Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01917/21.4BELRS
Data do Acordão:05/24/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P31028
Nº do Documento:SA22023052401917/21
Data de Entrada:04/18/2023
Recorrente:A..., S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A..., S.A., com sucursal em Portugal, Recorrente nos autos à margem identificados, tendo sido notificado do acórdão proferido nos autos em 19 de janeiro de 2023, vem, nos termos do disposto no artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), interpor recurso de revista daquele acórdão, na parte em que negou provimento ao recurso interposto pelo Recorrente contra a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, apresentando as suas alegações.

Alegou, tendo concluído:
1.ª O Recorrente considera que o Tribunal a quo incorreu em erro na interpretação do conceito de “erro imputável aos serviços”, previsto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT, bem como, na compatibilização do disposto neste preceito legal com os princípios constitucionais;
2.ª Em concreto, no âmbito do presente recurso, colocam-se as seguintes questões:
1) Saber se, o conceito de “erro imputável aos serviços” para efeitos do disposto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT, concretamente, para efeitos de apresentação de pedido de revisão oficiosa de autoliquidação pelo contribuinte, no prazo de quatro anos, apenas contempla as situações em que foram emitidas orientações ou informações pela administração tributária, ou se, como sucede no caso vertente, a circunstância de a administração tributária se haver já pronunciado em determinado sentido no âmbito de processos de reclamação graciosa desencadeados pelo contribuinte, e que, consequentemente, conduziram a que o contribuinte procedesse à autoliquidação do tributo em discussão, têm enquadramento no conceito de “erro imputável aos serviços” previsto naquele preceito legal;
2) Saber se, a circunstância de a administração tributária poder rever e corrigir o ato de autoliquidação apresentado pelo contribuinte no prazo de quatro anos, sem que tal dependa de um qualquer “erro imputável aos serviços”, quando o contribuinte apenas o pode fazer naquele prazo com fundamento em “erro imputável aos serviços”, ou, no prazo de 2 anos nos termos do artigo 131.º do CPPT, colide com os princípios da legalidade, da igualdade, da justiça e da proporcionalidade, bem como, do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva.
3.ª Entende o Recorrente que resulta evidente a necessidade de intervenção do Supremo Tribunal Administrativo no caso sub judice, impondo-se a revista para uma melhor aplicação do Direito e por se tratar de uma questão de importância jurídica e social fundamental;
4.ª No que respeita à primeira questão supra está em causa a interpretação do conceito de “erro imputável aos serviços” para efeitos de revisão oficiosa de atos de autoliquidação no prazo de quatro anos, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT;
5.ª Também a segunda questão supra respeita àquele prazo, mas do ponto de vista da compatibilidade com os princípios constitucionais da legalidade, da igualdade, da justiça e da proporcionalidade, bem como, do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva;
6.ª Tendo presente os vários tributos que são objeto de autoliquidação (por exemplo, o IRC, o IVA, a CSB, a CESE, o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, entre outros), é evidente a capacidade de expansão da controvérsia e de repetição em inúmeros casos futuros em que os contribuintes pretendam deduzir revisão oficiosa dos atos de autoliquidação, nos termos do artigo 78.º da LGT;
7.ª Pelo que, uma vez que as referidas questões supra não se limitam ao caso concreto, é manifesta a importância jurídica fundamental das mesmas;
8.ª Por outro lado, a revogação do n.º 2 do artigo 78.º da LGT gerou alguma incerteza e instabilidade na interpretação do conceito de “erro imputável aos serviços” e no recurso à revisão oficiosa, conduzindo a interpretações restritivas deste conceito, como, aliás, sucede no caso vertente, em que o Tribunal a quo apenas releva “orientações ou informações” (cf. pp. 41 e 42 do acórdão), mas já não o sentido das decisões anteriormente emitidas pela administração tributária e que serviram de base à autoliquidação;
9.ª Acresce que, esta interpretação restritiva é suscetível de colidir com os princípios da legalidade, da igualdade, da justiça e da proporcionalidade, bem como de limitar o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, o que, desde logo, justifica a intervenção deste Venerando Tribunal, por forma a assegurar uma interpretação conforme com a Constituição;
10.ª Pelo que, a admissão do presente recurso de revista se impõe igualmente para uma melhor aplicação do Direito;
11.ª No caso vertente, como referido, está em causa a tempestividade dos pedidos de revisão oficiosa dos atos de autoliquidação da CSB de 2017 e de 2018 e que foram apresentados pelo Recorrente no prazo de 4 anos, em conformidade com o disposto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT;
12.ª Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo defende uma interpretação restritiva do conceito de “erro imputável aos serviços”, uma vez que circunscreve este conceito ao “(…) cumprimento de orientações ou informações emanadas pela própria administração (…)” (cf. p. 41 do acórdão recorrido), excluindo as situações em que o contribuinte atua em observância da posição defendida pela administração tributária em decisões de pedidos de revisão oficiosa e de reclamações graciosas anteriormente deduzida pelo próprio contribuinte, como sucede no caso vertente;
13.ª De acordo com o artigo 78.º, n.º 1, da LGT a revisão dos atos tributários –liquidação e autoliquidação – pode ter lugar, a pedido do contribuinte, no prazo de 4 anos com fundamento em “erro imputável aos serviços”;
14.ª O artigo 78.º, n.º 2, da LGT, revogado pela Lei do Orçamento do Estado para 2016, equiparava o erro na autoliquidação ao “erro imputável aos serviços”, para efeitos do disposto no n.º 1, o que permitia ao contribuinte, em qualquer circunstância, rever/corrigir o ato de autoliquidação no prazo de 4 anos;
15.ª O Tribunal recorrido defende que, para efeitos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, se verifica o “erro imputável aos serviços” quando o contribuinte atua em cumprimento de orientações ou informações da administração tributária e de que são exemplo, a circular, o ofício-circulado, os despachos normativos e pareceres;
16.ª Contudo, esta interpretação não encontra acolhimento na letra da lei, a qual, constitui o ponto de partida e o limite de toda a interpretação (cf. artigo 9.º do Código Civil e artigo 11.º da LGT);
17.ª De facto, se o legislador pretendesse limitar o “erro imputável aos serviços” às situações em que foram emanadas orientações genéricas, certamente tê-lo-ia expressamente referido;
18.ª De igual modo, a interpretação defendida pelo Tribunal recorrido não encontra apoio nos demais elementos da interpretação, a saber: (i) sistemático; (ii) teleológico e (iii) histórico (cf. artigo 9.º do Código Civil e artigo 11.º da LGT);
19.ª No que respeita ao elemento sistemático, cumpre fazer apelo à lei de autorização da LGT (Lei n.º 41/98, de 4 de agosto), a qual estabelecia que a LGT visa o “(…) reforço das garantias dos contribuintes, da participação destes no procedimento, da igualdade das partes no processo (…)” (cf. artigo 1.º, n.º 2; sublinhado nosso);
20.ª De facto, aquela necessidade de igualdade no procedimento foi consagrada no artigo 55.º da LGT;
21.ª Relativamente ao elemento teleológico, não pode deixar de se sublinhar o declarado propósito do legislador, qual seja, o reforçar as garantias dos contribuintes através de um meio complementar de correção de ilegalidades;
22.ª Pelo que, uma interpretação restritiva do conceito de “erro imputável ao contribuinte”, nos termos definidos pelo Tribunal a quo, frustra o referido propósito;
23.ª De igual modo, a evolução dos meios contenciosos demonstra que o pedido de revisão oficiosa “(…) constitui um meio administrativo de correcção de erros de actos de liquidação de tributos, que é admitido como complemento dos meios de impugnação administrativa e contenciosa desses actos.” (cf. JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada, 2012, p. 704);
24.ª Assim, se o contribuinte procede à autoliquidação do imposto tendo por base o entendimento da administração tributária, ainda que não vertido numa orientação genérica, mas, por exemplo, numa decisão de reclamação graciosa, não pode deixar de considerar-se que a atuação do contribuinte é imputável, para este efeito, à administração tributária;
25.ª Assim, em face dos referidos elementos interpretativos, conclui-se que o “erro imputável aos serviços” não se limita às situações em que o contribuinte atua em observância de “orientações ou informações”, mas inclui todas manifestações da administração tributária suscetíveis de influir nos atos de autoliquidação apresentados pelos contribuintes, tais como, as decisões de reclamações graciosas ou de pedidos de revisão oficiosa;
26.ª No caso vertente, como se explicitou, é com base no entendimento perfilhado pela administração tributária que o Recorrente se vê obrigado a proceder à autoliquidação da CSB;
27.ª De facto, desde que a CSB entrou em vigor que o Recorrente tem vindo a discutir a legalidade e a constitucionalidade deste tributo, através de revisões oficiosas e de reclamações graciosas e sobre as quais têm recaído decisões de indeferimento;
28.ª Sem prejuízo do exposto, acresce que a circunstância de a jurisprudência vir reiteradamente afirmando que o regime jurídico da CSB não padece das apontadas inconstitucionalidades, não obsta à verificação do “erro imputável aos serviços”;
29.ª De facto, condicionar o uso de um expediente processual e a contestação da legalidade de um ato de autoliquidação ao posicionamento da jurisprudência, colide com o direito fundamental de acesso ao direito e de tutela jurisdicional efetiva, que é um corolário do estruturante princípio do Estado de direito democrático (cf. artigos 2.º, 18.º e 20.º da CRP);
30.ª Em face do exposto, conclui-se que o Tribunal recorrido incorreu em erro na interpretação do disposto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT;
31.ª Sem prejuízo de exposto, a interpretação defendida pelo Tribunal a quo colide com os princípios da legalidade, da igualdade, da justiça e da proporcionalidade, bem como, do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva;
32.ª Tendo em conta os princípios que norteiam a atividade da administração tributária, quais sejam, os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé, não podia a administração tributária ter-se demitido de apreciar do mérito dos pedidos de revisão oficiosa apresentados pelo Recorrente (cf. artigos 266.º, n.º 2 da CRP, 55.º da LGT; acórdãos do STA, de 21.01.2009 (proc. n.º 0771/08) e do TCAS de 25.11.2009 (proc. n.º 02842/09); LEONARDO MARQUES DOS SANTOS, “A revisão do ato tributário, as garantias dos contribuintes e a fiscalidade internacional”, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Alberto Xavier, volume II, fevereiro de 2013, p. 14; DIOGO LEITE CAMPOS et. al., in “Lei Geral Tributária, Comentada e Anotada”, 1999, Vislis, p. 283; PAULO MARQUES, “A Revisão do Acto Tributário: Requiem pela Autoliquidação?”, in Revista de Finanças Públicas e de Direito Fiscal”, Ano 9, Número 1, p. 223);
33.ª De igual modo, e por imperativo do princípio da legalidade não podia o Tribunal recorrido ter validado a posição defendida pela administração tributária;
34.ª Como acima referido, com o pedido de revisão oficiosa o legislador visou reforçar as garantias dos contribuintes e assegurar o cumprimento do princípio da legalidade na arrecadação da receita, consagrando, para este efeito, um prazo coincidente com o prazo geral de caducidade do direito à liquidação – quatro anos – (cf. artigo 45.º, n.º 1, da LGT);
35.ª No caso vertente, a interpretação do normativo constante do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, no sentido de fazer depender o pedido de revisão oficiosa de atos de autoliquidação no prazo de quatro anos de “erro imputável aos serviços”, quando, a administração tributária pode, com ou sem fundamento em “erro imputável aos serviços”, rever/corrigir o ato de autoliquidação do contribuinte, colide com o princípio da igualdade de armas, corolário do princípio da igualdade consagrado nos artigos 13.º, 20.º e 266.º, n.º 2 da CRP;
36.ª De facto, como se explicitou, o ato de autoliquidação pode ser revisto/corrigido pela administração tributária, no prazo de quatro anos, por forma a assegurar que o contribuinte efetuou o correto enquadramento fiscal das operações e, caso se detete algum erro, a administração tributária pode emitir o correspondente ato de liquidação adicional; Porém, se o contribuinte detetar que relativamente ao mesmo ato de autoliquidação incorreu em erro ou lapso e entregou imposto em excesso, apenas dispõe de um prazo de dois anos para o rever/corrigir e recuperar o imposto entregue em excesso;
37.ª Esta diferença de prazos constitui uma solução injusta e está longe de ser necessária ao cumprimento do princípio da legalidade na arrecadação da receita, razão pela qual, a referida interpretação do normativo constante do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, conforme defendida pelo Tribunal a quo colide ainda com os princípios da justiça e da proporcionalidade (cf. artigo 266.º, n.º 2, da CRP e artigo 18.º da CRP, respetivamente);
38.ª Por fim, esta interpretação restritiva do disposto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT, conforme propugnada pelo Tribunal a quo, põe em causa o acesso ao direito e o princípio à tutela jurisdicional efetiva (cf. artigo 20.º da CRP), uma vez que limita o recurso pelo contribuinte a um meio contencioso complementar e cujo objetivo da sua consagração foi o reforço das garantias dos contribuintes;
39.ª Deste modo, conclui-se que a interpretação defendida pelo douto Tribunal a quo colide com os princípios constitucionais sob análise, razão pela qual não pode a decisão recorrida manter-se, nesta parte.
Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Venerando Tribunal suprirá, deve o presente recurso de revista ser admitido, devendo ser julgado procedente, revogando-se o acórdão recorrido, nos termos peticionados.
Sendo o valor do recurso superior a € 275.000,00, requer-se que, verificando-se os pressupostos, seja o Recorrente dispensado do pagamento da taxa de justiça remanescente ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais.

Foram produzidas contra-alegações pela Autoridade Tributária e Aduaneira no sentido da não admissibilidade do recurso.

Cumpre decidir da admissibilidade do recurso.

Há, então, que apreciar se o recurso dos autos é admissível face aos pressupostos de admissibilidade contidos naquele art. 150º do CPTA, ao abrigo do qual foi interposto, em cujos nºs. 1 e 5 se estabelece:
«1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
(…)
6 - A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do nº 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Administrativo».
Interpretando este nº 1, o STA tem vindo a acentuar (e disso, aliás, dão conta os recorrentes) a excepcionalidade deste recurso (cfr., por exemplo o ac. de 29/6/2011, rec. nº 0569/11) no sentido de que o mesmo «quer pela sua estrutura, quer pelos requisitos que condicionam a sua admissibilidade quer, ainda e principalmente, pela nota de excepcionalidade expressamente estabelecida na lei, não deve ser entendido como um recurso generalizado de revista mas como um recurso que apenas poderá ser admitido num número limitado de casos previstos naquele preceito interpretado a uma luz fortemente restritiva», reconduzindo-se como o próprio legislador sublinha na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nº 92/VII e 93/VIII, a uma “válvula de segurança do sistema” a utilizar apenas e só nos estritos pressupostos que definiu: quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para a melhor aplicação do direito.
Na mesma linha de orientação Mário Aroso de Almeida pondera que «não se pretende generalizar o recurso de revista, com o óbvio inconveniente de dar causa a uma acrescida morosidade na resolução final dos litígios», cabendo ao STA «dosear a sua intervenção, por forma a permitir que esta via funcione como uma válvula de segurança do sistema». (Cfr. O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª ed., p. 323 e Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, p. 150 e ss..)
E no preenchimento dos conceitos indeterminados acolhidos no normativo em causa (relevância jurídica ou social de importância fundamental da questão suscitada e a clara necessidade da admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito (Sobre esta matéria, cfr. Miguel Ângelo Oliveira Crespo, O Recurso de Revista no Contencioso Administrativo, Almedina, 2007, pp. 248 a 296.), também a jurisprudência deste STA vem sublinhando que «…constitui questão jurídica de importância fundamental aquela – que tanto pode incidir sobre direito substantivo como adjectivo – que apresente especial complexidade, seja porque a sua solução envolva a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou da doutrina.
E, tem-se considerado de relevância social fundamental questão que apresente contornos indiciadores de que a solução pode corresponder a um paradigma ou contribuir para a elaboração de um padrão de apreciação de casos similares, ou que tenha particular repercussão na comunidade.
A admissão para uma melhor aplicação do direito justifica-se quando questões relevantes sejam tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, com recurso a interpretações insólitas, ou por aplicação de critérios que aparentem erro ostensivo, de tal modo que seja manifesto que a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa é reclamada para dissipar dúvidas acerca da determinação, interpretação ou aplicação do quadro legal que regula certa situação.» (ac. do STA - Secção do Contencioso Administrativo - de 9/10/2014, proc. nº 01013/14).
Ou seja,
- (i) só se verifica a dita relevância jurídica ou social quando a questão a apreciar for de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de enquadramento normativo especialmente complexo, ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio.
- e (ii) só ocorre clara necessidade da admissão deste recurso para a melhor aplicação do direito quando se verifique capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular, designadamente quando o caso concreto revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, ou suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios.
Não se trata, portanto, de uma relevância teórica medida pelo exercício intelectual, mais ou menos complexo, que seja possível praticar sobre as normas discutidas, mas de uma relevância prática que deve ter como ponto obrigatório de referência, o interesse objectivo, isto é, a utilidade jurídica da revista e esta, em termos de capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular (a «melhor aplicação do direito» deva resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros, em termos de garantia de uniformização do direito: «o que em primeira linha está em causa no recurso excepcional de revista não é a solução concreta do caso subjacente, não é a eliminação da nulidade ou do erro de julgamento em que porventura caíram as instâncias, de modo a que o direito ou interesse do recorrente obtenha adequada tutela jurisdicional. Para isso existem os demais recursos, ditos ordinários. Aqui, estamos no campo de um recurso excepcional, que só mediatamente serve para melhor tutelar os referidos direitos e interesses») - cfr. o ac. desta Secção do STA, de 16/6/2010, rec. nº 296/10, bem como, entre muitos outros, os acs. de 30/5/2007, rec. nº 0357/07; de 20/5/09, rec. nº 295/09, de 29/6/2011, rec. nº 0568/11, de 7/3/2012, rec. nº 1108/11, de 14/3/12, rec. nº 1110/11, de 21/3/12, rec. nº 84/12, e de 26/4/12, recs. nºs. 1140/11, 237/12 e 284/12.
E igualmente se vem entendendo que cabe ao recorrente alegar e intentar demonstrar a verificação dos ditos requisitos legais de admissibilidade da revista, alegação e demonstração a levar necessariamente ao requerimento inicial ou de interposição – cfr. arts. 627º, nº 2, 635º, nºs. 1 e 2, e 639º, nºs. 1 e 2 do novo CPC (Correspondentes aos arts. 676º, nº 2, 684º, nºs. 1 e 2, e 685º-A, nºs. 1 e 2, do anterior CPC.) - neste sentido, entre outros, os acórdãos do STA de 2/3/2006, 27/4/2006 e 30/4/2013, proferidos, respectivamente, nos processos nºs. 183/06, 333/06 e 0309/13.

Vejamos, então.
No essencial pretende o recorrente que este Supremo tribunal se pronuncie sobre duas questões:
1) Saber se, o conceito de “erro imputável aos serviços” para efeitos do disposto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT, concretamente, para efeitos de apresentação de pedido de revisão oficiosa de autoliquidação pelo contribuinte, no prazo de quatro anos, apenas contempla as situações em que foram emitidas orientações ou informações pela administração tributária, ou se, como sucede no caso vertente, a circunstância de a administração tributária se haver já pronunciado em determinado sentido no âmbito de processos de reclamação graciosa desencadeados pelo contribuinte, e que, consequentemente, conduziram a que o contribuinte procedesse à autoliquidação do tributo em discussão, têm enquadramento no conceito de “erro imputável aos serviços” previsto naquele preceito legal;
2) Saber se, a circunstância de a administração tributária poder rever e corrigir o ato de autoliquidação apresentado pelo contribuinte no prazo de quatro anos, sem que tal dependa de um qualquer “erro imputável aos serviços”, quando o contribuinte apenas o pode fazer naquele prazo com fundamento em “erro imputável aos serviços”, ou, no prazo de 2 anos nos termos do artigo 131.º do CPPT, colide com os princípios da legalidade, da igualdade, da justiça e da proporcionalidade, bem como, do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva.
Estas questões começam agora a surgir em juízo por força da alteração introduzida pelo legislador no disposto no artigo 78º da LGT, com a revogação do seu nº 2 pela Lei n.º 7-A/2016 de 30 de Março.
Não se vislumbra que este Supremo Tribunal já se tenha debruçado sobre a interpretação do disposto no n.º 1 daquele artigo 78º após a dita alteração legislativa de modo a poder considerar-se que já existe uma jurisprudência consolidada sobre a matéria.
Assim, e porque a questão colocada pode vir a repetir-se com frequência em outros processos é de admitir a presente revista.


Termos em que, face ao exposto, acorda-se em admitir o presente recurso de revista, por se mostrarem preenchidos os respectivos pressupostos legais.
Custas a final pelo vencido.
D.n.

Lisboa, 24 de maio de 2023. - Aragão Seia (relator) - Isabel Marques da Silva - Francisco Rothes.