Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:050/11.1BEAVR
Data do Acordão:10/14/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE TRANSMISSÃO ONEROSA DE IMOVEIS
AQUISIÇÃO DE PARTE SOCIAL
AVALIAÇÃO
FALTA DE NOTIFICAÇÃO
Sumário:I - O Código de I.M.T. alarga o conceito de transmissão de bens imóveis e sujeita a imposto alguns tipos de aquisições de partes sociais em sociedades. Não nos encontramos perante a directa aquisição de imóveis, mas de partes do capital de sociedades que possuam bens imóveis no seu activo, imobilizado ou permutável (cfr. artº.2, nº.2, al.d), do C.I.M.T., na redacção em vigor em 2006).
II - Nos termos da lei, são consideradas transmissões sujeitas a imposto, as aquisições de partes sociais sempre que se cumpram os seguintes requisitos:
a) Se trate de aquisição, por parte de pessoa singular, de partes sociais em sociedades, ou de outros factos que alterem a respectiva composição;
b) As sociedades em referência sejam de qualquer tipo, mas não sociedades anónimas;
c) As sociedades possuam no seu activo imóveis rústicos ou urbanos, quer seja no imobilizado, quer no activo permutável;
d) Da aquisição resulte a detenção, pelo adquirente, de uma percentagem do capital social da sociedade com imóveis, de 75% ou mais do capital social. Ficam também sujeitas a imposto as aquisições quando o número de sócios fique reduzido a dois, sendo casados num dos regimes de comunhão de bens.
III - A decisão de avaliação/fixação de valor patrimonial tributário de imóvel que sirva de base à liquidação de imposto a certo contribuinte não produz efeitos em relação a este sem que lhe seja validamente notificada.
IV - A falta de notificação da primeira avaliação constitui uma formalidade preterida em acto preparatório ao procedimento de liquidação. Em consequência, não pode ser validamente efectuada uma liquidação adicional apoiada nessa avaliação sem que, previamente, seja assegurado o direito à segunda avaliação. Estaremos perante um vício intrínseco da própria liquidação e que pode/deve ser invocado na impugnação contenciosa desta.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P26459
Nº do Documento:SA220201014050/11
Data de Entrada:07/20/2020
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. de Aveiro, exarada a fls.178 a 182-verso do processo, a qual julgou procedente a presente impugnação pelo recorrido, A…………., intentada e tendo por objecto mediato o acto de liquidação adicional de I.M.T. e de Imposto de Selo, resultante de avaliação de imóvel e no montante total de € 9.267,64.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.184 a 187-verso do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
1-Visa o presente recurso reagir contra a sentença proferida nos autos em epígrafe, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…………, de forma mediata, contra as liquidações de IMT e de ISelo identificadas nos autos, pretendendo a recorrente a sua revogação e substituição por decisão que considere tal impugnação improcedente;
2-A questão decidenda a submeter ao julgamento do Tribunal ad quem consiste em saber se a sentença padece de erro de julgamento, por considerar que a AT deveria ter notificado a impugnante do resultado da 1.ª avaliação do imóvel, realizada em sede de IMI;
3-O Tribunal a quo considerou que foi postergado o direito de apresentar um pedido de 2.ª avaliação do imóvel, previsto no artigo 76.º do CIMI, com a consequente verificação de um vício de procedimento que afecta o acto final, entendimento que a recorrente não pode perfilhar, porquanto;
4-Em primeiro lugar, não decorre de qualquer normativo do CIMI e/ou do CIMT e CISelo a pretendida obrigatoriedade de notificação da impugnante do resultado da avaliação do imóvel;
5-Com efeito, determina o n.º 1 do artigo 76.º do CIMI que a 2.ª avaliação pode ser requerida pelo sujeito passivo, aferido nos termos do artigo 8.º do mesmo Código, pelo que, quer no momento da aquisição e da cessão das quotas, quer no da avaliação do prédio e posteriores liquidações adicionais de IMT e ISelo, o sujeito passivo era a sociedade e não a impugnante;
6-Ademais, a excepção prevista no n.º 8 daquele artigo 76.º do CIMI não se aplica à impugnante, dado que nem esta foi alienante do prédio, nem ocorreu qualquer transmissão do mesmo, carecendo de sentido realizar uma interpretação extensiva da norma;
7-Em segundo lugar, sendo a avaliação patrimonial dos imóveis susceptível de impugnação autónoma, mesmo que se admitisse a hipótese de que a AT tinha o dever legal de notificar a impugnante do resultado da 1ª avaliação, então, “deveria esta solicitar a 2ª avaliação do imóvel, alegando o facto de não ter sido notificada da 1ª avaliação e impugnar, eventualmente, a decisão de indeferimento da pretensão”;
8-Nestes termos, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento de direito, ao considerar que a AT deveria ter notificado a impugnante do resultado da 1.ª avaliação do imóvel realizada em sede de IMI, assim violando o disposto no artigo 76.º do Código do IMI e realizando uma errada interpretação e aplicação do preceituado no n.º 1 do artigo 36.º e no artigo 45.º, ambos do CPPT e no artigo 60.º da LGT.
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Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso (cfr.fls.193 e 194 do processo físico).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.179 a 180-verso do processo físico):
1-Em 12.06.2006 a sociedade "…………., Lda." apresentou a declaração modelo 1 de IMI n.º 1047887, pela qual corrigiu as áreas do artigo urbano n.º 657, da freguesia de …………, concelho de Oliveira de Azeméis – cfr. fls. 49/52 do suporte físico dos autos;
2-Em 29.06.2006, no Cartório Notarial de …………, foi realizada uma escritura intitulada “CESSÃO DE QUOTAS E ALTERAÇÃO PARCIAL DE PACTO” em que intervieram, como primeiro outorgante, ……….., como segundo outorgante, ………., como terceira outorgante, A………….., aqui Impugnante, casada com o segundo outorgante no regime da comunhão geral de bens, e, como quarta outorgante, ……………. – cfr. escritura de fls. 15/20 do processo administrativo apenso;
3-Na referida escritura consta, entre o mais, o seguinte:
“(…)
Declararam o primeiro e segundo outorgantes:
Que são os únicos sócios da sociedade comercial por quotas que usa a firma “ ……….., LIMITADA”, com sede no lugar da …….., freguesia de ………, concelho de Oliveira de Azeméis;
Está matriculada na competente Conservatória sob o número mil trezentos e vinte e um/oitenta zero três vinte e seis.;
(…)
É possuidora do cartão de identificação de pessoa colectiva número …………...
Possui no seu activo um bem imóvel que consiste num prédio urbano composto por um pavilhão amplo destinado a armazém e actividade industrial, sito no lugar da ………, freguesia de …………., concelho de Oliveira de Azeméis, inscrito na matriz sob o artigo 657.
O primeiro outorgante declarou:
Que, pela presente escritura, devidamente autorizado pela sociedade, cede a sua quota do valor nominal de oitenta e sete duzentos e oitenta e nove euros e sessenta e três cêntimos à terceira outorgante, A…………., pelo preço de cento e cinquenta mil euros (que inclui o valor da quota e suprimentos efectuados pelo cedente) do qual já recebeu a quantia de cinquenta mil euros, de que dá quitação;
(…)
Declarou a terceira outorgante:
Que aceita a presente cessão de quota nas condições exaradas.
Declarou a quarta outorgante:
Que autoriza seu marido na outorga deste acto.
Declararam o segundo e terceira outorgantes:
Que, em consequência do acto precedente, passaram a ser os únicos sócios da referida sociedade, pelo que alteram a redacção dos artigos 3º e 6º do pacto da sociedade, que passa a ter a seguinte:
O capital social, integralmente realizado em dinheiro e com os demais valores da escrita, é de CENTO E SETENTA E QUATRO MIL QUINHENTOS E SETENTA E NOVE EUROS E VINTE E SEIS CÊNTIMOS e corresponde à soma de duas quotas de oitenta e sete mil duzentos e oitenta e nove euros e sessenta e três cêntimos, pertencentes, uma a cada um dos sócios ……………. e A…………..
(…)”;
4-Com referência ao ato referido no ponto 2. a Impugnante procedeu à liquidação e pagamento do IMT, no montante de 1.930,24 € – cfr. fls. 27 do processo administrativo apenso;
5-Em 06.09.2006, A…………… e seu marido ………….., cederam as suas quotas na sociedade “ ………., Limitada”, pelo preço de 150.000,00 € e 100.000,00 €, respetivamente – cfr. escritura de fls. 58/63 do suporte físico dos autos;
6-Em 05.11.2006, o prédio a que alude o ponto 1. foi objeto de 1.ª avaliação, tendo sido atribuído o valor patrimonial tributário de 313.300,00 € - cfr. fls. 29/31 do processo administrativo apenso;
7-Para efeitos de notificação foi remetida à sociedade “…………., Lda.” carta registada, com o registo “RY065542589PT” que consta nos prints informáticos da DGCI como “recebido” – cfr. fls. 31 do processo administrativo apenso;
8-Não foi requerida a segunda avaliação do imóvel;
9-A Impugnante não foi notificada da avaliação do imóvel – facto não controvertido;
10-Em 11.02.2010, a Administração Tributária emitiu a liquidação adicional de IMT n.º n.º 2654308, no montante global de 8.252,01 € – cfr. doc. 4 junto com a petição inicial;
11-Foi também emitida a liquidação de Imposto de Selo no montante de 1.015,63 € –cfr. doc. 4 junto com a petição inicial;
12-Através do ofício n.º 1009, de 11.02.2010, foi a Impugnante notificada das liquidações identificadas nos pontos que antecedem – cfr. fls. 53 do suporte físico dos autos, cujo teor se tem por reproduzido;
13-A ora Impugnante, não se conformando, deduziu reclamação graciosa das duas liquidações nos termos e com os argumentos de fls. 3 e ss. do processo administrativo apenso;
14-Em 26.11.2010, foi emitido o projeto de despacho de indeferimento pelo Diretor de Finanças, por delegação – cfr. fls. 33 e ss. do processo administrativo apenso;
15-Através do ofício n.º 201820, de 27.11.2010, remetido por carta registada, foi a Impugnante notificada, na pessoa do seu mandatário, para exercer o direito de audição prévia, por escrito, sobre o projeto de decisão referido no ponto anterior – cfr. fls. 40 do processo administrativo apenso;
16-A Impugnante não exerceu o direito de audição;
17-Por despacho datado de 20.12.2010, o Diretor de Finanças, por delegação, converteu em definitivo o projeto de despacho, indeferindo a reclamação graciosa – cfr. fls. 42 do processo administrativo apenso.
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: "…Para além dos factos referidos, não foram provados outros com relevância para a decisão da causa…".
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…A convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica do teor dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo apenso, cujo teor se dá integralmente por reproduzido…".
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou totalmente procedente a presente impugnação, em consequência do que anulou os actos de liquidação adicional de I.M.T. e de Imposto de Selo objecto do processo (cfr.nºs.10 e 11 do probatório), com fundamento no exame do esteio que se consubstancia na existência de erro no procedimento de determinação do valor patrimonial tributário de imóvel, com sequelas ao nível dos actos tributários impugnados.
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese, que o Tribunal "a quo" considerou que foi postergado o direito de apresentar um pedido de 2.ª avaliação do imóvel identificado no nº.1 do probatório, ao abrigo do artº.76, do C.I.M.I., com a consequente verificação de um vício de procedimento que afecta o acto final, as liquidações impugnadas. Que não decorre de qualquer normativo do C.I.M.I., do C.I.M.T. e C.I.Selo a pretendida obrigatoriedade de notificação da impugnante do resultado da avaliação do imóvel levada a efeito. Que sempre teria o impugnante/recorrido o dever de solicitar a 2ª. avaliação do imóvel, alegando o facto de não ter sido notificado da 1ª avaliação e impugnar, eventualmente, a decisão de indeferimento da pretensão, se tal ocorresse. Que incorreu o Tribunal "a quo" em erro de julgamento face ao disposto nos artºs.76, do C.I.M.I., 36, nº.1, e 45, ambos do C.P.P.T., e 60, da L.G.T. (cfr.conclusões 1 a 8 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
O Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (I.M.T.) é um imposto sobre a riqueza, cumprindo o comando constitucional que considera a riqueza como um dos dois indicadores fundamentais de capacidade tributária dos contribuintes (cfr.artº.103, nº.1, da C.R.Portuguesa).
O I.M.T. sujeita a imposto a aquisição onerosa de bens imóveis, independentemente do título ou da forma jurídica utilizada nessa aquisição. O objecto da sujeição do imposto não é propriamente o acto ou contrato que titulam a aquisição, mas sim o efeito desses actos ou contratos, ou seja, a transmissão da propriedade ou dos direitos correspondentes sobre esses imóveis. A sujeição a imposto da aquisição do direito de propriedade de bens imóveis prevista no artº.2, nº.1, do C.I.M.T., consubstancia o mais importante facto tributário do I.M.T. Trata-se do facto tributário paradigmático e nuclear do I.M.T. e aquele cuja verificação é a mais frequente. Esta norma sujeita a imposto, tanto a aquisição da propriedade do imóvel, como de figuras parcelares deste. O valor tributável sujeito a imposto segue a regra geral, do maior dos valores, ou o declarado ou o valor patrimonial do imóvel, tal como se prevê no artº.12, nº.1, do C.I.M.T. (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 10/03/2011, rec.386/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/05/2019, proc.607/13.6BELRS; José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 3ª. Edição, 2016, pág.233 e seg.; António Santos Rocha e Outro, Tributação do Património, 2ª. Edição, Almedina, 2018, pág.433 e seg.).
No caso "sub iudice", a questão a dirimir consiste em saber se a impugnante/recorrida tinha de ser notificada do acto de primeira avaliação do imóvel (cfr.nº.6 do probatório) para, se assim o entendesse e enquanto sujeito passivo de I.M.T. e de I.Selo, pudesse requerer a segunda avaliação, conforme decidiu o Tribunal "a quo", ou, pelo contrário, tal notificação não se encontra prevista na lei, assim não ocorrendo qualquer vício de procedimento, posição defendida pelo recorrente.
O Código de I.M.T. alarga o conceito de transmissão de bens imóveis e sujeita a imposto alguns tipos de aquisições de partes sociais em sociedades. Não nos encontramos perante a directa aquisição de imóveis, mas de partes do capital de sociedades que possuam bens imóveis no seu activo, imobilizado ou permutável (cfr. artº.2, nº.2, al.d), do C.I.M.T., na redacção em vigor em 2006).
Nos termos da lei, são consideradas transmissões sujeitas a imposto, as aquisições de partes sociais sempre que se cumpram os seguintes requisitos:
a) Se trate de aquisição, por parte de pessoa singular, de partes sociais em sociedades, ou de outros factos que alterem a respectiva composição;
b) As sociedades em referência sejam de qualquer tipo, mas não sociedades anónimas;
c) As sociedades possuam no seu activo imóveis rústicos ou urbanos, quer seja no imobilizado, quer no activo permutável;
d) Da aquisição resulte a detenção, pelo adquirente, de uma percentagem do capital social da sociedade com imóveis, de 75% ou mais do capital social. Ficam também sujeitas a imposto as aquisições quando o número de sócios fique reduzido a dois, sendo casados num dos regimes de comunhão de bens.
A "ratio" deste tipo de sujeição a imposto, consiste numa espécie de transparência fiscal, dado que através da aquisição das quotas ou partes sociais em sociedades que possuam imóveis, pode adquirir-se, de forma indirecta, o domínio dos respectivos prédios. Assim, para prevenir e evitar que se utilizem mecanismos desse tipo para não pagar o imposto, o Código do I.M.T. tipifica essas aquisições como sujeitas, desde que se cumpram os requisitos legais supra referenciados.
A formulação legal é abrangente, de forma a contemplar, não só as operações de aquisição, mas também outros factos que alterem a composição do capital social das sociedades, como por exemplo a amortização de quotas. Assim, não é relevante o acto ou facto que dá origem à alteração da detenção do capital social, sendo apenas relevante que dessas operações resulte uma alteração que conduza a que uma só pessoa passe a deter pelo menos 75% do capital social da sociedade, ou então, que o número de sócios se reduza aos cônjuges casados num dos regimes de comunhão de bens.
O que a lei pretende tributar é a aquisição, por qualquer via, por um sócio, de uma posição de domínio sobre um prédio, pela via do domínio que ele detém sobre a sociedade. Essa posição de domínio considera-se relevante a partir dos 75% do capital social da sociedade, pelo que todas as aquisições que conduzam à detenção de uma participação social superior a essa são sujeitas a imposto.
A determinação do valor tributável sujeito a imposto é sempre efectuada em função da percentagem do capital social que o sujeito passivo passa a deter após a aquisição ou o facto que determina a sujeição, aplicando-se essa percentagem sobre o valor relevante do imóvel ou dos imóveis existentes no activo da sociedade.
O valor do imóvel relevante para a determinação do valor tributável sujeito a imposto, é sempre o maior de dois (cfr.artº.12, nº.4, regra 19ª., al.a), do C.I.M.T.):
a) O valor patrimonial tributário dos imóveis;
b) O valor por que esses imóveis estão contabilizados no activo da respectiva sociedade (cfr.José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 3ª. Edição, 2016, pág.276 e seg.; António Santos Rocha e Outro, Tributação do Património, 2ª. Edição, Almedina, 2018, pág.442 e seg.).
"In casu", do exame do probatório estruturado pelo Tribunal "a quo", deve concluir-se que a liquidação adicional de I.M.T. e de Imposto de Selo objecto do presente processo foram resultantes da avaliação do imóvel identificado no nº.1 da matéria de facto, procedimento que foi desencadeado com a apresentação da declaração modelo 1 de I.M.I. em 12/06/2006, avaliação essa que foi levada a efeito em 5/11/2006 (cfr.nºs.1, 6, 10 e 11 do probatório; artºs.13, nº.1, al.d), 37, nº.1, e 136, nº.1, todos do C.I.M.I., "ex vi" do artº.14, nº.1, do C.I.M.T.).
Igualmente se retira da factualidade provada que a impugnante/recorrida procedeu à liquidação de I.M.T., aquando da aquisição do capital social da empresa " ………., Lda.", nos termos do artº.2, nº.2, al.d), do C.I.M.T., e no montante de € 1.930,24 (cfr.nº.4 do probatório; teor do documento junto a fls.27 do processo administrativo apenso).
Todavia, em momento anterior (cfr.nº.1 do probatório), a sociedade " ………, Lda." apresentou a declaração modelo 1, de I.M.I., através da qual corrigiu as áreas do artigo urbano nº.657, da freguesia de …………., concelho de Oliveira de Azeméis, facto que despoletou o procedimento de avaliação do mesmo imóvel. Acresce que, também a impugnante/recorrida tinha a obrigação de entrega da citada declaração modelo 1, de I.M.I., se acaso a mesma não tivesse sido entregue em momento anterior (cfr.artº.27, nº.3, do dec.lei 287/2003, de 12/11).
Analisemos agora se a Fazenda Pública tinha a obrigação de notificar a impugnante/recorrida do resultado da 1.ª avaliação do identificado imóvel em sede de I.M.I. (cfr.nº.6 do probatório).
O Tribunal "a quo" decidiu que sim, assim se verificando um vício no procedimento de determinação do valor patrimonial tributário do imóvel, com sequelas ao nível dos actos tributários impugnados.
O recorrente defende que não, dado que da lei não resulta tal obrigação e, por outro lado, que sempre teria o impugnante/recorrido o dever de solicitar a 2ª. avaliação do imóvel, alegando o facto de não ter sido notificado da 1ª avaliação e impugnar, eventualmente, a decisão de indeferimento da pretensão, se tal ocorresse.
Vejamos quem tem razão.
É sabido que os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados (cfr.artº.36, nº.1, do C.P.P.T.). E o artº.77, nº.6, da L.G.Tributária, consagra regra equivalente em relação às decisões dos procedimentos tributários.
Por outro lado, é indubitável que o procedimento de determinação do valor patrimonial tributário de imóvel (sendo um dos tipos de "procedimento de avaliação" previstos na lei), consubstancia uma espécie de procedimento tributário. É, de resto, o que resulta do artº.44, nº.1, al.f), do C.P.P.T., e do artº.54, nº.1, al.g), da L.G.Tributária.
É também seguro que a decisão desse procedimento (acto de fixação de valores patrimoniais - cfr.v.g.artºs.37 a 46, e 71 a 77, do C.I.M.I.), consubstancia um acto administrativo em matéria tributária. No caso, um acto que encerra um procedimento autónomo de avaliação de valores patrimoniais, de que depende, além do mais, a consequente liquidação de impostos sobre o património.
Finalmente, e embora da decisão deste procedimento não derive, em si mesma, nenhuma imposição tributária, é incontroverso que o acto de fixação de valor patrimonial de imóvel que sirva ulteriormente para liquidar imposto ao contribuinte tem reflexos na sua esfera jurídico-tributária e afecta, por isso, os seus "interesses legítimos".
Mas também ao abrigo do regime previsto no artº.76, do C.I.M.I., esta notificação tem assento legal.
Desde logo, do actual nº.8 (nº.4 do preceito no ano de 2006) do citado dispositivo legal, se retira a necessidade de notificação, tanto do adquirente, como do alienante, quando a avaliação de prédio urbano seja efectuada na sequência de transmissão onerosa de imóveis.
Depois, porque esta norma consagra um princípio geral de protecção dos interesses legítimos (dos contribuintes) contra eventuais erros de uma avaliação, sendo sintomática da preocupação do legislador em proteger sempre todos os sujeitos passivos, que sendo embora de outros impostos, possam ver os seus direitos lesados por efeito da avaliação (cfr.José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 3ª. Edição, 2016, pág.181 e seg.).
A singularidade do caso assenta no facto de a impugnante/recorrida não ser, nem alienante, nem adquirente do imóvel em causa, mas o adquirente de quotas em sociedade que possuía o imóvel em causa no seu activo e ter passado a dispor, por causa daquela aquisição, de mais de 75% do capital da referida sociedade, juntamente com o marido.
Ora, desse facto retira a A. Fiscal a sua qualidade de sujeito passivo em sede de I.M.T. (cfr.artº.2, nº.2, al.d), do C.I.M.T.). Em consequência do que pretendeu que a avaliação levada a efeito tinha reflexo no valor do imposto a pagar pela citada operação de aquisição de capital social. Por conseguinte, o resultado dessa avaliação tinha efeitos na sua esfera patrimonial e contendia com os seus direitos e interesses legítimos.
E para produzir efeitos na sua esfera patrimonial teria que lhe ser notificada. Porque é o que resulta das regras gerais das notificações e dos princípios gerais a que supra se fez referência.
Com estes pressupostos, podemos concluir que a decisão de avaliação/fixação de valor patrimonial tributário de imóvel que sirva de base à liquidação de imposto a certo contribuinte não produz efeitos em relação a este sem que lhe seja validamente notificada, assim confirmando a decisão do Tribunal "a quo", neste segmento.
Defende, também, o apelante que sempre teria o impugnante/recorrido o dever de solicitar a 2ª. avaliação do imóvel, alegando o facto de não ter sido notificado da 1ª avaliação e impugnar, eventualmente, a decisão de indeferimento da pretensão, se tal ocorresse.
O raciocínio do recorrente parece ser o seguinte: o acto de avaliação é um acto destacável e, por isso, autonomamente impugnável depois do esgotamento dos meios administrativos especialmente previstos para a sua revisão; logo, a falta de notificação do acto da avaliação não pode ser invocada na impugnação do acto de liquidação subsequente, restando os meios de impugnação administrativa e contenciosa do acto de avaliação.
Sucede que não está em causa nos presentes autos nenhum acto de avaliação, mas a falta de um acto subsequente à avaliação, a respectiva notificação a um interessado e alegado sujeito passivo de imposto.
Ora, a segunda avaliação tem por objecto o resultado a primeira avaliação e não os actos subsequentes à primeira avaliação, neles se incluindo a sua notificação. E tem por finalidade apreciar as razões de discordância do interessado com os fundamentos da primeira avaliação (cfr.artº.76, nº.1, do C.I.M.I.). E não, por conseguinte, o suprimento da falta ou da invalidade dos actos que devem suceder à primeira avaliação. Assim sendo, a segunda avaliação não pode servir para suprir a falta da notificação da primeira avaliação.
Pelo seu lado, a impugnação a que alude o artº.134, do C.P.P.T., tem por objecto a segunda avaliação. É o que resulta do nº.7, da citada norma, a qual faz depender a sua dedução do esgotamento dos meios graciosos previstos no procedimento da avaliação. Assim sendo, esta impugnação não pode servir para suprir as faltas procedimentais que não sejam imputadas à segunda avaliação.
Temos que concluir, por isso, que a falta de notificação do resultado da primeira avaliação não pode deixar de influir na validade ou na eficácia do acto de liquidação posterior e que nela se fundamente. Por outras palavras, a falta de notificação da primeira avaliação constitui uma formalidade preterida em acto preparatório ao procedimento de liquidação. Em consequência, não pode ser validamente efectuada uma liquidação adicional apoiada nessa avaliação sem que, previamente, seja assegurado o direito à segunda avaliação.
Em qualquer destes dois entendimentos, estaremos perante um vício intrínseco da própria liquidação e que pode/deve ser invocado na impugnação contenciosa desta.
No sentido acabado de expender, vai um recente acórdão deste Tribunal, com o qual concordamos, incidente sobre caso idêntico ao presente, porque relativo a aquisição de quotas sociais de empresa também detentora de imóvel no seu activo, aquisição essa igualmente enquadrada no mencionado artº.2, nº.2, al.d), do C.I.M.T. (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 6/05/2020, rec.1088/10.1BEAVR).
Por último e em jeito de comentário "a latere", da factualidade provada igualmente se retira que a impugnante/recorrida e o seu marido não eram sócios da empresa " ………, Lda.", tanto na data de apresentação da declaração modelo 1 de I.M.I., em 12/06/2006 (facto que despoletou o procedimento de avaliação do mesmo imóvel), tal como na data em que a avaliação foi levada a efeito, em 5/11/2006 (cfr.nºs.2 e 5 do probatório), assim sendo questionável que a mesma impugnante, e ora recorrida, se tenha constituído sujeito passivo de imposto em sede da liquidação adicional de I.M.T. objecto do presente processo.
Atento o relatado, não vislumbra este Tribunal que a sentença recorrida padeça do examinado erro de julgamento de direito (nomeadamente, violando os artºs.76, do C.I.M.I., 36, nº.1, e 45, ambos do C.P.P.T., e 60, da L.G.T.), pelo que se julga improcedente o presente recurso e mantém-se a mesma, embora com a presente fundamentação, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 14 de Outubro de 2020. - Joaquim Condesso (relator) - Paulo Antunes - Pedro Vergueiro.