Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01347/13
Data do Acordão:09/09/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:CONTRIBUIÇÃO AUTÁRQUICA
OPOSIÇÃO
LEGITIMIDADE
BENS
FUNDAMENTO DA OPOSIÇÃO
Sumário:I - Constitui fundamento admissível de oposição à execução a ilegitimidade substantiva do oponente, fundada no facto de este, apesar de figurar como devedor no título executivo, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o proprietário e possuidor dos bens imóveis que a originaram [cfr. art. 204.º, n.º 1, alínea b), do CPPT].
II - Esta excepção à impossibilidade de discutir em sede de oposição à execução fiscal a legalidade concreta da liquidação que deu origem à dívida exequenda quando a lei faculta meio de impugnação judicial desse acto, é admitida relativamente aos tributos cujo elemento definidor da incidência subjectiva é a posse, fruição ou propriedade de bens, como acontece com a Contribuição Autárquica.
Nº Convencional:JSTA000P19352
Nº do Documento:SA22015090901347
Data de Entrada:08/06/2013
Recorrente:ASSOCIAÇÃO A............
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. ASSOCIAÇÃO A…………, com os demais sinais dos autos, interpõe recurso da decisão proferida pelo TAF do Porto, a fls. 208 a 221 dos autos, que julgou improcedente a oposição que deduziu à execução fiscal nº 1821 2002 01049062, instaurada por dívidas de Contribuição Autárquica, no valor total de € 15.320,35 e acrescido.
Rematou as alegações de recurso com o seguinte quadro conclusivo:

1. A recorrente deduziu oposição à execução fiscal, alicerçando a sua defesa, de forma sinóptica, em três fundamentos: a sua ilegitimidade, por não ser proprietária dos imóveis em causa; o facto de ser uma cooperativa de habitação económica e, como tal, isenta de contribuição autárquica; e, sem prescindir, impugnou as liquidações efectuadas em virtude de erróneos pressupostos de avaliação.

2. A sentença em crise considerou que a oposição deduzida pela recorrente não assenta em nenhum dos fundamentos legais, previstos no artigo 204º do CPPT, julgando procedente a excepção de impropriedade do meio processual, sem possibilidade de convolação no meio processual adequado.

3. O Tribunal “a quo” não se pronunciou, como estava obrigado, relativamente aos restantes fundamentos aduzidos pela recorrente na oposição, dado que foram tempestivamente alegados e no articulado próprio.

4. Não o tendo feito, o Tribunal “a quo” violou os artigos 199º, 493º, 494º, 495º e 496º, do Código de Processo Civil e, bem ainda, o artigo 204º do CPPT;

5. Pelo que deverá ser revogada a sentença recorrida, ordenando-se a baixa dos autos à primeira instância, para ser substituída por outra que, produzida a prova pertinente, conheça do mérito dos fundamentos de oposição invocados.


1.2. A Fazenda Pública, ora Recorrida, não apresentou contra-alegações.


1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que se devia conceder provimento ao recurso, com a seguinte argumentação:
«(…)
Emitindo parecer:
É de reconhecer mérito ao recurso interposto quanto ao acima referido primeiro fundamento que, enquadrando-se na al. b) do nº 1 do art. 204º do CPPT, que não será de considerar por abrangido pelo fundamento utilizado de se verificar erro na forma do processo e sem possibilidade de convolação.
Com efeito, o que se invoca obtém sustentação no já decidido na jurisprudência e na doutrina citados no ac. do S.T.A. de 27-2-13, proferido no proc. 695/12, acessível em www.dgsi.pt, de que se reproduz o respectivo sumário:
I - Tendo a recorrente invocado como causa de pedir, em sede de oposição à execução fiscal, entre outros fundamentos, o facto de não ser proprietária ou possuidora de fracções autónomas sujeitas a tributação em IMI no período a que respeita a dívida exequenda, e tendo pedido que «seja declarada como parte ilegítima, nos autos de execução, com todas as legais consequências» haverá de se concluir que formulou também um pedido principal adequado à forma processual adoptada - oposição à execução fiscal.
II - Esta ilegitimidade substantiva, que se relaciona com a dívida exequenda e com o respectivo título e não com a incidência do tributo, constitui fundamento de oposição à execução fiscal nos termos da al. b) do nº 1 do art. 204º do Código de Procedimento e Processo Tributário, pela que não se verifica uma situação de erro na forma do processo, determinante da absolvição da Fazenda Pública da instância.
Concluindo:
Parece que o recurso deve proceder, sendo de anular o decidido, termos do ora previsto no art. 193.º n.º 1 do C.P.C., subsidiariamente aplicável, sendo de determinar que em oposição se conheça ainda do dito fundamento de ilegitimidade após produzida a pertinente prova, nos termos do ora previsto no art. 193.º n.º 1 do CPC, subsidiariamente aplicável.

1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir.


2. Na decisão recorrida consta como provada a seguinte matéria de facto:
1. Pelo Serviço de Finanças de Matosinhos 1 foi instaurada 09/05/2002 à aqui Oponente ASSOCIAÇÃO A…………, NIPC ………, a Execução Fiscal nº 1821200201049062 por dívidas de Contribuição Autárquica relativas ao ano de 1999, tendo por base as três (3) certidões de dívida de 09/05/2002 (constantes de fls. 118 a 120 dos autos) no valor respetivo de 5.503,77 €, de 5.503,77 € e de 4.312,81 €, perfazendo um total de dívida exequenda de 15.320,35 € e acrescido - (cfr. fls. 117-120 e 127 dos autos).

2. As dívidas de Contribuição Autárquica objeto de cobrança coerciva no processo de execução fiscal respeitam às notas de cobrança nº 995007344618 21116, nº 995007344961821124 e nº 995007344961821213, nos valores de 5.503,77 €, de 5.503,77 € e de 4.312,81 €, respetivamente, cuja data de pagamento voluntário havia terminado em 30/09/2000, e referem-se aos prédios urbanos elencados no respetiva liquidação - (detalhe de liquidação constante de fls. 121-122 e 125-126 dos autos, cujo teor integral se dá aqui por reproduzido) - (cfr. fls. 117-120, fls. 127 e fls. 121-122 e 125-126 dos autos).

3. A citação da aqui Oponente para a Execução Fiscal foi concretizada em 16/01/2004, tendo sido efetuada por ofício de 09/01/2004 remetido por correio registado (cfr. fls. 27 e 127 dos autos).

4. A Petição Inicial da presente oposição foi remetida ao Serviço de Finanças por correio eletrónico no dia 16/02/2004 (cfr. fls. 181 dos autos), tendo o seu original e respetivos documentos sido apresentada no Serviço de Finanças de Matosinhos 1 no dia 18/02/2004 - (cfr. fls. 2 dos autos).


3. O presente recurso vem interposto da decisão que julgou improcedente a oposição que a ora recorrente deduziu à execução fiscal contra si instaurada para cobrança de dívidas emergentes de actos liquidação de Contribuição Autárquica, no entendimento de que as questões colocadas na petição comportavam a apreciação da legalidade em concreto dessas liquidações, não constituindo fundamento para processo de oposição, mas, sim, para processo de impugnação judicial, tendo, por via disso, ocorrido erro na forma do processo, não sendo já possível proceder à convolação para o meio processual adequado.
Como se deixou afirmado na sentença recorrida, «vêm invocados pela Oponente na presente Oposição à Execução Fiscal os seguintes fundamentos, que assim compõem a causa de pedir da presente ação, tal como ela foi configurada na Petição Inicial (cfr. artigo 660º nºs 1 e 2 do CPC):
- a sua ilegitimidade, invocando (nos termos que expõe nos artigos 4° a 33° da sua Petição Inicial) não ser a proprietária ou possuidora de algumas frações autónomas, que identifica, relativamente às quais foi liquidada a Contribuição Autárquica de 1999, por terem à data sido já alienadas e entregues aos compradores, sustentando terem as mesmas sido erradamente incluídas nas notas de liquidação em causa; que de qualquer forma a Oponente estava isenta de Contribuição Autárquica;
- a incorreção das liquidações efetuadas (nos termos que expõe nos artigos 34° a 33° da sua Petição Inicial) sustentando em suma que as liquidações de Contribuição Autárquica em causa foram incorretamente efetuadas por se terem suportado em avaliações dos imóveis (efetuadas em 1994) também elas erróneas, fundadas em critérios de avaliação errados e em informações erróneas, com atribuição de valores tributários muito superiores àqueles que lhes deveriam ter sido atribuídos, pugnando deverem as avaliações dos imóveis, efetuadas em 1994, ser declaradas erradas e ilegais ordenando-se a sua anulação bem como a consequente anulação das liquidações de Contribuição Autárquica efetuadas após aquelas avaliações, (…).
O Oponente não aduz, assim, na petição inicial algum dos fundamentos legais pelos quais possa deduzir oposição à execução fiscal.
Como muito claramente se vê, o que a Oponente pretende discutir são os fundamentos das liquidações de Contribuição Autárquica em cobrança coerciva, no que se refere aos pressupostos de facto e de direito em que as mesmas assentaram. O que faz quer no que se refere à sua incidência subjetiva, sustentando ter sido erroneamente imputada a obrigação de imposto relativamente a algumas das frações autónomas sobre as quais foi liquidada Contribuição Autárquica, quer no que se refere à errónea quantificação da matéria coletável que invoca decorrer do erro na avaliação dos prédios urbanos sobre que incidiu a Contribuição Autárquica.
Mas isso a lei não lho consente que faça no âmbito do processo de Oposição à Execução.».

A oponente insurge-se contra a decisão, mediante o presente recurso, sustentando, em suma, que a invocada ilegitimidade por não ser a proprietária nem a possuidora dos imóveis em causa à data a que se refere o imposto em cobrança constitui fundamento de oposição à execução fiscal, previsto na alínea b) do artigo 204.º, n.º 1, do CPPT.
Vejamos.
Como tem sido repetidamente salientado pela doutrina e pela jurisprudência, é pelo pedido que se afere a adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado: se o pedido formulado pelo autor não se ajusta à finalidade abstractamente figurada pela lei para essa forma processual, ocorre o erro na forma do processo (Cf., entre outros, RODRIGUES BASTOS, in “Notas ao Código de Processo Civil”, 3ª ed., 1999, pág. 262; ANTUNES VARELA, in RLJ 115, pág. 245 e segs; Acórdão do STJ de 12/12/2002, no proc. nº 3981/02, in Sumários, 12/2002; Acórdão da R.Coimbra de 14/3/2000, in BMJ 495, pág. 371; Ac. R.Évora de 12/11/98, in Col. Jur. Ano XXIII, T5, pág. 256; Acórdão da R.Lisboa de 19/1/1995, in Col. Jur. Ano XX, T1, pág. 95, e Acórdão da R.Porto de 5/7/1990, in Col. Jur. Ano XV, T4, pág. 201.). No STA, os Acórdãos de 25/01/2012, no proc. nº 0866/11, de 28/03/2012, no proc. n.º 01145/11, e de 8/07/2015, no proc. nº 0606/15.). O que significa que a correcção ou incorrecção do meio processual utilizado pelo autor (nomeadamente no que concerne ao tipo de acção por si escolhido para atingir o fim por si visado) se afere pela pretensão de tutela jurisdicional que ele pretende atingir; e a chamada inadequação ou inidoneidade do meio processual utilizado consiste, precisamente, na discrepância ou desarmonia entre a espécie processual de que se lançou mão e o propósito que, com ela, processualmente se visava atingir.
No que concerne à oposição a execução fiscal, ela visa, em regra, a extinção (total ou parcial) da execução fiscal, mas pode também ter por finalidade a própria suspensão da execução – como acontece nos casos em que a exigibilidade da dívida está temporariamente suspensa, designadamente por força da concessão de uma moratória, da suspensão da eficácia do acto de liquidação, ou da própria suspensão da execução fiscal.
Ora, lida a petição inicial e os pedidos que nela são formulados, verifica-se que o que a oponente pretende, em primeira linha, é obter a extinção da execução fiscal em si, face à sua invocada ilegitimidade para tal execução (pedido principal). E tal pedido adequa-se perfeitamente ao processo de oposição, pelo que se nos afigure incorrecta a decisão de que a oponente incorreu em erro na forma de processo.
A circunstância de as causas de pedir gizadas não constituírem, porventura, fundamentos válidos de oposição à luz do disposto no artigo 204.º do CPPT, não constitui motivo para dar por verificada uma nulidade processual por erro na forma de processo, mas, antes, motivo para a improcedência do pedido com base nessa causa de pedir.
Em suma, não podia ter-se julgado, como se julgou, que o meio processual utilizado não é o adequado para o pedido principal formulado na oposição.
Questão diversa é a de saber se os fundamentos invocados são admissíveis como fundamentos legítimos de oposição à execução fiscal, ou se, pelo contrário, não foi alegado qualquer dos fundamentos admitidos no nº 1 do art. 204.º do CPPT, o que configuraria motivo de improcedência da oposição. E, nesta matéria, assiste razão à recorrente, pois os factos articulados como fundamento da sua ilegitimidade – e que se reconduzem à invocação de que não era proprietária nem possuidora dos imóveis no ano a que se reporta a dívida exequenda - podem subsumir-se ao segundo tipo de ilegitimidade previsto na alínea b) do artigo 204.º do CPPT, ou seja, à que decorre do facto de a pessoa citada, embora figurando no título como executada, «não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram».
Com efeito, está em causa uma obrigação tributária proveniente de liquidação de um imposto cujo elemento definidor da incidência subjectiva é a propriedade de bens imóveis, e tendo a execução fiscal sido instaurada contra o sujeito que consta do título executivo como proprietário/devedor, pode vir a verificar-se, no âmbito da execução, que a obrigação respeita a um período em que era proprietário dos bens outra pessoa, contra a qual a execução fiscal pode vir a reverter nos termos do artigo 158º do CPPT (Para maiores desenvolvimentos, vide JORGE LOPES DE SOUSA, in “Código de Procedimento e Processo Tributário, Anotado”, III Vol., anotações 12 e 13 ao art. 204º, págs. 453/454 e anotações 6 e 8 a 10 ao art. 158º, págs. 103 e 104 a 106 e, na jurisprudência do STA, entre outros, o Acórdão de 27/02/2013, no proc. 695/12.) .
Ora, como se deixou salientado no Acórdão desta Secção de 8/07/2015, no proc. nº 0606/15, trata-se de uma das excepções à regra geral de que não é possível discutir em sede de oposição a legalidade da liquidação que deu origem à dívida exequenda. «Na verdade, nas referidas situações admite-se que seja questionada a legalidade da liquidação quanto à sua incidência subjectiva, mas essa possibilidade excepcional justifica-se pela «falta de verificação, pela administração tributária, dos pressupostos fácticos do acto de liquidação, relativamente a tributo deste tipo e na constatação de um erro que lhe é imputável», pois, «para proceder à liquidação destes tributos, não é recolhida qualquer informação do contribuinte através de declaração, nem é feita qualquer indagação sobre quem é o real proprietário, fruídos ou possuidor dos bens referidos, antes se efectuando a liquidação a partir do conhecimento da qualidade de proprietário que conste dos registos da administração tributária ou de outros serviços públicos» (…). Ora, uma das situações (outra dessas situações é a respeitante ao Imposto Municipal sobre Imóveis e às extintas e Contribuição Predial) em que a propriedade de determinados bens é pressuposto da incidência do tributo em causa, é precisamente o IUC, pois o art. 3.º do respectivo Código dispõe no seu nº 1: «São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados».

O que significa que no processo de oposição pode reconhecer-se a ilegitimidade do executado relativamente aos tributos que incidam sobre a propriedade mobiliária e imobiliária, não só nos casos em que se constate que ele não era possuidor (como deriva do texto da alínea b) do nº 1 do art. 204º), como nos casos em que se constate que ele não era o proprietário no período a que respeita a dívida exequenda e a lei faça depender a incidência do tributo dessa qualidade - neste sentido, entre outros, os acórdãos do STA de 14/03/2003, no proc nº 1473/03, de 05/06/2002, no proc. nº 026298, de 24/03/2004, no proc. n.º 1474/03, de 15/03/2006, no proc. n.º 843/05, de 18/06/2013, no proc. nº 1276/12, e de 27/02/2013, no proc. nº 0695/12 .
Por conseguinte, contrariamente ao decidido, a alegação factual aduzida na petição inicial integra, pelo menos nesta parte, uma situação susceptível de subsunção no rol dos fundamentos de oposição à execução fiscal, mais concretamente na alínea b) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT. Razão por que se impõe revogar a decisão recorrida e, visto que este Tribunal não dispõe de base factual para decidir a causa, ordenar a baixa dos autos à 1ª instância a fim de que, produzida a prova pertinente, se aprecie o mérito da causa, caso a tal nada mais obste.

4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida, e ordenar a baixa dos autos à 1ª instância para ser substituída por outra que, produzida a prova pertinente, conheça do mérito da causa, se a tal nada mais obstar.
Sem custas.

Lisboa, 9 de Setembro de 2015. – Dulce Neto (relatora) – Isabel Marques da SilvaPedro Delgado.