Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0191/16
Data do Acordão:09/14/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
ILEGALIDADE DA DÍVIDA EXEQUENDA
Sumário:I - Findo o prazo para pagamento voluntário do tributo liquidado, a AT deve extrair a certidão de dívida e instaurar a execução fiscal, não tendo de aguardar o decurso do prazo da impugnação judicial, nem de aguardar a decisão final dessa impugnação, caso esta tenha já sido interposta (cfr. arts. 88.º, n.ºs 1 e 4, e 188.º, n.º 1, do CPPT).
II - Como resulta do disposto no art. 52.º, n.ºs 1, 2 e 4, da LGT e no art. 169.º do CPPT, a pendência de impugnação judicial só pode ser fundamento de suspensão da execução fiscal se for prestada garantia ou a prestação da garantia for dispensada pela AT.
III - A alegada não verificação dos pressupostos fácticos e de direito considerados pela entidade exequente na liquidação do tributo exequendo (de cuja falta de pagamento voluntário resultou a emissão do título executivo) não constitui fundamento de oposição à execução fiscal, pois tal alegação reconduz-se à ilegalidade concreta da liquidação, a qual só pode erigir-se em fundamento de oposição à execução fiscal nas situações em que «a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação» [cfr. alínea h) do art. 204.º, n.º 1, do CPPT], ou seja, quando a dívida exequenda não tenha origem em acto tributário ou administrativo prévio.
Nº Convencional:JSTA000P20880
Nº do Documento:SA2201609140191
Data de Entrada:02/19/2016
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional do despacho de rejeição liminar proferido no processo de oposição à execução fiscal com o n.º 608/12.1BESNT

1. RELATÓRIO

1.1 A…………………………….. (adiante Executada, Oponente ou Recorrente) recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul da decisão por que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra rejeitou liminarmente a oposição que deduziu à execução fiscal instaurada contra ela para cobrança de dívida proveniente de Imposto Municipal sobre as Transmissões (IMT).

1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«I- Surgem as presentes alegações no âmbito do Recurso interposto, ao abrigo dos normativos do CPPT da decisão de fls. 103 a 105 que rejeitou liminarmente a oposição deduzida por entender não se enquadrar em nenhum dos fundamentos admitidos pelo art. 204.º n.º 1 do CPPT que em consequência julgou extinta instância de oposição e com o que a recorrente não se pode conformar nem concordar.

II- Surge a oposição fiscal, dentro da qual é interposto o presente recurso na sequência de citação concretizada no âmbito da Execução fiscal n.º 1503201201085492 que tinha como objecto a cobrança coerciva de IMT e correspondentes juros de mora relativo à aquisição graciosa pela executada de determinados imóveis que contudo nem existiu aquisição onerosa dos prédios, nem tão pouco ocorreu essa aquisição sobre a totalidade dos imóveis, mas tão só de parte deles.

III- Fazendo a sucessão de factos ocorridos antes da instauração da execução, a Recorrente por ofício n.º 1296 de 09.02.2012 foi notificada pelo Serviço de Finanças de Almada 3 Costa da Caparica, local da situação dos imóveis, que fora realizada uma liquidação adicional de IMT e de Imposto de Selo em função de avaliação efectuada, segundo então se dizia nos termos do art. 31.º n.º 2 e n.º 4 do CIMT com fundamento nos arts. 12.º n.º 1 e 14.º n.º 4 do CIMT e no art. 27.º n.º 1 a) do DL 287/2003 de 12 de Novembro que aprova o CIMI e o CIMT, sendo expressamente a oponente notificada de que podia reclamar ou impugnar a liquidação efectuada nos termos e prazos estabelecidos nos arts. 70.º, 99.º e 102.º do CPPT.

IV- Correspondendo o primeiro destes ao processo de reclamação graciosa e os sequentes ao processo de impugnação judicial qualquer deles poderia ser deduzido no prazo de 90 dias contados a partir da notificação do acto tributário - liquidação.

V- Ou seja, dado que a notificação do prazo tributário foi efectuada a 16.04.2012, a dedução de reclamação ou impugnação terminava a 15.07.2012.

VI- Apesar de que os serviços fiscais interpõem indiscriminadamente as execuções fiscais estando ainda a decorrer prazo para impugnação e quando o sujeito tributário não se opõe se considerarem confessados os actos apostos na execução, o certo é que sendo o acto tributário susceptível de impugnação, e segundo os princípios básicos de direito, obviamente que a quantia liquidada nunca poderia ser objecto de cobrança coerciva antes do termo do prazo impugnatório.

VII- Porém a necessidade formal da presente oposição é precisamente o resultado exclusivo de ter sido interposta mecanicamente a correspondente execução fiscal já na pendência da impugnação judicial não podendo o contribuinte ser lesado nos seus direitos de defesa por a Fazenda Nacional intentar execuções sem prévia decisão impugnatória pelo que a oposição só seria imprópria se as Finanças tivessem que ter em conta os prazos de impugnação e não intentassem automaticamente execuções fiscais em que a não oposição do executado poderia ter como consequência a perda do seu direito de impugnação.

VIII- No caso concreto a situação ainda é mais grave, porquanto, já prevendo toda esta situação, a aqui Recorrente deduziu impugnação judicial da liquidação efectuada nos meros vinte dias posteriores a ter sido notificada das liquidações, sendo a petição de impugnação judicial entregue no serviço periférico local a 01.03.2012 o qual a partir daí teve, não só conhecimento da impugnação, como instruiu o correspondente processo que remeteu ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada onde foi distribuído à 2.ª Unidade Orgânica sob o n.º 252/12.3BEALM e nesse processo foi a Fazenda Pública notificada por despacho de 23.03.2012 da admissão liminar da impugnação e para deduzir contestação.

IX- Para além de a impugnação ter efeito suspensivo até notificação expressa para o efeito realizada pelo tribunal ao contribuinte, o certo é que o montante do IMT pedido na execução é rigorosamente o mesmo que o constante da liquidação impugnada.

X- De tudo isto se verifica que a execução foi intentada quando a dívida exequenda estava impugnada judicialmente, a impugnação já fora admitida em juízo e estava a correr prazo para a Fazenda a contestar o que determina que e atento até o efeito suspensivo da impugnação judicial, tudo do conhecimento da Fazenda Pública a execução é absolutamente inválida e ilegal, bem como o é a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda face ao meio judicial da impugnação o que determina uma duplicação de colecta.

XI- Acresce que a execução teve como origem os documentos, liquidações e ofício sobre o IMT e Imposto de Selo, no caso concreto desta oposição sobre a avaliação dos bens supostamente adquiridos com consequências na liquidação adicional do IMT nos termos da parte final do número 2 do artigo 31.º do CIMT com fundamento nos artigos 12.º, número 2, e 14.º, número 4, do mesmo Código e como resulta dessa notificação, esta foi feita em consequência de nova avaliação de imóveis transmitidos segundo os critérios do próprio decreto que aprovou o IMI e que se traduz em ser feita avaliação logo que transmitidos imóveis ao abrigo, quer desse Código, quer sujeitos ao IMT.

XII- Mesmo que de transmissão onerosa se tratasse, face aos conceitos de prédio definidos no CIMI nunca o facto tributário daria origem à actualização e a nova liquidação do imposto, porquanto no caso concreto, o pretenso facto tributário teve como fundamento uma escritura de partilha outorgada a 21.03.2007 no Cartório Notarial de ……………… em Lisboa, partilha essa que foi feita pela Recorrente, como viúva de B…………. com quem era casada no regime da comunhão geral, e a filha do mesmo falecido C……………….. conforme documento junto aos autos.

XIII- Por isso, se a escritura de partilha referida tem por objecto bens que faziam parte do património comum do referido dissolvido casal, a Recorrente era já titular do direito de acção a 1/2 desses imóveis, tendo sido unicamente transmitido na escritura de partilhas e face a essa prévia titularidade o direito de acção sobre 1/2 dos imóveis, não havendo lugar a uma efectiva transmissão dos imóveis para efeitos de reavaliação.

XIV- Por isso, para além da ilegalidade de propositura da presente execução, está em causa, não só a quantificação da avaliação, mas a própria avaliação feita em termos de IMT sobre a transmissão onerosa de direitos sobre imóveis, a qual é ilegal porque não existiu qualquer transmissão do imóvel enquanto tal, e nem sequer teve em conta a proporcionalidade do direito transmitido, não se podendo estar a exigir IMT sobre a totalidade do valor tributário actualizado, de co-titular e tudo se reconduzindo, também, à inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor em relação à obrigação que foi tributada e que por seu turno determina também a ilegalidade da liquidação da divida exequenda.

XV- A prévia ilegalidade da interposição da execução teve, por isso, como fundamento a ilegalidade da liquidação da dívida por força da duplicação da colecta do valor impugnado judicialmente e do constante do título executivo, bem como da própria ilegalidade da liquidação decorrente da inaplicabilidade do imposto ao caso concreto, violando, ao indeferir liminarmente a oposição, a decisão recorrida os arts. 70.º, 99.º, 102.º, 103.º n.º 4 e 204.º n.º 1 a) g) e h) todos do CPPT, bem como do art. 1.º do CIMT.

Nestes termos e nos demais de direito deve o presente recurso ser julgado procedente e provado e por via dele ser revogada a decisão recorrida na totalidade a qual determinou a extinção da instância e substituída por outra que admita e mantenha a instância de oposição, enquanto contestação material e substancial de liquidação ilegal com o que se fará a costumada JUSTIÇA».

1.3 O Tribunal Central Administrativo Sul julgou-se incompetente em razão da hierarquia, indicando como tribunal competente o Supremo Tribunal Administrativo, ao qual o processo foi remetido a requerimento da Oponente.

1.4 Recebidos neste Supremo Tribunal Administrativo, os autos foram com vista ao Ministério Público, e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso com seguinte fundamentação:

«Tendo sido indeferida liminarmente a oposição, vem a recorrente alegar no sentido de existirem os fundamentos invocados por referência às alíneas a), g) e h) do art. 204.º do CP.P.T.
Parece não ser de lhe reconhecer razão, sendo antes de considerar o indeferimento liminar bem fundado no art. 209.º al. b) do C.P.P.T, ainda que a oponente tinha invocado a invalidade e ilegalidade da execução, bem como que o facto tributário, partilha de bens, não existia, por a oponente ser já anteriormente titular de direito de acção a 1/2 dos imóveis.
Com efeito, não resulta ilegalidade abstracta, pois a mesma tinha de se fundar em ilegalidade da própria lei aplicada, o que não foi invocada, mas apenas a aplicação que em concreto foi efectuada.
Também não existe duplicação de colecta, por o imposto em causa, I.M.T., não resultar ter sido pago.
E para que ocorresse o fundamento previsto na al. h) do dito art. 204.º, deveria resultar a impossibilidade de ter sido instaurada execução, o que no caso não resulta, não tendo a oponente requerido a prestação de garantia, tal como resulta da impugnação que consta a fls. 63 [(Permitimo-nos corrigir o manifesto lapso de escrita: escreveu-se 93 onde queria dizer-se 63.)] a 68 nem prestado posteriormente a mesma ou requerido a sua dispensa.
Aliás, o tempestivo requerimento para a prestação de garantia é o que se encontra previsto nos arts. 69.º al. f) e 103. n.º 4 do C.P.P.T. para que possa ser obtida a suspensão da eficácia do acto de liquidação, conforme explicita Jorge Lopes de Sousa em CPPT Anotado e Comentado, 6.ª ed., 2011, vol. III, p. 501.
E no sentido de que a lei impõe até que, findo o prazo de pagamento voluntário, seja extraída certidão da dívida em causa e instaurado o processo executivo é o que se pode ler na conclusão do sumário do acórdão do S.TA. proferido a 25-9-13, no proc. 1377/13, acessível em www.dgsi.pt ainda que admitindo excepções, as quais no presente caso não ocorrem, não sendo, assim, de julgar excessivo o indeferimento liminar a que se procedeu».

1.5 Foi dada vista aos Conselheiros adjuntos.

1.6 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra fez correcto julgamento ao indeferir liminarmente a petição inicial, o que, como procuraremos demonstrar, passa por indagar, i) da legalidade da instauração da execução fiscal no decurso do prazo para impugnar judicialmente a liquidação que deu origem à dívida exequenda e/ou na pendência dessa impugnação judicial, ii) da possibilidade de discutir em sede de oposição à execução fiscal a legalidade da liquidação de IMT ora em cobrança coerciva e, finalmente, iii) se a factualidade alegada pode subsumir-se a algum dos fundamentos de oposição à execução fiscal legalmente admissíveis.


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2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

A decisão recorrida que, sendo um despacho de indeferimento liminar, não fixou a factualidade provada, é do seguinte teor:

«A…………………….., com os demais sinais nos autos, veio deduzir Oposição à Execução Fiscal n.º 1503201201085492, que contra si corre no Serviço de Finanças de Cascais - 1.
A Oponente assenta a sua pretensão na ilegalidade da execução fiscal e da dívida exequenda.
Cumpre apreciar liminarmente.
No artigo 204.º do C.P.P.T. estabelecem-se, taxativamente, os fundamentos de oposição à execução fiscal, como resulta do seu texto em que se refere que «a oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos».
A legalidade da liquidação da dívida exequenda apenas pode ser apreciada em sede de oposição à execução fiscal nas situações enquadráveis nas seguintes disposições:
– na alínea a) do n.º 1 do art. 204.º, se se tratar de uma ilegalidade abstracta, afectando a própria norma em que se baseia a liquidação;
– na alínea g), onde se prevê a duplicação de colecta, que se pode verificar quando estiver pago ao credor tributário o tributo que se pretende cobrar;
– na alínea h), quando se tratar de situação em que a lei não assegure meio de impugnação contenciosa do acto de liquidação.
Ora, a factualidade que a Oponente invoca na p.i. consubstancia matéria que diz respeito à legalidade do acto de liquidação, o que significa que não pode ser apreciada em sede de oposição à execução fiscal, sendo o meio próprio para tal a impugnação judicial do acto de liquidação.
Não sendo invocado qualquer vício de norma em que se tenha baseado a liquidação, nem que a lei não assegure a possibilidade de impugnação judicial do acto de liquidação subjacente à presente execução, não é possível, em sede de oposição, apreciar a legalidade do acto de liquidação do tributo em causa.
Por outro lado, a factualidade que a Oponente invoca como fundamento da ilegalidade da execução fiscal não se reconduz a nenhum dos fundamentos de oposição à execução previstos no artigo 204.º do CPPT.
Refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 209.º do CPPT que o juiz rejeitará logo a oposição quando não tenha sido alegado algum dos fundamentos admitidos no n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.
Ora, atenta a previsão contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 209.º do CPPT, forçoso é de concluir pela rejeição liminar da Oposição que originou os presentes autos.
Decisão
Termos em que, atento o supra exposto, se rejeita liminarmente a presente oposição à execução fiscal, por força do preceituado na alínea b) do n.º 1 do artigo 209.º do CPPT».


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2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

A ora Recorrente deduziu oposição à execução fiscal que foi instaurada contra ela para cobrança de uma dívida proveniente de IMT. Invocou, em síntese e por esta ordem: i) a inexequibilidade (insusceptibilidade de cobrança coerciva) da dívida enquanto não estiver esgotado o prazo para a impugnação administrativa ou judicial, tanto mais grave quanto, no caso, a Oponente deduziu impugnação judicial, motivo por que a instauração da execução fiscal quando a dívida exequenda tinha sido já impugnada viola o «efeito suspensivo da impugnação judicial»; ii) a ilegalidade da dívida exequenda, uma vez que inexiste facto tributário, pois não houve transmissão alguma de bens imóveis, mas uma mera transmissão da «titularidade do direito de acção sobre ½ dos imóveis», operada mediante escritura de partilhas, motivo por que não havia lugar a liquidação alguma e, muito menos, pelo valor por que a Administração tributária (AT) a efectuou.
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra indeferiu liminarmente a petição inicial nos termos que ficaram referidos em 2.1 e dos quais resulta, em resumo, que entendeu que a Oponente pretende discutir a legalidade em concreto da liquidação que originou a dívida exequenda, o que lhe está vedado em sede de oposição à execução fiscal, e, por outro lado, que a factualidade invocada não é susceptível de subsunção a nenhum dos fundamentos de oposição à execução fiscal previsto no art. 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
A Oponente recorre dessa sentença, insistindo na tese de que não podia a execução fiscal ter sido instaurada antes do termo do prazo para a impugnação judicial da liquidação que deu origem à dívida exequenda e muito menos o podia ter sido estando, como estava já, instaurada essa impugnação (cfr. conclusões I a X e XV) e de que essa liquidação enferma de ilegalidades várias (cfr. conclusões I, II e XI a XV). Assim, as questões que cumpre apreciar e decidir são as que deixámos enunciadas em 1.6.


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2.2.2 DA ILEGALIDADE DA INSTAURAÇÃO E PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL

A Recorrente reitera a tese que sustentou já na petição inicial – e sobre a qual a decisão recorrida não se pronunciou expressamente –, de que não é possível instaurar execução fiscal para cobrança da dívida resultante da liquidação de um imposto enquanto estiver a decorrer o prazo para a impugnação administrativa ou judicial daquela liquidação (pois «segundo os princípios básicos de direito, obviamente que a quantia liquidada nunca poderia ser objecto de cobrança coerciva antes do termo do prazo impugnatório») e, ademais, que no caso concreto essa impugnação judicial foi deduzida ainda antes de instaurada a execução fiscal, o que viola também o efeito suspensivo da impugnação judicial.
Esta questão da ilegalidade da instauração e do prosseguimento da execução fiscal não foi abordada expressamente na decisão recorrida, mas deve sê-lo agora (Note-se que, para o efeito, é irrelevante que a Recorrente tenha suscitado a questão em sede de recurso como erro de julgamento e não como omissão de pronúncia, pois sempre o Tribunal ad quem dela terá de conhecer, uma vez que «[o] juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito» (cfr. art. 5.º, no 3, do Código de Processo Civil). ).
Pretende a Recorrente que não é possível a AT instaurar a execução fiscal enquanto não estiver esgotado o prazo para a reclamação graciosa e para a impugnação judicial da liquidação que deu origem à dívida exequenda. Embora não invoque a norma ou normas legais em que alicerça essa impossibilidade, parece fazê-la decorrer dos «princípios básicos de direito». Vejamos:
Dispõe o n.º 1 do art. 88.º do CPPT: «Findo o prazo de pagamento voluntário estabelecido nas leis tributárias, será extraída pelos serviços competentes certidão de dívida com base nos elementos que tiverem ao seu dispor».
Por seu turno, o n.º 1 do art. 188.º estipula: «Instaurada a execução, mediante despacho a lavrar no ou nos respectivos títulos executivos ou em relação destes, no prazo de 24 horas após o recebimento e efectuado o competente registo, o órgão da execução fiscal ordenará a citação do executado».
Ou seja, após a liquidação do tributo, a obrigação do sujeito passivo, sendo certa, líquida e exigível, é susceptível de imediata execução (executoriedade). Esgotado que esteja o prazo legal para o pagamento voluntário da dívida correspondente ao acto de liquidação de um tributo, a Administração deve extrair o título executivo (certidão da dívida) e proceder à sua cobrança coerciva mediante execução fiscal (exequibilidade).
A lei não consagra qualquer dilação para que seja instaurada a execução fiscal, designadamente diferindo a instauração para depois do termo do prazo legal para a reclamação graciosa ou a impugnação judicial. Nem faria sentido que o fizesse, uma vez que há meios de impugnação graciosa e judicial sujeitos a prazos longos [chegando aos 4 anos, como resulta do art. 78.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária (LGT)], ou que, dependendo dos fundamentos invocados, não ficam sequer sujeitos a prazo (cfr. art. 102.º, n.º 3, do CPPT) ou vêem o dies a quo do prazo ser fixado em função de factos cuja localização temporal não é conhecida antecipadamente (cfr. art. 70.º, n.ºs 4 e 5, do CPPT).
Ou seja, a lei não faz depender a instauração da execução fiscal (a cobrança coerciva do imposto liquidado) do esgotamento do prazo para a reacção graciosa ou contenciosa contra o acto de liquidação que deu origem à dívida exequenda. Trata-se de uma concretização do denominado sistema de administração executiva, que é o nosso, nos termos do qual a lei permite que a AT elabore títulos executivos relativos às quantias que liquida e que não são pagas nos prazos de pagamento voluntário. Este sistema encontra a sua justificação na celeridade reclamada na arrecadação das receitas tributárias, que são a mais importante fonte de receita para fazer face à satisfação das necessidades públicas.
Do mesmo modo que inexiste obstáculo legal à instauração da execução fiscal antes de esgotados os prazos para impugnação do acto de liquidação do tributo, também não existe obstáculo ao prosseguimento da execução fiscal enquanto estiver por decidir a impugnação judicial desse acto (Em todo o caso, sem prejuízo das razões de celeridade que determinam a prossecução da execução fiscal quando ainda se discute a conformidade do acto de liquidação, a lei prevê a possibilidade de suspender a eficácia do acto de liquidação, ou seja, de suspender a tramitação do processo de execução fiscal, se bem que essa suspensão fique sujeita a requisitos exigentes.).
É certo que esse acto tributário de liquidação pode vir a ser modificado, designadamente por iniciativa do contribuinte, no processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial. Mas daí não advém a inexigibilidade da respectiva obrigação, que impediria a sua execução.
Como lapidarmente ficou dito no acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 10 de Maio de 2000, proferido no processo n.º 24624 (Publicado no Apêndice ao Diário da República de 23 de Dezembro de 2002
(http://www.dre.pt/pdfgratisac/2000/32222.pdf), págs. 1833 a 1835.), «os requisitos das dívidas exequendas tributárias prendem-se com o momento da sua exequibilidade (a certeza afere-se pela referência à determinação da prestação a efectuar, a liquidez pelo montante a prestar e a exigibilidade pelo vencimento e mora do devedor) enquanto que o acto tributário enforma o momento, necessariamente prévio, da constituição da obrigação tributária, através da aplicação de uma norma tributária material por um órgão da Administração. Desta diversidade de determinações da obrigação tributária resulta que na oposição à execução fiscal não é viável fundamentar-se o procedimento misturando a alegação da pendência da impugnação da legalidade do acto corporizado no título com a da falta de certeza, liquidez e exigibilidade da dívida exequenda».
Assim, o facto de a execução fiscal poder ser instaurada antes mesmo de a impugnação judicial ter sido decidida não contende com as garantias dos contribuintes, nomeadamente, com o direito à tutela jurisdicional efectiva (consagrado no art. 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa), pois o direito de impugnar o acto de liquidação sempre pode ser exercido, não obstante o acto estar em execução, desde que sejam respeitados os prazos legais para o efeito. Acresce que, como deixámos já dito, a AT pode proceder à execução do seu crédito (mediante execução fiscal) em momento anterior à propositura e julgamento do processo de impugnação, pois que o acto tributário, quando praticado por autoridade fiscal competente, «reveste a natureza de um título executivo de formação unilateral, que constitui o fundamento e os limites do poder executivo da Administração», pelo que «[e]nquanto a abstracção própria do título executivo se mantiver, por não ter sido destruída através dos meios próprios, no processo tributário gracioso ou nos processos judiciais adequados, os efeitos do acto tributário produzem-se nos precisos termos que dele constam», motivo por que «a Administração fiscal pode proceder à execução provisória do seu crédito, isto é, à execução anterior à propositura e julgamento do processo de impugnação» (Vide ALBERTO XAVIER, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, 1972, pág. 586 e seguintes.).
Sustenta também a Recorrente que a execução fiscal não deveria ter sido instaurada, nem prosseguir, por força do efeito suspensivo decorrente da instauração da impugnação judicial.
É certo que o n.º 4 do art. 103.º do CPPT dispõe: «A impugnação tem efeito suspensivo quando, a requerimento do contribuinte, for prestada garantia adequada, no prazo de 10 dias após a notificação para o efeito pelo tribunal, com respeito pelos critérios e termos referidos nos n.ºs 1 a 6 e 10 do artigo 199.º ».
No entanto, a Recorrente parece esquecer que, como resulta do preceito citado e também do disposto no art. 52.º, n.ºs 1, 2 e 4, da Lei Geral Tributária (LGT) e no art. 169.º do CPPT, a pendência de impugnação judicial só pode ser fundamento de suspensão da execução fiscal se for prestada garantia ou a prestação desta for dispensada pela administração tributária.
Ora, a Oponente não alegou ter prestado garantia ou ter sido dispensada dessa prestação; nem sequer alegou ter-se proposto prestar a garantia ou ter requerido a dispensa.
Por tudo o que ficou dito, não pode o recurso ser provido com fundamento no facto de a execução fiscal ter sido instaurada quando decorria ainda o prazo de impugnação judicial e de a sua prossecução violar o efeito suspensivo decorrente do facto de a Executada, ora Oponente, ter deduzido impugnação judicial, ainda não decidida (cfr. conclusões I a X e XV).


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2.2.3 DA LEGALIDADE DA DÍVIDA EXEQUENDA

A Oponente invocou também como fundamento da oposição à execução fiscal a ilegalidade da liquidação que deu origem à dívida exequenda, considerando que esse acto tributário de liquidação enferma de ilegalidades várias (cfr. conclusões I, II e XI a XV).
Como bem salientou a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra no despacho recorrido, os fundamentos admissíveis de oposição à execução fiscal são exclusivamente os que constam do rol taxativo do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.
Ora, apesar de a alínea h) do n.º 1 do invocado art. 204.º do CPPT possibilitar que a legalidade em concreto da liquidação se aprecie também em sede de oposição, tal possibilidade está limitada aos casos em que «a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação», o que não é, manifestamente, o caso dos autos, em que a liquidação teve origem em acto tributário (cfr. art. 268.º, n.º 4, da Constituição da República e arts. 99.º e 124.º, n.º 1, do CPPT).
A Recorrente defende que a factualidade que alegou relativamente à ilegalidade da liquidação integra o fundamento previsto na alínea a) do referido n.º 1 do art. 204.º do CPPT.
É manifesto que não. Como este Supremo Tribunal tem vindo a afirmar – e tantas vezes que se torna dispensável a indicação exemplificativa de arestos –, a ilegalidade prevista nesse preceito como fundamento de oposição à execução fiscal não reside directamente no acto que faz aplicação da lei ao caso concreto – ilegalidade em concreto –, mas na própria lei cuja aplicação é feita, decorrente da inexistência de lei em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação que preveja a sua liquidação ou da não autorização da sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respectiva liquidação – ilegalidade abstracta ou absoluta da liquidação (Vide JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, III volume, anotação 4 ao art. 204.º, págs. 443 a 446. ).
Ora, manifestamente, a ilegalidade a que se refere a Oponente na petição inicial é a ilegalidade em concreto, a resultante da aplicação da lei à concreta situação factual. Ela mesma o admite, ao afirmar que a invocada ilegalidade é «decorrente da inaplicabilidade do imposto ao caso concreto» (cfr. conclusão XV). Na verdade, o que a Oponente questiona não é a inexistência do IMT na nossa ordem jurídica, nem a susceptibilidade da sua cobrança no ano de 2007; não é sequer a inconstitucionalidade ou a incompatibilidade com o direito da União Europeia da norma em que se fundou a liquidação, ilegalidades que a jurisprudência reconhece como subsumíveis ao fundamento da alínea a) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT (Vide JORGE LOPES DE SOUSA, ibidem, e ainda, na mesma obra e volume, as anotações 6 e 8 ao art. 204.º, págs. 447 a 449 e 450/451, respectivamente.). O que a Oponente questiona é, isso sim, a existência de facto tributário e, subsidiariamente, a quantificação da matéria tributável. Ora, a alegada não verificação dos pressupostos fácticos e de direito considerados pela entidade exequente na liquidação do tributo exequendo (de cuja falta de pagamento voluntário resultou a emissão do título executivo) não constitui fundamento de oposição à execução fiscal, pois tal alegação reconduz-se à ilegalidade concreta da liquidação, a qual só pode erigir-se em fundamento de oposição à execução fiscal nas situações em que a dívida exequenda não tenha origem em acto tributário ou administrativo prévio.
Assim, no caso nunca a oposição à execução fiscal poderia proceder com fundamento na ilegalidade da liquidação, nos termos em que a ora Recorrente a conformou.
A discussão contenciosa do fundamento invocado pela Oponente só poderia ter lugar em sede de impugnação judicial. Não é sequer de ponderar a convolação da petição inicial de oposição em impugnação judicial (ao abrigo do disposto no art. 97.º, n.º 3, da LGT e do art. 98.º, n.º 4, do CPPT) – para a qual sempre se teria de indagar da possibilidade de interpretar o pedido (cuja formulação nem sequer indica, como devia, qual o efeito jurídico pretendido) como de anulação da liquidação (possibilidade que este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a admitir) –, uma vez que a Oponente já deduziu a impugnação judicial.
O recurso também não pode proceder com este fundamento.


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2.2.4 INSUSCEPTIBILIDADE DE SUBSUNÇÃO DA FACTUALIDADE ALEGADA AO FUNDAMENTO DA ALÍNEA G) DO N.º 1 DO ART. 204.º DO CPPT

A Recorrente sustenta ainda que a factualidade por ela alegada na petição inicial pode subsumir-se ao fundamento previsto na alínea g) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT: a duplicação de colecta.
Manifestamente, não. A duplicação de colecta encontra-se definida no n.º 1 do art. 205.º do mesmo Código nos seguintes termos: «Haverá duplicação de colecta para efeitos do artigo anterior quando, estando pago por inteiro um tributo, se exigir da mesma ou de diferente pessoa um outro de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo».
Ou seja, «[a] duplicação de colecta resulta da aplicação do mesmo preceito legal mais do que uma vez ao mesmo facto tributário ou situação tributária concreta», visa «impedir que seja repetida a cobrança de um mesmo tributo» e tem como requisitos, cumulativos: i) unicidade dos factos tributários; ii) identidade da natureza entre o tributo pago e o que de novo se exige; iii) coincidência temporal do tributo pago e do que de novo se pretende cobrar (JORGE LOPES DE SOUSA, ob. e vol. cit., anotações 2 e 3 ao art. 205.º, págs. 526/527. ).
Tendo presente a noção legal e os requisitos da duplicação de colecta fácil se torna concluir que a mesma não se verifica no caso sub judice, desde logo porque não está a ser exigido tributo algum, designadamente o IMT, em duplicado.
Por tudo o que ficou dito, o recurso não pode ser provido, como decidiremos a final, devendo manter-se a decisão de indeferimento liminar.


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2.2.5 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Findo o prazo para pagamento voluntário do tributo liquidado, a AT deve extrair a certidão de dívida e instaurar a execução fiscal, não tendo de aguardar o decurso do prazo da impugnação judicial, nem de aguardar a decisão final dessa impugnação, caso esta tenha já sido interposta (cfr. arts. 88.º, n.ºs 1 e 4, e 188.º, n.º 1, do CPPT).
II - Como resulta do disposto no art. 52.º, n.ºs 1, 2 e 4, da LGT e no art. 169.º do CPPT, a pendência de impugnação judicial só pode ser fundamento de suspensão da execução fiscal se for prestada garantia ou a prestação da garantia for dispensada pela AT.
III - A alegada não verificação dos pressupostos fácticos e de direito considerados pela entidade exequente na liquidação do tributo exequendo (de cuja falta de pagamento voluntário resultou a emissão do título executivo) não constitui fundamento de oposição à execução fiscal, pois tal alegação reconduz-se à ilegalidade concreta da liquidação, a qual só pode erigir-se em fundamento de oposição à execução fiscal nas situações em que «a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação» [cfr. alínea h) do art. 204.º, n.º 1, do CPPT], ou seja, quando a dívida exequenda não tenha origem em acto tributário ou administrativo prévio.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo decidem, em conferência, negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

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Lisboa, 14 de Setembro de 2016. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Casimiro Gonçalves.