Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0745/16
Data do Acordão:06/23/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:VÍTOR GOMES
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
ACÇÃO DE CONDENAÇÃO
LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:A questão de saber se ainda cabe condenação no que se vier a liquidar quando, em pedidos indemnizatórios, se prove a existência de danos, mas o autor tenha formulado um pedido específico ou quantificado relativamente aos prejuízos sofridos e não logre fazer essa prova, tem sido objecto de divergências jurisprudenciais. É uma questão processual de importância fundamental, relativamente à qual a doutrina que dimane da solução que o Supremo Tribunal Administrativo venha a dar assume clara virtualidade de transposição para casos semelhantes.
Nº Convencional:JSTA000P20726
Nº do Documento:SA1201606230745
Data de Entrada:06/09/2016
Recorrente:A......., SA E OUTRO
Recorrido 1:GESTÃO DE OBRAS PÚBLICAS DA CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO E OUTRO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar


Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo


1. A ……….., SA (por sucessão na posição de Construtora ………., SA) e B………, SA obtiveram no TAF do Porto a condenação de Gestão de Obras Públicas da Câmara Municipal do Porto a pagar-lhes uma indemnização a liquidar em execução de sentença. Em provimento parcial de recurso do Réu, o Acórdão do TCA Norte reduziu a condenação ao que se liquidar a título de indemnização referente aos danos sofridos após Agosto de 2002 e até Outubro de 2002.

Nesta parte, o acórdão, após dar notícia das divergências jurisprudenciais na aplicação do art.º 661, n.º2, do CPC, na versão então em vigor (se não houver elemento para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado, sem prejuízo da condenação imediata na parte que já seja líquida), assenta na seguinte fundamentação:

“Analisando, no entanto, o pedido feito pelos recorridos verifica-se que vieram na sua petição inicial contabilizar os danos que teriam sofrido. Ou seja, não só vieram referir os danos que alegadamente sofreram mas procederam à sua contabilização. Assim sendo, e estando o Tribunal limitado pelo pedido (actual artigo 609º do CPC), temos de analisar o valor dos danos invocados se já foi feita prova sobre os mesmos. Se o referido valor for dado como não provado, apesar de se poderem ter dado como provados danos, não se pode relegar para execução de sentença a sua contabilização. Dito de outro modo. Se os recorridos vieram solicitar determinado montante pelos danos sofridos e se esse montante não se deu como provado, o Tribunal não pode relegar para execução de sentença a contabilização desses danos, uma vez que estes já foram dados como não provados.
Na sua petição inicial as AA. dividiram o valor dos danos que referem ter sofrido em duas partes.
Os danos apurados até Agosto de 2002, no montante de € 539 912,33 (artigo 66º da pi).
Os danos de Agosto a Outubro de 2002, no montante de € 161 292,03 (artigo 73º da pi).
O montante destas duas parcelas atinge o valor de € 755 204, 36, o pedido das AA.
É sobre este pedido que nos temos de debruçar, uma vez que nos termos do artigo 609º n.º 1 do CPC, a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.
Analisando agora a Base Instrutória e a prova realizada, quanto aos danos até Agosto de 2002, verifica-se que os mesmos constam dos artigos 66º a 71º da Base Instrutória. Todos estes danos foram dados como não provados. A recorrida não recorreu desta decisão pelo que a mesma se tornou caso julgado formal.
Ou seja, apesar de se terem provado danos até Agosto de 2002 o seu valor, contabilizado pela recorridas, não foi dado como provado pelo que, nesta parte, tem de proceder o pedido da recorrente.
No que se refere aos anos após Agosto de 2002 até Outubro de 2002, e constantes do artigo 73º da pi, não foi feita prova sobre os mesmos estando alguns desses danos dados como provados, como se vê, apenas como exemplo, no alínea A 26) da matéria de facto dada como provada. Ou seja, está por provar o valor dos danos que se encontram provados e que se materializaram após Agosto de 2002 até Outubro de 2002, razão pela qual tem o recurso de improceder, nesta parte, devendo a sua contabilização ser relegada para execução de sentença”.

2. As Autoras pedem revista, ao abrigo do art.º 150.º do CPTA, com fundamento na relevância jurídica da questão, que lhe conferia importância fundamental quanto ao regime da sentença cível, nomeadamente da possibilidade de condenação no que se vier a liquidar posteriormente.

O Réu pede a ampliação do objecto do recurso a questões em que decaiu.

3. A questão de interpretação do art.º 661.º, n.º2, do Código de Processo Civil em vigor à data da sentença de 1ª instância (actualmente art.º 609.º, n.º2, do CPC), designadamente, saber se ainda cabe condenação no que se vier a liquidar quando, em pedidos indemnizatórios, se prove a existência de danos, mas o autor tenha formulado um pedido específico ou quantificado relativamente aos prejuízos sofridos e não logre fazer essa prova, tem sido objecto de divergências jurisprudenciais de que, aliás, o acórdão recorrido dá notícia criteriosa. É uma questão processual de importância fundamental, relativamente à qual a doutrina que dimane da solução que o Supremo Tribunal Administrativo venha a dar assume clara virtualidade de transposição para casos semelhantes.

Por outro lado, os termos decisórios ou o sentido do acórdão não parecem inteiramente consistentes com a orientação jurisprudencial a que dá destaque e a que, numa primeira leitura, pareceria aderir. Com efeito, apesar de admitir que se provou a produção de danos até Agosto de 2002, acabou por absolver do pedido respectivo com fundamento em que o seu valor, contabilizado pelas autoras, não foi dado como provado.

Justifica-se, pois, a admissão da revista atendendo à importância jurídica fundamental da questão e à clara necessidade de melhor aplicação do direito a seu propósito face à aparente inconsistência sobre um aspecto nuclear da controvérsia.

4. Decisão

Pelo exposto, decide-se admitir a revista.

Lisboa, 23 de Junho de 2016. – Vítor Gomes (relator) – Alberto Augusto Oliveira – São Pedro.