Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01492/13
Data do Acordão:10/30/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:CONTRADITÓRIO
PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO
NOTIFICAÇÃO
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
Sumário:I - Em processo de reclamação de acto do órgão da execução fiscal, e para garantir o contraditório, a notificação do parecer do Ministério Público só tem de existir quando, sem essa notificação, fique prejudicada para uma das partes a ampla discussão de todos os fundamentos em que a decisão se possa basear, sendo injustificada a notificação do parecer quando nele não seja suscitada ou abordada qualquer questão nova.
II - O erro na forma de processo, contemplado no art. 199º do CPC, consiste em ter o autor usado de uma forma processual inadequada para fazer valer a sua pretensão, pelo que o acerto ou o erro na forma de processo se tem de aferir pelo pedido formulado na acção.
Nº Convencional:JSTA000P16509
Nº do Documento:SA22013103001492
Data de Entrada:09/30/2013
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A………… recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que determinou a absolvição da instância da Fazenda Pública na reclamação que aquele apresentara, ao abrigo do disposto nos arts. 276º e segs. do CPPT, da decisão proferida no processo de execução fiscal nº 3190 2008 01112457, decisão através da qual o respectivo órgão de execução fiscal indeferiu o pedido que ele aí formulara, enquanto executado por reversão, de declaração da nulidade do acto de reversão e do acto da sua citação para essa execução.

1.1. Rematou as alegações de recurso com as seguintes conclusões:
I . Salvo o devido e merecido respeito, o Recorrente não se conforma com a douta sentença proferida nos presentes autos.

II . A ausência de notificação ao recorrente do parecer apresentado pelo Ministério Público constitui nulidade nos termos do art. 201º do CPC.

III . Nos termos do artigo 3º nº 3 do CPC, o Juiz deve observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório.

IV . A falta de notificação do parecer apresentado pelo Ministério Público viola, ainda, o princípio da proporcionalidade ínsito no Estado de Direito Democrático, plasmado no art. 2º da CRP e, ainda, os princípios dos direitos fundamentais a uma tutela judicial efectiva e a um processo equitativo, previsto no art. 20º, nº 1 a 4, da CRP.

V . Nestes termos, julgando procedente a arguida nulidade processual por violação do art. 3º nº 3 do CPC, art. 2º e art. 20º nº 1 a 4 da CRP, deve ser ordenada a anulação de todos os actos subsequentes ao parecer apresentada pelo Ministério Público e como consequência, anulada a decisão de que ora se recorre, com todas as consequências legais.

Sem Prescindir e ad cautelam,

VI . Antes de mais, refira-se que entende o Recorrente que a reclamação do art. 276º do CPPT é o meio processual adequado para reagir contra o acto praticado pelo Órgão de Execução Fiscal,

VII . Entende o tribunal “a quo” que o meio próprio para o efeito seria a oposição à execução fiscal.

VIII . Acontece que os fundamentos apresentados pelo Reclamante, bem como o seu pedido, não se encontram devidamente relacionados nos fundamentos tipificados no art. 204º do CPPT.

IX . Ora, a invocação da nulidade da citação e da nulidade do despacho de reversão poderá ser efectuada através da presente reclamação, uma vez que, inclusive, nem se encontram previstas como fundamento para deduzir oposição.

X . Os factos invocados pelo Reclamante não se subsumem aos fundamentos legais para deduzir oposição à execução,

XI . Pelo que, o meio próprio para reagir será através da Reclamação prevista no art. 276 do CPPT.

XII . O ora Reclamante foi declarado insolvente por douta sentença transitada em julgado e publicada no portal CITIUS em 20.01.2011, no âmbito do processo que correu termos sob o nº 1326/10.OTBESP, no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Esposende.

XIII . O despacho de reversão da execução fiscal encontra-se datado de 29.08.2011, tendo o mesmo sido comunicada ao ora Reclamante através da citação concretizada em 01.09.2011.

XIV . Ou seja, quer o despacho de reversão quer o acto de citação são posteriores à declaração de insolvência singular do Reclamante e do despacho de exoneração de passivo.

XV . Como corolário da finalidade do processo de insolvência que, enquanto processo de execução universal, se destina à liquidação do património de um devedor insolvente e à repartição do produto obtido pelos credores, ou à satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência, preceitua o art. 88º do CIRE que: “A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providencias requeridas pelos credores da insolência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvente. (sublinhado nosso).

XVI . Trata-se de um efeito automático da declaração de insolvência, que não depende de requerimento de qualquer interessado (negrito e sublinhado nosso).

XVII . No mesmo sentido do disposto no citado preceito legal, dispõe o art. 180º do CPPT que: “Proferido o despacho judicial de prosseguimento da acção de recuperação da empresa ou declarada falência, serão sustados os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes e todos os que de novo vierem a ser instaurados contra a mesma empresa, logo após a sua instauração.”

XVIII . Ao nível da jurisprudência, todas as decisões conhecidas são inequívocas no sentido de que a declaração de insolvência produz como efeito automático a suspensão das execuções pendentes contra o insolvente.

XIX . O título meramente exemplificativo, concluíram neste sentido: Ac. do STJ de 25.03.2010, proc. 2532/05.51TTLSB.L1.St1; Ac. da RP de 21.06.2010, proc. 1382/08.1TJVNF.P1; Ac. da RC de 03.11.2009, proc. 68/08.1TBVLF-B.C1; e os Acs. da RG de 05.06.2008 e 15.09.2011, respectivamente, procs. 825/08-1 e 71/11.4TBPCR.

XX . No acórdão da Relação do Porto de 21-06-2010, concluiu-se que “o artigo 88º veio impor expressamente a suspensão, ao definir os efeitos processuais da sentença de declaração de insolvência nas acções executivas”.

XXI . Assim sendo, todos os processos executivos pendentes à data da declaração de insolvência deveriam ser imediatamente declarados suspensos, bem como não poderiam ser intentados novos processos executivos.

XXII . Neste sentido, a declaração de insolvência do ora Reclamante e executado nos autos em referência, obsta à concretização da reversão fiscal efectuada pelo Serviço de Finanças Porto 5, reversão esta análoga juridicamente à instauração de nova execução contra o executado.

XXIII .Na verdade, admitindo-se a reversão e não sendo admissível reclamação da mesma, sempre se dirá, que o processo executivo se encontrava e encontra suspenso, pelo que, não deveria ter sido concretizada a citação.

XXIV .E mesmo admitindo-se a concretização da citação, o prazo para deduzir oposição ou reclamação estaria suspenso em face do decretamento da insolvência do Reclamante. Por maioria de razão, se o prazo para deduzir oposição ou reclamação se encontrava e ainda se encontra suspenso, qualquer reclamação ou oposição apresentada pelo Reclamante é tempestiva.

XXV. Ora, a suspensão da aludida execução, acarreta inelutavelmente a suspensão de todos os seus termos.

XXVI .Sendo tempestiva a reclamação apresentada pelo Reclamante nos termos anteriormente exposto, ainda que se entendesse que a forma de processo não seria a correcta, pode a mesma ser convolada em oposição à execução,

XXVII .Face ao exposto, por a reclamação ser legal e tempestiva, deve ser revogada a decisão que julgou improcedente a reclamação por inepta e intempestiva, ordenando-se a baixa do processo para conhecimento do fundamento da reclamação apresentada pelo Recorrente.


1.2. A Fazenda Pública, ora Recorrida, não apresentou contra-alegações.

1.3. O Exmº Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de que o recurso devia improceder quanto à invocada nulidade processual por preterição do dever de notificação do parecer do Ministério Público, tendo em conta que nele não fora suscitada questão nova sobre a qual fosse necessário observar o contraditório, e, quanto ao demais, devia proceder o recurso e ser revogada a sentença recorrida por não ocorrer o julgado erro na forma de processo. Porém, a conhecer-se em substituição, o tribunal ad quem deverá julgar improcedente a reclamação, porquanto o despacho de reversão não padece da invocada invalidade e, quanto à nulidade da citação, embora ela possa ter ocorrido, uma vez que «tendo o Recorrente sido declarado insolvente em 18/01/2011 e sito citado para os termos da execução fiscal em 01/09/2011, esta devia ter sido efectuada na pessoa do administrador da insolvência», o certo é que a arguição dessa nulidade é intempestiva por ter decorrido o prazo de 30 dias previsto na lei.

1.4. Com dispensa de vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre decidir.

2. A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:

1 - Em 27 de Setembro de 2008 foi instaurado à sociedade B……….., Ldª, NIPC …………, o Processo de execução fiscal nº 3190200801112457, por dívidas de IVA referentes ao ano de 2008 - Cfr. fls. 42 dos autos;

2 - O ora Reclamante foi declarado insolvente por douta sentença datada de 18 de Janeiro de 2011, no âmbito do processo que correu termos sob o nº 1326/10. OTBESP, no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Esposende, sendo que, o encerramento desse mesmo processo ocorreu em 17 de Julho de 2012 - Cfr. fls. 32 e 33 dos autos;

3 - Por despacho do OEF datado de 7 de Abril de 2011, foi determinado dar início ao procedimento tendente à efectivação da reversão contra o ora Reclamante - Cfr. fls. 44 e 45 dos autos;

4 - Em 15 de Junho de 2011 foi proferida sentença de declaração de insolvência da sociedade primitiva executada, com carácter restrito ou limitado no processo nº 899/ 10.2TYVNG, o qual correu termos no Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gala - Cfr. fls. 49 dos autos;

5 - Por despacho do OEF datado de 29 de Agosto de 2011, foi determinada a reversão da execução contra o ora reclamante, tendo-se concretizado a sua citação em 1 de Setembro de 2011 - Cfr. fls. 50 a 53 dos autos;

6 - Por despacho datado de 11 de Janeiro de 2013, tendo subjacente informação dessa mesma data, foi decidido declarar em falhas a dívida exequenda e acrescido, com fundamento na inexistência de bens penhoráveis em nomes do ora Reclamante - Cfr. fls. 55 e 56 dos autos;

7 - Em 22 de Março de 2013 o ora Reclamante requereu a nulidade do despacho de reversão [datado de 29 de Agosto de 2011] por violação do artigo 88º do CIRE, bem como, de todos os actos praticados após a data do mesmo, mormente, a sua citação na qualidade de responsável subsidiário - Cfr. fls. 57 a 64 dos autos;

8 - Essa pretensão do ora Reclamante veio a ser indeferida por despacho do OEF datado de 19 de Abril de 2013, o que foi notificada ao interessado, na pessoa do seu mandatário constituído, em 03 de Maio de 2013 - Cfr. fls. 66 a 67-A dos autos;

9 - A Petição inicial que motiva os presentes autos foi remetida por telecópia, ao Serviço de finanças de Porto 5, em 13 de Maio de 2013 — Cfr. fls. 4 dos autos.

3. As questões que o Recorrente coloca à apreciação deste Tribunal são as de saber se a sentença recorrida deve ser anulada face existência de uma nulidade processual que lhe é prévia - preterição da formalidade legal de notificação do parecer do Ministério Público ao Reclamante; e, em caso negativo, se a sentença padece de erro de julgamento por ter considerado que a reclamação deduzida ao abrigo do art. 276º do CPPT não constituía o meio processual idóneo para reagir contra a decisão do órgão de execução fiscal que indeferiu ao executado/reclamante o pedido de declaração de nulidade do acto de reversão e de nulidade do acto da sua citação, e por ter considerado que essa reclamação não podia ser convolada em processo de oposição face à sua intempestividade para o efeito.

3.1. Quanto à nulidade por falta de notificação do parecer do Ministério Público.

Impõe-se, desde já, esclarecer que o Recorrente não invoca uma das nulidades de sentença taxativamente indicadas no art. 668º nº 1 do CPC, mas sim uma nulidade processual, ou seja, um desvio do formalismo processual prescrito na lei, determinante de invalidade de acto processual, no caso, nulidade atípica ou inominada, cuja regulamentação genérica consta do art. 201º nº 1 do CPC. Pelo que não havia que dar cumprimento ao disposto nos arts. 668º nº 4 e 670º nº 1, ambos do CPC, como indevidamente considerou o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo”.
Ora, como tem sido repetidamente afirmado pela jurisprudência e decorre do disposto no art. 201º nº 1 do CPC, só pode existir uma nulidade processual se tiver ocorrido a omissão de um acto ou de uma formalidade prescrita na lei, e essa omissão seja proclamada pela lei como nulidade ou, não o sendo, possa influir no exame ou na decisão da causa.
Apesar de a lei processual tributária prever que na reclamação de actos dos órgãos de execução fiscal o Ministério Público seja ouvido na fase antecedente ao conhecimento da reclamação (art. 278º nº 2 do CPPT), não prevê a notificação às partes desse parecer - ao contrário do que acontece no processo de impugnação judicial (art. 121º nº 2 do CPPT) e no processo de oposição (por força do art. 211º nº 1 do CPPT), pois aí a lei é expressa ao impor a notificação quando no parecer seja suscitada «questão que obste ao conhecimento do pedido».
Todavia, do princípio do contraditório, consignado nos arts. 20º nº 4 e 202º nº 1 e 2 da CRP, e nos arts. 3º e 3º-A do CPC, decorre o dever de facultar às partes a oportunidade de, antes de a decisão ser proferida, se pronunciarem sobre qualquer questão que as possa afectar e que ainda não tenham tido possibilidade de contraditar. Razão por que a violação do contraditório pode constituir uma irregularidade processual com potencialidade para influir na decisão da causa - na medida em que, abstractamente, as considerações que a parte possa tecer podem influenciar a decisão da causa – podendo, por isso, representar uma nulidade processual à luz do art. 201º nº 1 do CPC, com consequências anulatórias dos termos subsequentes.
Pelo que não pode deixar de se seguir a corrente jurisprudencial consolidada neste Supremo Tribunal, segundo a qual, para garantir o contraditório, a notificação do parecer do Ministério Público só tem de existir quando, sem essa notificação, fique prejudicada para uma das partes a ampla discussão de todos os fundamentos em que a decisão se possa basear, sendo injustificada a notificação quando no parecer não seja suscitada ou abordada qualquer questão nova.
Desta forma, a apreciação sobre a necessidade de notificar o aludido parecer tem de ser efectuada caso a caso, pois só assim é possível descortinar se a falta teve como consequência a postergação do princípio do contraditório, por se ter decidido uma questão sem que tenha sido possível à parte em quem se repercutem os respectivos efeitos negativos pronunciar-se sobre ela.
No caso vertente, e como muito bem refere o Digno Magistrado do Ministério Público junto do STA no douto parecer acima referido, resulta da sentença recorrida que a decisão de absolvição da instância da Fazenda Pública foi tomada com base na ocorrência de erro na forma de processo, por se ter julgado que a reclamação prevista no art. 276º do CPPT não era meio idóneo para impugnar o acto de reversão, mas sim o processo de oposição à execução, e por se ter concluído pela inadmissibilidade da convolação, por já ter decorrido o prazo para oposição. E da leitura da contestação oferecida pela Fazenda Pública resulta que esta invocara precisamente essa excepção de erro na forma de processo e a inadmissibilidade de convolação por intempestividade — arts. 26 e segs. da contestação.
Contestação que foi notificada à Reclamante, que teve, assim, oportunidade de se pronunciar sobre tal excepção. Pelo que o parecer do Ministério Público nada inova em relação ao que fora invocado pela Fazenda Pública; isto é, o Ministério Público não só não se pronunciou sobre questão nova, como não invocou outros elementos que não tivessem sido já invocados pela Fazenda Pública.
Assim sendo, afigura-se-nos que a inviabilização da pronúncia da Reclamante sobre o parecer do Ministério Público não influiu no exame ou decisão da causa e, nessa medida, não produz nulidade ao abrigo do nº 1 do artigo 201º do CPC.
Termos em que improcedem as conclusões da Recorrente sobre nulidade em análise.

3.2. Quanto ao erro de julgamento.
Segundo o Recorrente, a decisão recorrida padece de erro de julgamento, porquanto a reclamação prevista no art. 276º do CPPT constitui o meio processual adequado e próprio para reagir contra o despacho do órgão de execução fiscal que lhe indeferiu o pedido que formulou na execução no sentido de ser declarada a nulidade do acto de reversão e a nulidade do acto de citação.Na sua perspectiva, a invocação dessas nulidades, ocorridas no processo de execução, deviam ser, como foram, suscitadas nesse processo e aí apreciadas pelo respectivo órgão de execução, com dedução de reclamação da respectiva decisão para tribunal, uma vez que, inclusive, nem se encontram legalmente previstas como fundamento de oposição à execução.
No que lhe assiste inteira razão.
Na verdade, e conforme se alcança da petição inicial de reclamação apresentada pelo Reclamante, ora Recorrente, este atacou através deste meio processual o despacho do órgão de execução fiscal que lhe indeferiu o pedido de nulidade do acto de reversão e de nulidade do acto da citação, nulidades que invocara perante o órgão da execução e que alicerçara no facto de esses actos terem ocorrido em momento posterior à declaração da sua insolvência, isto é, num momento em que a execução devia já estar suspensa em razão da declaração de insolvência, e violarem, por isso, o disposto no art. 88º do CIRE e no art. 180º do CPPT. E com este meio processual pretende obter a “revogação” desse despacho de indeferimento que constitui o objecto da reclamação – cfr. pedido formulado na parte final da petição.
Ora, como se sabe, o erro na forma de processo, contemplado no art. 199º do CPC, consiste em ter o autor usado de uma forma processual inadequada para fazer valer a sua pretensão, pelo que o acerto ou o erro na forma de processo se tem de aferir pelo pedido formulado na acção (Cfr., entre tantos outros, RODRIGUES BASTOS, in “Notas ao Código de Processo Civil”, 3ª ed., 1999, pág. 262; ANTUNES VARELA, in RLJ 115, pág. 245 e segs; Acórdão do STJ de 12/12/2002, no Rec. nº 3981/02, in Sumários, 12/2002.).
Quer isto dizer, que a correcção ou incorrecção do meio processual empregue pelo autor (nomeadamente no que concerne ao tipo de acção por si escolhido para atingir o fim por si visado) afere-se pela pretensão de tutela jurisdicional que o mesmo pretende atingir; e a inadequação ou inidoneidade do meio processual utilizado consiste, precisamente, na discrepância ou desarmonia entre a espécie processual de que se lançou mão e o propósito que, com ela, processualmente se visava atingir.
Deste modo, lida a petição e o pedido formulado na reclamação, verifica-se que o executado utilizou o meio processual próprio para atacar a legalidade do despacho do órgão da execução, pois que a reclamação se destina, precisamente, a controlar a legalidade dos actos praticados pelo órgão da administração tributária no processo de execução fiscal, constituindo um misto de recurso contencioso (por se tratar do controlo de um acto de um órgão administrativo por parte do tribunal) e de recurso jurisdicional (na medida em que o acto controlado pelo tribunal é um acto praticado num processo judicial), visando a apreciação da legalidade do concreto acto sindicado tal como ele ocorreu, com vista à declaração da sua invalidade ou anulação.
Pelo que se nos afigura totalmente incorrecta a decisão proferida em 1ª instância no sentido de que o meio processual adequado ao pedido do reclamante era a oposição à execução fiscal. E a eventual circunstância de as causas de pedir gizadas não constituírem, porventura, fundamentos válidos para determinar a anulação do despacho reclamado não constitui motivo para se dar por verificado o erro na forma de processo, mas, antes, motivo para a improcedência do pedido.
Impunha-se, por isso, ao Mmº Juiz analisar a legalidade do acto reclamado, averiguando se ele padece ou não, face à fundamentação nele aduzida, das ilegalidades que o Reclamante lhe imputa.
Termos em que procedem, neste aspecto, as conclusões da Recorrente

Face ao provimento do recurso e consequente revogação da sentença recorrida, coloca-se a questão da possibilidade de conhecimento, em substituição, dos fundamentos que integram a causa de pedir da reclamação.
Tal conhecimento em substituição, que encontra previsão no nº 2 do artigo 665º do actual Código de Processo Civil (aplicável ao recurso de revista face à norma especial constante do art. 679º desse diploma legal), pressupõe que o tribunal de recurso disponha de base factual suficiente para poder aplicar definitivamente o regime jurídico adequado ou, então, que se encontre em condições de fixar, ele próprio, a matéria de facto que considere relevante para o conhecimento do mérito da causa.
Ora, tendo em conta que o Supremo Tribunal Administrativo dispõe de poderes de cognição limitados a matéria de direito, não podendo substituir-se ao tribunal recorrido na fixação da matéria de facto, e tendo em conta que o probatório da sentença não contém todos os elementos factuais que podem relevar face às várias soluções plausíveis de direito - ignorando-se, designadamente, se a insolvência do reclamante o foi com carácter pleno ou com carácter restrito ou limitado (A declaração de insolvência com carácter limitado e não tendo sido requerido o complemento da sentença, não desencadeia a generalidade dos efeitos que normalmente lhe estão ligados ao abrigo das normas do CIRE, mantendo-se o devedor na administração e disposição do património que exista, não determinando a suspensão de quaisquer diligências executivas, e não obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência.) - decide-se não entrar no conhecimento do mérito da reclamação, devendo os autos baixar ao TAF do Porto para que aí seja proferida nova decisão após fixação do necessário probatório, se a tal nada mais obstar.

4. Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e determinar a baixa dos autos ao tribunal de 1.ª instância para que aí seja proferida nova decisão após fixação do necessário probatório, se a tal nada mais obstar.

Sem custas.
Lisboa, 30 de Outubro de 2013. – Dulce Neto (relatora) – Isabel Marques da Silva – Pedro Delgado.