Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0603/15.9BELRA
Data do Acordão:05/04/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:IRC
ANULAÇÃO PARCIAL
Sumário:In casu,é evidente a possibilidade de intervir, no sentido da reparação da detetada violação da lei aplicável, concretamente, de substituir a, operada, taxa de retenção na fonte de 25% pela, devida, de 15%, mediante a realização, pelos serviços competentes da autoridade tributária e aduaneira (AT), de uma “simples operação aritmética”; aplicação desta última taxa ao mesmo rendimento sujeito a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), respeitante ao exercício de 2011. Isto porque, a cometida ilegalidade de taxar a 25% em vez de a 15% não é suscetível de afetar o ato tributário visado no seu todo, sempre subsistindo a respetiva base de incidência e demais partes constituintes do mesmo, como é o caso, do sujeito passivo. Apenas, se mostra necessário alterar o parâmetro da, casuística, quantificação.
Nº Convencional:JSTA000P29343
Nº do Documento:SA2202205040603/15
Data de Entrada:03/17/2022
Recorrente:A..... PORTUGAL SGPS, S.A.
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

# I.

A…. Portugal, SGPS, S.A., …, recorre de sentença, proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria, em 15 de dezembro de 2021, que julgou parcialmente procedente impugnação judicial, apresentada contra ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e juros compensatórios, referente ao exercício de 2011, determinando “a anulação parcial da liquidação de IRC-retenção na fonte impugnada, na parte em que aplicou uma taxa de retenção da fonte superior a 15%”.
A recorrente (rte) produziu alegação e concluiu: «

A) O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, no processo de impugnação judicial n.º 603/15.9BELRA, no âmbito do qual se encontrava em discussão a legalidade do ato de liquidação de retenção da fonte de IRC e juros compensatórios, relativos ao período de tributação de 2011, no montante de € 12.555,89;

B) Conforme foi enunciado pelo Tribunal a quo, as questões a decidir, atentas “as questões suscitadas pelas partes e analisadas no parecer da Digna Procuradora da República”, eram as seguintes:

- Saber se as liquidações então impugnadas eram ilegais, por violação do artigo 27.º, n.º 1, al. c) do RCPIT, do princípio da legalidade previsto no artigo 266.º, n.º 2, da CRP, do artigo 8.º e 55.º da LGT e do artigo 3.º do CPA; e

- Saber se foi correta a aplicação por parte da AT da taxa de retenção na fonte de 25% aos juros em causa.

C) A decisão agora proferida foi a seguinte:

Em face de tudo o exposto e nos termos das disposições legais supra mencionadas, decide-se julgar parcialmente procedente a presente impugnação e, em consequência, determina-se a anulação parcial da liquidação de IRC-retenção na fonte impugnada, na parte em que aplicou uma taxa de retenção da fonte superior a 15%.

Custas da ação a cargo da impugnante e da Fazenda Pública, na proporção do decaimento (60% a cargo da impugnante e 40% a cargo da Fazenda Pública)”;

D) A ora Recorrente não concorda com o concreto segmento decisório da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, em função das questões que foram suscitadas pelas partes, das respetivas alegações e das próprias questões que o doutro Tribunal considerou que teriam que ser decididas no caso vertente (quaestio decidenda);

E) De facto, a ora Recorrente invocou, na p.i., a ilegalidade do despacho do Diretor de Finanças de Leiria, que determinou a realização da ação inspetiva, por violação do disposto no artigo 27.º, n.º 1, al. c) do RCPIT, assim como, o incumprimento dos critérios de seleção da Recorrente e a consequente ilegalidade do procedimento, com fundamento na violação do princípio da legalidade, previsto no artigo 266.º, n.º 2, da CRP, no artigo 8.º e 55.º da LGT e no artigo 3.º do CPA;

F) A Fazenda Pública viria a alegar, em sede de Contestação (para além da exceção de ilegitimidade), que o facto de a sociedade B….. SARL nunca ter sido uma sociedade holding era “absolutamente irrelevante em face do enquadramento fiscal” das transferências realizadas pela Recorrente, justificando também a aplicação da taxa de 25% de retenção na fonte aos juros pagos pela Recorrente;

G) Perante essa argumentação, a Recorrente viria, em sede de alegações finais, a reforçar o seu entendimento quanto à violação dos requisitos e critérios para realização do procedimento inspetivo, contestando também a aplicação da taxa de 25%, propugnada pela Fazenda Pública;

H) Razão pela qual invocou que a AT havia violado não apenas o disposto no n.º 6 do artigo 98.º do Código do IRC, bem como, o princípio da legalidade a que a mesma se encontra adstrita por força do disposto no artigo 266.º da CRP e do artigo 55.º da LGT;

I) Em 14/09/2016, a Senhora Procuradora do Ministério Público viria a emitir o seu Parecer, no qual considerava improcedente a exceção invocada pela AT, mas em que referia o seguinte “Já quanto à questão das taxas de retenção, considerando os documentos juntos pela impugnante (designadamente o certificado de residência da “B…..”) e o disposto no art. 98º do CIRC somos de parecer que lhe asiste razão, procedendo tal argumento”;

J) Foi neste enquadramento e no quadro normativo e factual invocado pelas partes, bem como, em função do teor do Parecer da Senhora Procuradora do Ministério Público, que o Tribunal Recorrido decidiu anular parcialmente o ato de liquidação de IRC em crise e julgar parcialmente procedente a impugnação judicial;

K) Sucede que o Tribunal a quo entendeu que a taxa aplicada pela AT era ilegal, em função da existência de um formulário Modelo 21 RFI que foi exibido perante a AT, em momento prévio à emissão da liquidação adicional de IRC sub judice, tendo considerado que não deveria ser aplicada uma taxa de retenção na fonte de 25%, mas sim, uma taxa de 15%, nos termos do disposto no artigo 98.º, n.º 6, do Código do IRC;

L) A Recorrente não vislumbra qualquer motivo para manter, na ordem jurídico-tributária, ainda que parcialmente, a liquidação adicional de IRC em questão, nem para julgar parcialmente procedente a impugnação judicial, pois essa liquidação enfermava, como muito bem considerou o Tribunal Recorrido, de um erro nos seus pressupostos, sendo ilegal por violação de lei e pela aplicação de uma taxa de retenção na fonte que se mostrou indevida – a taxa de 25%;

M) A consequência natural dessa ilegalidade era, salvo o devido respeito, a anulação integral dessa liquidação, sendo a AT obrigada a proceder à emissão de uma nova liquidação, corretiva, na qual fosse considerada a taxa de 15% que o Tribunal a quo – e a própria Recorrente, nas suas alegações finais - consideraram aplicável ao caso vertente;

N) É isso também que resulta do recente acórdão de fixação de jurisprudência proferida pelo STA, no processo n.º 0436/18.0BALSB, com data de 30/01/2019, bem como, do Parecer do Ministério Público que foi emitido nesse processo, com a concordância do Tribunal, acima citados;

O) De acordo com essa jurisprudência, a anulação parcial do ato tributário é possível nas situações em que esse ato contém “partes” destacáveis, isto é, que possam ser autonomamente consideradas e analisadas – como é o caso desse ato incorporar várias correções à matéria coletável, independentes e perfeitamente autonomizáveis;

P) Não é o caso do ato de liquidação sindicado nestes autos, que resulta exclusivamente da aplicação (incorreta) de uma taxa de retenção na fonte a juros que foram pagos a entidades não residentes;

Q) A ilegalidade de que padece este ato de liquidação de IRC afeta-o na sua totalidade, porque suportado na aplicação de uma taxa ilegal, não sendo por isso possível destacar uma parte que possa ser “aproveitada” ou justificar a sua manutenção na ordem jurídica;

R) Daí que e salvo, uma vez mais, melhor opinião, o ato de liquidação deveria ter sido anulado na sua totalidade pelo Tribunal a quo, ficando na disponibilidade da AT a emissão de um novo ato de liquidação que considerasse apenas a taxa de 15%;

S) Caso assim não se entenda e se mantenha na ordem jurídica aquele ato – anulando-o apenas parcialmente -, então deverá ser revisto o segmento decisório da sentença, na medida em que a impugnação judicial terá que ser julgada integralmente procedente (e não parcialmente procedente, conforme considerou o Tribunal a quo);

T) Efetivamente, se o Tribunal concluiu pela incorreta aplicação da taxa de retenção na fonte de 25%, independentemente de considerar ou não que a taxa correta seria de 15%, não poderia julgar parcialmente procedente a impugnação, desde logo porque a Recorrente defendeu que essa seria a taxa correcta;

U) A pretensão da Recorrente – que era a de que se procedesse à anulação da taxa de retenção na fonte de 25% - foi satisfeita;

V) Aliás, se fizermos uma leitura superficial da sentença e nos detivermos apenas sobre o seu segmento decisório, seriamos até levados a concluir que a AT obteve um maior provimento do que a Recorrente, o que manifestamente não foi o caso, pois a aplicação da taxa de 25% foi considerada ilegal pelo Tribunal Recorrido;

W) Assim e em face de todo o exposto, a sentença ora recorrida deve ser anulada e, em consequência:

i) Determinar-se a anulação integral do ato de liquidação de IRC em crise, com as demais consequências legais;

ii) Subsidiariamente e caso se considere que aquele ato deverá manter-se na ordem jurídica, julgar-se integralmente procedente a impugnação judicial, condenando também a AT no pagamento integral das custas com o processo.

TERMOS EM QUE deverá ser julgado procedente, por provado, o presente recurso, devendo, em consequência, ser anulada a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, nos termos e com os fundamentos acima indicados, tudo com as demais consequências legais, assim se fazendo Justiça!»


*

Não aconteceu a formalização de contra-alegações.

*

A Exma. Magistrada do Ministério Público emitiu parecer, entendendo que deve ser negado provimento ao recurso jurisdicional e mantida a sentença em apreciação, com as legais consequências.

*

Cumpridas as formalidades legais, compete-nos decidir.

*******

# II.

Na sentença recorrida, em sede de julgamento factual, consta: «

Com interesse para a decisão do mérito da causa, dão-se como provados os seguintes factos:

1) A….. PORTUGAL SGPS, S.A., ora impugnante, é uma sociedade que tem por objeto a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas, encontrando-se registada no CAE 064202 - “Atividades da Sociedade Gestora de Participações Sociais não Financeiras”, sendo detida em 99,96% pela B…. SARL (NIPC ……) - facto não controvertido cfr. informação do relatório de inspeção tributária, constante de fls. 22 do processo administrativo;

2) Desde o exercício de 2007, a impugnante é detentora de uma participação de 100% do capital social da sociedade comercial C……., S.A. - cfr. informação constante do relatório de inspeção tributária, de fls. 23 do processo administrativo;

3) Nos anos de 2010 e 2011, a impugnante efetuou as seguintes transferências bancárias para a sociedade comercial “B…. SARL”, NIPC ….., com sede na Rue .…., …, 1147 Luxemburgo:

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- cfr. informação constante do relatório de inspeção tributária, de fls. 77 a 79 do processo administrativo;

4) Durante os exercícios de 2010 e de 2011, a impugnante colocou à disposição da B…… SARL rendimentos de juros no valor de € 134.716,78 e de € 44.430,27, respetivamente - facto não controvertido e cfr. informação constante do relatório de inspeção tributária de fls. 94 do processo administrativo;

5) A impugnante não entregou a declaração modelo 30 devida pela disponibilização dos rendimentos de juros referidos na alínea precedente - facto não controvertido e cfr. informação constante do relatório de inspeção tributária de fls. 95 do processo administrativo;

6) Em 27/1/2014, foi emitida a ordem de serviço n.° OI201400157, de natureza externa, de âmbito parcial em Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas e com incidência no exercício de 2010, da qual consta o código de atividade 1222110219 e que se mostra assinada pelo representante legal da impugnante em 18/3/2014 - cfr. documento de fls. 5 do processo administrativo;

7) Em 27/1/2014, foi emitida a ordem de serviço n.° OI201400158, de natureza externa, de âmbito parcial em Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas e com incidência no exercício de 2011, da qual consta o código de atividade 1122111102 e que se mostra assinada pelo representante legal da Impugnante em 18/3/2014 - cfr. documento de fls. 6 do processo administrativo;

8) A impugnante foi notificada da carta-aviso relativa à ordem de serviço n.° OI201400157, da qual consta o código de atividade 1222110219, através de ofício datado de 29/1/2014, enviado sob registo - cfr. documento de fls. 1 e 2 do processo administrativo;

9) A impugnante foi notificada da carta aviso relativa à ordem de serviço n.° OI201400158, da qual consta o código de atividade 1122111102, através de ofício datado de 29/1/2014, enviado sob registo - cfr. documento de fls. 3 e 4 do processo administrativo;

10) Através do ofício n.° 003787, de 25 de agosto de 2014, enviado sob registo RD476796673PT, da mesma data, a impugnante foi notificada do alargamento do âmbito e prorrogação do prazo do procedimento de inspeção a que se referem as ordens de serviço n.° OI201400157 e OI201400158, passando a primeira para âmbito geral - cfr. documento de fls. 7 a 12 do processo administrativo;

11) No dia 25 de julho de 2014, a impugnante facultou aos Serviços de Inspeção Tributária a declaração modelo 21 RFI emitida pelas Autoridades Fiscais Luxemburguesas, com data de 1 de junho de 2010, da qual se extrai o seguinte:


*

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- cfr. informação constante de fls. 85 do processo administrativo e documento de fls. 124 e 125 da paginação eletrónica;

12) No dia 10 de setembro de 2014, no âmbito da ação inspetiva credenciada pelas ordens de serviço n.° OI201400157 e OI201400158, foi elaborado o projeto de relatório de inspeção tributária, do qual constavam as seguintes correções aritméticas (imposto em falta):

Ano 2010:

- RFIRC - € 133.679,00;

- Imposto do Selo - € 41.290,60;

Ano 2011

- RFIRC - € 11.107,57;

- Imposto do Selo - € 14.337,66.

- cfr. projeto de relatório de inspeção tributária, constante de fls. 18 a 43 do processo administrativo;

13) Através do ofício datado de 10 de setembro de 2014, a impugnante foi notificada para, querendo, exercer, no prazo de quinze dias, o direito de audição sobre o referido projeto de relatório de inspeção tributária elaborado no âmbito das ordens de serviço n.° OI201400157 e OI201400158 - cfr. documento de fls. 15 a 17 do processo administrativo;

14) No dia 30 de setembro de 2014, a impugnante exerceu o seu direito de audição - cfr. documento de fls. 44 a 52 do processo administrativo;

15) No dia 13 de outubro de 2014 foi elaborado o relatório de inspeção tributária do qual se extrai o seguinte:

(…)

II. Objetivos, âmbito e extensão da ação inspetiva

II.1 Credencial e período em que decorreu a ação

A presente acção inspectiva teve por base as ordens de serviço externas n.° OI201400157 e OI201400158, datadas de 2014-01-27. A acção de inspecção foi iniciada em 2014-03-18 e terminada em 2014-10-07.

II.2. Motivo âmbito e incidência temporal

Esta acção é determinada por despacho do Diretor de Finanças de Leiria, no campo de acção do «Controlo das transferências bancárias efectuadas para países ou territórios com regime fiscal mais favorável». Tem âmbito parcial, nos termos da alínea b) do n.° 1 do art.° 14.° do RCPIT (Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária) - em sede de IRC relativamente aos exercícios de 2010 e 2011.

Com os fundamentos, comunicados ao SP por via postal - carta registada -, exarados no respectivo despacho de autorização em 2014-08-25 foi efectuado a prorrogação do prazo do procedimento de inspecção por mais três meses e o alargamento do âmbito da acção inspectiva do exercício de 2010 de Parcial para Geral e acrescentar ao âmbito da acção inspectiva do exercício de 2011, ao já existente em sede de IRC, Imposto do Selo e Retenções na Fonte de IRC.

II.3. Outras situações

Caracterização do sujeito passivo (SP): A…… PORTUGAL SGPS S.A., doravante por economia processual designada A….., NIPC ……, insere-se no CAE: 064202- Actividades das Sociedade Gestoras Participações Sociais não Financeiras. A sociedade tem como objecto: Gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas. O que se traduz, de acordo com o ponto DEZ do contrato de Sociedade na, incluindo mas não estando limitado, «..., à aquisição de participações sociais representativas de até 100% do capital social da sociedade C……., S.A., NIF: ….., ...».

Pelo exposto no sistema informático (SI) de cadastro da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), e na Certidão Permanente do SP, o seu domicílio fiscal é: ……, freguesia de Vermoil no concelho de Pombal, como tal pertence à área de competência do Serviço de Finanças de Pombal. O seu início de actividade ocorreu em 2007-04-30 e a data de cessação, nos termos de um processo de fusão por incorporação (conforme alínea b) deste ponto), aconteceu em 2012-06-06.

a) Enquadramento fiscal: Em sede de IRC no regime geral de tributação; Em sede de IVA isenta ao abrigo do artigo 9.°;

b) Elementos relevantes: A sociedade, constituída por escritura pública em 24 de Abril de 2007, é detida em 99,96% pela B…… SARL, NIPC: ….., por economia processual doravante designada por B…., com sede na Rue ….. …, 1147 Luxemburgo (com sede em território português na Av. ….., … em Lisboa; não residente sem representante em sede de imposto sobre o rendimento) empresa detida pelo D….. Group S.A. com sede na Bélgica. Os restantes 0,04% são de igual modo detidos por sociedades que integram o D…… Group S.A., NIPC: ….., cujo domicílio fiscal em território português é na Av. ……., … em Lisboa - não residente sem representante em sede de imposto sobre o rendimento.

(...)

III. Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável

III.1. Enquadramento da acção de inspecção

A Portaria n.° 150/2004, de 13 de Fevereiro (emendada pela declaração de rectificação n.° 31/2004 de 23 de Março) determina que para todos os efeitos previsto na Lei a lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis, é a seguinte: «..., 41) Luxemburgo, apenas no que respeita às sociedades holding no sentido da legislação luxemburguesa que se rege pela Lei de 31 de Julho de 1929 e pela Decisão Grã- Ducal de 17 de Dezembro de 1938; ...»

A Portaria n.° 292/2011, publicada dia 8 de Novembro, procedeu a uma actualização da lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis, e constantes da anterior Portaria n.° 150/2004, tendo passado a excluir, através da norma revogatória contida no seu artigo 2.° o Luxemburgo.

Portanto considerando o teor das duas portarias, acima mencionadas, o Luxemburgo constou na lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis até ao dia 8 de Novembro de 2011 (a actual portaria [n.° 292/2011] entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação).

Nos termos do artigo 63.°-A da Lei Geral tributária (LGT), as instituições de crédito e sociedades financeiras estão obrigadas a comunicar à AT, anualmente (através da declaração modelo 38), as transferências financeiras que tenham como destinatário entidade localizada em país, território ou região com regime de tributação privilegiada mais favorável.

Na listagem de contribuintes selecionados, no âmbito da presente acção, consta o SP em análise, pela realização de seis transferências financeiras (ver quadro infra) para um país com regime de tributação privilegiada mais favorável; Luxemburgo no caso em apreciação:

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(...)

III.9. Retenções na fonte sobre juros

Durante os exercícios de 2010 e 2011 a A…. colocou à disposição da B….. rendimentos de juros no valor de € 134.716,78 e € 44.430,27, respetivamente (Anexo n.° 10).

Determina ainda a alínea b) do n.° 2 do artigo 11.° da Convenção entre a República Portuguesa e o Grão-Ducado do Luxemburgo, os juros pagos [ou colocados à disposição da B…..] seriam tributados a uma taxa de 15%. Porém as Convenções para Evitar a Dupla Tributação (CDT's) celebradas por Portugal, de acordo com o modelo da OCDE, apenas deverão ser aplicadas quando as entidades pagadoras dos rendimentos estiverem na posse dos formulários próprios para execução das mesmas, devidamente preenchidos pelo beneficiário do rendimento e autenticados pela respetiva autoridade fiscal.

Por seu lado, a Diretiva n.° 2003/49/CE, do Conselho, de 3 de junho, prevê um regime de isenção de retenção na fonte sobre os rendimentos de juros colocados à disposição de entidades residentes noutros Estados Membros da UE que cumpram os requisitos e condições previstas nos artigos 87.°, 96.° e 98.° do CIRC.

Na diretiva esteve prevista a aplicação de um período de transição para o Estado Português, durante o qual, foram aplicadas taxas gradualmente reduzidas até à isenção total de tributação destes rendimentos no país da fonte, nos seguintes termos:

Junho de 2005 a junho de 2009 - retenção na fonte à taxa de 10%;

Julho de 2009 a junho de 2013 - retenção na fonte à taxa de 5%;

A partir de 1 de julho de 2013 - isenção de tributação no país da fonte.

Para que possa ser aplicado o regime acima indicado, é necessário que, até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto que deveria ter sido deduzido sobre os juros, a entidade portuguesa obrigada a efetuar a retenção na fonte esteja na posse de um formulário Mod.01-DJR (pedido de redução de retenção na fonte de Imposto sobre o IRC), entregue pela entidade beneficiária dos juros, devidamente certificado e autenticado pelas Autoridades Fiscais do país de residência do beneficiário efetivo dos rendimentos e que se verifiquem os requisitos e condições previstas nos artigos 87.°, 96.° e 98.° do CIRC.

Porém, já anteriormente se deu conta que a declaração modelo 30, de entrega obrigatória sempre que sejam pagos ou colocados à disposição rendimentos a entidades não residentes, não foi entregue pelo SP e não se confirma nos documentos da contabilidade a retenção na fonte de imposto a que o SP se encontra legalmente obrigado, relativamente aos juros colocadas à disposição da B…..

Considerados os factos observados caso o SP estivesse na posse dos documentos acima elencados teria existido retenção na fonte efetuada sobre esses rendimentos, à taxa de 5% (ou à taxa de 15% no caso de aplicação da convenção), o que não se verifica pela análise da contabilidade.

Determina a alínea b) do n.° 3 do artigo 94.º do CIRC “3 - As retenções na fonte têm a natureza de imposto por conta, exceto nos seguintes casos em que têm carácter definitivo: b) Quando, não se tratando de rendimentos prediais, o titular dos rendimentos seja entidade não residente que não tenha estabelecimento estável em território português (...)”

Acrescem os n.°s 4, 5 e 6 do mesmo artigo que “4- As retenções na fonte de IRC são efetuadas às taxas previstas para efeitos de retenções na fonte de IRS, relativas a residentes em território português, ..., 5- Excetuam-se do disposto no número anterior as retenções que, nos termos do n.° 3, tenham caráter definitivo, em que são aplicáveis as correspondentes taxas previstas no artigo 87.°, ..., 6 – A obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC ocorre na data que estiver estabelecida para obrigação idêntica no Código do IRS ou, na sua falta, na data da colocação à disposição dos rendimentos, devendo as importâncias retidas ser entregues ao Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foram deduzidas e essa entrega ser feita nos termos estabelecidos no Código do IRS ou em legislação complementar”.

Logo, relativamente aos exercícios de 2010 e 2011, encontram-se em falta retenções na fonte, em sede de IRC efetuadas à taxa definida pelo n.° 4 do artigo 87.° do CIRC, no valor de:

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(...)

- cfr. documento de fls. 69 a 100 do processo administrativo;

16) Através do ofício de 22 de outubro de 2014, a impugnante foi notificada do relatório de inspeção tributária elaborado no âmbito das ordens de serviço n.° OI201400157 e OI201400158 — cfr. documento de fls. 69 a 71 do processo administrativo;

17) Em decorrência das correções propostas no relatório de inspeção tributária, mencionado em 11), a Autoridade Tributária emitiu, entre outras, a demonstração de liquidação de retenções na fonte de IRC e de juros compensatórios, com referência ao exercício de 2011, no montante total de € 12.555,89, nos seguintes termos:

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- cfr. documento 2 junto com a p.i., de fls. 24 do suporte físico dos autos;»


***

Conferido que a sentença recorrida enunciou e decidiu duas questões (Respetivamente:

« 1.ª questão:
Saber se as liquidações impugnadas são ilegais, por violação do artigo 27.º, n.º 1, al. c) do RCPIT, do princípio da legalidade previsto no artigo 266.º, n.º 2, da CRP, do artigo 8.º e 55.º da LGT e do artigo 3.º do CPA
2.ª questão
Saber se está correta taxa de retenção na fonte de 25% aplicada aos juros pagos pela impugnante à B….. SARL »), avaliada a crítica, que lhe dirige a rte, com a conformação resultante do conteúdo das conclusões, inicialmente, transcritas, respigamos e identificamos, o apontamento de erros de julgamento, nas conclusões H) e L) a R).

Quanto ao primeiro (vertido na conclusão H)) e, objetivamente, dirigido ao decidido relativamente à 1.ª questão, parece-nos que o vício está (estaria) em o tribunal recorrido, apenas, haver versado a violação, por parte da autoridade tributária e aduaneira (AT), do disposto no art. 98.º n.º 6 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC).

Efetivamente, estaria e não está, porquanto o teor da fundamentação de direito, da sentença sob crítica, patenteia o seguinte: «

(…).

A impugnante alegou que, no âmbito da inspeção tributária, o planeamento e a seleção não são nem podem ser efetuados de forma aleatória. E, invocando o disposto no artigo 27.º do RCPIT, alegou que “no relatório final de inspeção, relativamente à seleção da impugnante não é feita qualquer referência ao Plano Nacional de Atividade da Inspeção Tributária (PNAIT), nem à existência de qualquer participação ou denúncia, nem sequer à verificação de desvios significativos no comportamento fiscal da impugnante” (vide artigo 24.º da p.i).

No mais, concluiu que “nunca poderia o Diretor de Finanças de Leiria determinar a realização de um procedimento de inspeção sem utilizar os critérios estabelecidos no PNAIT, por falta de competência” (vide artigo 31.º da p.i.)

(…).

Feita esta breve resenha sobre o regime de seleção e inspeção dos contribuintes, vejamos, agora, se, in casu, o art.º 27.º, n.º 1, al. c) do RCPIT, o art.º 266.º, n.º 2, da CRP, os artigos 8.º e 54.º da LGT e o artigo 3.º do CPA foram violados, conforme alega a impugnante.

Revertendo ao caso sub judice, está provado que a ordem de serviço OI201400157 contém a menção ao código de atividade 1222110219, para efeitos de seleção da inspeção tributária para o exercício de 2010, e que a ordem de serviço OI201400158 contém a menção ao código 1122111102 para o exercício de 2011 (cfr. alíneas 6) e 7) do elenco dos factos provados).

Também está provado que, no âmbito da ação de inspeção tributária, as ordens de serviço relativas ao procedimento inspetivo do qual consta o código de atividade 1222110219 para o exercício de 2010 e 1122111102 para o exercício de 2011 foram assinadas pelo representante legal da impugnante (cfr. alíneas 6) a 9) do elenco dos factos provados).

E provado está também que do relatório de inspeção tributária, no ponto “II.2 Motivo, âmbito e incidência temporal” consta expressamente que “esta ação é determinada por despacho do Diretor de Finanças de Leiria, no campo de ação do “Controlo das transferências bancárias efetuadas para países ou territórios com regime fiscal mais favorável”. Tem âmbito parcial, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º do RCPIT (Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária) – em sede de IRC relativamente aos exercícios de 2010 e 2011.

Com os fundamentos, comunicados ao SP por via postal – carta registada -, exarados no respetivo despacho de autorização em 2014-08-25 foi efetuada a prorrogação do prazo do procedimento de inspeção por mais três meses e o alargamento do âmbito da ação inspetiva do exercício de 2010 de parcial para geral e acrescentar ao âmbito da ação inspetiva do exercício de 2011, ao já existente em sede de IRC, Imposto do Selo e Retenções na Fonte de IRC” (cfr. alínea 15) do elenco dos factos provados).

Perante este circunstancialismo fáctico, dúvidas não há de que a impugnante foi devidamente informada das ordens de serviços que presidiram à inspeção tributária e dos pressupostos/informações das mesmas, sendo certo que não lançou mão de nenhum dos meios de reação de que dispunha para obter qualquer outra informação que considerasse relevante sobre o procedimento inspetivo. E, não tendo utilizado a faculdade prevista no artigo 37.º do CPPT, terá de deduzir-se que a impugnante compreendeu devidamente os fundamentos e pressupostos da ação inspetiva de que foi objeto.

(…).

Assim e independentemente de a sociedade comercial “B….. SARL” constituir ou não uma sociedade holding, tal não colide com o critério utilizado pela Autoridade Tributária para selecionar a impugnante para inspeção, na medida (em que) ela efetuou, nos anos de 2010 e 2011 transferências com destino no Luxemburgo.

E a existência de tais transferências basta para justificar a inclusão da impugnante no âmbito da ação de “controlo das transferências bancárias efetuadas para países ou territórios com regime fiscal mais favorável” (conforme expressamente consta do motivo da ação inspetiva mencionada no relatório de inspeção tributária – cfr. alínea 15) do elenco dos factos provados).

Em suma, a atuação da Administração Tributária na seleção e inspeção realizada à impugnante mostra-se conforme ao ordenamento jurídico-tributário em vigor, não se vislumbrando qualquer ilegalidade/irregularidade relativamente à sua seleção para o procedimento inspetivo realizado.

E assim sendo, como entendemos que é, resta-nos concluir que improcedente se mostra a alegada violação do disposto no artigo 27.º, n.º 1, alínea c), do RCPIT e do princípio da legalidade previsto no artigo 266.º, n.º 2, da CRP, artigo 8.º e 55.º da LGT e artigo 3.º do CPA.»

No que tange ao erro de julgamento traduzido nas conclusões L) a R), a rte insurge-se contra o veredicto da 1.ª instância, no sentido de, tendo concluído que a liquidação impugnada não se encontrava “em conformidade” com o disposto no art. 98.º n.º 6 do CIRC (Que dispunha (e dispõe) quanto à “Dispensa total ou parcial de retenção na fonte sobre rendimentos auferidos por entidades não residentes”.), decretar a anulação parcial da mesma (na parte em que aplicou uma taxa (25%) superior à devida e legal de 15%) (Cf. art. 87.º n.º 4 do CIRC.), em vez de determinar a respetiva anulação integral, total.

Manifestamente, não lhe assiste razão, maxime, presente a jurisprudência que convoca em seu apoio (conclusão N)).

Não merecendo contestação que, no acórdão, do STA (Pleno), de 30 de janeiro de 2019 (436/18.0BALSB), se expende, “No caso dos autos, …, o acórdão arbitral recorrido julgou verificada a ilegalidade de apenas uma parte das correcções à matéria colectável que deram origem à liquidação impugnada. Assim, parafraseando o citado acórdão de 5 de Dezembro de 2018, também nós diremos que essas ilegalidades apenas poderão “inviabilizar o acto tributário de liquidação na parte correspondente às correcções ilegais (e não no seu todo)»; que as demais correcções (algumas que nem foram objecto do pedido de pronúncia arbitral e outras que foram julgadas legais pelo tribunal arbitral) são perfeitamente autonomizáveis, …”, também, é preciso registar que, no mesmo aresto, se mostra, expressamente, assumido o seguinte: “…, a divisibilidade do acto tributário em análise nos presentes autos é “materialmente realizável, por simples operação aritmética”.

Ou seja, não obsta à anulação parcial da liquidação a necessidade de um ulterior accertamento por parte da AT, de modo a conformar a parte remanescente do acto com os termos da decisão judicial anulatória”.

Bem como, num âmbito mais generalista, é assumido que:«

(…).

O critério jurisprudencial para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa, pois, por determinar se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado (…) ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial».

Acompanhamos integralmente esta jurisprudência (…): se a ilegalidade que afecta o acto tributário o inquina no seu todo, não há que ponderar a possibilidade da decisão a proferir em sede de impugnação judicial anular o acto parcialmente; essa possibilidade só deve ser ponderada nos casos em que essa ilegalidade apenas afecta o acto impugnado em parte. Nestes casos, deve o tribunal aferir da possibilidade da anulação parcial da liquidação, pela qual não substitui o acto impugnado por um outro acto da sua autoria (substituição que lhe está vedada pelo princípio da separação dos poderes), mas antes mantém aquele acto, mas apenas na parte não afectada; «este subsiste, só que parcialmente, continuando a ser o “título” no qual se funda a exigência do pagamento do imposto» (Cfr. RUI DUARTE MORAIS, Manual de Procedimento e de Processo Tributário, Almedina, 2012, pág. 243.).

Como ficou dito no já referido acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 5 de Dezembro de 2018, proferido no processo n.º 888/05.9BEPRT, «de forma a compreender se o acto de liquidação deve ser total ou parcialmente anulado, o recente Acórdão deste Supremo Tribunal proferido a 12 de Julho de 2017 no Processo n.º 0636/17 […] reitera que “há que determinar o tipo de ilegalidade que o inquina e analisar se ela é susceptível de o afectar no seu todo, caso em que ele tem de ser integralmente anulado”. »

Posto isto, sem prejuízo de, in casu, a apreciação da (i)legalidade do ato tributário de liquidação impugnado não ter, pelas privativas características, de versar quaisquer (e várias) correções à matéria coletável (No coligido acórdão de 30 de janeiro de 2019, de modo algum é defendido que a anulação parcial do ato tributário de liquidação só é possível e viável nestes casos específicos.), é evidente a possibilidade de intervir, no sentido da reparação da detetada violação da lei aplicável, concretamente, de substituir a, operada, taxa de retenção na fonte de 25% pela, devida, de 15%, mediante a realização, pelos serviços competentes da AT, de uma “simples operação aritmética”; aplicação desta última taxa ao mesmo rendimento sujeito a IRC, respeitante ao exercício de 2011. Isto porque, a cometida ilegalidade de taxar a 25% em vez de a 15% não é suscetível de afetar o ato tributário visado no seu todo, sempre subsistindo a respetiva base de incidência e demais partes constituintes do mesmo, como é o caso, do sujeito passivo. Apenas, se mostra necessário alterar o parâmetro da, casuística, quantificação.

Por fim, igualmente, inatendível, se nos apresenta a pretensão (subsidiária), traduzida nas conclusões S) a V), porque, sem delongas, a pretensão da impugnante/rte era a da “…, anulação do acto de demonstração de liquidação de retenções na fonte …, bem como da respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referentes ao exercício de 2011, …” – cf. pedido da petição inicial desta impugnação judicial -, no que, objetivamente, não foi total/plenamente atendida, satisfeita.


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# III.

Ante o exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos não prover o presente recurso.


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Custas pela recorrente.
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[texto redigido em meio informático e revisto]


Lisboa, 4 de maio de 2022. – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.