Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0831/02
Data do Acordão:03/27/2003
Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:PAIS BORGES
Descritores:AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA.
PODER DISCRICIONÁRIO.
CONCEITO VAGO OU INDETERMINADO.
INTERESSE NACIONAL.
RAZÕES HUMANITÁRIAS.
FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO.
Sumário:I - O regime excepcional de concessão de autorização de residência consagrado no art. 88º do DL nº 244/98, de 8 de Agosto, consubstancia um poder discricionário da Administração, como tal apenas sindicável nos seus aspectos vinculados, designadamente, os relativos à competência, à forma, aos pressupostos de facto e à adequação do fim prosseguido.
II - Não evidencia incorrer em erro grosseiro ou aplicação de critério manifestamente inadequado a recusa de autorização excepcional de residência a um estrangeiro que invoca, como fundamento do pedido, estar a trabalhar como pedreiro na construção civil, auferindo uma remuneração mensal certa, assim contribuíndo para o desenvolvimento do país, e ter a sua vida estabilizada em Portugal, factos que não vão além do âmbito estritamente pessoal e que traduzem uma situação de normalidade e não de excepcionalidade, não sendo, como tal, subsumível aos conceitos de "reconhecido interesse nacional" e de "razões humanitárias".
III - Está devidamente fundamentado o acto de recusa de autorização excepcional de residência que, através de remissão expressa, se apropria da fundamentação da informação/proposta sobre que foi exarado, se desta constam, de modo claro, suficiente e congruente, embora sucinto, as razões de facto e de direito que sustentam aquela decisão.
Nº Convencional:JSTA00059072
Nº do Documento:SA1200303270831
Data de Entrada:05/15/2002
Recorrente:A...
Recorrido 1:SEA DO MINAI
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC CONT.
Objecto:DESP SEA DO MINAI DE 2002/02/05.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM GER - ASILO/AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA.
DIR ADM CONT - ACTO.
Legislação Nacional:CPA91 ART125 N1 N2.
DL 256-A/77 DE 1977/06/17 ART1 N1.
CONST97 ART267 N3.
DL 244/98 DE 1998/08/08 ART88.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC44849 DE 2000/01/26.; AC STA PROC44039 DE 1999/04/22.; AC STA PROC43976 DE 1999/04/20.; AC STA PROC43459 DE 1999/02/24.; AC STA PROC44932 DE 2000/04/06.; AC STAPLENO PROC44852 DE 2001/02/07.; AC STAPLENO PROC44933 DE 2000/06/30.
Referência a Doutrina:AZEVEDO MOREIRA CONCEITOS INDETERMINADOS SUA SINDICABILIDADE CONTENCIOSA EM DIREITO ADMINISTRATIVO IN SEPARATA DA REVISTA DE DIREITO PÚBLICO ANOI PAG57.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
( Relatório )
I. A..., natural da República de S. Tomé e Príncipe, residente na Rua ..., ...Póvoa de Santo Adrião, interpôs neste Supremo Tribunal Administrativo recurso contencioso de anulação do despacho do SECRETÁRIO DE ESTADO ADJUNTO DO MINISTRO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, de 05.02.2002, que indeferiu o pedido de concessão de autorização de residência formulado ao abrigo do art. 88º do DL nº 244/98, de 8 de Agosto, com as alterações constantes do DL nº 4/2001, de 10 de Janeiro, imputando ao acto recorrido vício de violação do citado art. 88º do DL nº 244/98, e vício de forma por falta de fundamentação.
Na sua alegação, formula o recorrente (por remissão expressa para o conteúdo da petição) as seguintes
CONCLUSÕES:
1. O recorrente entrou e reside ininterruptamente em Portugal desde data anterior a Maio de 2000, tendo formulado, em Maio de 2000, competente pedido de concessão de autorização de residência, ao abrigo do artigo 88.º do Decreto-Lei n.º 244/98, de 08 de Agosto, o qual viria a ser autuado sob o n.º 6415/2000.
2. No decurso do mês de Fevereiro de 2002, foi o recorrente notificado da decisão de indeferimento, por despacho de Sua Excelência o Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna (doc. 1).
3. Acontece que o recorrente não se conforma com esta decisão pois considera que a sua situação é de reconhecido interesse nacional, verificando-se, cumulativamente, razões humanitárias e como tal integrando-se na previsão normativa do actual artigo 88.º do Decreto-Lei n.º 244/98, de 08 de Agosto, com as alterações do Decreto-Lei n.º 4/2001, de 10 de Janeiro.
4. Com efeito, a permanência do recorrente em Portugal não contraria, de forma alguma, o interesse nacional, na medida em que é autosuficiente, possui as necessárias condições de habitabilidade e uma razoável estabilidade sócio-económica, que apenas será completa caso o recorrente seja autorizado a residir em Portugal.
5. O acto recorrido viola o preceituado no artigo 88.º do Decreto-Lei n.º 244/98, de 08 de Agosto, com as alterações do Decreto-Lei n.º 4/2001, de 10 de Janeiro, pois o interesse nacional deve ser entendido, como algo que seja bom para o estado, enquanto colectividade com múltiplos fins.
6. O artigo 88.º do Decreto-Lei n.º 244/98, de 08 de Agosto, com as alterações do Decreto.Lei n.º 4/2001, de 10 de Janeiro, deve ser interpretado extensivamente, pois deve entender-se que, nosso ordenamento jurídico-constitucional recebe directamente, através do artigo 16.º da C.R.P., os Princípios e as normas da Declaração Universal dos Direitos do Homem, nomeadamente o seu artigo 13.º, onde se proclama a liberdade de circulação dentro e fora de um Estado, nomeadamente, a liberdade para emigrar, a qual implica que os Estados mais desenvolvidos não façam uma interpretação restritiva das leis de imigração.
7. Face ao que antecede, não se deve recusar uma autorização de residência a um requerente que vem de um país que não tem condições para lhe assegurar um mínimo de condições de vida.
8. Recusar um pedido de residência a alguém nestas circunstâncias, equivale a negar-lhe a oportunidade para fugir à miséria, a qual é uma das mais terríveis violações à dignidade humana.
9. Entendimento consagrado pelo actual artigo 88.º do Decreto-Lei n.º 244/98, de 08 de Agosto, com as alterações do Decreto-Lei n.º 4/2001, de 10 de Janeiro, onde se estabelece que a Autorização de Residência pode ser concedida por razões humanitárias, sendo certo que a situação do recorrente enquadra-se na previsão normativa da supracitada disposição legal.
10.Com efeito, se a Administração não aceitar o pedido de residência formulado pelo ora recorrente, violará o preceituado no artigo 4.º do C.P.A., pois não lhe pode negar ao recorrente, que se encontra em Portugal desde data anterior a Maio de 2000 a trabalhar e que tem neste país toda a sua vida organizada e estabilizada, o direito de aqui permanecer, sobretudo quando, em situações semelhantes, tem concedido esse direito a outros cidadãos estrangeiros.
11.Deste modo é forçoso concluir que o acto administrativo em recurso enferma do vício de violação de lei.
12.Por outro lado, a fundamentação do indeferimento do pedido de concessão de autorização de residência constante do despacho recorrido não pode deixar de equiparar-se à falta de fundamentação, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 125.º do Código do Procedimento Administrativo, uma vez que os fundamentos adoptados são obscuros e manifestamente insuficientes, que deixam por esclarecer concretamente a motivação do acto.
13.Na verdade, do acto recorrido não se retira, quais os elementos probatórios, qual o raciocínio lógico que o motivaram.
14.Pelo que, o acto recorrido enferma igualmente do vício de forma, o qual consiste na falta de fundamentação, violando o preceituado no n.º 1 do artigo 125.º do C.P.A., no n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 256-A/77 e n.º 3 do artigo 267.º da C.R.P..
15.A Administração deve abster-se do recurso a critérios subjectivos na fundamentação do acto, uma vez que se encontra posta em causa a garantia consagrada no n.º 3 do artigo 268.º da C.R.P. e nos artigos 124.º e 125.º do C.P.A..
Termos em que requer a V. Exa. seja concedido provimento ao presente recurso sendo, em consequência, ordenada a anulação do despacho de 5 de Fevereiro de 2002, de Sua Excelência o Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna, com fundamento na sua inconveniência e ilegalidade, sendo deferido o pedido de concessão de autorização de residência formulado pelo recorrente.
II. Contra-alegou a autoridade recorrida, concluindo nos seguintes termos:
a) O acto recorrido aplicou o artigo 88° do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, no sentido em que ele vem sendo interpretado pela jurisprudência;
b) A invocação de interesses de natureza claramente individual e particular não pode integrar o conceito de interesse nacional;
c) Aliás, toda a situação factual, constante do processo administrativo, é manifestamente reveladora da ausência de elementos integradores quer do conceito de interesse nacional quer da existência de razões humanitárias;
d) O não reconhecimento da situação de interesse nacional não pode ser entendido como violadora do princípio da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, consagrado no artigo 4° do CPA;
e) O acto recorrido respeitou os princípios da igualdade e da justiça previstos nos artigos 5° e 6° do CPA;
f) O acto recorrido encontra-se devidamente fundamentado, porquanto o Relatório sobre o qual a autoridade recorrida proferiu o acto objecto do presente recurso, é bem claro quanto ao itinerário cognoscitivo percorrido pela Administração e que conduziu ao indeferimento da pretensão do recorrente;
g) O acto recorrido não está, portanto, inquinado do vício de forma resultante de falta de fundamentação.
III. O Exmo magistrado do Ministério Público neste Supremo Tribunal emitiu o seguinte parecer:
“ Considero que o recurso não deve merecer provimento.
As razões invocadas pelo recorrente para a concessão de autorização de residência, segundo o regime excepcional previsto no artigo 88° do Dec. Lei n° 244/98 de 8/8, com as alterações introduzidas pelo Dec. Lei n° 4/2001 de 10/1, não integram uma situação de excepção, nem um caso de reconhecido interesse nacional ou de ocorrência de razões humanitárias que permitam a sua aplicação.
De facto, o pedido formulado assenta em motivos de ordem sócio-económica, consubstanciados na estabilidade de emprego e na organização da vida do recorrente em Portugal, contrapostos às dificuldades da mesma ordem existentes no país da sua nacionalidade (República de S. Tomé e Príncipe), sendo ainda invocado o contributo que aquele tem dado para o desenvolvimento económico de Portugal, através da prestação da sua actividade laboral, na área da construção civil. A motivação apresentada decorre de uma opção de vida do recorrente, que não é particularmente diferente da opção manifestada por outros cidadãos provenientes de países com dificuldades económicas, não integrando um caso de excepção; por outro lado, não se verificam pressupostos de particular relevo, que permitam a concessão do regime pretendido com fundamento em razões humanitárias ou em reconhecido interesse nacional.
Assim, ao indeferir o requerimento apresentado pelo recorrente, o acto recorrido não violou o disposto no artigo 88° do diploma em referência, nem violou o artigo 4° do C.P.A..
E não violou também os princípios constitucionais invocados. Quanto ao principio da igualdade, nada permite concluir que a situação do recorrente fosse idêntica à dos outros cidadãos a que faz menção, e que não obstante, tenham merecido tratamento diferente; quanto ao disposto no artigo 16° da C.R.P., acerca do âmbito e sentido dos direitos fundamentais, o mesmo não se mostra violado, porquanto dele não resulta um direito absoluto e incondicional dos estrangeiros à obtenção de autorização de residência em Portugal.
Por fim, e no que concerne ao alegado vício de forma por falta de fundamentação do acto, afigura-se-me que o mesmo não se verifica, visto o acto recorrido acolher os fundamentos expostos, de forma clara e suficiente, no relatório do S.E.F. sobre o qual foi exarado.”
*
Com dispensa de vistos, vêm os autos à conferência para decisão.
( Fundamentação )
OS FACTOS
Com interesse para a decisão a proferir, consideram-se provados os seguintes factos:
1. Por requerimento de 31.05.2000, dirigido ao Ministro da Administração Interna, o recorrente requereu que lhe fosse concedida autorização de residência em Portugal, ao abrigo do art. 88º do DL nº 244/98, de 8 de Agosto, com as alterações constantes do DL nº 4/2001, de 10 de Janeiro (PI, doc. fls 1 e segs.);
2. Pelo Director-Geral do SEF foi elaborado, no âmbito do respectivo procedimento (Proc. 6.415/00), o Relatório de Instrução (PI, doc. fls. 40 e segs., cujo conteúdo se dá por reproduzido), no qual se conclui:
« (...)
Propõe-se o indeferimento da pretensão do requerente, atentos os fundamentos de facto e de direito supra-explanados, bem como os constantes da proposta de indeferimento a fls. 26 a 30 dos autos, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida para os devidos efeitos, uma vez que:
· O diploma legal que regula as condições de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional (Decreto-Lei nº 244/98, de 8 de Agosto) estabelece as regras de acesso ao território nacional, tendo em vista “... estabelecer os adequados meios de controlo dos fluxos migratórios, tendo em vista a salvaguarda de interesses legítimos do Estado e dos emigrantes ...” (vide preâmbulo do citado diploma).
· Para atingir estes objectivos dispõe de um “... regime de vistos adequado aos interesses de Portugal como parte integrante de um espaço de livre circulação de pessoas ...”
· A citada lei de estrangeiros contém um regime jurídico vinculado à salvaguarda de interesses constitucionalmente protegidos como é a segurança interna.
· Nesta medida, é exigido ao estrangeiro que pretende entrar e permanecer em território nacional o cumprimento das normas legais aprovadas pelo Decreto-Lei nº 224/98, de 08 de Agosto, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 4/2001, de 10 de Janeiro.
· Deste modo, deveria o requerente, atenta a sua real intenção – a de encontrar trabalho em Portugal – a qual veio a realizar, ter-se munido no seu país de origem, do adequado visto para aquele efeito.
· Os factos apresentados pelo requerente, consubstanciados, mormente, na ocupação de um posto de trabalho que lhe permita auferir os necessários meios de subsistência, falta de antecedentes criminais, são reveladores de uma situação de normalidade e não de excepcionalidade (vide acórdão do STA, de 13.01.99 – Rec. 42162).
· Em conclusão, atentos os factos supra-mencionados, propõe-se o Indeferimento do pedido de Autorização de Residência ao abrigo do Artº 88º do Decreto-Lei nº 244/98, de 8 de Agosto.»
3. O Secretário de Estado Adjunto do MAI, no uso de competência delegada, proferiu, sobre o assunto, no rosto do próprio Relatório, o despacho de 05.02.2002, objecto do presente recurso, do seguinte teor (PI, doc. fls. 40):
" Concordo com os fundamentos e razões aduzidas na Informação, a qual considero parte integrante deste despacho, pelo que, e no uso da competência que me foi delegada pelo Despacho nº 52/2001, publicado no D.R., II Série, nº 2, de 03/01/01, indefiro o pedido. "
4. Este despacho foi notificado ao recorrente a 18.02.2002, através de ofício acompanhado do respectivo Relatório (PI, fls. 46).
O DIREITO
Está em causa, no presente recurso contencioso, a legalidade do acto do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna que indeferiu o pedido de autorização de residência, formulado pelo recorrente ao abrigo do art. 88º do DL nº 244/98, de 8 de Agosto, com as alterações constantes do DL nº 4/2001, de 10 de Janeiro.
Vêm assacados ao acto impugnado vícios de violação de lei e de forma por falta de fundamentação.
Vejamos:
1. Quanto ao vício de forma por falta de fundamentação, com alegada violação dos arts. 125º, nºs 1 e 2 do CPA, 1º, nº 1 do DL nº256-A/77, de 17 de Junho, e 267º, nº 3 da CRP, é manifesta a sua inverificação, pois que o despacho em causa se encontra suficientemente fundamentado, por remissão expressa para os fundamentos e razões aduzidas no Parecer em que se abona, o Relatório de Instrução do Director-Geral do SEF, referido no ponto 2 da matéria de facto, e que faz parte integrante da própria decisão.
Os fundamentos do acto são, assim, os constantes desse Relatório para que expressamente se remete, dos quais o recorrente pode naturalmente discordar, mas que são suficientemente esclarecedores das razões que determinaram a Administração a indeferir o seu pedido de autorização de residência – estarem em causa apenas razões ou interesses de cunho estritamente pessoal ou individual (ocupação de um posto de trabalho na área da construção civil, vida económica estabilizada, e ausência de antecedentes criminais), reveladores de uma situação de normalidade e não de excepcionalidade, e não terem sido invocadas quaisquer razões de natureza humanitária.
Perante tal Relatório, o recorrente ficou perfeitamente esclarecido das razões determinantes da decisão proferida, não podendo pois imputar-se ao acto recorrido carência de fundamentação.
Improcede assim o alegado vício de forma.
2. Quanto ao vício de violação de lei, alega o recorrente que o acto impugnado viola o art. 88º do DL nº 244/98, de 8 de Agosto, diploma que "regula as condições de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território português".
Dispõe aquele normativo, sob a epígrafe Regime excepcional:
" Em casos excepcionais de reconhecido interesse nacional ou por razões humanitárias, o Ministro da Administração Interna pode conceder a autorização de residência a cidadãos estrangeiros que não preencham os requisitos exigidos no presente diploma."
É a consagração de situações de excepção, referenciadas por reconhecido interesse nacional ou por razões humanitárias, nas quais o legislador entendeu dever prescindir-se da verificação dos requisitos exigidos no diploma em referência, designadamente nos arts. 80º e segs.
Consubstancia, como o próprio texto legal sugere, e a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem repetidamente sublinhado, o exercício de um poder discricionário da Administração (Acs. de 26.01.00 - Rec. 44.849, de 22.04.99 - Rec. 44.039, de 20.04.99 - Rec. 43.970, e de 24.02.99 - Rec.43.459), como tal apenas sindicável nos seus aspectos vinculados, designadamente, os relativos à competência, à forma, aos pressupostos de facto e à adequação do fim prosseguido.
Como se sumariou no primeiro dos acórdãos citados, "a autorização de residência a conceder pelo MAI, nos termos do art. 88º do Dec-Lei nº 244/98, de 8 de Agosto, é uma medida de carácter excepcional em que a Administração, depois de verificar a existência de algum dos pressupostos aí previstos – «reconhecido interesse nacional» ou «razões humanitárias» – decide discricionariamente pelo deferimento ou indeferimento da pretensão".
Trata-se de conceitos extremamente variáveis, em função de circunstâncias históricas e temporais, e de elementos de cariz eminentemente político, dificilmente sindicáveis pelo tribunal (maxime o de "reconhecido interesse nacional"), pelo que, retomando a expressão do acórdão acima citado, "salvo as situações de «erro grosseiro ou manifesto» ou a utilização de «critério ostensivamente inadequado», não cabe aos tribunais administrativos substituir-se à Administração para efeitos de proceder a uma reponderação dos juízos valorativos sobre a definição concreta dos mencionados conceitos indeterminados".
A propósito da aplicação de conceitos indeterminados por parte da Administração, e, especificamente, do apontado conceito "reconhecido interesse nacional", e da possibilidade de integração do vício de violação de lei, na vertente da qualificação jurídica dos factos perante tais conceitos, afirmou-se no acórdão deste STA, de 06.04.00 (Rec. nº 44.932):
" Nem todos os conceitos indeterminados são objecto de uma operação de tipo subsuntivo no processo de aplicação da norma. Por vezes, o conceito indeterminado não descreve um pressuposto do exercício do poder discricionário, antes desempenha na estrutura da norma a função de indicar o fim a prosseguir ou o critério da discricionariedade.
Ora, o primeiro destes conceitos ( : "reconhecido interesse nacional" ) envolve o próprio critério da discricionariedade. O que nele se descreve é o interesse público específico a prosseguir, o fim em função do qual se concede o poder discricionário, não os pressupostos (abstractos) aos quais seja possível subsumir dados de facto. Efectivamente, só se colocaria um problema específico de aplicação subsuntiva de conceitos indeterminados se existisse ao menos uma zona de certeza positiva acerca do que é o interesse nacional, dada pela norma ou por outros lugares do sistema jurídico. Ora, embora balizada pelos valores constitucionalmente prescritos ou programados, a determinação do que é interesse nacional depende integralmente de juízos de valoração extra-legal que o legislador deixou à determinação casuística e à responsabilidade da Administração. A intenção do legislador ao adoptar este conceito não é descrever um quadro ainda que por interpretação da norma, mas estabelecer um programa de acção.
Como diz AZEVEDO MOREIRA, Conceitos lndeterminados - Sua Sindicabilidade Contenciosa em Direito Administrativo, separata da Revista de Direito Público, Ano I, Novembro de 1985, pag. 57, "em semelhantes hipóteses, que se identificam por via interpretativa, os conceitos indeterminados apenas projectam luz sobre o fim da opção que o legislador coloca na mão do órgão administrativo e é nesse quadrante que hão-de ser analisados. Mas não lhes é subsumível qualquer dado de facto, não funcionam como antecedente da discricionariedade e, por isso, a sua errada interpretação não pode, nessa medida, dar lugar ao vício de violação de lei ( em sentido estrito ).
Assim, relativamente a este conceito não pode o tribunal submeter a decisão administrativa a apreciação pelo ângulo da qualificação jurídica dos factos, ainda que com as particularidades (ou a técnica) inerentes à circunstância de se tratar de sindicar a aplicação de conceitos indeterminados por parte da Administração. O acto é contenciosamente sindicável, mas nos termos gerais do exercício do poder discricionário, ou seja, quanto à realidade ou exactidão dos factos representados pela Administração, ao fim prosseguido, à competência e à forma e quanto aos chamados "limites internos" do exercício desse poder, designadamente o respeito pelos princípios da igualdade e imparcialidade."
Aliás, e como bem se sublinha no mesmo aresto, "outro entendimento forçaria – em colisão com a letra do preceito e os demais elementos – a considerar o poder outorgado pelo cit. art. 88º como vinculado, quando a situação fosse subsumível no conceito de «interesse nacional», para evitar a insensata consequência de se reconhecer à Administração o poder de deixar de prosseguir o interesse nacional."
Ora, na situação sub judice, como se constata do requerimento apresentado às autoridades portuguesas, o ora recorrente invoca, como fundamento do pedido de autorização de residência, em suma, que entrou ilegalmente em Portugal em data anterior a Maio de 2000, que trabalha como pedreiro na construção civil, auferindo uma remuneração mensal certa, assim contribuíndo para o desenvolvimento do país, que tem a sua vida estabilizada, e que não tem antecedentes criminais.
Os factos invocados não vão, como sublinha a autoridade recorrida, além do âmbito estritamente pessoal, sendo comuns aos da generalidade dos imigrantes que, por razões económicas, procuram melhorar a sua condição de vida, e que entram ilegalmente no território nacional sem se sujeitarem ao cumprimentos das leis de emigração, designadamente, sem a obtenção dos necessários vistos.
Não se vê pois que a decisão de os não considerar subsumíveis a razões excepcionais de reconhecido interesse nacional assente em erro grosseiro ou critério inadequado.
E, de igual modo, não se vê qualquer distorção ou incorrecta ponderação dos pressupostos de facto, no juízo de que o pedido do recorrente não se reconduz a qualquer razão ou motivação de natureza humanitária (aliás nem sequer invocada), para efeito de aplicação do citado regime excepcional.
Assim, ao decidir, por remissão expressa para o Relatório dos serviços, que o pedido formulado não tem aptidão para se enquadrar na previsão normativa, de cunho excepcional, constante do art. 88º do DL nº 244/98, de 8 de Agosto, por não preencher os respectivos pressupostos, não se vislumbra no acto recorrido a verificação de "erro grosseiro" ou de "critério ostensivamente inadequado".
No mesmo sentido, e perante situações em tudo semelhantes à dos autos, confirmando entendimento jurisprudencial deste STA, decidiram os Acs. do Pleno de 07.02.2001 e de 30.06.2000 – Recs. 44.852 e 44.933, respectivamente.
Indemonstrado fica o invocado vício de violação do aludido normativo legal, improcedendo pois, de igual modo, a respectiva alegação.
DECISÃO
Com os fundamentos expostos, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça e a procuradoria, respectivamente, em 200 Euros e 100 Euros.
Lisboa, 27 de Março de 2003.
Pais Borges – Relator – Rui Botelho – João Cordeiro.