Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01182/12
Data do Acordão:01/29/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:NULIDADE DE SENTENÇA
ANULAÇÃO DA VENDA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I – A nulidade da sentença resultante da falta de fundamentação apenas se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos, e não quando a justificação seja apenas deficiente.
II – A posse do promitente comprador não configura a existência de um ónus real e não constitui fundamento de anulação de venda enquadrável na previsão do artº 257º do Código de Procedimento e Processo Tributário, não sendo o mesmo titular de interesse relevante que lhe confira legitimidade para deduzir tal pretensão.
Nº Convencional:JSTA00068565
Nº do Documento:SA22014012901182
Data de Entrada:11/05/2012
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LEIRIA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT
Legislação Nacional:CPC ART909 ART668 N1 B.
CPPTRIB99 ART257 N1 A C.
CPC96 ART203 N1 A B.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC025/11 DE 2011/08/08.; AC STA PROC0249/11 DE 2011/04/06.
Referência a Doutrina:JORGE LOPES DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLIV PAG175.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – A……………….., melhor identificado nos autos, vem recorrer para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que absteve de conhecer, por intempestividade, de incidente de anulação de venda de imóvel penhorado deduzido ao abrigo do disposto no artº 257º do Código de Procedimento e Processo Tributário, e absolveu a Fazenda Pública da instância.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«1 - Não concorda o ora recorrente com a fundamentação apresentada na mui douta decisão da qual se recorre nem com a referida sentença final.
2 - A mui douta sentença da qual se recorre é NULA, ao abrigo do disposto no art.668°, N° 1 al. b) do CPC, quando refere que “atento o pedido e a causa de pedir, por exclusão, poderá ter enquadramento no art. 909° do CPC, consequentemente, o prazo de interposição da acção é-nos dado pela al. c) do supra referido art. 257° do CPPT, por conseguinte 15 dias.”
3 - Sendo que o Mm° Juiz “Ad Quo” não é explícito quando faz o enquadramento do pedido e da causa de pedir, apenas referindo que por exclusão poderá ter enquadramento no art. 909° do CPC, ficando no ar a dúvida se outro artigo do citado Código ou de outro Código poderia ser aplicado ao caso em apreço,
4 - Tal como ao tentar enquadrar o pedido e a causa de pedir no citado art. 909° do CPC, não faz qualquer menção a qual das alíneas seria de aplicar aos presentes autos.
5 - O art. 668°, N° 1 al. b) do CPC prevê que é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
6 - Pelo que desde logo deverá ser declarada a nulidade da mui douta sentença da qual se recorre, ao abrigo do citado art. 668°, N° 1 al. b) do CPC.
7 - Não poderia o Mm° Juiz “Ad Quo” enquadrar o pedido e a causa de pedir no art. 909° do CPC (sendo certo que a única alínea que aqui poderia ter aplicação seria a alínea d).
8 - O ora recorrente apresentou-se como possuidor desde 24 de Dezembro de 2001 até à presente data, sem qualquer interrupção, do imóvel objecto dos autos de execução fiscal e foi nessa qualidade que interpôs a acção de anulação da venda do citado imóvel e não como proprietário do citado imóvel.
9 - A POSSE é um direito ou um ónus real, prevista nos arts. 1251° e seguintes do Código Civil
10 - O art. 1264°, N° 1 do Código Civil prevê que se o titular do direito real, que está na posse da coisa, transmitir esse direito a outrem, não deixa de considerar-se transferida a posse para o adquirente, ainda que, por qualquer causa, aquele continue a deter a coisa.
11 - Com a celebração do contrato-promessa de compra e venda no dia 24 de Dezembro de 2001, o titular do direito de propriedade do imóvel objecto dos presentes autos e que estava na posse do mesmo, transmitiu esse direito ao ora recorrente, pelo que não pode, ao abrigo daquele citado artigo 1264°, N° 1 do Código Civil, deixar de considerar-se transferida a posse para o ora recorrente, que a tem mantido desde então e de forma ininterrupta e sem qualquer tipo de oposição por parte do titular do direito de propriedade.
12 - O ora recorrente detém pois sobre o imóvel objecto dos presentes autos um ónus real que não foi tomado em consideração durante o processo de execução fiscal.
13 - O art. 257° N° 1 al. a) do CPPT prevê que a anulação da venda poderá ser requerida, no prazo de 90 dias, no caso de a anulação se fundar na existência de algum ónus real que não tenha sito tomado em consideração e não haja caducado.
14 - O art. 257°, N° 2 do CPPT prevê que o prazo contar-se-á da data da venda ou da que o requerente tome conhecimento do facto que servir de fundamento à anulação, competindo-lhe provar a data desse conhecimento.
15 - Resulta provado que o requerente teve conhecimento da venda do imóvel em 14/07/2011.
16 - O prazo para o ora recorrente interpor a acção de anulação da venda do imóvel penhorado era de 90 dias e não de 15 dias como consta da mui douta sentença da qual se recorre, por o mesmo ser detentor de um direito ou ónus real sobre o imóvel objecto dos presentes autos que não foi tomado em consideração e que não caducou.
17 - O art. 20°, N° 1 do CPPT prevê que os prazos do procedimento tributário e de impugnação judicial contam-se nos termos do artigo 279.° do Código Civil.
18 - O art. 20°, N° 2 do CPPT prevê que os prazos para a prática de actos no processo judicial contam-se nos termos do Código de Processo Civil.
19 - O art. 279°, al. b) do Código Civil prevê que na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia, nem a hora, se o prazo for de horas, em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr
20 - O art. 144°, N° 1 do CPC prevê que o prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de actos a praticar em processos que a lei considere urgentes.
21 - O art. 144°, N° 4 do CPC prevê que os prazos para a propositura de acções previstos neste Código seguem o regime dos números anteriores.
22 - As férias judiciais relevantes para a contagem do prazo dos presentes autos decorreram entre o dia 16 de Julho de 2011 a 31 de Agosto de 2011.
23 - O ora recorrente teve conhecimento da venda do imóvel penhorado do qual é possuidor no dia 14/07/2011.
24 - O prazo de 90 dias para propor acção de anulação da venda do imóvel penhorado começou a correr no dia 15/07/2011, tendo-se interrompido no dia 16/07/2011 por ser o início das férias judiciais que decorreram até ao dia 31/08/2011.
25 - Continuou o referido prazo a contar-se a partir do dia 01/09/2011, sendo que o mesmo terminaria no dia 28/11/2011.
26 - A acção de anulação da venda do imóvel penhorado foi proposta no dia 25/10/2011, ou seja, no 56° dia do prazo,
27 - Pelo que a mesma foi tempestivamente apresentada em juízo.
28 - Não poderia pois, o Mmº Juiz “Ad Quo” decidir por se abster de conhecer o pedido e absolver a Fazenda Pública da instância.
29 - Com a mui douta sentença da qual se recorre foram violados o artigo 668°, N° 1, al. b), artigo 144°, N°1 e N°4 do CPC, artigo 279°, al. b), artigo 1251° a 1286° do Código Civil, artigo 20°, N° 1 e N° 2 e artigo 257°, N° 1, al. a) e N° 2 do CPPT.»

2 – A Fazenda Pública não apresentou contra alegações.

3 – O Exmº Procurador-geral Adjunto emitiu parecer com a seguinte fundamentação:
«Recorrente: A……………….
Objecto do recurso: decisão absolutória da Fazenda Pública da instância de anulação de venda efectuada em processo de execução fiscal
FUNDAMENTAÇÃO
1. Nulidade da sentença
Inexiste a arguida nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão (art. 125° no CPPT):
- a fundamentação de facto consta da factualidade relevante (II. Saneador fls. 150);
- a fundamentação jurídica está explicitamente enunciada (art.257° n°1 al. c) CPPT quanto ao prazo para o requerimento de anulação da venda; art.909° CCivil quanto ao fundamento do pedido de anulação)
A eventual incorrecção da fundamentação jurídica determina erro de julgamento mas não nulidade que inquine a validade da decisão como acto jurisdicional.
2. Como fundamento do requerimento para anulação da venda foi invocada a posse do imóvel vendido por terceiro, radicada na celebração de contrato-promessa de compra e venda com pagamento parcial do preço.
A posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real de gozo (art. 1251° CCivil) Não se verifica fundamento subsumível a qualquer das situações previstas no Código de Processo Civil (art.909°), nas quais apenas o executado e o terceiro reivindicante dispõem de legitimidade processual.
Em abstracto o fundamento invocado poderia subsumir-se à existência de ónus real desconsiderado na venda, conferindo ao interessado um prazo de 90 dias, após conhecimento da venda, para apresentação do requerimento (art.257° n°1 al. a) CPPT) No entanto para a sua invocação apenas o executado, preferente ou remidor são titulares de interesse relevante que lhes confere legitimidade processual.
(Cf para desenvolvimento da questão Jorge Lopes de Sousa Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado Volume IV 6ª edição 2011 pp.193/194)
A ilegitimidade constitui fundamento de absolvição da Fazenda Publica da instância (art. 288º nº1 al. e), 493º nº2 e 494º al. e) CPC/art. 2º al. e) CPPT).
Conclusão
O recurso não merece provimento.
A decisão impugnada deve ser confirmada (com a fundamentação supra enunciada).»

4 – Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5 – Em sede factual apurou-se em primeira instância a seguinte matéria:

1 – No âmbito do processo de execução fiscal nº 19292006010000578, instaurado no Serviço de Finanças de Abrantes contra B……………… por reversão da sociedade C……………… Lda, foi efectuada a penhora do prédio sito na ……………. – ……………. – ………….. – Lote …… Seixal – cfr consta do PA aqui em anexo.
2 – Por auto de adjudicação de 06/05/2011. Foi o referido imóvel vendido ao proponente de maior valor – D……………. – cfr. consta do PA aqui em anexo.
3 – O requerente teve conhecimento da venda do imóvel 14/07/2011 – conforme refere no ponto 21º da pi.
4 – Em 25/10/2011 deduziu o presente incidente de anulação de venda – cfr. fls. 2 dos autos.

6. Do objecto do recurso:
São duas as questões objecto do presente recurso:
a) Saber se a sentença recorrida padece de nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (artº 668º nº1 alínea b) do Código de Processo Civil);
b) Saber se a sentença sob recurso padece também de erro de julgamento ao considerar intempestivo o requerimento de anulação de venda absolvendo a Fazenda Pública da instância.

6.1 Da nulidade da decisão recorrida

Como se constata de fls. 149 e segs. a sentença recorrida, depois de ponderar que, nos termos do artº 257º nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a anulação da venda poderá ser requerida dentro do prazo de 90 dias, no caso de a anulação se fundar na existência de algum ónus real que não tenha sido tomado em consideração e não haja caducado ou em erro sobre o objecto transmitido ou sobre as qualidades por falta de conformidade com o que foi anunciado, ou no prazo de 30 dias, quando for invocado fundamento de oposição à execução que o executado não tenha podido apresentar no prazo da alínea a) do n.° 1 do artigo 203° e ou ainda no prazo de 15 dias, nos restantes casos previstos no Código de Processo Civil, considerou que o recorrente deduziu intempestivamente o pedido de anulação de venda.
Para chegar a tal conclusão considerou a sentença recorrida que “atento o pedido e a causa de pedir” o requerimento de anulação de venda poderá ter enquadramento, por exclusão, na previsão do artº 909º do CPC, sendo, consequentemente o prazo de interposição da acção o referido na al. c) do art. 257º do CPPT, ou seja 15 dias.
Não conformado com tal decisão alega o recorrente que este segmento da sentença não é explícito quando faz o enquadramento do pedido e da causa de pedir, apenas referindo que por exclusão poderá ter enquadramento no art. 909° do CPC, ficando no ar a dúvida se outro artigo do citado Código ou de outro Código poderia ser aplicado ao caso em apreço,
E que por outro lado, ao tentar enquadrar o pedido e a causa de pedir no citado art. 909° do CPC, a decisão recorrida não faz qualquer menção sobre qual das alíneas seria de aplicar aos presentes autos.
Prosseguindo neste discurso argumentativo conclui que a decisão recorrida padece de nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão - art. 668°, N° 1 al. b) do CPC
Entendemos porém que carece de razão, já que não se verifica a arguida nulidade.
Com efeito, como é jurisprudência assente, a nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto ou de direito só abrange a falta absoluta de motivação da própria decisão e não já a falta de justificação dos respectivos fundamentos; isto é, a nulidade só é operante quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão.
Já por outro lado a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, que afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade - cfr. Alberto dos Reis, CPC anotado, Vol. V, 140, bem como os Acórdãos desta secção do Supremo Tribunal Administrativo de 1/09/2010, recurso 653/10, 07.12.2010, recurso 1075/09 e de 02.03.2011, recurso 881/10, in www.dgsi.pt.
No caso subjudice é patente que na sentença recorrida estão bem explicitados os fundamentos de facto e de direito que se julgaram relevantes para a decisão proferida no sentido de se julgar intempestivo o requerimento de anulação de venda.
Como bem nota o Exmº Procurador-Geral Adjunto a fundamentação de facto consta da factualidade relevante (II. Saneador fls. 150) e a fundamentação jurídica está explicitamente enunciada com remissão para o art.257° n°1 al. c) Código de Procedimento e Processo Tributário, quanto ao prazo e para o art.909° do Código de Processo Civil quanto ao fundamento do pedido de anulação.
Ora o artº 257º, nº 1, al. c) do Código de Procedimento e Processo Tributário dispõe que a anulação da venda poderá ser requerida no prazo de 15 dias, nos restantes casos previstos no Código de Processo Civil sendo que o Mº Juiz a quo enquadrou o fundamento do pedido de anulação na previsão do artº 909º do Código de Processo Civil.
Tanto basta, atenta a redacção dos referidos preceitos legais, para que se possa concluir que, independentemente da pormenorização da alínea ou alíneas daquele artigo a que se refere tal subsunção, estará juridicamente fundamentada a decisão proferida no sentido de se julgar intempestivo o requerimento de anulação de venda, por se considerar que o fundamento invocado se integrava num dos “restantes casos previstos no Código de Processo Civil” (artº 257º, nº 1, al. c) do Código de Procedimento e Processo Tributário).

Improcederá, pois, a arguida nulidade.

6.2 Da intempestividade do requerimento de anulação de venda.
Como vimos sentença recorrida, depois de ponderar que “atento o pedido e a causa de pedir” o requerimento de anulação de venda poderá ter enquadramento, por exclusão, na previsão do artº 909º do CPC, sendo, consequentemente o prazo de interposição da acção o referido na al. c) do art. 257º do CPPT, ou seja 15 dias, concluiu que no caso resulta do probatório que o Requerente tomou conhecimento da venda do imóvel em 14/07/2011 e interpôs a acção em 25/10/2011, sendo portanto a mesma intempestiva.

Não conformado com tal decisão o recorrente argumenta que foi invocada, como fundamento do requerimento para anulação da venda, a posse do imóvel vendido por terceiro, radicada na celebração de contrato-promessa de compra e venda com pagamento parcial do preço.
E que dessa forma detém sobre o imóvel objecto de venda nos presentes autos um ónus real que não foi tomado em consideração durante o processo de execução fiscal.
Para concluir que o art. 257° n° 1 al. a) do CPPT prevê que a anulação da venda poderá ser requerida no prazo de 90 dias no caso de a anulação se fundar na existência de algum ónus real que não tenha sito tomado em consideração e não haja caducado, sendo esse o prazo aplicável à situação sub judice e não o prazo de 15 dias a que alude a sentença.
Neste contexto sustenta que a acção de anulação da venda do imóvel penhorado foi proposta no dia 25/10/2011, ou seja, no 56° dia do prazo, sendo tempestiva.
E que a sentença recorrida errou ao decidir por se abster de conhecer o pedido e absolver a Fazenda Pública da instância.

Vejamos, pois.
De harmonia com o disposto no artº 257º, nº 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário o prazo para requerer a anulação da venda conta-se a partir desta ou da data do conhecimento do facto que servir de fundamento ao pedido de anulação, cabendo ao requerente o ónus da prova da data desse conhecimento ou do trânsito em julgado da acção referida no n.° 3.
Como sublinha Jorge Lopes de Sousa no seu Código de Procedimento e Processo Tributário anotado, 6ª edição, vol. IV, pag. 175, este normativo é expressão de uma intenção legislativa de estabelecer um regime especial de invalidade das vendas operadas no processo de execução fiscal.
Este regime especial tem subjacente por um lado, o interesse público inerente à cobrança de receitas das entidades de direito público e, por outro, as garantias dos contribuintes em matéria de cobrança de tributos.
Os prazos para requerer a anulação de venda são determinados pelo nº 1 do já referido artº 257º do Código de Procedimento e Processo Tributário, sendo de 90 dias, no caso de a anulação se fundar na existência de algum ónus real que não tenha sido tomado em consideração e não haja caducado ou em erro sobre o objecto transmitido ou sobre as qualidades por falta de conformidade com o que foi anunciado (al. a), de 30 dias, quando for invocado fundamento de oposição à execução que o executado não tenha podido apresentar no prazo da alínea a) do n.° 1 do artigo 203° (al. b) e de 15 dias, nos restantes casos previstos no Código de Processo Civil.
Por sua vez a legitimidade para requerer a anulação de venda afere-se pelo fundamento que servir de base ao pedido.
No caso vertente o recorrente invocou como fundamento para a anulação da venda a posse do imóvel vendido por terceiro, radicada na celebração de contrato-promessa de compra e venda com pagamento parcial do preço.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto sustenta no seu parecer que, em abstracto, este fundamento invocado poderia subsumir-se à existência de ónus real desconsiderado na venda, conferindo ao interessado um prazo de 90 dias, após conhecimento da venda, para apresentação do requerimento (art.257° n°1 al. a) CPPT).
Não nos parece, porém, que a situação em análise possa subsumir-se àquela previsão legal.
Com efeito os ónus reais são os que não caducam com a venda em execução, como resulta da alínea a) do referido normativo.
Como esclarece Jorge Lopes de Sousa no seu Código de Procedimento e Processo Tributário anotado, 6ª edição, vol. IV, pag. 177, no que concerne a direitos reais, subsistem apenas os direitos reais de gozo que tenham sido registados antes do registo da penhora, arresto ou garantia, e os que não estejam sujeitos a registo e tenham sido constituídos antes da penhora, arresto ou garantia.
Assim os direitos reais de gozo que incidem sobre a coisa vendida caducam se tiverem registo posterior ao mais antigo de qualquer arresto, penhora ou garantia real ou, se não estiverem sujeitos a registo (os que produzem efeitos em relação a terceiros independentemente do registo) e tiverem sido constituídos depois da penhora ou arresto.
Acresce que a celebração de contrato-promessa de compra e venda, mesmo com eficácia real, não obsta à penhora e venda do bem no processo executivo; apenas obriga a que o direito de aquisição de que goza o promitente comprador seja atendido no momento da realização da venda executiva, em conformidade com o preceituado no artigo 903.º do Código de Processo Civil (cf. neste sentido, Acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 08.08.2011, recurso 25/11 e de 06.04.2011, recurso 249/11).
Como ficou sublinhado no referido Acórdão 25/11 «o contrato-promessa apenas cria a obrigação de contratar, a que corresponde o direito de crédito da contraparte de exigir o seu cumprimento. Produz, assim, mero efeito obrigacional de concluir um futuro contrato (no caso, de compra e venda), sem produzir efeitos reais.
Com efeito, dele não nascem direitos reais; mesmo que as partes lhe atribuam eficácia real nos termos previstos no artigo 413.º do C.Civil, tal não significa que o contrato-promessa seja translativo ou constitutivo de tais direitos - papel que cabe, somente, ao contrato definitivo. A eficácia real apenas acrescenta ao comum contrato-promessa - previsto no artigo 410.º do C.Civil - que o direito à celebração do contrato prometido, além da eficácia inter-partes, se imponha perante terceiros»
Sucede ainda que, no caso sub judice nem sequer resulta do contrato promessa invocado que as partes lhe tenham atribuído eficácia real mediante declaração expressa e inscrição no registo (antes ou depois da penhora) – cf. fls. 15 a 17.
Daí que se entenda, em face de tudo o exposto, que a invocada posse do promitente comprador não configura a existência de um ónus real e não constitui fundamento enquadrável na previsão do artº 257º, al. a) do Código de Procedimento e Processo Tributário, pelo que lhe não é aplicável o respectivo prazo.
Como quer que seja, e como bem nota o Exmº Procurador-Geral Adjunto, para a invocação deste fundamento, apenas o executado, preferente ou remidor são titulares de interesse relevante que lhes confere legitimidade processual.
A situação também não cabe na previsão da segunda parte da al. a) do mesmo normativo (erro sobre o objecto transmitido ou sobre as qualidades por falta de conformidade com o que foi anunciado) sendo que, por outro lado, o direito à anulação da venda com base em erro sobre o objecto transmitido e sobre as suas qualidades apenas pode ser exercido pelo comprador, sendo fundamento que se destina a proteger os seus interesses (cf. Jorge Lopes de Sousa, ob. citada, vol. IV, pag. 197)

Por outro lado, e quanto à previsão da al. b) do referido normativo - fundamento de oposição à execução que o executado não tenha podido apresentar no prazo da alínea a) do n.° 1 do artigo 203° - é por demais evidente que o caso dos autos não tem ali cabimento.
Portanto o incidente só poderia caber, quando muito na previsão da alínea c) do nº 1 do artº 257º que dispõe que a anulação de venda poderá ser requerida no prazo de 15 dias «nos restantes casos previstos no Código de Processo Civil».
E isto admitindo, que seria aplicável no caso subjudice o disposto no artº 909º (Na redacção da Lei 29/2009) do Código de Processo Civil, que prevê outros motivos de anulação de venda e para o qual remete a al.c) do nº 1 do referido artº 257º.
Tendo sido esta a hipótese admitida pela sentença recorrida para concluir, depois, que o pedido de anulação de venda era intempestivo.
No entanto a posse do promitente comprador não constitui fundamento de anulação de venda à luz de qualquer uma das diversas alíneas do artº 909º do Código de Processo Civil, normativo que visa apenas tutelar os interesses do executado (alíneas a) e b)), do terceiro proprietário ou reivindicante que tenha obtido procedência de acção de reivindicação (alínea d) e das partes na execução ou os intervenientes no acto de venda, por ocorrência de causas de direito processual (alínea c) - cf. José Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, Coimbra ed., 2003, vol. 3, pág. 614 e 617, e Jorge Lopes de Sousa, ob. citada, vol. IV, pag. 183.

Daí que se conclua, em face de tudo o exposto, que a posse do promitente comprador não constitui fundamento do incidente de anulação de venda previsto no artº 257º do Código de Procedimento e Processo Tributário, não sendo o mesmo titular de interesse relevante que lhe confira legitimidade para deduzir tal pretensão (Vide., também neste sentido, mas no âmbito do anterior CPT, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28.02.1996, recurso nº 19727, AP DR de 13.03.1998, pag. 690.).
E, como bem nota o Ministério Público, a ilegitimidade constitui fundamento de absolvição da Fazenda Pública da instância (art. 288º nº1 al. e), 493º nº2 e 494º al. e) CPC/art. 2º al. e) Código de Procedimento e Processo Tributário), pelo que a decisão recorrida, de absolvição da Fazenda Pública da instância, terá de ser confirmada, mas com esta fundamentação.

7. Decisão:
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e, com esta fundamentação, confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 29 de Janeiro de 2014. – Pedro Delgado (relator) – Valente Torrão – Ascensão Lopes.