Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0148/23.3BALSB
Data do Acordão:01/24/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P31827
Nº do Documento:SAP202401240148/23
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:BANCO 1...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

[ tramo 1 ]

A autoridade tributária e aduaneira (AT), com base no estatuído pelos artigos (arts.) 25.º n.ºs 2 a 4 e 26.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAMT).) e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), dirigiu, ao Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, recurso, para uniformização de jurisprudência, da decisão (colegial), proferida no âmbito de pedido de pronúncia arbitral, formulado no processo n.º 770/2022-T, do Centro de Arbitragem Administrativa (caad) (Onde, em 2 de julho de 2023, se decidiu: «
(i) Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;
(ii) Anular o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa;
(iii) Anular parcialmente os actos de liquidação de AIMI, com referência aos anos de 2019 e 2020, no montante de 195.340,29€;
(iv) Julgar procedente o pedido de reembolso e condenar a Autoridade Tributária Aduaneira a pagar à Requerente a quantia que for determinada em execução de sentença;
(v) Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios e absolver a Requerida deste pedido. »).
Imputa-lhe contradição/oposição, com o acórdão, do STA (Pleno da Secção de Contencioso Tributário), datado de 23 de fevereiro de 2023 (e transitado em julgado no dia 9 de março de 2023 – cf. informação prestada a fls. 561 do processo n.º 50/23.9BALSB.), exarado no processo n.º 102/22.2BALSB.

A recorrente (rte) alegou e concluiu: «

A. O Recurso Para Uniformização de Jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o STA, no caso concreto, proceder à anulação da decisão recorrida e realizar nova apreciação da questão em litígio quando suscitada e demonstrada tal contradição, firmando e consolidando o sentido do julgamento acertado desta matéria.

B. Para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos suscetível de recurso por oposição, é necessário que: i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas; ii) haja identidade na questão fundamental de direito; iii) se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e iv) a oposição decorra de decisões expressas e não apenas implícitas e v) que a orientação perfilhada na decisão recorrida não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo

C. No caso vertente, verificam-se cumpridos os requisitos para que se tenha por verificada a alegada oposição entre a Decisão arbitral n.º 770/2022-T, de 02.07.2023 e o Acórdão fundamento n.º 102/22.2BALSB, de 23.02.2023

D. Ao contrário do defendido pelas Recorridas, entre a Decisão Recorrida e o Acórdão fundamento existe uma manifesta e evidente identidade de situações de facto.

E. Em ambas as decisões está em causa:

i. Uma decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pelo contribuinte;

ii. A arguição da ilegalidade dos atos de liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre os Imóveis (IMI) com base em vícios próprios do valor patrimonial tributário;

iii. As ilegalidades das liquidações impugnadas foram sustentadas na ilegalidade da fixação do valor patrimonial tributário (VPT) de terrenos para construção;

iv. Em ambos os casos o contribuinte não requereu, aquando da notificação do resultado da 1.ª avaliação, a 2.ª avaliação.

v. As ilegalidades das liquidações impugnadas foram sustentadas na ilegalidade da fixação do valor patrimonial tributário de terrenos para construção;

F. Entre a Decisão Recorrida e o Acórdão fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto, pois em ambas as situações os vícios do VPT foram arguidos na impugnação da legalidade do ato de liquidação.

G. Ou seja, ambos as decisões versam sobre situações fáticas que preenchem a mesma hipótese normativa, isto é, concretizem a mesma fattispécie legal, conforme entendimento veiculado pelo acórdão do STA proferido a 2010.12.07 no âmbito do processo n.º 0511/06,

H. Por outro lado, as decisões em confronto pronunciam-se sobre a mesma questão fundamental de direito.

I. Enquanto que no Acórdão fundamento se considera que os eventuais vícios do valor patrimonial tributário apenas podem ser invocados na sua impugnação e já não na impugnação da liquidação que com base no valor resultante da avaliação vier a ser efetuada.

J. Como bem refere o Acórdão Uniformizador de jurisprudência: “Não tendo sido impugnado judicialmente o resultado da segunda avaliação, nos termos previstos na lei, forma-se caso decidido ou resolvido sobre o valor da avaliação, pelo que esta não pode voltar a ser discutida”.

K. Em sentido oposto, o Acórdão recorrido vem preconizar o entendimento que ocorrendo os pressupostos para a aplicação do art. 78.º, n.º 4 da LGT, pode ser apreciado, no âmbito da impugnação da liquidação do imposto, o erróneo apuramento do valor patrimonial tributário.(…).”

L. A decisão recorrida colide diretamente com o Acórdão uniformização de jurisprudência que proferiu um entendimento absoluto e definitivo sobre a preclusão da invocação de vícios específicos do VPT.

M. No caso em apreço, não tendo sido colocado em causa o valor patrimonial obtido pela 1.ª avaliação, requerendo uma 2.ª avaliação, o mesmo fixou-se, não sendo possível conhecer na posterior liquidação, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação.

N. Pelo deve aplicar-se a jurisprudência uniformizada o sentido de, havendo preclusão do pedido de segunda avaliação, o pedido de revisão oficiosa do sujeito passivo não afasta a regra da inadmissibilidade de arguição da ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade do cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável.

O. Sendo absolutamente clara a vigência desta regra mesmo nos casos em a impugnação é precedida por um pedido de revisão oficiosa como, aliás, se verificava na situação analisada naquele Acórdão.

P. Em suma, entre o Acórdão recorrido e a Acórdão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre as mesmas questões fundamentais de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo acórdão que decida definitivamente a questão controvertida nos termos do entendimento e fundamentação propugnada no Acórdão fundamento que uniformizou a jurisprudência.

Termos em que deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser aceite e posteriormente julgado procedente, por provado, sendo, em consequência, nos termos e com os fundamentos acima indicados revogada a decisão arbitral recorrida e substituída por outra consentânea com o quadro jurídico vigente como é de Direito e Justiça. »


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Por despacho do relator, foi o recurso admitido com efeito suspensivo, nos termos do art. 26.º n.º 1 do RJAMT.

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A recorrida [Banco 1..., S.A., … ] contra-alegou e elencou estas conclusões: «

A. A Recorrente vem, nos presentes autos, requerer a revogação da Decisão Arbitral Recorrida proferida no processo n.º 770/2022-T em virtude de a mesma, alegadamente, se encontrar em oposição com “o Acórdão de uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA), proferido no processo n.º 102/22.2BALSB, de 23.02.2023”, o Acórdão Fundamento.

B. Neste sentido, alega a Recorrente que, verificando-se uma identidade substancial da situação fática em causa em ambas as decisões, há contudo uma “contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, o que, naturalmente, leva à adoção de soluções opostas expressas”.

C. Contudo, não deve o presente recurso merecer provimento, não podendo proceder a pretensão da Recorrente.

D. Nos termos do regime legal aplicável (n.º 2 do artigo 25.º do RJAMT e artigo 152.º do CPTA), verifica-se uma efetiva oposição de acórdãos, passível de recurso, sempre que se encontrem preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos: i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas, ii) haja identidade na questão fundamental de direito, iii) se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta.

E. Contudo, ao contrário do quanto foi alegado pela Recorrente, não se verifica uma identidade substancial entre as situações de facto em causa nos arestos aqui convocados.

F. De facto, resulta clara e inequivocamente dos dois arestos aqui contrapostos, bem como da factualidade descrita no Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado pela Recorrida que os terrenos para construção por ela detidos, e sobre os quais foi contestado o montante suportado em sede de AIMI, não sofreram reavaliações nos cinco anos anteriores da sindicância das liquidações de AIMI.

G. Com efeito, e como fica demonstrado no Acórdão Fundamento, a requerente no processo arbitral objeto de tal Acórdão procedeu à reavaliação dos terrenos para construção dos quais era proprietária nos anos de 2019 e 2020, como tal, há menos de cinco anos da sindicância das liquidações de AIMI (imposto sindicado no referido Acórdão Fundamento).

H. Como tal, sendo o último período de reavaliação dos respetivos terrenos para construção distintos entre os dois arestos aqui convocados, o mesmo merece uma análise (e conclusão) distinta da prolatada por esse Digníssimo Tribunal.

I. Ademais, tenha-se presente a conclusão alcançada pelo Tribunal Arbitral na Decisão aqui Recorrida, debruçando-se o mesmo sobre a aplicação à Recorrida de uma injustiça grave ou notória, uma vez que os erros da AT “conduziram ao apuramento de valores patrimoniais dos terrenos para construção não correspondentes ao legalmente previsto no artigo 45º do CIMI”.

J. Nesta senda, conclui o Tribunal Arbitral estarmos perante liquidações “desproporcionalmente superiores aos legalmente exigíveis, o que se traduz em “injustiça grave ou notória”, ficando, deste modo, preenchidos os requisitos exigidos pelo nº 4 do artigo 78º da LGT”.

K. Assim se demonstra, reiteradamente, a falta de identidade existente entre as duas Decisões aqui em confronto, uma vez que não se pronunciou o STA sobre a aplicação do n.º 4 do artigo 78.º da LGT.

L. Deste modo, fica demonstrado de forma clara e inequívoca a falta de identidade fáctica dos dois arestos aqui em confronto.

M. Ademais, ainda que assim não fosse, note-se que, no âmbito do contencioso tributário, vigora o princípio geral da impugnação unitária que, nos termos do artigo 54.º do CPPT.

N. Procedimento este que poderá ser constituído por vários atos preparatórios, interlocutórios ou intermédios praticados pela Administração Fiscal com vista à emissão do ato definitivo deste procedimento (i.e. do ato decisório que conclui o procedimento tributário realizado), regra geral, só o ato final e definitivo de um procedimento tributário é que será passível de ser impugnado / reclamado pelo contribuinte através dos meios graciosos e / ou judiciais que sejam previstos na lei, na medida em que só esse ato atinge ou lesa, de forma imediata, a esfera jurídica do contribuinte, tal como explanado no Acórdão Fundamento aqui sob escrutínio.

O. Porém, o n.º 1 do artigo 66.º da LGT prevê, relativamente aos atos interlocutórios (conforme epígrafe deste artigo), que os “contribuintes e demais interessados podem, no decurso do procedimento, reclamar de quaisquer atos ou omissões da administração tributária” – i.e. os atos interlocutórios poderão ser impugnados administrativamente através de meio de contencioso administrativo.

P. Importa realçar que mesmo esta suscetibilidade de impugnação administrativa dos atos interlocutórios de um determinado procedimento tributário nos termos do n.º 1 do artigo 66.º da LGT, não impede que os interessados possam “recorrer ou impugnar a decisão final [daquele mesmo procedimento] com fundamento em qualquer ilegalidade” (…), conforme o disposto no n.º 2 deste artigo 66.º.

Q. Neste contexto, efetivamente a própria legislação procedimental e processual em matéria tributária prevê exceções ao princípio da impugnação unitária acima referido.

R. Tal regime de exceção é logo referido na própria disposição normativa que consagra o princípio em apreço – artigo 54.º do CPPT -, determinando que os atos preparatórios ou interlocutórios poderão ser objeto de impugnação contenciosa (nomeadamente judicial) quando (i) estes atos “forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte” – os atos imediatamente lesivos – ou (ii) exista “disposição expressa em sentido diferente” que preveja a suscetibilidade de impugnação direta e autónoma de atos preparatórios ou interlocutórios – designados na doutrina como “atos destacáveis”.

S. Um dos exemplos de atos destacáveis – i.e. atos interlocutórios do procedimento tributário suscetíveis de impugnação autónoma (face ao ato final) – é o ato de fixação do valor patrimonial tributário de bens imóveis nos termos das regras de avaliação estabelecidas no Código do IMI.

T. De facto, relativamente à avaliação / fixação da matéria coletável, em termos gerais, o artigo 86.º da LGT e o artigo 134.º do CPPT preveem a possibilidade de impugnação contenciosa direta dos atos de avaliação ou fixação da matéria coletável, concretamente dos atos de fixação dos valores patrimoniais.

U. Face ao exposto, e considerando a suscetibilidade de impugnação autónoma de atos preparatórios ou interlocutórios do procedimento tributário (nomeadamente dos atos de fixação de valores patrimoniais tributários dos bens imóveis objeto de IMI, bem como de AIMI, nos termos das regras de avaliação estabelecidas no Código deste imposto), surge a questão jurídica de se saber se um contribuinte / sujeito passivo que não tenha efetuado a impugnação / reclamação dos atos preparatórios ou interlocutórios em apreço, ficará ou não impossibilitado de vir a contestar / reclamar / impugnar o ato final / definitivo daquele procedimento tributário (nomeadamente o ato tributário de liquidação de AIMI) com fundamento em vícios e/ou ilegalidades que afetem os atos preparatórios ou interlocutórios daquele ato final (e que, consequentemente, também afetem o próprio ato final do procedimento tributário).

V. Na opinião da Recorrida, tal posição constituiria uma violação crassa do princípio da tutela jurisdicional efetiva, ao impedir um contribuinte de reclamar / impugnar / contestar um ato tributário de liquidação de um tributo - ato este que produz efeitos lesivos na esfera jurídica deste contribuinte, razão esta que deveria ser tida como assaz suficiente para a sua impugnabilidade -, pelo mero facto do contribuinte não ter se socorrido de uma prévia contestação do ato interlocutório, passível de impugnação autónoma nos termos das exceções ao princípio da impugnação unitária, do qual se originou a ilegalidade que vicia o ato de liquidação.

W. Pelo que ficou exposto, resulta evidente que inexiste (a alegada) identidade factual entre o Acórdão Fundamento e a Decisão Arbitral aqui Recorrida, razão que impede o presente recurso de proceder.

Nestes termos, e nos demais de Direito que Vossas Excelências Venerando Juízes Conselheiros doutamente suprirão, deverá o Recurso em apreço ser dado como improcedente, por não provado e, em consequência, deverá ser mantida na ordem jurídica a Decisão Arbitral proferida pelo Tribunal a quo, tudo com as legais consequências. Fazendo-se assim a sã e costumada justiça! »


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O Exmo. magistrado do Ministério Público, notificado, emitiu pronúncia, nos termos e para os efeitos do art. 146.º n.º 1 do CPTA, defendendo que “não estão reunidos os requisitos para a admissão do presente recurso para uniformização de jurisprudência previsto nos artigos 25.º, n.º 2 do RGAT e 152.º do CPTA, pelo que somos do parecer que o mérito do mesmo não deve ser conhecido”.

*

Cumpridas as formalidades legais, compete-nos decidir.

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[ tramo 2 ]

A decisão arbitral recorrida efetuou julgamento factual, da forma que se transcreve: «

Perante os documentos aportados ao processo, da factualidade aceite pelas partes, e do “mapa” junto pela AT, consideram-se provados os seguintes factos;

a. A Requerente, nos anos de 2019 e 2020 era proprietária de vários prédios, incluindo terrenos para construção melhor identificados nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral cujos teores se dão como reproduzidos ;

b. A Requerente foi notificada dos seguintes atos tributários de liquidação de AIMI:

i. Liquidação com o nº ...95, respeitante ao ano de 2019, no montante total de € 1.226.181,53,

ii. Liquidação com o nº ...00, referente ao ano de 2020, no montante total de € 977.696,51 melhor identificadas sob o documento nº 3, junto do o pedido de pronúncia arbitral,

c. Em parte, as liquidações de IMI e AIMI subjacentes tiveram por base, para efeitos de determinação do valor tributável e dos correspondentes impostos a pagar pela Requerente, os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, valores estes que estavam fixados segundo a fórmula adoptada à data pela AT, a qual considerava a aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afectação e/ou (iii) de qualidade e conforto, bem como a aplicação da majoração de 25% relativa ao valor do metro quadrado do terreno de implantação constante no nº 1 do artigo 39º do Código do IMI,

d. Em 20 de Julho de 2022 a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa com vista à anulação (parcial) do acto tributário do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis nº 2019.7197695 e nº 2020.45565000, referentes aos anos de 2019 e 2020, no montante global de 195.340,29 €,

e. O pedido de revisão oficiosa não foi decidido até 2022-12-13, data em que a Requerente dirigiu ao CAAD pedido de constituição de Tribunal Arbitral, que deu origem ao presente processo.

f. A Requerente pagou as quantias liquidadas. »

No acórdão fundamento, consta: «

2.1. Na decisão arbitral recorrida consta o seguinte julgamento da matéria de facto:

«Com base nos elementos que constam do processo (processo administrativo, factos consensualizados pelas partes e documentos incorporados nos autos e que não foram impugnados), consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:

a. No âmbito da sua atividade, o Requerente é proprietário de diversos prédios, incluindo terrenos para construção, tendo sido notificado dos seguintes atos tributários de liquidação de AIMI:

§ Liquidação com o n.º ...08, referente ao ano 2017, no montante total de € 4.025.291,53;

§ Liquidação com o n.º ...33, referente ao ano 2018, no montante total de € 4.054.699,52;

§ Liquidação com o n.º ...85, referente ao ano 2019, no montante total de € 3.580.298,52;

§ Liquidação com o n.º ...02, referente ao ano 2020, no montante total de € 2.979.749,57.

b. O Requerente procedeu ao pagamento, integral e atempado, das respetivas liquidações de AIMI supra identificadas, conforme informação disponível no Portal das Finanças;

c. As sobreditas liquidações foram processadas com base nos VPT’s que à data de 1 de janeiro de cada um dos anos (2017, 2018, 2019 e 2020) constavam das respetivas matrizes... d. ... e fixados entre 2008 e 2017 (Doc 4, com o PPA);

e. Em parte, as liquidações de AIMI sub judice tiveram por base, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de AIMI a pagar pelo Requerente, os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção...f. ... e que haviam sido fixados segundo a fórmula adotada à data pela AT, a qual considerava a aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afetação e / ou (iii) de qualidade e conforto, conforme demonstrado nas respetivas cadernetas prediais urbanas;

g. Os citados prédios são os terrenos para construção identificados na seguinte Tabela, elaborada pelo Requerente e junta aos autos (Doc 6, com o PPA) e que espelham os VPT’s que constavam da matriz respetiva em 1 de janeiro de cada um dos anos a que respeitam:

IMAGEM

h. Em 25/05/2021 o Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa das liquidações ora impugnadas alegando errónea aplicação dos coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e conforto no cálculo do VPT dos terrenos para construção;

i. A 12/10/2021 o Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral com fundamento na ilegalidade do cálculo do Valor Patrimonial Tributários(VPT) que esteve na base do cálculo das liquidações impugnadas.

j. A AT veio corrigir o cálculo e a fixação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, deixando de aplicar os sobreditos coeficientes [conforme resulta das notificações de (re)avaliação efetuadas em 2019 e 2020 - Documento 5 que junta em anexo com o PPA];

k. - Não se conformando com a posição da AT quanto aos atos tributários de liquidação de AIMI sub judice, o Requerente apresentou, no dia 25 de Maio de 2021 (cf. Documento 1 e 3), ao abrigo do disposto no artigo 78.º da LGT, correspondente pedido de revisão oficiosa destes atos tributários;

l. – O referido pedido de revisão oficiosa considerou-se tacitamente indeferido, por inércia da AT em emitir uma decisão dentro do prazo de 4 meses previsto no n.º 1 do artigo 57.º da LGT.

A.2. Factos não provados

Não ficou demonstrado:

- que o Requerente tivesse impugnado ou reclamado dos VPT´s que serviram de base às liquidações documentadas e impugnadas.»

2.2. Na decisão arbitral fundamento consta o seguinte julgamento da matéria de facto:

«9. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes:

A) A Requerente é uma sociedade anónima, tendo como objeto social a promoção, desenvolvimento e participação em projetos e investimentos imobiliários no sector de turismo, compra e venda de imóveis, bem como revenda, a construção e arrendamento de imóveis;

B) No âmbito dessa atividade é proprietária de diversos prédios, incluindo terrenos para construção, situados na freguesia de ... do município de Óbidos;

C) A Requerente foi notificada dos atos tributários de liquidação de AIMI n.ºs 2017... e 2017 ..., referentes ao ano 2017, no montante total de € 169.133,92, n.ºs 2018 ... e 2018..., referentes ao ano 2018, no montante total de € 160.021,80, n.º 2019 ..., referente ao ano 2019, no montante de € 168.528,65 e n.º 2020 ..., referente ao ano 2020, no montante de € 157.270,15;

D) Em parte, as liquidações tiveram por base, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de AIMI a pagar, os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção de que a Requerente era titular, calculados segundo a fórmula de cálculo prevista no artigo 38.º do Código do IMI, que considerava a aplicação de coeficientes de afetação, de localização, e de qualidade e conforto;

E) As avaliações foram realizadas em 2015 a 2016, e a Requerente não solicitou uma segunda avaliação, nos termos do disposto no artigo 76.º, n.º 1, do Código do IMI, nem impugnou jurisdicionalmente os atos de avaliação direta;

F) Os atos de liquidação impugnados constam do documento 7 junto com o pedido arbitral, que aqui se dá como reproduzido, resultando um valor de AIMI a pagar no montante de € 220 080,63;

G) Na sequência da jurisprudência reiterada do STA no sentido da inaplicação, para efeito da determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos de construção, dos coeficientes de afetação, de localização e de qualidade e conforto, a Autoridade Tributária, no decorrer do ano 2020, corrigiu a fórmula de cálculo aplicável a esses prédios, deixando de aplicar esses coeficientes;

H) A Requerente procedeu ao pagamento atempado dos atos de liquidação de AIMI;

I) Em 13 de Julho de 2021, a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa contra os atos de liquidação a que se refere a antecedente alínea F);

J) O pedido de revisão oficiosa não foi apreciado no prazo legalmente cominado, considerando-se com tacitamente indeferido em 22 de novembro de 2021;

L) O pedido arbitral deu entrada em 20 de dezembro de 2021. »


***

As questões, que o presente recurso coloca sob a nossa jurisdição (em destaque agregador, respeitantes à admissibilidade do mesmo/verificação do preenchimento dos respetivos requisitos substantivos (Destaca-se que o acórdão fundamento é comum, o mesmo nos dois processos.) e, sequentemente, ao mérito da pretensão da rte), foram, todas, objeto de discussão, análise, valoração e veredicto, no acórdão Entre outros., do STA, de 25 de outubro de 2023, no processo n.º 47/23.9BALSB, votado, unanimemente, por todos os Juízes Conselheiros integrantes da Secção de Contencioso Tributário, no âmbito, como in casu, de recurso para uniformização de jurisprudência.

Neste cenário, de total unanimidade, sucessivamente repetida, em obediência ao disposto no art. 8.º n.° 3 do Código Civil (CC), porque concordamos, continuada e integralmente, com o que, ali, ficou decidido e respetivos fundamentos, remetemos para a fundamentação jurídica, adotada no aresto acabado de convocar, como suporte da decisão que se seguirá.

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[ tramo 3 ]

Portanto, em conferência, no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos:

- admitir e conhecer do mérito deste recurso para uniformização de jurisprudência;

- anular a decisão arbitral visada.


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Custas a cargo da recorrida.

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Não procedemos à junção de cópia do acórdão remetido, porque, além do mais, se encontra disponível no sítio www.dgsi.pt (com acesso livre).

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Comunique-se ao caad.

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[texto redigido em meio informático e revisto]

Lisboa, 24 de Janeiro de 2024. – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – José Gomes Correia – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Anabela Ferreira Alves e Russo – Fernanda de Fátima Esteves.