Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:060/07
Data do Acordão:07/12/2007
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:FERNANDA XAVIER
Descritores:UNIVERSIDADE
REGULAMENTO DE EXECUÇÃO
PUBLICAÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
REGULAMENTO CONTRA LEGEM
CLASSIFICAÇÃO
LICENCIATURA
Sumário:I - Uma coisa é o facto, a ocorrência da vida, traduzida na existência de um regulamento não publicado, que se prova com a sua junção aos autos e outra, o seu conteúdo normativo, que não deve figurar na matéria de facto, por se tratar de matéria de direito.
II - O artº119º da CRP estabelece o princípio da publicidade dos actos normativos, onde se incluem os actos regulamentares da Administração em sentido amplo, como decorre da conjugação da alínea h) do nº1 com os seus nº 2 e 3.
III - Tratando-se de acto regulamentar de uma pessoa colectiva de direito público, como as universidades, é a lei que determina a forma de publicidade exigida e a consequência da sua falta, nos termos do nº3 do referido artº119 da CRP.
IV - Não exigindo a lei a publicação, no Diário da República, de um regulamento pedagógico, não pode manter-se a decisão recorrida que o julgou ineficaz, por falta dessa publicação, tanto mais que, face ao alegado e não impugnado pela autoridade recorrida, é de presumir que o mesmo foi publicitado nos termos usuais, sendo até referida no acto impugnado a existência desse regulamento.
V - A autonomia pedagógica das universidades, e, portanto, o seu poder regulamentar próprio nesse campo, tem limites, pois sendo praeter legem, não pode ser contra legem.
VI - Os regulamentos de execução são típicos regulamentos secundum legem.
VII - Assim, a FC não podia usar do seu poder regulamentar próprio, para alterar uma norma de uma Portaria que estabelece que, no modo de cálculo da classificação final das licenciaturas dos cursos ali previstos, se procederá a um único arredondamento, o da média final, pretendendo estabelecer um duplo arredondamento, o da média final e o da média dos 1º ao 4º anos, já que a Portaria é um diploma hierarquicamente superior.
VIII - E também não podia, a pretexto de estar a executar aquela norma da Portaria, vir estabelecer esse duplo arredondamento, ali não previsto, pois ele não é necessário para aplicação dessa norma, sendo que os regulamentos de execução são meios ou instrumentos para uma efectiva e boa execução dos diplomas que visam regulamentar, não podendo restringir ou ampliar os direitos e obrigações neles contidos.
IX - Logo, a norma do Regulamento Pedagógico que estabeleceu esse duplo arredondamento é ilegal.
Nº Convencional:JSTA00064464
Nº do Documento:SA120070712060
Data de Entrada:01/22/2007
Recorrente:A...
Recorrido 1:PRES DO CONSELHO DIRECTIVO DA FACULDADE DE CIÊNCIAS DA UNIVERSIDADE DE LISBOA.
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LISBOA.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM GER - FUNÇÃO PUBL / ESTATUTÁRIO.
Legislação Nacional:CPA91 ART5 ART66 ART67.
CONST97 ART13 ART76 ART119 ART266 ART268.
L 108/88 DE 1988/09/24 ART3 ART7.
DL 173/80 DE 1980/05/29 ART2 ART4.
PORT 1022/82 DE 1982/11/05 ART3 ART6 ART8 ART9.
Referência a Doutrina:FREITAS DO AMARAL DIREITO ADMINISTRATIVO V3 PAG36.
ESTEVES DE OLIVEIRA DIREITO ADMINISTRATIVO PAG144-195.
AFONSO QUEIRÓ LIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO V1 PAG410-478.
ROGÉRIO SOARES DIREITO ADMINISTRATIVO PAG76.
COUTINHO DE ABREU SOBRE OS REGULAMENTOS ADMINISTRATIVOS PAG35-119.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
I- RELATÓRIO:
A..., com os sinais dos autos, interpõe recurso da sentença da Mma. Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa ( 1º Juízo liquidatário), que negou provimento ao recurso contencioso que o recorrente interpôs do Despacho de 12.07.2002, do Presidente do Conselho Directivo da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (doravante, FC), que lhe indeferiu o pedido de correcção do valor da média final constante do seu certificado de habilitações, de 16 para 17 valores.
Termina as suas alegações, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
I. A douta sentença recorrida errou, ao não considerar provado, na fundamentação de facto, que o Regulamento Pedagógico da FC continha um artº3º, alínea b) e 6º, nº1, b), de acordo com os quais a fórmula de cálculo da média do Recorrente seria diferente da que foi aplicada.
II. Assim, deverá a sentença do Tribunal a quo ser reformada, aditando-se à matéria de facto provada a existência da integralidade do Regulamento Pedagógico, incluindo as disposições dos artº3º, alínea b) e a totalidade do artº6º do Regulamento, para o que deveriam ter sido considerados, especialmente, o Doc. 2 junto à PI e a Informação nº46/DPRH/2001, já referenciada.
III. A douta sentença viola o nº3 do artº9º do CC e daquele modo o Reg. Pedag., pois na verdade não inova, antes concretiza o nº8 da Portaria em causa.
IV. A douta sentença ao interpretar o Reg. de molde a permitir que haja uma aluna com uma média de 15,70565 corrigida e bem para 17, enquanto o recorrente com média superior – 15, 856555, continue com média de 16, interpreta o Regulamento Pedagógico, a Portaria nº1022/82 e o Regulamento dos Estágios Profissionalizantes em clara violação do nº1 do artº5º do CPA e do nº1 do artº13º e nº2 do artº266º da CRP, na parte em que consagram o princípio da igualdade.
V. A sentença sob recurso claudica totalmente quando afirma que “ ficou provado nos presentes autos que em 12.09.2002 existia um Regulamento Pedagógico na FC” e pretende depois que esse mesmo Regulamento, apesar de conhecido pelos alunos e concretamente pelo Recorrente, era ineficaz.
VI. Com efeito, o Recorrente não conhece outros sentidos pelos quais um Regulamento Pedagógico pode “ existir”, a não ser o sentido de ser conhecido e ser aplicado, quer pelos alunos, quer pelos serviços da Faculdade.
VII. Existindo nos autos todos os elementos que permitem concluir que quer os alunos, quer os serviços da Faculdade tinham perfeito conhecimento do Regulamento Pedagógico, que foi aprovado por um órgão da Faculdade, o Conselho Pedagógico, no exercício da sua competência de definir os métodos de avaliação de conhecimentos dos discentes.
VIII. Dos autos resulta o cumprimento do objectivo de qualquer forma de publicidade, que é o de dar a conhecer o conteúdo do acto ou regulamento publicitado, para que seja oponível aos destinatários.
IX. E esse facto não pode deixar de ser considerado relevante, nos presentes autos, até por consideração do elemento interpretativo constante do artº67º, nº1b) do CPA.
X. O Tribunal a quo erra claramente ao considerar que todos os regulamentos com eficácia externa têm que ser publicados em Diário da República, e esse erro inquina definitivamente toda a decisão.
XI. Com efeito, o Tribunal a quo limita-se a invocar um conjunto de elementos normativos, doutrinais ou jurisprudenciais que não são, de todo aplicáveis aos regulamentos emitidos por entidades com autonomia normativa, como são, nos termos, desde logo, do artº75º, nº2 da Constituição, as Universidades.
XII. Os regulamentos das autarquias locais, que produzem efeitos externos, não são de publicação obrigatória em Diário da República, o que destrói qualquer pretenso princípio de dependência de publicação na folha oficial, como condição de eficácia dos regulamentos externos.
XIII. A Constituição, a Lei nº108/88, os Estatutos da Universidade e os Estatutos da Faculdade de Ciências concedem, em termos amplos, autonomia pedagógica à Faculdade de Ciências, que inclui a autonomia na definição normativa dos métodos de avaliação universitários.
XIV. Os Regulamentos das Universidade e Faculdades, como defende a doutrina mais autorizada, podem ser objecto de formas de publicidade como a afixação nos locais de estilo, ou a divulgação por circular, não existindo quaisquer normas jurídicas que obriguem ou mesmo que sugiram a publicação em Diário da República.
XV. A Portaria nº792/81 de 11.09 é aplicável a casos especiais: licenciaturas em ensino e não à licenciatura do Recorrente, pelo que esse instrumento normativo não é de todo aplicável ao presente caso, ao contrário do que decidiu o Tribunal a quo.
XVI. É totalmente incorrecta a afirmação de que o Regulamento Pedagógico é desconforme com a Portaria nº1022/82 ou com o Regulamento dos Estágios Profissionalizantes, nomeadamente com o artº8º, nº1 da Portaria, ou com o Ponto 7 deste último Regulamento dos Estágios.
XVII. Esses normativos são meramente omissos, na matéria tratada pelo artº6º, nº1b) do Regulamento Pedagógico, não contendo qualquer proibição de que se faça o arredondamento das médias do 1º ao 4º anos de curso, para efeitos do cálculo da média final.
XVIII. E não contendo essa proibição, a mesma não pode presumir-se, dado que nos encontramos num âmbito de autonomia constitucionalmente garantida e que aos regulamentos de execução não é exigível uma correspondência total com as normas de grau superior.
XIX. Assim, deverá entender-se que o regulamento Pedagógico apenas concretiza e particulariza um ponto deixado em aberto pela Portaria nº1022/82 e pelo Regulamento de Estágios Profissionalizantes.
XX. E esse Regulamento Pedagógico, no seu artº6º, ao concretizar dessa forma nesse ponto deixado em aberto, invalida todos os actos em contrário praticados pelos órgãos da Faculdade, como foi o caso do acto de indeferimento da pretensão da Recorrente, praticado pelo Presidente do Conselho Directivo da Faculdade.
XXI. Deverá, assim, esse acto, inválido por força do artº135º do CPA, ser anulado eliminando-se esse acto ilegal da ordem jurídica administrativa, para o que deverá ser revogada a sentença, por ter feito erradas interpretação e aplicação do Direito ao caso concreto.
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A autoridade recorrida contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso, porque, em síntese, de acordo com o artº8º da Portaria nº1022/82 de 5 de Novembro, conjugado com o regulado no ponto 7º do Capítulo D) do Regulamento de Estágios Profissionalizantes, publicado no DR nº118, II Série de 23 de Maio de 1991, por força do artº4º, nº3 do DL nº173/80, de 29.05, apenas existe um arredondamento, o que é feito na classificação final e não um duplo arredondamento, da classificação final e da média dos 1º ao 4º anos, como defende o recorrente, sendo que não existe qualquer omissão nesse aspecto, antes foi a vontade expressa do legislador.
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O Digno PGA emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso, em concordância com a sentença recorrida.
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II- OS FACTOS
A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:
1. Em 24.03.97, foi elaborada uma informação pela Vogal do Conselho Directivo da FC para a Área Académica, Prof. Doutora ..., que indica que a classificação final das licenciaturas com estágio profissionalizante é calculada de acordo com o artº8º da Portaria nº1022/82, de 05.11 e o Regulamento de Estágios Profissionalizantes, publicado no DR nº118, II Série de 23.05.91 e que a « classificação final é o valor seguinte, arredondado às unidades ( considerando como unidade a fracção não inferior a 5 décimas):
N x4+E
C_____
5
Onde N é igual à soma das classificações das disciplinas do 1º ao 4º anos, multiplicadas pelos respectivos coeficientes de ponderação,
C é o total de coeficientes de ponderação daquelas disciplinas.,
E é a classificação do estágio.
O coeficiente N não é arredondado nem truncado.» ( cfr. doc. de
C
fls.11 do processo administrativo).
2. O Regulamento Pedagógico da FC, existente em 2001, não foi publicado e determina no seu artº6º, nº4, o seguinte: « A classificação final é a média aritmética ponderada, arredondada às unidades ( considerando como unidade a fracção não inferior a 5 décimas), das classificações do estágio e das disciplinas da licenciatura escolhidas pelos próprios alunos, correspondentes ao número total de unidades de crédito necessário à conclusão da licenciatura e ao número de unidades de crédito das áreas científicas obrigatórias, incluindo as disciplinas obrigatórias»- cfr. doc. de fls.12 a 14.
3. Em 21.08.01 foi passada uma certidão pela FC onde se declara que o Recorrente concluiu o Curso de Licenciatura em Biologia com a classificação final de 16 valores (cfr. doc. de fls.15).
4. Em 23.10.01, o Requerente apresentou na Divisão Académica FC um pedido dirigido ao Presidente do Conselho Directivo daquela Faculdade, solicitando que se procedesse à correcção do valor da média final constante do seu certificado de habilitações de 16 para 17 valores, de acordo com o disposto no artº6º do Regulamento Pedagógico da FC (cfr. doc. de fls. 6 e 7).
5. O cálculo da classificação final do Recorrente, constante da certidão referida em 3., foi operado de acordo com a informação da Vogal do Conselho Directivo da FC para a área Académica de 24.03.97, mencionada em 1., tendo sido arredondada às unidades apenas a média da classificação final, que passou de 16,485247 valores para 16 valores ( cf. doc. de fls.8 do processo administrativo).
6. Em 12.07.02, o pedido referido em C, foi indeferido por despacho do Presidente do Conselho Directivo da FC aposto sobre o pedido mencionado em 4 ( cfr. doc. fls.6 e 7).
7. O citado despacho de indeferimento de 12.07.02 do Presidente do Conselho Directivo da FC foi fundamentado por remissão para a Informação nº46/DPRH/2002, datada de 20.11.01, subscrita pelo técnico da FC, ..., constante de fls.8 a 10 dos autos, na qual se pode ler, designadamente o seguinte:
« A regulação da classificação final das licenciaturas ministradas pela FCUL está definida na Portaria nº1022/82, de 5 de Novembro, indicando-se para cada tipo de licenciatura, o respectivo modo de operar esse cálculo.
(…)
Na sequência da aplicação do disposto no artº8º, nº2 da Portaria 1022/82 foi publicado no Diário da República, nº118, II Série, de 23 de Maio de 1991, o regulamento dos estágios profissionalizantes, o qual fixa no ponto 7 que a média dos cursos com estágio profissionalizante é calculado com os seguintes factores:
a) classificação do 5º ano, com o coeficiente de ponderação 1;
média do 1º ao 4º anos, com o coeficiente de ponderação 4.
Relativamente à questão em concreto que foi colocada- se havia um duplo arredondamento na classificação final e na média dos primeiros 4 anos)- impõe-se dizer que o ponto 7 do regulamento supra citado não aponta nesse sentido.
Apenas refere que o arredondamento é feito na classificação final, quando se diz que é a média aritmética ponderada, calculada até às décimas e arredondada ( o plural aqui será um mero lapso, sem consequências - porque o arredondamento que se fará é das décimas para a média final), considerando como unidade a fracção não inferior a 5 décimas.
Para esse cálculo vão ter-se em conta dois elementos, a saber, a classificação do 5º ano e a média dos primeiros 4 anos de curso.
Esta última média não é arredondada, segundo o disposto na alínea b) do ponto 7 do capítulo D, com a epígrafe Avaliação.
Existe uma informação de 24 de Março de 1997, elaborada pela vogal do Conselho Directivo para a área académica, na qual se esclarece os serviços que o cociente originado pela média do 1º ao 4º ano não é arredondável nem truncado.
No entanto, o regulamento pedagógico dispõe de uma norma consagrada no capítulo II, sub-capítulo I, artº6º, nº1 alínea b), que determina que esta média deve ser ponderada e arredondada; o que está em contradição com o disposto no regulamento dos estágios profissionalizantes, publicado no Diário da República nº118, II série, de 23 de Maio de 1991.
Considerando que o regulamento pedagógico, em relação à projecção da sua eficácia se qualifica como um regulamento externo, de acordo com a classificação operada pelo Professor Freitas do Amaral, in Manual de Direito Administrativo, Vol. III, uma vez que tende a produzir efeitos jurídicos em relação a outros sujeitos jurídicos fora da esfera da pessoa colectiva, no caso em concreto a FCUL, carece de publicação em Diário da República para produzir efeitos jurídicos, seguindo a tramitação consagrada no artº4º do Decreto Lei nº173/80 ex vi artº8º, nº2 da Portaria 1022/82.
Assim, deve a disposição contida no capítulo II do regulamento pedagógico ser considerada ineficaz, uma vez que carece de homologação reitoral, nos termos do disposto no artº20º, nº1 , al. e) da Lei 108/88, de 24 de Setembro, bem como de publicação em Diário da República, sem prejuízo de a mesma norma ser considerada ilegal, por violação do disposto no artº8º da Portaria 1022/82 e do Regulamento dos Estágios Profissionalizantes, publicado no Diário da República nº118, II Série de 23 de Maio de 1991. »
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III- O DIREITO
1. Quanto ao erro no julgamento da matéria de facto - conclusões I e II:
Entende o Recorrente que a sentença sob recurso não considerou e devia ter considerado provado, na fundamentação de facto, que o Regulamento Pedagógico da FC continha um artº3º, b) e um artº 6º, nº1, b), ao abrigo dos quais a pretensão do Recorrente, aqui em causa, foi formulada à entidade recorrida e, de acordo com os quais, a média da licenciatura do Recorrente seria a média ponderada, arredondada às unidades, das seguintes classificações: a) a classificação final do estágio, com o coeficiente de ponderação 1 no caso do estágio anual (…) b) a média aritmética ponderada da classificação das disciplinas arredondada às unidades, com o coeficiente de ponderação 4 no caso do estágio ser anual e não a média final encontrada pela entidade recorrida, pelo que, ao assim proceder, errou na apreciação da matéria de facto e deve ser reformada, aditando-se à matéria de facto provada, aquelas disposições, tendo em conta o Doc. 2 e a Informação nº46/DPRH/2001,juntas com a petição inicial de recurso contencioso.
O Recorrente não tem qualquer razão quanto ao apontado erro no julgamento da matéria de facto, no ponto em que a questiona.
Como, aliás, o próprio Recorrente reconhece, expressamente, nas suas alegações de recurso jurisdicional ( embora, certamente por lapso, refira uma alínea do probatório e uma página da sentença que não correspondem à sentença proferida nestes autos), a sentença recorrida considerou provado «que existia um Regulamento Pedagógico na FC, o qual não foi publicado» ( pgs. 11 da sentença e 50 dos autos) e até transcreve, no respectivo probatório, o nº4 do artº 6 desse Regulamento, que respeita precisamente à classificação final dos alunos (cf. ponto 2 do probatório, transcrito supra). Refira-se, aliás, que foi essa a disposição do referido Regulamento e não outra(s), que o Recorrente invocou como violada pelo acto contenciosamente impugnado, quer na petição inicial (cf. artº16º), quer nas conclusões das alegações apresentadas no tribunal a quo (cf. fls.33).
De qualquer modo, a sentença recorrida não tinha, nem devia, levar ao probatório o conteúdo das disposições desse Regulamento, porque tratando-se de regras ou normas regulamentares, não estamos já no âmbito da matéria de facto, mas da matéria de direito. Na verdade, uma coisa é o facto, a ocorrência da vida real, traduzida na existência de um Regulamento não publicado, que se prova com a sua junção aos autos, e outra, o seu conteúdo normativo que, por ter essa natureza, não deve figurar, como se referiu, nos factos provados, sem prejuízo da sua consideração na fundamentação de direito da decisão, como, aliás, aconteceu e o Recorrente expressamente reconhece, ao referir, nas suas alegações de recurso jurisdicional, quanto aos artigos do Regulamento, que agora pretende sejam aditados aos factos dados como provados, que « se depreende do conteúdo da sentença que eles foram, efectivamente, considerados » (cf. fls. 83 dos autos).
É verdade que a Mma. juíza a quo transcreveu, no probatório da sentença recorrida, o artº6º, nº4 do referido Regulamento Pedagógico, provavelmente por ser o preceito que o Recorrente invocou como violado pelo acto impugnado, mas, pelo facto de o ter feito, não torna, como vimos, essa matéria, que é de direito, em matéria de facto e a consequência é simplesmente desconsiderá-la como tal.
Por isso, o facto de a Mma Juíza não ter levado ao probatório os artº3º, b) e a totalidade do artº6º do Regulamento Pedagógico, como pretende o Recorrente, é questão que não consubstancia qualquer erro no julgamento da matéria de facto, sem prejuízo de poder configurar eventual erro na apreciação das questões de direito suscitadas, de que conheceremos a seguir.
Improcedem, pois, as conclusões I e II das alegações do recorrente.
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2. Quanto à ineficácia do Regulamento Pedagógico - conclusões V a XIV:
O recorrente não se conforma com a decisão recorrida, na parte em que esta conclui pela ineficácia, por falta de publicação no Diário da República, do Regulamento Pedagógico, ao abrigo do qual o recorrente formulou a sua pretensão
A decisão recorrida fundamentou, assim, a recusa de aplicação das disposições do referido Regulamento, invocadas pelo recorrente:
« (…) Ficou provado, nos presentes autos, que existia um Regulamento Pedagógico na FC, o qual não foi publicado. Tal regulamento é, também, uma decorrência da autonomia pedagógica das universidades.
Porém, o citado Regulamento não foi publicado. Tratando-se de um Regulamento que visa produzir efeitos jurídicos relativamente a terceiros que se situam fora da esfera da pessoa colectiva pública FC, designadamente nos alunos desta Faculdade, terá de ser configurado como um regulamento com eficácia externa. Assim sendo, carece de publicação no Diário da República para poder produzir tais efeitos jurídicos, conforme resulta, quer do princípio da publicidade dos actos regulamentares, constante dos artº119º e 268º, nº3 da CRP, quer do fixado no artº4º, nº3 do Decreto Lei nº 173/80 e nº2 do artº8º da Portaria nº1022/82, de 05.11 (cfr. neste sentido os acs. do STA de 19.05.04, Proc. nº109/03, de 10.11.92, Proc. nº27.07.69 e de 07.06.94, Proc. nº32.897 e na doutrina, Gomes Canotilho, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1993, pág. 548 a 550 e Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, Livraria Almedina, Coimbra, 2002, págs.156, 162 a 186 e 195).
Não tendo sido publicado o Regulamento Pedagógico da FC é ineficaz, não sendo obrigatório e oponível a terceiros- cf. nº2 do artº169º da CRP.»
Segundo o Recorrente, a falta de publicação do Regulamento em causa é irrelevante e não lhe pode ser oposta pela entidade recorrida, por três razões essenciais:
- o objectivo pretendido com a publicação, que é dar a conhecer o conteúdo do acto, foi alcançado, visto que quer os alunos e concretamente o recorrente, quer o serviços da Faculdade, tinham perfeito conhecimento do Regulamento Pedagógico;
- o CPA dispensa a notificação formal dos actos administrativos aos seus destinatários, quando os mesmos “ através de qualquer intervenção no procedimento” revelem “ perfeito conhecimento do conteúdo dos actos em causa”- artº67, nº1, alínea b), o que no caso acontece;
- não existe qualquer norma jurídica que obrigue a publicação dos Regulamentos das Universidades e Faculdades no Diário da República, podendo ser objecto de formas de publicidade como a afixação nos locais de estilo, não sendo verdade a afirmação, contida na sentença, de que todos os regulamentos externos carecem de publicação para produzirem efeitos jurídicos.
Apreciemos então:
Antes de mais e a respeito da publicidade dos actos da Administração, convém ter presente a distinção entre um regulamento e um acto administrativo, já que a sua diferente natureza tem também reflexos a nível da respectiva publicidade.
Ora, o regulamento diferencia-se do acto administrativo, desde logo, por ser geral e abstracto, enquanto que o acto administrativo produz efeitos jurídicos num caso concreto Neste sentido, Freitas do Amaral, Direito Administrativo, III, 1989, p.36 e seg., Esteves de Oliveira, Direito Administrativo ( Lições),1979, p. 144 e seg., Afonso Queiró, Lições de Direito Administrativo, I, 1976, p. 410 e Rogério Ehrhardt Soares, Direito Administrativo, 1978, p.76 .
Ambos, porém, necessitam de ser conhecidos pelos seus destinatários, e, por isso mesmo, ambos estão sujeitos a determinadas formalidades para ser atingido esse objectivo.
Dado que o acto administrativo tem, em regra, carácter individual e concreto, no sentido de que se dirige a um ou mais destinatários, determinados ou determináveis à partida, a sua publicitação é feita, também em regra, através de notificação a esses destinatários nele individualizados, ou seja, aos interessados ( artº 66º e segs do CPA e 268º, nº3 da CRP).
Já no que respeita ao regulamento, dado o seu carácter geral e abstracto, no sentido de que se dirige a um número indeterminado e indeterminável de pessoas, não individualizadas a priori, que são determinadas por classes ou categorias abertas, a sua publicitação, tratando-se de regulamentos ditos externos, por os seus efeitos se projectarem na esfera jurídica de terceiros, é feita, em regra, através de publicação em jornais ou boletins oficiais, ou em editais afixados nos lugares de estilo. Tratando-se de regulamentos ditos internos, por projectarem os seus efeitos apenas na esfera jurídica da pessoa colectiva pública que os emana, não precisam de ser publicados, bastando que sejam divulgados ou transmitidos aos serviços, pela forma que se mostrar mais apropriada.
Portanto, o meio de publicidade dos regulamentos não é a notificação directa aos interessados Cf. a este propósito, Afonso Queiró, Lições de Direito Administrativo, I, Coimbra, 1976, p. 476/478.
E, assim sendo, não há aqui que chamar à colação o artº67º, nº1, b) do CPA e o artº268º, nº3 da CRP, invocados pelo Recorrente, que respeitam, como vimos e deles expressamente consta, à notificação dos actos administrativos e não dos regulamentos (a não ser que se trate apenas de regulamentos formais, que, afinal, são verdadeiros actos administrativos a coberto da via regulamentar).
Os preceitos, pois, a ter em conta são os que se referem à publicação dos Regulamentos, entre eles e em primeiro lugar, o artº119º da CRP, que respeita à publicidade dos actos, designadamente dos actos normativos, preceito em que se fundamentou a decisão recorrida e cuja aplicação à situação sub judicio é contestada pelo recorrente.
É verdade que, como diz o recorrente, a alínea h) do nº1 do artº119º da CRP apenas determina a publicação obrigatória no Diário da República, dos «decretos regulamentares e demais decretos e regulamentos do Governo, bem como os decretos dos Ministros da República para as regiões autónomas e os decretos regulamentares regionais». E que, nos termos do nº2 deste preceito constitucional, a falta de publicidade desses actos, bem como a falta de publicidade de qualquer acto de conteúdo genérico dos órgãos de soberania, das regiões autónomas e do poder local, implica a sua ineficácia jurídica.
Quanto aos demais actos, onde se devem incluir os regulamentos não incluídos na citada alínea h) do nº1 e no nº2 do artº119º, vg., os regulamentos das pessoas colectivas de direito público, como é o caso da Universidade de Lisboa ( cf. artº3º, nº1 da Lei 108/88, de 24.09), a CRP remete para a lei ordinária, que determinará, em cada caso, as formas de publicidade dos demais actos e as consequências da sua falta ( artº119º, nº3 da CRP). O que não quer dizer que a lei ordinária não possa impor a obrigatoriedade de publicação de alguns desses actos no Diário da República. Mas terá de ser a lei a dizê-lo expressamente.
Portanto, e para o que aqui nos interessa, o que se pode concluir do citado preceito constitucional é que a CRP estabelece, como princípio geral, o princípio da publicidade dos actos normativos, onde se incluem os actos regulamentares da Administração em sentido amplo, como decorre da conjugação da alínea h) do nº1 do artº119º, com os seus nº2 e 3.
Assim e no presente caso, tratando-se de acto regulamentar de uma pessoa colectiva de direito público, haverá que procurar, em princípio, na lei ordinária, e não na CRP, qual a forma de publicidade exigida e qual a consequência da sua falta, atento o disposto no citado nº3 do artº119º.
Ora, a lei ordinária que regula a matéria objecto do acto aqui contenciosamente impugnado e em que este acto se fundamentou, é o D. L. nº173/80, de 29.05 e a Portaria nº 1022/82, de 05.11, publicada ao abrigo do artº2º, nº3 daquele DL, complementada pelo Regulamento de Estágios Profissionalizante publicado no D.R. II série nº118, de 23.05.1991.
A Portaria nº 792/81, de 11.09, referida na fundamentação da sentença recorrida, não tem aqui aplicação, como bem refere o recorrente nas suas alegações, uma vez que regulamenta a atribuição de classificação final das licenciaturas em ensino criadas pelos Decretos Regulamentares 37/78, 38/78 e 39/78, todos de 25.10, o que não é o caso da licenciatura do recorrente, que é de índole científico-tecnológica, como ambas as partes reconhecem, sendo que o acto aqui impugnado nem sequer se refere aquela Portaria, como se vê da sua transcrição efectuada no ponto 7 do probatório.
Apreciemos, então, o que dispõe a lei aplicável sobre a publicidade dos regulamentos nesta matéria, já atrás referidos.
Assim:
O DL 173/80, como consta do seu preâmbulo, veio instituir «A organização de planos de cursos (…) em termos de um sistema de unidades de crédito», em que «A atribuição do grau académico fica condicionada à obtenção pelo aluno de um total de unidades de crédito que se considere científica e pedagogicamente exigível como garantia adequada de preparação. Este sistema é apresentado às escolas em regime facultativo…» (…) «O sistema de unidades de crédito, para além de permitir a criação de cursos inter-disciplinares, essencialmente por combinação das disciplinas existentes em vários ramos científicos, estabelece um regime de maior intervenção da escola na fixação dos planos de cursos. Ao Governo fica reservada a definição da área científica do curso, sua duração e atribuição das unidades de créditos globais e por áreas científicas, matéria imprescindível para o reconhecimento interno e externo dos graus conferidos. Às escolas passará a competir a fixação do elenco das disciplinas fixas e optativas e respectivas unidades de crédito integrantes de cada curso, a definição das normas de precedência, bem como a reconversão, através do regime consagrado neste diploma, dos currículos dos estudantes que mudem de áreas científicas.» ( sublinhado nosso)
Assim, nos termos do seu artº2º:
1. Compete aos conselhos científicos das escolas propor ao Ministro da Educação e Ciência, até 31 de Janeiro de cada ano, os cursos a professar organizados pelo sistema de unidades de crédito.
2. A proposta deverá ser acompanhada dos seguintes elementos:
a) Definição da área científica do curso;
b) Fixação das áreas científicas obrigatórias;
c) Fixação do conjunto das áreas científicas optativas;
d) Duração normal dos cursos;
e) Número total de unidades de crédito necessárias à concessão do grau;
f) Atribuição de unidades de crédito às áreas científicas obrigatórias e optativas.
3. O Ministro da Educação e Ciência fixará por portaria os cursos e os elementos referidos nos números anteriores.
Por sua vez, dispõe o artº4º:
1. Após a fixação da portaria a que se refere o nº3 do artº2º, os conselhos científicos dos estabelecimentos de ensino superior interessados submeterão à aprovação do reitor, até 30 de Abril de cada ano, o elenco das disciplinas fixas e optativas e respectivas unidades de crédito que integrará cada curso superior a professar no ano lectivo seguinte.
2. Em cada curso, o número de unidades de crédito correspondentes à totalidade das diferentes disciplinas optativas oferecidas não deverá exceder 40% do número total de unidades de crédito necessárias à concessão do grau.
3. O reitor promoverá a publicação no Diário da República dos documentos aprovados nos termos dos números anteriores.
4. (…).
A Portaria nº1022/82, de 05.11, foi publicada, como se referiu e dela consta, ao abrigo do citado nº3 do artº2º do DL 173/80.
O artº1º respeita à organização dos cursos pelo sistema de unidades de crédito.
O artº2º respeita à estrutura curricular a que alude o nº2 do artº2º do citado DL 173/82, remetendo para os anexos I a XXI da Portaria.
O artº3º respeita ao plano de estudos de cada curso e o seu nº 1 dispõe o seguinte:
«1. O plano de estudos de cada curso será fixado por despacho reitoral, a publicar no Diário da República, 2ª série, nos termos do artº4º do Decreto-Lei nº173/80».
O artº4 respeita aos elencos comuns de disciplinas.
O artº5º respeita à inscrição nos cursos.
O artº6º respeita aos estágios e dispõe o seguinte:
1- Os estágios incluídos nos planos curriculares dos cursos de índole tecnológica são realizados, sob orientação da Universidade, na área da tecnologia respectiva, revestem carácter profissionalizante e terão a duração compreendida entre 6 e 9 meses com um mínimo de 750 horas em situação profissional.
2. Em paralelo será igualmente ministrada formação científico-tecnológica suplementar sob a forma de um seminário.
3. As condições de acesso e a regulamentação dos estágios referidos no número anterior serão propostas pelo conselho científico, ouvido o conselho pedagógico e fixadas nos termos do artº4º do Decreto-Lei nº173/80, de 29 de Maio.
4- São abrangidas pelo disposto no presente número as licenciaturas a que se referem as alíneas c), d), e), h), i), m), q), t) e u) do artº1.
O artº7º respeita a precedências.
O artº8º respeita à classificação final e dispõe o seguinte:
1. A classificação final dos cursos será a média aritmética ponderada, arredondada às unidades ( considerando cada unidade a fracção não inferior a 5 décimas), das classificações das disciplinas, estágios e seminários integrantes do respectivo plano de estudos.
2. Os coeficientes de ponderação serão propostos pelo conselho científico, ouvido o conselho pedagógico, e fixados nos termos do artº 4º do Decreto Lei nº 173/80, de 29 de Maio.
O artº9º respeita às licenciaturas em ensino e dispõe o seguinte:
1. O estágio das licenciaturas em ensino, bem como a admissão ao mesmo, são reguladas pela Portaria nº431/79, de 16 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pela Portaria nº791/80, de 6 de Outubro.
2. A classificação final das licenciaturas em ensino é calculada nos termos da Portaria nº792/81, de 11 de Setembro .
Ora, como se vê das normas, supra transcritas, do DL 173/80 e da Portaria nº1022/82, tais diplomas apenas exigem a publicação no Diário da República, nos termos do nº3 do artº4º daquele DL, do « elenco das disciplinas fixas e optativas e respectivas unidades de crédito, que integrarão cada curso a professar no ano lectivo seguinte», que deve ser aprovado pelo reitor, sob proposta dos conselhos científicos dos estabelecimentos de ensino superior interessados (cf. artº4º, nº1 e 2), das « condições de acesso e regulamentação dos estágios incluídos nos planos curriculares dos cursos de índole tecnológica», que também são fixados nos termos do citado artº4º do DL 173/80 ( cf. artº 6º, nº3 da Portaria nº 1022), e dos « coeficientes de ponderação» na classificação final dos cursos, que serão propostos pelo conselho científico e fixados igualmente nos termos do citado artº4º do DL 173/80 (cf. artº 8º, nº2 da Portaria nº1022/82).
Ora, a FC, sob proposta dos conselhos científico e pedagógico, aprovou e fez publicar no Diário da República, o «Regulamento de Estágios Profissionalizantes» ( DR nº118, II Série, de 23.05.1991), que contém no ponto 7 uma norma que dispõe o seguinte:
« A classificação final das licenciaturas de índole científico-tecnológica é a média aritmética ponderada, calculada até às décimas e arredondada, considerando como unidade a fracção não inferior a cindo décimas, das seguintes classificações:
a) classificação do 5º ano, com coeficiente de ponderação 1;
b) média do 1º ao 4º anos, com o coeficiente de ponderação 4
Ficou ainda provado nos autos, tendo, de resto, sido expressamente reconhecido pela entidade recorrida no acto contenciosamente impugnado (cf. ponto 7 do probatório supra), que foi igualmente aprovado um Regulamento Pedagógico, que contém uma norma que dispõe que a média do 1º ao 4º anos deve também ser arredondada até às unidades e não apenas a média da classificação final, ou seja, permite um duplo arredondamento.
Esse Regulamento não foi publicado no Diário da República, como ficou provado, sem contestação das partes.
A questão que se coloca é a de saber se, pelo facto de não ter sido publicado no Diário da República, esse regulamento é ineficaz, não produzindo quaisquer efeitos, como se decidiu.
Ora, atento o já referido princípio da publicidade dos actos normativos, consagrado no artº119º da CRP, qualquer regulamento com eficácia externa, ou que contenha normas com eficácia externa, necessita de ser publicitado para que a entidade que o emana o possa opor à categoria de pessoas por ele abrangidas, seja no DR ou em qualquer outro jornal oficial, se a lei exigir essa publicação, seja através de qualquer outro meio público apropriado, como é o caso da afixação nos lugares de estilo cf. neste sentido, Esteves de Oliveira, ob. cit., p.195 e Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Sobre os Regulamentos Administrativos, p. 35 e 119 .
No presente caso, o referido Regulamento Pedagógico não dispôs apenas sobre o modo de calcular a classificação final das licenciaturas, como se vê, desde logo, do doc. nº2 junto com a petição e, eventualmente, poderá conter normas sobre outras matérias, de publicação obrigatória no DR, nos termos da legislação aplicável, que aqui não interessa agora apreciar.
No que respeita à matéria que aqui nos ocupa, ou seja, à classificação final das licenciaturas, a lei só exige, como vimos, que sejam publicados no DR os coeficientes de ponderação ( artº8º, nº2 da Portaria nº1022/82). Portanto, a norma do Regulamento Pedagógico aqui em causa, que permite um duplo arredondamento - o arredondamento da média dos 1º ao 4º anos e o arredondamento da média final, não tinha de ser publicada obrigatoriamente no DR, como se decidiu.
No entanto, o facto de não se exigir a publicação no DR, não dispensava, como já vimos, a publicidade de uma tal norma, já que a mesma, definindo, em termos gerais e abstractos, o modo de calcular a média da classificação final das licenciaturas, tem, sem dúvida, eficácia externa.
Ora, o Recorrente afirma que o Regulamento Pedagógico foi dado a conhecer aos alunos, designadamente ao recorrente, pelos meios habituais na FC e a entidade recorrida não impugnou esse facto, nem no tribunal a quo, nem nas alegações de recurso jurisdicional, nunca tendo sustentado a sua ineficácia, e o certo é que se referiu expressamente à existência desse Regulamento no acto aqui impugnado, embora para afastar a sua aplicação ao caso concreto, não por não ter sido publicitado ou não estar em vigor, mas porque, existindo tal Regulamento na FC, estaria, no entanto, em desconformidade com a lei quanto ao modo de apuramento da classificação final das licenciaturas.
Assim, não sendo o Regulamento Pedagógico de publicação obrigatória no DR, no que respeita à matéria aqui em causa, não pode manter-se a decisão recorrida que o julgou ineficaz, por falta dessa publicação, tanto mais que, face ao anteriormente exposto, é de presumir que o mesmo foi publicitado pelos meios usuais, facto que, como referimos, a entidade recorrida nunca impugnou, pelo que procedem, no essencial, as Conclusões III a XIV das alegações do Recorrente.
*
3. Quanto ao vício de violação de leiconclusões XV a XXI:
Segundo a sentença recorrida, o artº6º do Regulamento Pedagógico seria desconforme com o artº8º, nº1 da Portaria nº1022/82 e até com o ponto 7 do Regulamento de Estágios Profissionalizantes, publicado no DR II Série de 23.05.1991, no que respeita ao cálculo da média final das licenciaturas, já que naquele se prevê um duplo arredondamento – o da média dos 1º e 4º anos e o do 5º ano, enquanto nestes últimos se prevê apenas um arredondamento da média final.
E como o Regulamento Pedagógico é um regulamento de execução, não pode contrariar as normas ínsitas nas Portarias 792/81 de 11.09 e na Portaria 1022/82, de 05.11, que visou regulamentar, sob pena de ilegalidade.
Pelo que, concluiu, que o cálculo da média final da licenciatura do ora Recorrente foi correctamente efectuado, ao abrigo daquelas Portarias e do Regulamento de Estágios Profissionalizantes.
O Recorrente também não se conforma com esta pronúncia do Tribunal a quo.
Segundo o Recorrente, a Portaria nº 792/81 só se aplica a licenciaturas de ensino, como decorre do artº9º, nº2 da Portaria nº1022/82, sendo que estas licenciaturas têm regime jurídico distinto das demais, pelo que não é de aplicar ao Recorrente, que tirou uma licenciatura científico-tecnológica, em Biologia Aplicada aos Recursos Animais.
Assim, a média do curso do Recorrente deverá ser calculada nos termos, não só do Regulamento Pedagógico, mas também da Portaria nº1022/82 e do Regulamento de Estágios Profissionalizantes.
Ora, entende o Recorrente que o Regulamento Pedagógico não contraria estes dois últimos normativos.
Vejamos:
Quanto à não aplicação, no caso sub judicio, da Portaria nº 792/81, relativa às licenciaturas em ensino, tem o Recorrente toda a razão e sobre isso já nos pronunciámos supra, pelo que é errada a aplicação dessa Portaria, feita na sentença recorrida, erro que acaba por ser irrelevante, porque a norma dessa Portaria sobre classificação final das licenciaturas é idêntica ao ponto 7 do Regulamento dos Estágios Profissionalizantes, esse sim aplicável à situação dos autos, como, aliás, a sentença recorrida também considerou.
Portanto, a situação sub judicio, em que estamos perante uma licenciatura de índole científico-tecnológica, rege-se pela Portaria nº1022/82 e pelo Regulamento de Estágios Profissionalizantes, ambos publicados no DR.
Ora, quer o artº8º, nº1 da referida Portaria, quer o ponto 7 do referido Regulamento de Estágios Profissionalizante, ambos já atrás transcritos, determinam que para cálculo da classificação final das licenciaturas se proceda a um único arredondamento até à unidade, o da média final, depois de feita a média aritmética, ponderada, das classificações do 5º ano e da média do 1º ao 4º ano.
O Regulamento Pedagógico permite dois arredondamentos até à unidade- um relativo à média dos 1º e 4º anos e outro relativo à média final.
A questão é saber até que ponto vai o poder regulamentar da FC nesta matéria, pois não nos oferece dúvida, contrariamente, ao que defende o Recorrente, que o Regulamento Pedagógico, neste ponto, contraria o artº8º da Portaria nº1022/82 e o Regulamento de Estágios Profissionalizante.
É verdade que a Universidade de Lisboa, como estabelecimento de ensino superior goza de autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira, nos termos do artº76º, nº2 da CRP, a qual é concretizada na Lei nº 108/88, de 24.09 (cf. artº3º e 7º) e nos Estatutos da Universidade de Lisboa, publicados no DR II Série de 09.07.91(cf. seu artº4º e 9º)
Assim e no exercício da autonomia pedagógica, o Conselho Pedagógico da FC, pode emitir regulamentos com eficácia externa em determinadas matérias, sem necessidade expressa de previsão legal, dado as relações especiais de poder existentes entre a FC e os alunos que a frequentam e a necessidade de as disciplinar juridicamente através de normas que fixem direitos e deveres recíprocos para cada um.
Esse é o campo dos chamados regulamentos independentes ou autónomos.
Mas esses regulamentos, também chamados praeter legem, só podem existir em matérias em que não haja reserva de lei, ou em que a lei as não discipline, ou ainda em que a lei não reserve a um qualquer órgão administrativo competência para criar essa disciplina através de regulamento delegado.
Portanto, a autonomia pedagógica da FC, o seu poder regulamentar próprio tem limites, podendo ser praeter legem, mas não contra legem.
A FC pode também emanar regulamentos de execução, que são típicos regulamentos secundum legem.
Ora, no presente caso, a lei ( aqui usada em sentido geral, incluindo portanto a Portaria, que é, no fundo, um regulamento ministerial) dispôs expressamente sobre o modo de cálculo da classificação final das licenciaturas de índole científico-tecnológica na FC, no citado artº8º da Portaria nº1022/82, emanada ao abrigo do artº2º, nº3 do DL 173/80.
O modo de cálculo ali previsto não precisava de qualquer desenvolvimento para ser aplicável, excepto quanto aos coeficientes de ponderação, único aspecto, nesta matéria, que se deixou ao poder regulamentar da FC, nos termos do nº2 do citado artº 8º da referida Portaria, e que vieram a ser estabelecidos no ponto 7 do Regulamento de Estágios Profissionalizantes, publicado no DR.
Portanto, não podia a FC usar do seu poder regulamentar próprio para alterar a referida norma da Portaria, já que esta lhe é hierarquicamente superior.
E não podia também, a pretexto de estar a desenvolver aquele artº8º da Portaria, vir estabelecer um duplo arredondamento, ali não previsto e que não é necessário para aplicação da citada norma, sendo certo que os regulamentos de execução visam tornar exequível uma norma que, sem eles, o não seria, não interpretar ou integrar lacunas da lei, ou de outros diplomas hierarquicamente superiores, o que só estes podem fazer. Isto é, são meios ou instrumentos para uma efectiva e boa execução da lei, não podendo restringir ou ampliar os direitos e obrigações contidos nela.
Consequentemente, o artº6º do Regulamento Pedagógico ao permitir um duplo arredondamento, que o artº8º da referida Portaria não permite, nem necessita para cálculo da média final das licenciaturas ali previstas e que pode ter consequências a nível dessa média, está em desconformidade com o referido diploma, e, por isso, é ilegal.
Finalmente, dir-se-á, quanto à matéria levada à conclusão IV das alegações do Recorrente que, além da alegação ser insuficiente para aferir da invocada identidade de situações, nunca poderia a sentença recorrida violar o princípio da igualdade contido no artº5º, nº1 do CPA e no artº13º, nº1 da CRP, pelo facto de, em recurso contencioso de acto com idêntico conteúdo, mas com outro destinatário, esse outro destinatário ter visto o acto consolidado na ordem jurídica, por a autoridade recorrida não ter recorrido da sentença do TAF, que concedeu provimento ao recurso.
Como também não se vislumbra, e o recorrente nada alega, que permita concluir pela invocada violação do nº2 do artº266º da CRP.
Improcedem, pois, as conclusões XVI a XXI.
Pelas supra razões referidas, a sentença, nesta parte, é de manter.
*
IV- DECISÃO
Termos em que acordam os juízes em negar provimento ao recurso jurisdicional, mantendo a decisão recorrida, com a apontada fundamentação.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em €300 e a procuradoria em 50%.
Lisboa, 12 de Julho de 2007. Fernanda Xavier (relatora) – Jorge de Sousa – Rosendo José (vencido).
Considero que o recorrente tem razão porquanto o artº 8º nº1 da Portaria 1022/82 é bem claro ao distinguir as diversas componentes da média de curso:
- das disciplinas;
- dos estágios e
- de seminários.
Ora, a média das disciplinas das licenciaturas de índole científico-tecnológica é arredondada nos termos do Regulamento de estágios profissionalizantes do ponto 7 do regulamento.
E, a classificação de estágio fará depois média nos termos do citado artº 8º nº1 com a das disciplinas.
A forma de calcular e arredondar a média das disciplinas não confronta nem exclui o arredondamento do cit. artº8.
E, à média das disciplinas aplica-se o Regulamento Pedagógico da Escola.
Concederia pois, provimento ao recurso jurisdicional e ao recurso contencioso.
Rosendo José.