Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01204/21.8BELRA
Data do Acordão:01/12/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:RECLAMAÇÃO
CPPT
PEDIDO
DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA
DÉFICE INSTRUTÓRIO
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
Sumário:I - Invocando o executado a manifesta falta de meios económicos por insuficiência de bens penhoráveis susceptíveis de garantir a dívida exequenda e o acrescido, em ordem a obter a dispensa de prestação de garantia (cf. art. 52.º, n.º 4, da LGT), incumbe-lhe o ónus de alegar e demonstrar os factos susceptíveis de integrarem essa insuficiência, o que deve fazer com o requerimento de pedido, instruindo-o com a documentação pertinente (cf. art. 342.º do CC, art. 77.º, n.º 1, da LGT e art. 170.º, n.º 1, do CPPT).
II - Não pode considerar-se que o executado se desincumbiu desse ónus se, para além de não provar a invocada manifesta falta de meios económicos, a AT logrou demonstrar a existência de bens susceptíveis de serem dados em garantia.
III - Nessa circunstância, o indeferimento do pedido de dispensa de garantia não fica dependente de quaisquer diligências a efectuar oficiosamente pela AT ou de quaisquer esclarecimentos a solicitar ao executado, em ordem a estabelecer o valor desses bens.
Nº Convencional:JSTA000P28762
Nº do Documento:SA22022011201204/21
Data de Entrada:12/17/2021
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A........ UNIPESSOAL, LDA.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. RELATÓRIO

O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, datada de 22-10-2021, que julgou procedente a pretensão deduzida por “A……….. Unipessoal, Lda.” no presente processo de RECLAMAÇÃO intentado contra a decisão do Chefe da Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças (DF) de Leiria pela qual foi indeferido o pedido de dispensa de prestação de garantia formulado no âmbito do processo de execução fiscal (PEF) n.º 1333202101008447 e apensos, que naquele serviço contra si corre termos para cobrança coerciva de dívidas provenientes de coimas fixadas em processos de contraordenação, no valor total de € 106.569,99.

Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

A. O presente recurso vem interposto contra a douta sentença douta sentença que julgou procedente por provada, a reclamação de actos do órgão de execução fiscal interposta por A…………., UNIPESSOAL, LDA., contra a decisão do Chefe da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Leiria pela qual foi indeferido o pedido de dispensa de prestação de garantia formulado no âmbito do processo de execução fiscal (PEF) n.º 1333202101008447 e apensos, instaurados para cobrança coerciva de dívidas provenientes de coimas fixadas em processos de contraordenação por falta de pagamento de taxas de portagens relativas ao mês de Outubro do ano 2020, no valor total de €106.569,99.

B. A Mm.ª Juiz a quo sustenta tal procedência no entendimento que a Administração Tributária deveria, ao abrigo do seu dever de colaboração e ao abrigo do princípio do inquisitório, solicitar documentação adicional ao contribuinte ou, em alternativa, encetar as diligências necessárias para o efeito, com vista ao cumprimento do défice instrutório que, obviamente, o requerimento da recorrida padecia.

C. Salvo o devido respeito, este entendimento afigura-se excessivo, e, por conseguinte, não pode manter-se.

D. A aqui recorrida apresentou junto do SF da Batalha requerimento pelo qual solicitava a dispensa de prestação de garantia com vista à suspensão do PEF n.º 1333202101008447 e apensos, sustentando que os bens idóneos existentes para garantir a dívida já se encontram onerados e os que não estão onerados revelam-se inidóneos, sendo que a AT já era beneficiária dos ónus que impendem sobre o ativo da sociedade.

E. O OEF escrutinou, as bases dados, e identificou registados em nome da reclamante 5 artigos rústicos e 1 urbano, 30 veículos em regime de propriedade e 11 em locação, tudo património penhorável, e passível de constituir garantia.

F. O OEF logrou provar a existência de bens imóveis que nunca tinham sido dados em garantia na execução fiscal, bem como logrou provar a existência de viaturas pertencentes à reclamante que não se encontravam oneradas.

G. É sobre a reclamante que recai o ónus da demonstração da verificação dos pressupostos de dispensa ou isenção de garantia, ficando a AT autorizada, caso logre demonstrar a existência de bens penhoráveis em nome da requerente, susceptíveis de serem oferecidos como garantia, de indeferir o pedido, sem necessidade de mais diligências.

H. Citamos em defesa da nossa pretensão, o douto acórdão do STA, proferido no proc. 0289/20.9BEALM, datado de 04/11/2020, disponível para consulta em www.dgsi.pt, em que é relator o Sr. Juiz Conselheiro FRANCISCO ROTHES, cujo respetivo sumário versa o seguinte:

“I - Invocando o executado a manifesta falta de meios económicos por insuficiência de bens penhoráveis susceptíveis de garantir a dívida exequenda e o acrescido, em ordem a obter a dispensa de prestação de garantia (cf. art. 52.º, n.º 4, da LGT), incumbe-lhe o ónus de alegar e demonstrar os factos susceptíveis de integrarem essa insuficiência, o que deve fazer com o requerimento de pedido, instruindo-o com a documentação pertinente (cf. art. 342.º do CC, art. 77.º, n.º 1, da LGT e art. 170.º, n.º 1, do CPPT).

II - Não pode considerar-se que o executado se desincumbiu desse ónus se, para além de não provar a invocada manifesta falta de meios económicos, a AT logrou demonstrar a existência de bens susceptíveis de serem dados em garantia.

III - Nessa circunstância, o indeferimento do pedido de dispensa de garantia não fica dependente de quaisquer diligências a efectuar oficiosamente pela AT ou de quaisquer esclarecimentos a solicitar ao executado, em ordem a estabelecer o valor desses bens.”

I. Não se acompanha, sempre com todo o respeito, a conclusão que para aferir da insuficiência patrimonial do contribuinte tal não obriga a que todos os seus bens sejam apresentados como garantia, mas outrossim que, até à sua verificação, a insuficiência patrimonial fica dependente da computação do património do executado, o que não se alcança sem que a totalidade do seu património seja escrutinado, pois que insuficiente.

J. O património do devedor constitui a garantia geral dos créditos tributários, nos precisos termos do artigo 50º/1 da LGT, o que, obviamente, não significa que seja essencial constituir previamente garantia sobre o património para só depois se aferir da sua idoneidade.

K. Igualmente não se acompanha a douta sentença na apontada contradição no despacho reclamado entre os conceitos de existência de bens penhoráveis e a dissipação de património pela executada, de molde a inquinar a decisão.

L. A apontada dissipação de património, consubstanciada na alienação de veículos, conforme identificado na informação que precede a decisão do OEF, não excede, na justa medida em que se apreende, a insuficiência de bens susceptiveis de constituírem garantia idónea, apenas pode servir como orientação, para que a percepção do pedido da autora, ante a eventualidade de sopeso de fundamento distinto do artigo 52º/4 da LGT, poder sair comprometido.

M. Por conseguinte a douta sentença proferida pelo tribunal a quo padece de erro de julgamento, fazendo errónea aplicação do direito, violando as disposições contidas nos artigos 52º/4 e 77º/1 da LGT e 170º/1 do CPPT, razão pela qual deve ser revogada.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de Vossas Ex.as, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, mantendo-se decisão de indeferimento do pedido de dispensa de garantia, com o que se fará como sempre

JUSTIÇA

A Recorrida “A………… Unipessoal, Lda.” não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Sem vistos por se tratar de processo urgente, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.




2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em indagar da bondade da decisão recorrida que decidiu pela anulação das decisão reclamada, no entendimento de que a AT deveria, ao abrigo do seu dever de colaboração e ao abrigo do princípio do inquisitório, solicitar documentação adicional ao contribuinte ou, em alternativa, encetar as diligências necessárias para o efeito, com vista ao cumprimento do défice instrutório de que, obviamente, o requerimento da recorrida padecia.




3. FUNDAMENTOS

3.1. DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“…

1. Em 11.11.2019 foi homologado o plano de revitalização da Reclamante, aprovado pelos respetivos credores, por decisão judicial proferida no âmbito do processo especial de revitalização que correu termos no Juízo do Comércio de Leiria sob o n.º 1150/19.5T8ACB (cf. decisão a fls. 22 e seguintes do SITAF);

2. Em data concretamente não determinada do ano de 2021 o SF da Batalha instaurou contra a Reclamante os PEF n.º 1333202101008447 e apensos para cobrança coerciva de dívidas provenientes de coimas fixadas em processos de contraordenação, no valor total de €106.569,99 (cf. certidões de fls. 88 e seguintes do SITAF);

3. Em 05.05.2021 deu entrada no SF da Batalha requerimento da Reclamante pelo qual solicitava a dispensa de prestação de garantia com vista à suspensão do PEF n.º 1333202101008447 e apensos, podendo aí ler-se, com relevo, o seguinte (cf. requerimento a fls. 55 e seguintes do SITAF):

“(…)

Os processos executivos supra identificados foram instaurados para cobrança de coimas, fixadas por alegada infração ocorrida em infraestruturas rodoviárias concessionadas, por falta de pagamento de taxas de portagem, prevista na Lei n.º 25/2006 de 30 de junho, cuja quantia exequenda e demais acrescidos ascende ao total de € 107.797,04.

A executada deduziu recursos judiciais contra as decisões de aplicação de coimas em cobrança coerciva, sendo que, nos termos do n.º 2 do art° 79° do RGIT, não pode haver lugar à cobrança coerciva se a decisão que aplicou a coima ainda não transitou em julgado, e havendo recurso judicial, não poderá ser instaurada e tramitada a execução até à decisão final a proferir pelo tribunal de 1ª instância.

Com fundamento em inexigibilidade da dívida, a executada deduziu também oposição judicial.

Oposição que constitui fundamento de suspensão da execução mediante a prestação de garantia, ou dispensa da sua prestação, nos termos dos art°s 169°, n ° 1 a 7 e 10, 170.° do CPPT e art.º 52º° da LGT.

Como é do conhecimento do Serviço de Finanças, a executada apresentou no juízo de comércio de Leiria um Plano Especial de Revitalização - PER (proc. N° 1150/19.5T8ACB - juízo de comércio de Leiria- J1).

Apresentado o plano de recuperação e decorridas as negociações o mesmo veio a ser homologado por sentença de 11/11/2019, transitada em julgado em 3/12/2019.

No plano de recuperação aprovado encontra-se previsto um regime especial de pagamentos relativo aos créditos da Autoridade Tributária, (pagamento em 150 prestações mensais), plano este que a executada se encontra a cumprir desde janeiro de 2020.

Ora, sucede que a executada tem todo o seu património imobiliário já hipotecado, bem como a quase totalidade da sua frota onerada a favor da AT ou com reserva de propriedade. Acresce que, os poucos veículos que se encontram livres de ónus e encargos encontram-se atualmente parados, obsoletos e necessitam de ser desmantelados para sucata para que deixem de gerar encargos, nomeadamente com o IUC.

Por outro lado, encontrando-se a executada em fase de implementação de PER, é inviável a prestação de garantia bancária ou seguro caução, porquanto não tem acesso a crédito bancário, logo, está impossibilitada de prestar garantia bancária.

Em suma, os bens de que é possuidora já se encontram onerados ou o seu estado de uso e valor comercial não são idóneos e suficientes para constituir garantia, a que acresce o facto de a executada não ter acesso a crédito e garantias bancárias.

Nos termos do art.° 52°, n.º 4 da LGT a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.

A atuação da executada no cumprimento dos planos prestacionais em curso permite concluir pela boa fé da mesma e do seu comprometimento com os pagamentos prestacionais. Os bens idóneos existentes já se encontram onerados e os que não estão onerados revelam-se inidóneos, sendo que a AT já é beneficiária dos ónus que impendem sobre o ativo da sociedade.

Por último, é de referir que à executada tem sido concedida dispensa de prestação de garantia solicitada em processos executivos cujo pagamento em prestações foi deferido. Ora, as condições económicas e patrimoniais da executada não se alteraram, mantendo-se as condições e pressupostos que presidiram às decisões anteriores que concederam dispensa de prestação de garantia. Pelo que, se encontram preenchidos os requisitos para proceder o pedido ora formulado.

(…)”

4. Em 04.06.2021 a Reclamante apresentou junto do SF da Batalha oposição ao PEF n.º 1333202101008447 e apensos, que neste Tribunal corre termos sob o n.º 430/21.4BELRA (cf. vinheta aposta no envelope de fls. 83 do Proc. n.º 430/21.4BELRA no SITAF);
5. Em 29.06.2021 os serviços da DF de Leiria elaboraram informação no âmbito do PEF n.º 1333202101008447 e apensos, com o assunto Pedido de dispensa de prestação de garantia, e com o seguinte teor (cf. informação a fls. 20 e seguintes do SITAF):
“(…)
Em 2021.05.06, pelo mandatário constituído nos autos, veio a executada A…………-, UNIPESSOAL - LDA - NIPC ……….., requerer a dispensa de prestação de garantia ao abrigo do 52° n° 4 da LGT e 170° do CPPT.
O requerimento, desacompanhado de qualquer prova, traz na essencialidade os fundamentos:
* Dos processos terem sido instaurados para cobrança de coimas;
* Da executada ter deduzido recursos judiciais contra as decisões de aplicação de coimas em cobrança coerciva, e também oposição judicial com o fundamento da inexigibilidade da divida, oposição que constitui fundamento de suspensão da execução mediante a prestação de garantia ou dispensa da sua prestação nos termos do 169° n° 1 a 7 e 10, 170° do CPPT e artigo 52° da LGT;
* De ter apresentado no Juízo de Comércio de Leiria um Plano Especial de Revitalização (PER), já homologado por sentença de 11.11.2019, com pagamento em 150 prestações mensais, que esta a cumprir;
* De ter todo o seu património imobiliário já hipotecado;
* A quase totalidade da sua frota se encontrar onerada a favor da AT, ou com reserva de propriedade;
* Dos poucos veículos livres de ónus ou encargos se encontrarem atualmente parados, obsoletos e a necessitarem de ser desmantelados, e de os idóneos existentes, já se encontrarem onerados;
* E de lhe ser inviável a prestação de garantia bancaria ou seguro caução, por se encontrar em PER e não ter acesso a credito bancário.
- Requerimento concluído com os pedidos:
I. Da suspensão dos processos executivos, até ao transito em julgado da oposição deduzida, requer-se a dispensa de prestação de garantia nos termos do artigo 170° do CPPT e 52° n° 4 da LGT;
II. Contudo e caso se entenda que é exigível à executada juntar prova adicional da sua impossibilidade de prestação de garantia ou da seja necessário aperfeiçoar os termos de pedido, desde já se requer, que ao abrigo do principio da colaboração venha a ser ordenada a sua notificação para, num prazo não inferior a 10 dias, apresentar provas e/ou aperfeiçoar o pedido.
DO PEDIDO E DO DIREITO APLICÁVEL:
Dispõe o n° 4 do 52° da LGT «A administração tributária, a requerimento da executada pode isentá-la da prestação de garantia, nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado».
A executada, doravante oponente, invoca o direito à isenção da prestação de garantia, pedido, que à luz do citado preceito, carece da objetiva verificação dos seguintes pressupostos:
a) que a prestação da garantia cause prejuízo irreparável traduzida na diminuição dos proveitos resultantes da atividade desenvolvida pela executada, sendo este provocado pelos encargos financeiros impostos pela sua prestação;
Ou
b) a manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis;
E, face à nova redação dada pelo artigo 225.° da Lei n° 42/2016 de 28 de dezembro, ao n.º 4 do artigo 52.° da LGT, quer o pedido se baseie no pressuposto a) ou b), desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado, este sempre um pressuposto, de verificação necessária.
No caso em apreço:
O pedido vem com as alegações de ter todo o seu património imobiliário já hipotecado, a quase totalidade da sua frota onerada a favor da AT ou com reserva de propriedade, que os poucos veículos livres de ónus ou encargos estão atualmente parados, obsoletos e necessitam de ser desmantelados, de não ter acesso a credito bancário, sendo-lhe inviável a prestação de garantia bancaria ou seguro caução, por se encontrar em PER, e que os bens idóneos existentes já se encontram onerados.
A oponente:
Tem nas bases dados da AT, registados em seu nome, 5 artigos rústicos e 1 urbano, 30 veículos em regime de propriedade e 11 em locação, tudo património penhorável, e passível de constituir garantia.
Alega a existência de garantias já constituídas sobre parte do seu património, facto irrelevante, face à legal imposição, de todo o seu património constituir garantia da divida, no caso com o fito da suspensão de 28 processos executivos, sob escrutínio de oposição judicial.
Reconhece no seu pedido possuir património, ainda não dado em garantia.
E sem que previamente, sobre todo o seu património, haja constituído garantias, invoca o direito à isenção da sua prestação (74° n° 1 da LGT 342° do Civil), sem junção ao pedido, da prova necessária à verificação dos pressupostos de que depende o reconhecimento do seu direito (CPPT 170° n° 3).
E nesses termos, por ela não carreada para analise diferente prova, e constatando-se da informação disponível:
I. A existência de património registado em nome da oponente não dado em garantia;
II. O termino de contratos (locação), seguido de recente alienação de património, com inerente subtração de garantias.
Por não provados os pressupostos, nem preenchidas as condições, para a total dispensa da garantia, proponho, o indeferimento do pedido.
(…)”
6. Em 07.07.2021 o Chefe da Divisão de Justiça Tributária da DF de Leiria apôs na informação referida em 5. o despacho “Concordo. A suficiência e dispensa parcial de garantia só pode ser aferida depois de apresentados todos os bens do executado como garantia, o que não se verifica na presente data.” (cf. despacho a fls. 18 do SITAF).

*
De acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (CPC), que aqui tem aplicação por força da al. e) do artigo 2.º do CPPT, na fundamentação da sentença “o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”.
Para a prova dos factos acima elencados sob os números 1. a 6., foi determinante a análise da prova documental junta aos autos pelo órgão da execução fiscal aquando da remessa do processo a este Tribunal, bem como daquela que foi junta pela Reclamante no âmbito deste processo de reclamação, sem que qualquer das partes tenha apresentado oposição à junção dos sobreditos documentos ou por qualquer forma impugnado a referida documentação, tudo conforme supra se encontra devidamente identificado em frente a cada um dos pontos do probatório – cf. artigos 374.º e 376.º do Código Civil.
No que ao facto acima fixado sob o ponto n.º 4. diz respeito, foi determinante a consulta da plataforma informática de apoio à atividade dos tribunais administrativos e fiscais, à qual a signatária tem acesso no âmbito do exercício das suas funções, e através da qual foi possível pesquisar a existência de processos existentes no Tribunal em nome da Recorrente, designadamente os associados aos processos executivos que também estão em causa nestes autos.
*
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.”
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3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de indagar da bondade da decisão recorrida que decidiu pela anulação das decisão reclamada, no entendimento de que a AT deveria, ao abrigo do seu dever de colaboração e ao abrigo do princípio do inquisitório, solicitar documentação adicional ao contribuinte ou, em alternativa, encetar as diligências necessárias para o efeito, com vista ao cumprimento do défice instrutório de que, obviamente, o requerimento da recorrida padecia.

Nas suas alegações, a Recorrente refere que a aqui recorrida apresentou junto do SF da Batalha requerimento pelo qual solicitava a dispensa de prestação de garantia com vista à suspensão do PEF n.º 1333202101008447 e apensos, sustentando que os bens idóneos existentes para garantir a dívida já se encontram onerados e os que não estão onerados revelam-se inidóneos, sendo que a AT já era beneficiária dos ónus que impendem sobre o activo da sociedade, sendo que o OEF escrutinou as bases dados e identificou registados em nome da reclamante 5 artigos rústicos e 1 urbano, 30 veículos em regime de propriedade e 11 em locação, tudo património penhorável, e passível de constituir garantia, ou seja, o OEF logrou provar a existência de bens imóveis que nunca tinham sido dados em garantia na execução fiscal, bem como logrou provar a existência de viaturas pertencentes à reclamante que não se encontravam oneradas, verificando-se que é sobre a reclamante que recai o ónus da demonstração da verificação dos pressupostos de dispensa ou isenção de garantia, ficando a AT autorizada, caso logre demonstrar a existência de bens penhoráveis em nome da requerente, susceptíveis de serem oferecidos como garantia, de indeferir o pedido, sem necessidade de mais diligências.
Mais refere que o património do devedor constitui a garantia geral dos créditos tributários, nos precisos termos do artigo 50º/1 da LGT, o que, obviamente, não significa que seja essencial constituir previamente garantia sobre o património para só depois se aferir da sua idoneidade, não existindo contradição no despacho reclamado entre os conceitos de existência de bens penhoráveis e a dissipação de património pela executada, de molde a inquinar a decisão e a apontada dissipação de património, consubstanciada na alienação de veículos, conforme identificado na informação que precede a decisão do OEF, não excede, na justa medida em que se apreende, a insuficiência de bens susceptíveis de constituírem garantia idónea, apenas pode servir como orientação, para que a percepção do pedido da autora, ante a eventualidade de sopeso de fundamento distinto do artigo 52º/4 da LGT, poder sair comprometido, o que significa que a douta sentença proferida pelo tribunal a quo padece de erro de julgamento, fazendo errónea aplicação do direito, violando as disposições contidas nos artigos 52º/4 e 77º/1 da LGT e 170º/1 do CPPT, razão pela qual deve ser revogada.

Que dizer?
A execução fiscal visa a cobrança coerciva das dívidas elencadas no art. 148º do CPPT. É um processo de natureza judicial, como decorre expressamente do art. 103º nº 1 da LGT, sem prejuízo de ser instaurada e se desenvolver perante órgãos da AT, que nela praticam os actos de natureza não jurisdicional que couberem, tudo nos termos dos arts. 10º nº 1, alínea f), 149º, 150º e 151º do CPPT. Entre tais actos incluem-se os concernentes à prestação de garantia, quando a ela houver lugar, e às respectivas vicissitudes: apreciação da suficiência, dispensa, reforço, redução, levantamento. É o que se extrai das disposições dos arts. 169º, 170º, 183º, 195º, 199º nºs 8, 9 e 10 do CPPT. Em síntese, tudo quanto respeite à garantia prestada no âmbito da execução fiscal, quer tenha em vista a sua suspensão, quer o pagamento em prestações da dívida exequenda, é da competência do órgão da execução fiscal.

Nesta matéria, diga-se que art. 52º nº 4 da LGT refere que “A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.”.
Face à alteração do art. 52º nº 4 da LGT, que entrou em vigor em 01-01-2017, o legislador tributário procedeu à inversão do ónus da prova no que concerne ao preenchimento do terceiro pressuposto (cumulativo) passando a constar uma actuação dolosa ao invés da prova do afastamento de uma actuação culposa por parte do executado.
Ora, da interpretação do art. 52º nº 4 da LGT resulta que o deferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia está sujeito à verificação de três requisitos, sendo dois deles de verificação alternativa e um terceiro de verificação cumulativa, a saber: alternativamente, importa provar que (i) a prestação de garantia causa prejuízo irreparável ou (ii) a manifesta falta de meios económicos a qual é revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido; cumulativamente, cumpre demonstrar (iii) a inexistência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado.
Tal significa que quer a dispensa de prestação da garantia assente na ocorrência de prejuízo irreparável, quer na manifesta falta de meios económicos do executado, é sobre o Requerente que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos para tal dispensa, competindo à AT a demonstração da existência de fortes indícios de que a insuficiência de bens se deveu a actuação dolosa por parte do executado.

A partir daqui, importa ainda salientar que o pedido de dispensa de garantia deve ser apresentado ao órgão da execução fiscal, nos termos do art. 170º nº 1 do CPPT - que regulamenta o pedido de dispensa de prestação de garantia previsto no art. 52º nº 4 da LGT -, pois é a esse órgão que está legalmente atribuída a competência exclusiva para decidir sobre esse pedido. Isto, sem prejuízo de o tribunal tributário competente poder ser chamado, mediante solicitação de qualquer interessado, a sindicar a legalidade da actuação da Administração no âmbito desse pedido (arts. 151.º, n.º 1, e 286.º do CPPT), o que significa que estamos perante um procedimento administrativo tributário enxertado no processo de execução fiscal, sendo a respectiva decisão um verdadeiro acto administrativo, procedimento da iniciativa do executado, sendo que é um procedimento formal, que deve obedecer às regras legais, designadamente, deve seguir a forma escrita (art. 54º nº 3 da LGT), deve indicar o órgão a que se dirige, identificar o requerente, com indicação do nome e domicílio [cf. art. 102.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código do Procedimento Administrativo (CPA)], expor os fundamentos de facto e de direito em que se baseia o pedido e instruir o requerimento com a prova documental pertinente (cf. n.º 3 do art. 170.º do CPPT). Deverá também o requerente mencionar o número de identificação fiscal (cf. n.º 1 do art. 29.º do Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de Janeiro) e ainda, no caso de o procedimento respeitar a um processo de execução fiscal, indicar o número desse processo.

Nesta sequência, cumpre ter presente que a decisão recorrida concedeu abrigo à pretensão da ora Recorrida, na medida em que considerou que:
“…
A base da sua argumentação é, portanto, a de que não possui bens móveis e imóveis suficientes para garantir a dívida exequenda, consubstanciando estes bens a que acima nos referimos uma garantia inidónea da dívida, atenta a quantidade de encargos que sobre os mesmos já recai.
Ora, no que respeita ao critério da manifesta falta de meios económicos, é o mesmo consubstanciado pela insuficiência dos bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido. Significa isto que, ainda que existam bens penhoráveis, sendo estes insuficientes para o pagamento da dívida exequenda, fica preenchido o pressuposto legal.
E o despacho aqui sindicado afirma que a Reclamante possui outros bens, além daqueles que ofereceu como garantia, e também que apenas após a apresentação como garantia da totalidade dos bens que fazem parte do seu património pode ser aferida a situação de insuficiência patrimonial para efeitos de aplicação do n.º 4 do artigo 52.º da LGT.
Temos, contudo, que para se poder concluir pela sua suficiência ou insuficiência face à divida exequenda e acrescido, não basta que existam bens na esfera patrimonial da Reclamante, sendo necessário que os mesmos sejam quantificados. Deste modo, tais bens móveis imóveis, maxime os prédios rústicos e as viaturas a que se refere o despacho reclamado, teriam que ser objeto de avaliação para que a Administração Tributária pudesse concluir que o seu valor seria suficiente para garantir a dívida exequenda.
Porém, contrariamente ao que lhe competia, a Administração Tributária não solicitou quaisquer informações à Reclamante a este respeito nem promoveu quaisquer diligências para apurar o valor de tais participações financeiras. …”

Pois bem, é ponto assente que a ora Recorrida pediu a dispensa da prestação de garantia com fundamento na manifesta falta de meios económicos por não possuir bens suficientes para garantir a dívida exequenda e o acrescido, verificando-se que a AT indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia com o fundamento, além do mais, que a ora Recorrida possui outros bens, além daqueles que ofereceu como garantia, designadamente 5 artigos rústicos e 1 urbano, 30 veículos em regime de propriedade e 11 em locação, tudo património penhorável, e passível de constituir garantia.

A partir daqui, tendo presente que a decisão reclamada tem como suporte fundamentador a falta de prova por parte da executada de uma situação de insuficiência de bens, reveladora de manifesta falta de meios económicos que lhe permitam garantir a dívida exequenda e o acrescido, nos termos do art. 52º nº 4 da LGT, por ter considerado, como se disse, que a ora Recorrida pode oferecer como garantia designadamente 5 artigos rústicos e 1 urbano, 30 veículos em regime de propriedade e 11 em locação, ou seja, foi a falta de prova da insuficiência de bens reveladora da invocada manifesta falta de meios económicos que determinou o indeferimento da pretensão da ora Recorrida.

Assim sendo, tal como aponta o Ac. deste Tribunal de 04-11-2020, Proc. nº 0289/20.9BEALM, www.dgsi.pt, citado pela Recorrente, “… Salvo o devido respeito, impor à AT que, em sede do procedimento de dispensa de prestação de garantia, diligencie oficiosamente no sentido de apurar o real valor de bens que a Executada não se propôs oferecer em garantia e, alguns, de cuja existência nem sequer lhe deu conta, é fazer tábua rasa da obrigação de alegação e prova que o legislador pôs a cargo do executado que, em ordem à suspensão da execução fiscal, pretenda ser dispensado da prestação de garantia mediante a invocação de falta de condições económicas para a prestar.
Note-se ainda que o procedimento de dispensa de prestação de garantia tem regras próprias de alegação e prova dos factos (cf. art. 52.º, n.º 4, da LGT e art. 170.º, n.º 1, do CPPT), não podendo, sem mais, aplicar-se-lhe as regras do procedimento tributário de liquidação, tanto mais que não é possível estabelecer paralelismo entre ambos: enquanto naquele está em causa a pretensão do executado a obter um efeito que se há-de ter como excepcional em sede de execução fiscal - a norma é a prestação da garantia em ordem a obter a suspensão da execução fiscal - e, portanto, o procedimento tem início a pedido do interessado e a decisão fica sujeita ao que foi pedido (cf. art. 56.º da LGT), neste estamos perante um procedimento tributário que pode ser iniciado oficiosamente (cf. art. 57.º, n.ºs 1 e 7, da LGT) e em que a AT não vê a sua decisão limitada senão pela prossecução do interesse público e pelos princípios enunciados no art. 54.º da LGT; enquanto naquele o interessado pretende obter um efeito constitutivo de direitos, neste o efeito será a declaração (concretização) de uma obrigação tributária. …”.

Em suma, como se concluiu no referido aresto, invocando o executado a manifesta falta de meios económicos por insuficiência de bens penhoráveis susceptíveis de garantir a dívida exequenda e o acrescido, em ordem a obter a dispensa de prestação de garantia (cf. art. 52.º, n.º 4, da LGT), incumbe-lhe o ónus de alegar e demonstrar os factos susceptíveis de integrarem essa insuficiência, o que deve fazer com o requerimento de pedido, instruindo-o com a documentação pertinente (cf. art. 342.º do CC, art. 77.º, n.º 1, da LGT e art. 170.º, n.º 1, do CPPT), sendo que não pode considerar-se que o executado se desembaraçou desse ónus se, para além de não provar a invocada manifesta falta de meios económicos, a AT logrou demonstrar a existência de bens susceptíveis de serem dados em garantia, verificando-se que, nessa circunstância, o indeferimento do pedido de dispensa de garantia não fica dependente de quaisquer diligências a efectuar oficiosamente pela AT ou de quaisquer esclarecimentos a solicitar ao executado, em ordem a estabelecer o valor desses bens, o que significa que a sentença recorrida padece do vício que lhe é assacado pela Recorrente.


4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a Reclamação Judicial.

Custas pela Recorrida, sem taxa de justiça, por ausência de contra-alegação.

Notifique-se. D.N..




Lisboa, 12 de Janeiro de 2022. - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos.