Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01204/21.8BELRA |
Data do Acordão: | 01/12/2022 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | PEDRO VERGUEIRO |
Descritores: | RECLAMAÇÃO CPPT PEDIDO DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA DÉFICE INSTRUTÓRIO PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO |
Sumário: | I - Invocando o executado a manifesta falta de meios económicos por insuficiência de bens penhoráveis susceptíveis de garantir a dívida exequenda e o acrescido, em ordem a obter a dispensa de prestação de garantia (cf. art. 52.º, n.º 4, da LGT), incumbe-lhe o ónus de alegar e demonstrar os factos susceptíveis de integrarem essa insuficiência, o que deve fazer com o requerimento de pedido, instruindo-o com a documentação pertinente (cf. art. 342.º do CC, art. 77.º, n.º 1, da LGT e art. 170.º, n.º 1, do CPPT). II - Não pode considerar-se que o executado se desincumbiu desse ónus se, para além de não provar a invocada manifesta falta de meios económicos, a AT logrou demonstrar a existência de bens susceptíveis de serem dados em garantia. III - Nessa circunstância, o indeferimento do pedido de dispensa de garantia não fica dependente de quaisquer diligências a efectuar oficiosamente pela AT ou de quaisquer esclarecimentos a solicitar ao executado, em ordem a estabelecer o valor desses bens. |
Nº Convencional: | JSTA000P28762 |
Nº do Documento: | SA22022011201204/21 |
Data de Entrada: | 12/17/2021 |
Recorrente: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | A........ UNIPESSOAL, LDA. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. RELATÓRIO O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, datada de 22-10-2021, que julgou procedente a pretensão deduzida por “A……….. Unipessoal, Lda.” no presente processo de RECLAMAÇÃO intentado contra a decisão do Chefe da Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças (DF) de Leiria pela qual foi indeferido o pedido de dispensa de prestação de garantia formulado no âmbito do processo de execução fiscal (PEF) n.º 1333202101008447 e apensos, que naquele serviço contra si corre termos para cobrança coerciva de dívidas provenientes de coimas fixadas em processos de contraordenação, no valor total de € 106.569,99. “ (…) A. O presente recurso vem interposto contra a douta sentença douta sentença que julgou procedente por provada, a reclamação de actos do órgão de execução fiscal interposta por A…………., UNIPESSOAL, LDA., contra a decisão do Chefe da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Leiria pela qual foi indeferido o pedido de dispensa de prestação de garantia formulado no âmbito do processo de execução fiscal (PEF) n.º 1333202101008447 e apensos, instaurados para cobrança coerciva de dívidas provenientes de coimas fixadas em processos de contraordenação por falta de pagamento de taxas de portagens relativas ao mês de Outubro do ano 2020, no valor total de €106.569,99. B. A Mm.ª Juiz a quo sustenta tal procedência no entendimento que a Administração Tributária deveria, ao abrigo do seu dever de colaboração e ao abrigo do princípio do inquisitório, solicitar documentação adicional ao contribuinte ou, em alternativa, encetar as diligências necessárias para o efeito, com vista ao cumprimento do défice instrutório que, obviamente, o requerimento da recorrida padecia. C. Salvo o devido respeito, este entendimento afigura-se excessivo, e, por conseguinte, não pode manter-se. D. A aqui recorrida apresentou junto do SF da Batalha requerimento pelo qual solicitava a dispensa de prestação de garantia com vista à suspensão do PEF n.º 1333202101008447 e apensos, sustentando que os bens idóneos existentes para garantir a dívida já se encontram onerados e os que não estão onerados revelam-se inidóneos, sendo que a AT já era beneficiária dos ónus que impendem sobre o ativo da sociedade. E. O OEF escrutinou, as bases dados, e identificou registados em nome da reclamante 5 artigos rústicos e 1 urbano, 30 veículos em regime de propriedade e 11 em locação, tudo património penhorável, e passível de constituir garantia. F. O OEF logrou provar a existência de bens imóveis que nunca tinham sido dados em garantia na execução fiscal, bem como logrou provar a existência de viaturas pertencentes à reclamante que não se encontravam oneradas. G. É sobre a reclamante que recai o ónus da demonstração da verificação dos pressupostos de dispensa ou isenção de garantia, ficando a AT autorizada, caso logre demonstrar a existência de bens penhoráveis em nome da requerente, susceptíveis de serem oferecidos como garantia, de indeferir o pedido, sem necessidade de mais diligências. H. Citamos em defesa da nossa pretensão, o douto acórdão do STA, proferido no proc. 0289/20.9BEALM, datado de 04/11/2020, disponível para consulta em www.dgsi.pt, em que é relator o Sr. Juiz Conselheiro FRANCISCO ROTHES, cujo respetivo sumário versa o seguinte: “I - Invocando o executado a manifesta falta de meios económicos por insuficiência de bens penhoráveis susceptíveis de garantir a dívida exequenda e o acrescido, em ordem a obter a dispensa de prestação de garantia (cf. art. 52.º, n.º 4, da LGT), incumbe-lhe o ónus de alegar e demonstrar os factos susceptíveis de integrarem essa insuficiência, o que deve fazer com o requerimento de pedido, instruindo-o com a documentação pertinente (cf. art. 342.º do CC, art. 77.º, n.º 1, da LGT e art. 170.º, n.º 1, do CPPT). II - Não pode considerar-se que o executado se desincumbiu desse ónus se, para além de não provar a invocada manifesta falta de meios económicos, a AT logrou demonstrar a existência de bens susceptíveis de serem dados em garantia. III - Nessa circunstância, o indeferimento do pedido de dispensa de garantia não fica dependente de quaisquer diligências a efectuar oficiosamente pela AT ou de quaisquer esclarecimentos a solicitar ao executado, em ordem a estabelecer o valor desses bens.” I. Não se acompanha, sempre com todo o respeito, a conclusão que para aferir da insuficiência patrimonial do contribuinte tal não obriga a que todos os seus bens sejam apresentados como garantia, mas outrossim que, até à sua verificação, a insuficiência patrimonial fica dependente da computação do património do executado, o que não se alcança sem que a totalidade do seu património seja escrutinado, pois que insuficiente. J. O património do devedor constitui a garantia geral dos créditos tributários, nos precisos termos do artigo 50º/1 da LGT, o que, obviamente, não significa que seja essencial constituir previamente garantia sobre o património para só depois se aferir da sua idoneidade. K. Igualmente não se acompanha a douta sentença na apontada contradição no despacho reclamado entre os conceitos de existência de bens penhoráveis e a dissipação de património pela executada, de molde a inquinar a decisão. L. A apontada dissipação de património, consubstanciada na alienação de veículos, conforme identificado na informação que precede a decisão do OEF, não excede, na justa medida em que se apreende, a insuficiência de bens susceptiveis de constituírem garantia idónea, apenas pode servir como orientação, para que a percepção do pedido da autora, ante a eventualidade de sopeso de fundamento distinto do artigo 52º/4 da LGT, poder sair comprometido. M. Por conseguinte a douta sentença proferida pelo tribunal a quo padece de erro de julgamento, fazendo errónea aplicação do direito, violando as disposições contidas nos artigos 52º/4 e 77º/1 da LGT e 170º/1 do CPPT, razão pela qual deve ser revogada. Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de Vossas Ex.as, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, mantendo-se decisão de indeferimento do pedido de dispensa de garantia, com o que se fará como sempre JUSTIÇA”
A Recorrida “A………… Unipessoal, Lda.” não apresentou contra-alegações.
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
Sem vistos por se tratar de processo urgente, vem o processo submetido à Conferência para julgamento. 2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em indagar da bondade da decisão recorrida que decidiu pela anulação das decisão reclamada, no entendimento de que a AT deveria, ao abrigo do seu dever de colaboração e ao abrigo do princípio do inquisitório, solicitar documentação adicional ao contribuinte ou, em alternativa, encetar as diligências necessárias para o efeito, com vista ao cumprimento do défice instrutório de que, obviamente, o requerimento da recorrida padecia. 3. FUNDAMENTOS 3.1. DE FACTO Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte: “… 1. Em 11.11.2019 foi homologado o plano de revitalização da Reclamante, aprovado pelos respetivos credores, por decisão judicial proferida no âmbito do processo especial de revitalização que correu termos no Juízo do Comércio de Leiria sob o n.º 1150/19.5T8ACB (cf. decisão a fls. 22 e seguintes do SITAF); 2. Em data concretamente não determinada do ano de 2021 o SF da Batalha instaurou contra a Reclamante os PEF n.º 1333202101008447 e apensos para cobrança coerciva de dívidas provenientes de coimas fixadas em processos de contraordenação, no valor total de €106.569,99 (cf. certidões de fls. 88 e seguintes do SITAF); 3. Em 05.05.2021 deu entrada no SF da Batalha requerimento da Reclamante pelo qual solicitava a dispensa de prestação de garantia com vista à suspensão do PEF n.º 1333202101008447 e apensos, podendo aí ler-se, com relevo, o seguinte (cf. requerimento a fls. 55 e seguintes do SITAF): “(…) Os processos executivos supra identificados foram instaurados para cobrança de coimas, fixadas por alegada infração ocorrida em infraestruturas rodoviárias concessionadas, por falta de pagamento de taxas de portagem, prevista na Lei n.º 25/2006 de 30 de junho, cuja quantia exequenda e demais acrescidos ascende ao total de € 107.797,04. A executada deduziu recursos judiciais contra as decisões de aplicação de coimas em cobrança coerciva, sendo que, nos termos do n.º 2 do art° 79° do RGIT, não pode haver lugar à cobrança coerciva se a decisão que aplicou a coima ainda não transitou em julgado, e havendo recurso judicial, não poderá ser instaurada e tramitada a execução até à decisão final a proferir pelo tribunal de 1ª instância. Com fundamento em inexigibilidade da dívida, a executada deduziu também oposição judicial. Oposição que constitui fundamento de suspensão da execução mediante a prestação de garantia, ou dispensa da sua prestação, nos termos dos art°s 169°, n ° 1 a 7 e 10, 170.° do CPPT e art.º 52º° da LGT. Como é do conhecimento do Serviço de Finanças, a executada apresentou no juízo de comércio de Leiria um Plano Especial de Revitalização - PER (proc. N° 1150/19.5T8ACB - juízo de comércio de Leiria- J1). Apresentado o plano de recuperação e decorridas as negociações o mesmo veio a ser homologado por sentença de 11/11/2019, transitada em julgado em 3/12/2019. No plano de recuperação aprovado encontra-se previsto um regime especial de pagamentos relativo aos créditos da Autoridade Tributária, (pagamento em 150 prestações mensais), plano este que a executada se encontra a cumprir desde janeiro de 2020. Ora, sucede que a executada tem todo o seu património imobiliário já hipotecado, bem como a quase totalidade da sua frota onerada a favor da AT ou com reserva de propriedade. Acresce que, os poucos veículos que se encontram livres de ónus e encargos encontram-se atualmente parados, obsoletos e necessitam de ser desmantelados para sucata para que deixem de gerar encargos, nomeadamente com o IUC. Por outro lado, encontrando-se a executada em fase de implementação de PER, é inviável a prestação de garantia bancária ou seguro caução, porquanto não tem acesso a crédito bancário, logo, está impossibilitada de prestar garantia bancária. Em suma, os bens de que é possuidora já se encontram onerados ou o seu estado de uso e valor comercial não são idóneos e suficientes para constituir garantia, a que acresce o facto de a executada não ter acesso a crédito e garantias bancárias. Nos termos do art.° 52°, n.º 4 da LGT a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado. A atuação da executada no cumprimento dos planos prestacionais em curso permite concluir pela boa fé da mesma e do seu comprometimento com os pagamentos prestacionais. Os bens idóneos existentes já se encontram onerados e os que não estão onerados revelam-se inidóneos, sendo que a AT já é beneficiária dos ónus que impendem sobre o ativo da sociedade. Por último, é de referir que à executada tem sido concedida dispensa de prestação de garantia solicitada em processos executivos cujo pagamento em prestações foi deferido. Ora, as condições económicas e patrimoniais da executada não se alteraram, mantendo-se as condições e pressupostos que presidiram às decisões anteriores que concederam dispensa de prestação de garantia. Pelo que, se encontram preenchidos os requisitos para proceder o pedido ora formulado. (…)” 4. Em 04.06.2021 a Reclamante apresentou junto do SF da Batalha oposição ao PEF n.º 1333202101008447 e apensos, que neste Tribunal corre termos sob o n.º 430/21.4BELRA (cf. vinheta aposta no envelope de fls. 83 do Proc. n.º 430/21.4BELRA no SITAF); * De acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (CPC), que aqui tem aplicação por força da al. e) do artigo 2.º do CPPT, na fundamentação da sentença “o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”. Para a prova dos factos acima elencados sob os números 1. a 6., foi determinante a análise da prova documental junta aos autos pelo órgão da execução fiscal aquando da remessa do processo a este Tribunal, bem como daquela que foi junta pela Reclamante no âmbito deste processo de reclamação, sem que qualquer das partes tenha apresentado oposição à junção dos sobreditos documentos ou por qualquer forma impugnado a referida documentação, tudo conforme supra se encontra devidamente identificado em frente a cada um dos pontos do probatório – cf. artigos 374.º e 376.º do Código Civil. No que ao facto acima fixado sob o ponto n.º 4. diz respeito, foi determinante a consulta da plataforma informática de apoio à atividade dos tribunais administrativos e fiscais, à qual a signatária tem acesso no âmbito do exercício das suas funções, e através da qual foi possível pesquisar a existência de processos existentes no Tribunal em nome da Recorrente, designadamente os associados aos processos executivos que também estão em causa nestes autos. * Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.”«» 3.2. DE DIREITO Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de indagar da bondade da decisão recorrida que decidiu pela anulação das decisão reclamada, no entendimento de que a AT deveria, ao abrigo do seu dever de colaboração e ao abrigo do princípio do inquisitório, solicitar documentação adicional ao contribuinte ou, em alternativa, encetar as diligências necessárias para o efeito, com vista ao cumprimento do défice instrutório de que, obviamente, o requerimento da recorrida padecia.
Nas suas alegações, a Recorrente refere que a aqui recorrida apresentou junto do SF da Batalha requerimento pelo qual solicitava a dispensa de prestação de garantia com vista à suspensão do PEF n.º 1333202101008447 e apensos, sustentando que os bens idóneos existentes para garantir a dívida já se encontram onerados e os que não estão onerados revelam-se inidóneos, sendo que a AT já era beneficiária dos ónus que impendem sobre o activo da sociedade, sendo que o OEF escrutinou as bases dados e identificou registados em nome da reclamante 5 artigos rústicos e 1 urbano, 30 veículos em regime de propriedade e 11 em locação, tudo património penhorável, e passível de constituir garantia, ou seja, o OEF logrou provar a existência de bens imóveis que nunca tinham sido dados em garantia na execução fiscal, bem como logrou provar a existência de viaturas pertencentes à reclamante que não se encontravam oneradas, verificando-se que é sobre a reclamante que recai o ónus da demonstração da verificação dos pressupostos de dispensa ou isenção de garantia, ficando a AT autorizada, caso logre demonstrar a existência de bens penhoráveis em nome da requerente, susceptíveis de serem oferecidos como garantia, de indeferir o pedido, sem necessidade de mais diligências. 4. DECISÃO Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a Reclamação Judicial. Custas pela Recorrida, sem taxa de justiça, por ausência de contra-alegação. Notifique-se. D.N.. Lisboa, 12 de Janeiro de 2022. - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos. |