Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0767/15.1BECBR
Data do Acordão:03/22/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24371
Nº do Documento:SA1201903220767/15
Data de Entrada:02/21/2019
Recorrente:ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE DO CENTRO
Recorrido 1:A............., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A………………, LDA., intentou, no TAF de Coimbra, contra a ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE DO CENTRO, I.P., acção administrativa comum pedindo a condenação da Ré a reconhecer que ambos celebraram um contrato de arrendamento e a pagar-lhe a quantia de 7.500,00 € devida a título de rendas não pagas e uma indemnização correspondente a 50% do valor das rendas em atraso, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Subsidiariamente, caso se considerasse que o contrato celebrado entre A. e Ré era nulo por falta da sua redução a escrito, pediu que esta fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 5.000,00 €, acrescida de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento, ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa.

Aquele Tribunal julgou a acção parcialmente procedente e, consequentemente, condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de 5.000,00€, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa anual de 4%, desde a citação até integral pagamento.
O TCA Norte, para onde a Ré apelou, confirmou essa decisão.

É desse Acórdão que a Ré vem recorrer (art.º 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. O TAF julgou esta acção parcialmente procedente pelas seguintes razões:
“.......
Consta do probatório (ponto 6) que no período compreendido entre julho de 2010 e abril de 2011 o espaço da propriedade da Autora foi efectivamente ocupado pelo ACeS PIN II, que o utilizou como armazém para os seus materiais (de limpeza, medicamentos, etc.).
Provou-se ainda que tal ocupação sucedeu a um acordo entre os representantes da A. e a Diretora Executiva daquele agrupamento segundo o qual, pela utilização do espaço, a Ré efectuaria o pagamento de uma renda mensal no valor de 500,00 €. Está também provado que pela ocupação do armazém não foi pago qualquer valor por parte da Ré.
Inexiste nos autos notícia de que o acordo celebrado entre a A. e o ACeS tenha sido precedido de procedimento pré-contratual ou de decisão expressa de contratar, estando mesmo provado que não foi formalizado contrato escrito.
De todo o modo, resultando do probatório que a A. se obrigou a proporcionar ao ACeS o gozo do armazém mediante o pagamento de uma renda, o que está em causa é efetivamente um contrato de arrendamento (cf. artigos 1022.º e 1064.º e seguintes do Código Civil).
.....
Verificando-se que a lei prescreve a forma escrita para a celebração do contrato de arrendamento em causa nos autos, e que tal forma foi preterida .... sempre estaremos perante um contrato nulo, por força do disposto no artigo 220.º do Código Civil.
Assim, há que declarar nulo o “contrato de arrendamento”, cujas rendas a A. aqui reclama, e dispor in casu as consequências dessa nulidade. ........
Tal declaração de nulidade não implica, porém, que a Ré possa ficar pacificamente locupletada na sequência do gozo do imóvel que, em execução do negócio nulo, lhe proporcionou a Autora.
....
Assim sendo, por força do artigo 289º nº 1 do CC está a Ré obrigada a entregar à Autora um valor correspondente ao que recebeu, ou seja, o valor da renda acordada relativa aos meses de julho de 2010 a abril de 2011 (5.000,00€).
A Autora peticionou ainda o valor de 2.500,00€ a título de indemnização correspondente a 50% do valor das rendas em atraso, nos termos do disposto no artigo 1041.º do CC.
Ora, tal indemnização consubstancia já um efeito jurídico-negocial do contrato cuja nulidade foi declarada, não se podendo considerar abrangida pela restituição do valor correspondente ao que foi prestado pela A. em consequência da referida declaração de nulidade.
Apenas assistiria à A. o direito a tal indemnização se o contrato de arrendamento celebrado fosse válido, o que não se verifica, pelo que improcede, nesta parte o peticionado.
...
Assim, os juros de mora serão contados à taxa anual de 4% - cfr., artigos 559º e 806.º n.º 2, ambos do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 08/04 - desde a data da citação, ou seja, 02-05-2014, até integral pagamento.”

Decisão que o TCA confirmou com a seguinte fundamentação:
“...
A recorrente empenha razão do recurso na explanada questão de competência, em razão da imputação e distribuição orgânica da competência (esta, e não outra questão, emda mesa).
O próprio tribunal “a quo” aquiesceu que “a Diretora Executiva estava, em última análise, e ainda que irregular e invalidamente, a representar”.
Efectivamente, para que a “vontade contratual” do contraente público possa dizer-se regularmente formada e manifestada sem dúvida que se exige a competência.
Mas também nenhuma dúvida oferecerá que na averiguação de regime substantivo, e no caso, somos direccionados para o disposto no art.° 185°, n.º 1, do CPA91 (e pese, entretanto. sua revogação, aplicável): Os contratos administrativos são nulos ou anuláveis, nos termos do presente Código, quando forem nulos ou anuláveis os actos administrativos de que haja dependido a sua celebração”.
.....
Ultrapassada a questão, e no que a seguir o tribunal “a quo” se debruçou quanto ao objecto negocial e sua forma, nenhum apontamento de erro de julgamento vem.
O julgado merece, pois, ser confirmado.
3. A ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE DO CENTRO, I.P, não se conforma com essa decisão, pelo que pede a admissão desta revista na qual formula, entre outras, as seguintes conclusões:
F - A Recorrente é um instituto público integrado na administração direta do Estado, dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial - Cfr. Art. 1º, do Decreto-Lei nº 22/2012, de 30/01.
J - É a Recorrente que, cumprindo as obrigações procedimentais constantes do Decreto-Lei nº 280/2007, de 7 de agosto, tem a competência para a celebração de contratos de arrendamento de imóveis que sejam necessários à prestação de cuidados de saúde.
K - Os agrupamentos de centros de saúde (ACES), são serviços de saúde desconcentrados da respetiva Administração Regional de Saúde, IP estando sujeitos ao seu pode de direção - Art. 2º, do Decreto-Lei nº 28/2008, de 22 de fevereiro.
M - As competências do Diretor do ACES, não incluem a prática de atos jurídicos contratuais ou administrativos, como aquele em causa nos presentes autos - Cfr. Art. 20º, do Decreto-Lei nº28/2008, de 22 de fevereiro.
N - É, assim, inequívoco que o ACES .... ou o seu diretor, não têm competência para a celebração de contratos de arrendamento de imóveis que sejam necessários à prestação de cuidados de saúde.
V - É, pois, inequívoco que a Diretora do ACES Pinhal Interior não tinha poderes para representar a Recorrente.

4. Resulta do anterior relato que um representante da Autora e a Directora Executiva do Agrupamento de Centros de Saúde (ACeS) do Pinhal Interior acordaram na utilização de um espaço pertencente à Autora, mediante o pagamento de uma renda mensal no valor de 500,00 €, para ali ser instalado um armazém daquele Agrupamento.
Esse acordo não chegou a ser reduzido a escrito o que levou as instâncias a considerar que, apesar do mesmo constituir um contrato de arrendamento, certo era que ele era nulo por falta de forma. Todavia, a declaração de nulidade desse contrato não implicava que a Ré pudesse locupletar-se à custa do património da Autora, em consequência do gozo do imóvel e desse uso ter sido feito sem o pagamento de qualquer contrapartida. Com efeito, ficou provado que, entre o dia 01-07-2010 e o dia 01-05-2011, o imóvel aqui em causa foi utilizado como armazém do referido ACeS e os funcionários deste ali entravam quando queriam e colocavam e tiravam do seu interior o material pertencente ao referido ACeS.
O que levou as instâncias a entenderem que “por força do artigo 289º nº 1 do CC está a Ré obrigada a entregar à Autora um valor correspondente ao que recebeu, ou seja, o valor da renda acordada relativa aos meses de julho de 2010 a abril de 2011 (5.000,00€).” Valor esse que nunca chegou a ser pago.
A Ré não aceita este julgamento por entender que os Agrupamentos de Centros de Saúde são serviços de saúde desconcentrados da respectiva Administração Regional de Saúde, IP e que as competências do seu Director não incluem a prática de actos jurídicos contratuais ou administrativos, como aquele que está em causa nos presentes autos. Deste modo, não podia ser responsabilizada pelo pagamento de um débito a que era inteiramente alheia.
No entanto, independentemente dos Directores dos referidos Agrupamentos terem, ou não, a competência para celebrar contratos de arrendamento certo é que o Agrupamento aqui em causa – que é um serviço desconcentrado da Ré – celebrou o contrato dos autos e beneficiou dos seus efeitos. O que vale por dizer que, ainda que de forma indirecta, a Ré foi a verdadeira beneficiária da celebração do contrato e que, portanto, deve ser responsabilizada pelas consequências que dele advirem.
Nesta conformidade, tudo parece indicar que o Acórdão recorrido fez correcto julgamento, pelo que se não justifica a admissão da revista para melhor aplicação do direito. Sendo, por outro lado, que a questão suscitada no recurso não se reveste, pela sua relevância jurídica ou social, de importância fundamental.
Decisão.
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pela Recorrente.

Porto, 22 de Março de 2019. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.