Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0586/15
Data do Acordão:07/05/2017
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS
REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
DISPENSA DO PAGAMENTO
Sumário:I – O artigo 6º n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais concede ao juiz, oficiosamente ou a requerimento tempestivo das partes, um poder/dever de dispensar, nas causas de valor superior a 275.000,00€, o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida a final, em função da apreciação casuística da especificidade da situação em causa, atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, ou seja à falta de especial complexidade da mesma e ao comportamento processual positivo das partes, de recíproca correcção, cooperação e de boa-fé.
II – Dessa forma permite-se ao juiz adequar o valor da taxa de justiça aos custos aproximados do processo em concreto por forma a salvaguardar também os valores, da proporcionalidade e da justiça distributiva na responsabilização/pagamento das custas processuais.

III- Justifica-se a redução do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso, ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do RCP, se, no caso concreto, o montante da taxa de justiça devida se afigura desproporcionado em face do concreto serviço prestado, por a questão decidenda no recurso se afigurar de complexidade inferior à comum e, porque a conduta processual das partes foi a normal e esperada.

Nº Convencional:JSTA000P22117
Nº do Documento:SAP201707050586
Data de Entrada:05/13/2015
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A..........- COMÉRCIO DE EQUIPAMENTO TELECOMUNICAÇÃO,LDA.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso nº 586/15-50- Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA.
Acordam, no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

1 – RELATÓRIO

A Autoridade Tributária e Aduaneira inconformada com a decisão arbitral proferida no âmbito do processo nº 684/2014-T, vem recorrer para o Pleno da secção do Supremo Tribunal Administrativo com fundamento em oposição de acórdãos nos termos estabelecidos no nº2 do artigo 25º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, por em seu entender esta decisão do CAAD estar em oposição com o acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 07/05/2003 tirado no processo nº 01026/02.

Por acórdão do Pleno de 25/01/2017 foi determinado:

“Termos em que, pelo exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não tomar conhecimento do recurso”.

Custas pela recorrente.

Comunique-se ao CAAD”

Notificada que foi do acórdão veio a recorrente Autoridade Tributária e Aduaneira requerer a dispensa do pagamento da taxa de justiça respeitante ao remanescente superior ao valor de 275.000 Euros.

Apresentou a seguinte fundamentação a fls. 165/168:

A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, Recorrente nos autos de recurso de uniformização de jurisprudência à margem identificados, em que é Recorrida A……. — COMÉRCIO DE EQUIPAMENTO E TELECOMUNICAÇÕES, LDA., vem, ao abrigo do disposto no artigo 6°, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais (RCP), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02, requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, o que faz nos seguintes termos:

1. Conforme tem sido entendido pela jurisprudência, de que é exemplo o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 2013-12-03, proferido no processo 1394/09.8TBCBR.C1:

«O despacho de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente no quadro do previsto no ad. 60, n°7, do Regulamento das Custas Processuais (RC.P.) pode ter lugar até ser elaborada a conta do processo, sendo que podendo ele ser proferido “oficiosamente” na sentença, o mais curial é que um despacho sobre tal venha a ocorrer quando as partes sejam confrontadas com essa questão e a coloquem para decisão judicial, na sequência da notificação para pagamento da taxa de justiça remanescente “ex vi” do disposto no ad. 14°, n°9 do mesmo R.C.P..»

2. Nestes termos, e porque entende estar em tempo, vem pelo presente requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, atento julgar cabalmente verificados os seus pressupostos.

3. Com efeito, é de parecer que não poderemos considerar que o valor das custas a pagar a final in casu deva ser aferido pura e simplesmente em função do valor da causa, sem atenção a qualquer teto máximo.

4. Uma vez que tal entendimento resultaria em Valores de Custas dificilmente compagináveis Com a garantia constitucional do acesso ao Direito.

5. Isto porque há que estabelecer um equilíbrio tendencial entre o serviço público prestado - a administração da justiça - e o preço público cobrado por este serviço - o valor das custas.

6. E não se diga que este equilíbrio se consegue pela simples proporção matemática valor do processo/valor da taxa de justiça, antes há que ter em atenção outros considerandos.

7. Certamente atendendo a estas preocupações, a norma da segunda parte do n.º 7 do artigo 6.° do RCP estabelece uma ressalva: «Nas causas de valor superior a 275.000 €, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.»

8. Na presente situação, salvo melhor opinião, entende-se que a causa não revestia complexidade digna de registo, na medida em que a impugnação deduzida assentou somente sobre matéria de direito (oposição de acórdãos);

9. Sendo igualmente manifesto o grau de simplicidade da decisão da causa, que considerou não estarem reunidos sequer os pressupostos para apreciação daquele recurso.

10. Por outro lado, a conduta das partes, e mais especificamente o da Recorrente (parte vencida), nada tem de reprovável a apontar, não se pautando por qualquer comportamento dilatório ou legalmente injustificado;

11. Antes se resumindo à legítima litigância com vista à correção da decisão arbitral, que, no seu entendimento, padecia, efetivamente, de contradição com a decisão do acórdão fundamento invocado.

12. Razões pelas quais se requer que a dispensa seja concedida.

13. Recorde-se, a este propósito, apesar de respeitante à legislação anteriormente vigente, a jurisprudência do STA que tem considerado resultar tal limitação de uma leitura conforme com a lei e com a Constituição.

14. Nomeadamente, o Acórdão do STA, proferido no processo n.º 863/09, em 14-10-2009 e disponível em www.dgsi.pt, considerou que: «sempre haveria de se introduzir um elemento de moderação neste sistema de crescimento ilimitado do montante da taxa de justiça em função do valor da causa, sob pena de violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e do acesso ao direito e aos tribunais (v. acórdão deste STA de 11/04/2007, no recurso 103 1/06, e acórdão do TC de 20/0212008, no recurso 116/08). É que, como se refere no acórdão do TC citado, a inexistência de um tecto máximo a atender para efeitos de fixação da taxa de justiça e, consequentemente, a inexistência de um limite máximo para as custas a pagar, põe em causa o equilíbrio (adequação) que tem de existir entre os dois binómios a considerar por força do princípio da proporcionalidade: exigência de pagamento de taxa versas serviço de administração de justiça. O valor das custas a pagar a final em função do valor da causa, sem qualquer tecto máximo, possibilitaria a obtenção de valores que, como no caso dos autos, saem completamente fora dos parâmetros aceitáveis dentro daquela “justa medida” a equacionar entre a exigência de pagamento da taxa e o serviço prestado.))

15. No mesmo sentido pode consultar-se, na mesma página, o Acórdão do STA, proferido no processo n.º 535/11, em 14-09-2011, de cujo sumário consta: «Uma interpretação da norma constante do artigo 73.º -B do CCJ de que resulte a fixação de um montante de taxa de justiça do processo judicial tributário sem limite máximo é inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais e do princípio da proporcionalidade».

16. Salientando-se da respetiva fundamentação ainda a referência a jurisprudência reiterada das jurisdições constitucional e administrativa: «cfr. acórdãos do TC n.ºs 227/2007, de 28/3/07, e 116/2008, de 20/2/08; e do STA de 11/4/2007 e de 14/10/2009, proferidos nos recursos n.ºs 1031/06 e 863/09, respectivamente».

17. Pelo que, face ao entendimento jurisprudencial, tido por pacífico, acima exposto, o valor máximo a considerar para cálculo da taxa de justiça do processo deverá ser de 8 UC, ou seja, de 816€, respeitante ao teto máximo de 275.000€, sendo fundadamente dispensado o pagamento do respeitante ao excesso.

A entidade recorrida notificada, aderiu sem reservas ao requerido pela recorrente Autoridade Tributária e Aduaneira.

O Ministério Público neste STA emitiu parecer relativo à impetrada dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, o qual tem o seguinte teor:

Através do requerimento que faz fls. 165/168, vem a recorrente, AUTORIDADE TRIBUTARIA E ADUANEIRA, ao abrigo do disposto no artigo 6.°/7 do RCP, requerer a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.

A recorrida, A……..-COMÉRCIO DE EQUIPAMENTO DE TELECOMUNICAÇÕES, LDA, aderiu, sem reservas, à pretensão da recorrente ATA.

Como refere Salvador da Costa, in Regulamento das Custas Processuais, anotado, 2013- 5ª edição, a páginas 201 “O juiz deve apreciar e decidir, na sentença final, sobre se se verificam ou não os pressupostos legais de dispensa do pagamento do mencionado remanescente da taxa de justiça”.

Na fala de decisão do juiz, verificando-se os referidos pressupostos de dispensa de pagamento, podem as partes requerer a reforma da decisão quanto a custas”.

E continua o mesmo autor a fls. 354/355 “Discordando as partes do segmento condenatório relativo à obrigação de pagamento de custas, deverão dele recorrer, nos termos do artigo 627.°, n.º 1, ou requerer a sua reforma, em conformidade com o que se prescreve no artigo 616.°, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil.

Nos termos do disposto no artigo 616.º do CPC, não cabendo recurso da decisão que condene em custas, como acontece no caso em análise, o meio adequado para reagir é o requerimento de reforma da decisão quanto a custas, a deduzir no prazo de 10 dias contados da notificação da decisão.

A pretensão foi, pois, tempestivamente apresentada.

Nos termos do disposto no artigo 6º/7º do RCP “ nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

São, designadamente, dois os pressupostos de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça:

-A menor complexidade ou simplicidade da causa;

-A positiva atitude de cooperação das partes.

Nos termos do disposto no artigo 530.°/7 do CPC “para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que:

- Contenham articulados ou alegações prolixas;

- Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; e

- Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova extremamente complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.

Ora, no caso dos autos parece certo que o recurso é de manifesta simplicidade, pois que o tribunal limitou-se verificar a inexistência de oposição de acórdãos e a dar o recurso por findo.

Por outro lado, a ATA limitou-se a alegar, no exercício do seu legítimo direito de recurso e a A………. a contra-alegar, no exercício do seu legitimo direito ao contraditório.

A acção/recurso tem o valor de €763.015,94.

A taxa de justiça devida pelo recurso ascenderia a € 3.803,00

Ora, tal montante, em nosso entendimento, é, manifestamente, desproporcional face ao concreto serviço prestado pelo tribunal, que se limitou a verificar a não oposição de acórdãos e julgar o recurso findo.

Verificam-se, pois, a nossos ver, os pressupostos da dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.

A dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, aproveita a ambas as partes (RCP, anotado, 2013, 5.” edição, Almedina, página 201, Salvador da Costa).

Termos em que deve dar-se provimento ao pedido de reforma do acórdão quanto a custas, determinando-se a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do disposto no artigo 6.°/7 do RCP.»

2- DO DIREITO:

DECIDINDO NO PLENO DO STA

Quanto ao pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça devida.

Concordamos que, no caso dos autos o recurso é relativamente simples, tendo o labor do tribunal consistido em ler os arestos em confronto e verificar a inexistência de oposição de acórdãos dando por findo o recurso. A actividade das partes foi a esperada sendo que a ATA limitou-se a alegar, no exercício do seu legítimo direito de recurso e a A…….. a contra-alegar, no exercício do seu legitimo direito ao contraditório, ainda que exercido por forma demasiado extensa (73 articulados de conclusões).

A acção/recurso tem um valor elevado de €763.015,94 pelo que a taxa de justiça devida pelo recurso ascenderia a € 3.060,00, conforme informação prestada a fls. 196 dos autos a instâncias do Relator.

Ora, este montante, parece-nos algo, desproporcionado face ao concreto serviço prestado pelo tribunal, que se limitou a verificar a não oposição de acórdãos e julgar o recurso findo embora, no reverso, se considere também que não se trata de um caso de mera remissão para outra decisão deste STA, tendo exigido uma ponderação específica sobre a ocorrência ou não de oposição de acórdãos, pelo que não pode operar-se a dispensa pura e simples.

Mas cremos ser esta uma das situações previstas em que se justifica dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, em parte.

Em síntese, ponderadas as circunstâncias do caso dos autos à luz dos critérios escolhidos pelo legislador, em especial, o comportamento processual das partes litigantes, sem outro reparo negativo a apontar, e a baixa complexidade do processo, atento o processado e a decisão de julgar findo o recurso sem conhecer do seu mérito por falta de oposição, encontra-se preenchido o circunstancialismo do artigo 6.º n.º 7 do RCP, situação em que se permite ao juiz adequar o valor da taxa de justiça aos custos aproximados do processo em concreto por forma a salvaguardar também os valores, da proporcionalidade e da justiça distributiva na responsabilização/pagamento das custas processuais, pelo que é de deferir, parcialmente, o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça em percentagem que não deverá ultrapassar, metade do remanescente da taxa de justiça que seria devida, como se fará de seguida.

3- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste STA em deferir, parcialmente, o requerido reduzindo em trinta por cento o remanescente da taxa de justiça a considerar para efeitos de custas.

Sem custas.

Lisboa, 05 de Julho de 2017. – José da Ascensão Nunes Lopes (relator) – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – António José Pimpão - Joaquim Casimiro Gonçalves - Dulce Manuel da Conceição Neto – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Pedro Manuel Dias Delgado - Ana Paula da Fonseca Lobo – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.