a reversão da execução fiscal, ocorre uma alteração subjectiva da instância, deixando a execução fiscal de ser dirigida contra o devedor originário e passando a sê-lo contra o revertido, o que impedirá que se possa atribuir ao tribunal do processo de falência ou de recuperação da empresa competência para decidir a oposição”.
5- O Tribunal do processo de falência ou de recuperação não tem competência para decidir questões que não tenham a ver com as dívidas da falida, neste caso da insolvente, designadamente relativas à responsabilidade subsidiária.
6- A recorrente foi citada como responsável subsidiária, para pagar dívidas da devedora originária e executada - Anforce Associação Nacional de Formadores em Ciências Empresariais, com sede na Estrada da Papanata n° 223°, cidade e concelho de Viana do Castelo, NIF 504 756 222, no montante global de 60.613,44 Euros.
7- A presente reversão fiscal baseou-se no facto de a recorrente ser directora da Anforce Associação Nacional de Formadores em Ciências Empresariais.
8- A reversão fiscal tem como fundamento a inexistência de bens na devedora nos termos previsto no artigo 153° alínea a) do n° 2 do C.P.PT., conforme citação e despacho do Serviço de Finanças de Viana do Castelo.
9- Com efeito, na citação para deduzir oposição e no despacho que ordenou a reversão fiscal contra o recorrente consta como fundamento para ser accionada “inexistência de bens na devedora originária, nos termos do artigo 153° n° 2 alínea a) do C.P.P.T, conjugado com os arts. 23 e 24 da L.G.T. 23 conforme fls.. dos autos.
10- O oponente na sua oposição fiscal alegou que, desde 28 de Fevereiro de 2008, não exerce qualquer actividade directiva ou gestão na Anforce, passando desde então a direcção e total gestão a ser da responsabilidade de B…………, e juntou como documento n° 1 cópia certificada da acta n° 37 da direcção da Anforce.
11- Mais alegou que, não obstante ter tido o cargo de directora até 28 de Fevereiro, a verdade é que nunca teve qualquer responsabilidade na gestão financeira da Associação.
12- Com efeito, a recorrente sempre esteve alheia à gestão financeira da devedora originária, ignorando de todo as declarações fiscais, não tendo assim qualquer culpa ou responsabilidade pela situação patrimonial da Anforce, não podendo assim ser invocado contra ela o direito de reversão.
13- O oponente deduziu a oposição fiscal alegando também a ilegalidade da reversão accionada pela Direcção de Finanças de Viana do Castelo, ao abrigo do disposto no artigo 153° alíneas a) e b) do C.P.P.T. e artigo 23° da L.G.T. conforme p.i. cujo teor e conteúdo se dá como inteiramente reproduzido para os legais efeitos.
14- Com efeito, na sua oposição o recorrente alega que a Direcção de Finanças de Viana do Castelo não procedeu à penhora de equipamento mobiliário, bem como da quantia de 52 401,39 Euros arrestada à ordem do Processo n° 167/02.9 TBVCT- B, do 2° Juízo Cível do Tribunal Judicial da Covilhã, propriedade da devedora originária.
15- Por outro lado, alega que não foi tida em consideração a penhora já efectuada pela Direcção de Finanças da quantia de 3069, 25 Euros, pertença da devedora originária.
16- Encontra-se junto aos autos duas certidões judiciais extraídas da Acção de Insolvência n° 881/07.7 TBVCT, 2° Juízo Cível, do Tribunal Judicial de Viana do Castelo, da devedora originária, da qual consta a sentença de declaração da insolvência da executada, e o douto despacho proferido a fls. 761, já transitado em julgado, que considerou que desde 28/02/06 b único e exclusivo representante legal da Anforce é o referido B…………., e o relatório do liquidatário onde é discriminado património activo da devedora originária, conforme fls... dos autos.
17- Assim, a oposição deduzida pela recorrente prende-se com questões da legalidade da reversão fiscal e da ilegitimidade da não responsabilidade pelo pagamento da dívida destes autos.
18- A Direcção de Finanças a fls.. dos autos, através do oficio 584, de 15/04/08, comunicou ao processo O 463/07.3BEBRG, 3ª Unidade Orgânica, que procedeu à penhora da quantia de 3 069,20 Euros, relativa a contas bancárias da executada, devedora originária Anforce Associação Formadores em Ciências Empresariais.
19- No dia 2/7/07 C…….., também revertido no processo de execução, solicitou no Serviço de Finanças de Viana do Castelo a penhora da quantia de 52 401,39 Euros, junto do Instituto de Emprego e Formação Profissional, e foi junto cópia do despacho no qual é ordenada a devolução de tal quantia a esta entidade, proferido no processo n° 176/04-A, do Tribunal Judicial da Covilhã, conf. fls... dos autos.
20- No processo de oposição nº 463/07.3BEBRG, 3ª Unidade Orgânica, a fls.. 411 dos autos a Direcção de Finanças de Viana do Castelo, através do oficio n° 7593 de 15/05/08 informou que não foi solicitada a penhora da quantia de 52 401.39 Euros ao Instituto de Emprego e Formação Profissional, bem como se encontra depositada na Tesouraria da Fazenda Pública a quantia de 60 745,60 Euros.
21- No entanto, não obstante as várias solicitações efectuadas no serviço de Finanças de Viana do Castelo, este nada fez junto do Instituto de Emprego e Formação Profissional.
22- Do relatório do liquidatário junto na acção de Insolvência que consta a fls.. dos autos, verifica-se que a devedora originária é proprietária de património activo, nomeadamente do referido valor de 52 401,39 Euros.
23- Da documentação junta aos autos resulta provado que a devedora originária é proprietária de património activo, e que a Fazenda pública já procedeu entretanto à penhora de bens da mesma, nomeadamente das participações no valor de 60 754,60 Euros e da quantia de 3 069, 20 Euros.
24- Mais se encontra provado documentalmente que a Fazenda Pública actuou de forma negligente não efectuando as diligências requeridas por várias vezes junto do Instituto de Emprego e Formação Profissional na penhora da quantia de 52 401,39 Euros.
25- Assim, encontra-se provado que à data da reversão fiscal existiam, como existem actualmente, bens da devedora originária superior ao valor reclamado nestes autos.
26- A Direcção de Finanças accionou a reversão sem se terem verificado e efectuado os procedimentos prévios previstos no artigo 153° nº 2 alíneas a) e b) do C.P.P.T.
27- De resto, competia e compete à Fazenda Pública averiguar de forma cabal e completa a existência de património da devedora originária, constituindo um requisito legalmente exigido para ser accionada a reversão fiscal, nos termos do artigo 153º n° 2 do C.P.P.T. e do artigo 23° da L.G.T., o que não fez.
28- Nem tão pouco alegou e demonstrou a insuficiência do património da devedora originária para pagamento da quantia exequenda, nos termos da alínea b) do n° 2 do artigo 153° do C.P.P.T.
29- De todo o modo, a oponente não pode ser responsabilizada pelo pagamento da dívida reclamada nestes autos, dado que não teve culpa na sua formação e manutenção, uma vez que sempre foi alheia à sua gestão financeira, ignorando de todo o conteúdo das declarações fiscais.
30- Assim, a apreciação da oposição à execução fiscal deduzida pelo recorrente não tem a ver com os créditos da executada, mas sim com questões de legalidade e verificação dos requisitos da reversão, da ilegitimidade da não responsabilidade pelo pagamento da dívida, não existindo assim qualquer razão que possa justificar apensação do presente processo à acção de Insolvência.
31- Face à documentação que já consta no processo, nomeadamente dos ofícios da Direcção e Serviço de Finanças de Viana do Castelo, deve a oposição ser decidida em sentido favorável à responsável subsidiária oponente, ora recorrente, nomeadamente no toca à falta de verificação dos requisitos de que depende legalmente a reversão fiscal.
32- Pelo que, salvo o devido respeito, não existe fundamento de facto ou de direito que justifique a apensação do presente processo ao processo de Insolvência da devedora originária.
33- Assim, deve o presente processo prosseguir os seus trâmites legais, marcando-se a inquirição de testemunhas, proferindo-se decisão no sentido de considerar ilegal a reversão fiscal accionada contra o oponente, declarando extinta a execução quanto a si, com as legais consequências.
34- Deste modo, o douto despacho recorrido viola por errada interpretação e aplicação o disposto nos arts. 180º n° 1 e 2 e 153° nº 2 alíneas a) e b) do C.P.P.T. e o artigo 23° da L.G.T.

NESTES TERMOS
e mais de direito que V. Exas. melhor e doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao recurso interposto e, em consequência, revogar-se o douto despacho recorrido, substituindo-se por um outro que ordene o prosseguimento dos presentes autos, proferindo-se decisão, com as legais consequências. ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA

Não houve contra-alegações.

O EMMP pronunciou-se fazendo remissão para o parecer do MP no TCA Norte, a fls. 419, que no essencial defendeu a manutenção do despacho recorrido invocando jurisprudência deste STA.

2 – FUNDAMENTAÇÃO
O Tribunal “a quo” não fixou matéria de facto.

3 – DO DIREITO
O meritíssimo juiz do TAF de Braga, determinou a remessa dos autos ao Tribunal Judicial de Viana do Castelo, 2º juízo cível, por entender que:

PROCESSO n°464107.1 BEBRG (Processo de Oposição)
CONCLUSÃO: (Dias 07 e 08 - Fim de Semana)
Em 09 de Junho de 2008, face à conjugação do expediente que antecede e ao disposto no art° 180 do CPTT, leva-se os autos à consideração de V. Ex°., sem aguardar pelo decurso do prazo concedido à oponente, na notificação de folha 270.

Face aos elementos a estes autos e tendo por base o conteúdo do oficio que antecede, conclui-se que a executada originária, foi objecto de um processo de insolvência cujos seus termos ainda se encontra a decorrer no Tribunal Judicial de Viana do Castelo.
O n° 2 do art° 180º do CPPT determina que o tribunal judicial competente avocará os processos de execução fiscal pendentes para apensação ao processo de falência.
Dúvidas podem levantar-se relativamente aos presentes autos pois trata-se de um processo de oposição em consequência de uma reversão.
A Jurisprudência maioritária do STA tem entendido (...) que a remessa dos processos de execução fiscal ao tribunal de falência, implica a remessa de todos os processos que dele são incidentes, mesmo que neles tenha havido reversão da execução contra responsáveis subsidiários, incluindo os tramitados por apenso, (…), in Código Procedimento e Processo Tributário, anotado de Jorge Lopes de Sousa, pág. 913..
Face ao exposto, e após trânsito, determino que os presentes autos sejam remetidos ao Tribunal Judicial de Viana do Castelo, 2° Juízo Cível, para os efeitos previstos no art° 180° do referido diploma.
Dê-se conhecimento deste despacho ao Serviço de Finanças de Viana do Castelo.
DECIDINDO NESTE STA
A única questão que se suscita é a de saber se é acertado o despacho que ordenou a remessa do processo de oposição para apensação ao processo de insolvência.
O STA tem entendido, como refere Jorge de Sousa, no seu CPPT anotado e comentado, a fls. 234, em anotação 10 ao artigo 180.º, que a remessa dos processos de execução fiscal ao tribunal de insolvência implica a remessa de todos os processos que dele são incidentes, mesmo que neles tenha havido reversão da execução contra os responsáveis subsidiários, incluindo os tramitados por apenso, como os de oposição à execução fiscal, deduzida pelo executado originário ou por revertidos, e de embargos de terceiro.
Essa remessa explica-se por, na pendência do processo de insolvência, terem de ser centralizadas no respectivo juiz todas as decisões relativas às dívidas e créditos a ele atinentes e aos bens que se integram na massa insolvente.
Porém, também como salienta o mesmo autor na obra citada, tal não pode significar a intenção de atribuição genérica ao tribunal do processo de insolvência de competência para decidir todas as questões que são objecto daqueles processos, pelo que nos casos em que a apreciação destas nada tenha a ver com os créditos do insolvente não se justifica a referida apensação.
Será, designadamente, o caso de na oposição à execução fiscal contra responsável subsidiário ser discutida a verificação dos requisitos de que depende a reversão da execução.
O pedido formulado pela oponente ora recorrente na sua petição de oposição, a fls.7, vº, foi que fosse declarada a sua ilegitimidade passiva expressando, ainda que não pode ser responsabilizada subsidiariamente sendo ilegal (a reversão que apelida de responsabilidade subsidiária) por não se encontrarem preenchidos os requisitos do artº 23º nº 2 da LGT.
A apreciação das questões suscitadas, relativas à verificação dos requisitos para a reversão e à falta de culpa da oponente na situação de insuficiência patrimonial a que chegou a devedora originária nenhuma interferência terá sobre o aludido processo de insolvência.
Com efeito, a recorrente, não é a executada no processo de execução fiscal.
Daí que, embora estando em causa um incidente do processo de execução fiscal a decisão a tomar na oposição em nada afecta o processo de insolvência, pelo que nada justifica a ordenada remessa destes autos para apensação àquele processo, pois não há razão para que seja o tribunal onde o mesmo pende a decidir a questão. (assim se decidiu no Ac. deste STA de 10/02/2010 tirado no rec.nº 01257/09).
Preparando a decisão alinhamos as seguintes proposições:
I - Nos termos do artigo 180.º do CPPT, a remessa dos processos de execução fiscal ao tribunal de insolvência implica a remessa de todos os processos que dele são incidentes, incluindo os tramitados por apenso.
II - Tal não significa, porém, a atribuição genérica ao tribunal do processo de insolvência de competência para decidir todas as questões que são objecto daqueles processos, pelo que nos casos em que a apreciação destas nada tenha a ver com a insolvência não se justifica a referida apensação.
III - É o que sucede com a oposição em que se questionam os requisitos da reversão e a culpa da revertida na situação de insuficiência patrimonial a que chegou a devedora originária.
IV - A apreciação da questão suscitada nenhuma interferência terá sobre o aludido processo de insolvência, pois, a recorrente, não é executada no processo de execução fiscal.

A decisão recorrida que assim não entendeu não se pode, por isso, manter na ordem jurídica.

4-DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida, e, em consequência, ordenar a baixa dos autos ao tribunal recorrido para que aí se conheça do mérito da oposição apresentada, se nada mais a tal obstar.

Sem custas.

Lisboa, 12 de Fevereiro de 2014. - Ascensão Lopes (relator) - Pedro Delgado - Valente Torrão.