Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0462/16.4BEVIS 0135/18
Data do Acordão:03/04/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULO ANTUNES
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
NULIDADE
APENSAÇÃO
Sumário:A omissão de conhecimento da questão da apensação dos vários processos instaurados contra o mesmo arguido pela prática de contraordenações previstas na Lei 25/2006, de 30/06, implica nulidade por falta de fundamentação à semelhança do que se encontra previsto no n.º 5 do art. 97.º do C.P.P. quanto aos despachos decisórios, com especificação dos motivos de facto e de direito, e por referência ao previsto no art. 120.º n.º 2, d), do C.P.P..
Nº Convencional:JSTA000P25664
Nº do Documento:SA2202003040462/16
Data de Entrada:02/14/2018
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A..............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I. Relatório.

I. 1. A representante da Fazenda Pública, inconformada com o despacho decisório proferido a 2-11-2017 no T.A.F. de Viseu, o qual julgou procedente o recurso interposto das decisões de aplicação de coimas, anulando estas e determinando a remessa dos autos ao Serviço de Finanças de Lamego, interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, tendo apresentado alegações que rematou com as seguintes conclusões:

A - Incide o presente recurso jurisdicional sobre a douta sentença que julgou procedente o recurso de contraordenação interposto por A…………. contra as decisões do Chefe do Serviço de Finanças de Lamego, proferidas no âmbito dos 8 processos de contra-ordenação nela identificados (e não apensados), de condenação na aplicação de coimas por falta de pagamento de taxas de portagens.

B - Entendeu o julgador, que, não se podendo dar como minimamente cumprido, nas decisões de aplicação das coimas, o requisito da “descrição sumária dos factos” a que se refere a alínea b) do nº 1 do artigo 79º do RGIT, as ditas decisões de aplicação de coimas enfermam de nulidade insuprível prevista na alínea d) do nº 1 do art.º 63º do mesmo diploma legal; entendimento com o qual se não pode a Fazenda Pública conformar, pelos motivos que se passam a expor:

C - A apensação dos processos de contraordenação a que se reportam os presentes autos, nos termos dos art.s 25º e 29º do Código de Processo Penal, foi suscitada, como questão prévia, pelo aqui recorrente, não tendo merecido, sequer, qualquer menção por banda do tribunal a quo – o que, em nosso entender, configura omissão de pronúncia.

D - De acordo com o preceituado na alínea d) do nº 1 do art. 63º do RGIT, constitui nulidade insuprível do processo de contraordenação tributário a falta dos requisitos legais da decisão de aplicação das coimas.

E - Por sua vez, estipula a alínea b) do nº 1 do art. 79º do mesmo diploma legal que “A decisão que aplica a coima contém:

a) (…);

b) a descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas;

c)(…)”.

F - “No que respeita à “descrição sumária dos factos”, há que sublinhar que este requisito da decisão administrativa de aplicação da coima constante da primeira parte da alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, deve interpretar-se tendo presente o tipo legal de infracção no qual se prevê e pune a contra-ordenação imputada à arguida, pois que os factos que importa descrever, embora sumariamente, na decisão de aplicação da coima serão precisamente os factos tipicamente ilícitos declarados puníveis pela norma fiscal punitiva aplicada (….)” [Cfr. Acórdão do STA de 18/01/2012, proferido no Processo nº 0801/11].

G - Nos presentes autos, a conduta tipificada como contraordenação sancionada pelo art. 7º da Lei nº 25/2006, de 30/06, é a descrita no nº 2 do art. 5º do mesmo diploma legal, isto é, “o não pagamento de taxas de portagem resultante da transposição, numa infraestrutura rodoviária que apenas disponha de um sistema de cobrança eletrónica de portagens, de um local de deteção de veículos sem que o agente proceda ao pagamento da taxa devida nos termos legalmente estabelecidos.”

H - Considerou o Tribunal a quo que “ (…) as decisões impugnadas não contêm factos que integrem e sustentem a contraordenação imputada ao arguido, nem qualquer outra, sendo que a fórmula utilizada “Falta de pagamento de taxa de portagem” não contém, em si mesma, como vimos, todos os elementos constitutivos do tipo contraordenacional em causa, sendo, por isso, insuficiente para sustentar a imputação do mesmo ao recorrente”, acrescentando “Por outro lado, a mera remissão para aqueles factos por via da invocação da norma “infringida” e da norma “punitiva” não é apta a garantir a verificação do elemento essencial consubstanciado na “descrição sumária dos factos”, seja porque tal não se traduz numa efetiva descrição factual, seja porque, onerando o destinatário da decisão, lhe impõe o acesso aos diplomas legais invocados para, por via indireta, se aperceber da factualidade que lhe é imputada, o que é, em abstrato, passível de constituir uma limitação à respetiva defesa.”

I - Ora, se é verdade que o tipo de ilícito contraordenacional em causa não se basta com a mera indicação da norma violada, pelos motivos exarados supra, entende a Fazenda Pública que a decisão de aplicação da coima em questão não se quedou apenas pela menção da norma infringida, pois que a indicação da norma violada, que era “falta de pagamento de taxa de portagem”, foi acompanhada da densificação do seu conteúdo relevante, o que consubstancia uma explicitação clara dos factos que se imputavam ao arguido, por ele perceptível sem necessidade de efetuar qualquer outra diligência, o que não foi considerado pelo julgador.

J - Atente-se que, como decorre da matéria de facto dada como provada na sentença sob crítica (cfr. nº 2 do probatório), a decisão de aplicação da coima referia:

Em 31/08/2016, 01/09/2016, 12/08/2016, 31/08/2016, 12/08/2016, 12/08/2016, 13/08/2016 e 12/08/2016 foram proferidas, pelo Chefe de Finanças de Lamego, as decisões de aplicação de coimas, ora recorridas, sendo que na respetiva Descrição Sumária dos Factos consta o seguinte: “Ao (À) arguido (a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: 1. Imposto/Tributo: Taxa de Portagem; 2. Data/hora da Infração…; 3. Local da infração…; 4. Entrada: …; 5. Identificação da viatura…; 6. Montante da taxa de portagem …, os quais se dão como provados.”, vide fl.s 51, 52, 64, 65, 77, 78, 90, 91, 107, 108, 123, 124, 138 a 140 e 154 a 156, todas do PF”; indicando, de seguida, as normas infringidas e punitivas.

K - Ora, da análise aos factos sumariamente descritos na decisão de aplicação de coima, depreende-se que a arguida encontrava-se na posse de todos os elementos necessários para se aperceber da factualidade que lhe fora imputada: o arguido tomou efetivo conhecimento (a título meramente exemplificativo, faremos, apenas, alusão à primeira infracção descrita, a fls. 8 do processo instrutor), que, em 01/02/2013, às 16:26:30, o veículo de matrícula …………, transpôs, na A24-Norscut (infraestrutura rodoviária - SCUT- que, como é de conhecimento generalizado, dispõe de sistema de cobrança eletrónica de portagens), o local de deteção de veículo, vulgo, pórtico (pois, é de conhecimento geral que nas SCUT´s, a passagem pela portagem é feita pelos pórticos), localizado entre Bigorne (local de entrada) e Bigorne (local de saída), sem ter efetuado o pagamento da competente taxa de portagem (1,80), conforme inferiu da norma infringida.

L - Daqui resulta, que tal decisão de aplicação da coima se encontra devida e suficientemente fundamentada de facto, uma vez que inclui em si a descrição dos factos, de forma sucinta mas explícita, tal como exige a primeira parte da alínea b) do nº 1 do art. 79º do RGIT. Sendo assim, imperioso é concluir que a decisão de aplicação de coima em causa contém todos os elementos constitutivos do tipo de ilícito contraordenacional previsto no nº 2 do art. 5º da Lei 25/2006, de 30/06, permitindo, dessa forma, ao infrator o perfeito conhecimento dos factos que lhe são imputados, e em termos bastantes para que, em abstrato, se considere que não lhe foi coartado ou sequer limitado o seu direito de defesa.

M - A este propósito refere o douto Acórdão do STA, de 06/05/2009, proferido no processo nº 269/09, que “ I - A finalidade primacial da exigência de descrição sumária dos factos imputados ao arguido, referida no art. 79.º, n.º 2, alínea b), do RGIT como um dos requisitos da decisão de aplicação de coima, é assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que pressupõe um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, sendo corolário da imposição constitucional de que nos processos contra-ordenacionais seja assegurado o direito de defesa ao arguido (art. 32.º, n.º 10, da CRP). II - Esta exigência deve considerar-se satisfeita quando as indicações contidas na decisão, embora sumárias, sejam seguramente suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos, devendo ser aferida à face do direito constitucional a uma fundamentação expressa e acessível dos actos da Administração que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos (art. 268.º, n.º 3, da CRP), o que se reconduz a que a referida descrição deverá conter os elementos necessários para afastar quaisquer dúvidas fundadas do arguido sobre todos os pontos do acto que o afecta”.

N – Também Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos no seu Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4.ª Edição, Áreas Editora, 2010, pág.435, esclarecem que «os requisitos previstos neste artigo para a decisão condenatória do processo contra-ordenacional tributário visam assegurar ao arguido a possibilidade do exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão».

O - Assim, na decisão de aplicação da coima foram adequadamente cumpridos os requisitos a que alude a primeira parte da alínea b) do nº 1 do art.79° do RGIT - a descrição sumária dos factos, com vista a assegurar ao arguido a possibilidade do exercício efetivo dos seus direitos de defesa. Mal andou assim o douto tribunal a quo ao considerar em sentido diverso.

P - Incorreu, assim, a douta sentença recorrida em erro de julgamento, ao julgar verificada a nulidade insuprível da decisão de aplicação de coima, prevista na alínea d) do nº 1 do art. 63º do RGIT.

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, ordenando-se, em consequência, a substituição da douta decisão judicial recorrida por outra que mantenha na ordem jurídica a coima fixada pela Administração Tributária.

I. 2. O recurso foi admitido, não tendo sido apresentadas contra-alegações.

I. 3. O magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer em que conclui que o recurso merece provimento e a sentença impugnada deve ser revogada e substituída por acórdão confirmativo das decisões de aplicação das coimas.

I. 4. O processo foi a vistos, tendo ainda sido cumprido o art. 413.º n.º2 do C.P.P..

II. Objeto do recurso.

Sendo de delimitar o objeto de recurso de acordo com as conclusões apresentadas, nos termos do art. 403.º do C.P.C., subsidiariamente aplicável, resulta para apreciação se ocorre omissão de pronúncia recorrida quanto à falta de apensação dos processos a que se reporta os presentes autos, nos termos dos artigos 25.º e 29.º do C.P.P., nomeadamente, na sentença recorrida.

O conhecimento do erro de julgamento que é também invocado, quanto à nulidade insuprível da decisão de aplicação de coima prevista na al. d) do n.º 1 do art. 63.º do R.G.I.T., depende de se conclua a respeito dessa omissão.

III. Fundamentação:

III.1. No despacho decisório foi dada como provada a seguinte matéria de facto:

“1. Em 13.07.2016, o Serviço de Finanças de Lamego instaurou contra a ora Recorrente os processos de contra ordenação n.°s 25422016060000017576, 25422016060000017622, 25422016060000017550, 25422016060000017614, 25422016060000017606, 25422016060000017568, 25422016060000017584 e 25422016060000017592, por falta de pagamento de taxas de portagens. cfr. ponto 1 da informação de fls. 7 do processo físico (PF);

2. Em 31/08/2016, 01/09/2016, 12/08/2016, 31/08/2016, 12/08/2016, 12/08/2016, 13/08/2016 e 12/08/2016 foram proferidas, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lamego, as decisões de aplicação de coima, ora recorridas, sendo que na respetiva Descrição Sumária dos Factos consta o seguinte: “Ao (À) arguido (a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: 1. Imposto/Tributo: Taxa de portagens; 2. Data/hora da Infração…; 3. Local da infração…; 4. Entrada: ...; 5. identificação da viatura…; 6. Montante da taxa de portagem..., os quais se dão como provados.”, vide fls. 51, 52, 64, 65, 77, 78, 90, 91, 107, 108, 123, 124, 138 a 140 e 154 a 156, todas do PF;”

III. 2. Quanto à omissão de pronúncia relativa à apensação dos processos de contraordenação, nos termos do art. 25.º e 29.º do C.P.P.:

Tendo o arguido A…………. apresentado recurso das decisões proferidas nos 8 processos de contraordenação a que se refere o ponto 1 da matéria de facto, não foi proferida decisão relativa à sua apensação, conhecendo dos requisitos previstos nos artigos 25.º e 29.º do C.P.P., subsidiariamente aplicável, quer no despacho liminar que admitiu o recurso interposto, quer no despacho decisório que foi proferido, nos termos do art. 64.º n.º 2 do Dec.-Lei n.º 433/82, de 27/10 (Regime Geral das Contra-ordenações - R.G.C.O.), por força do art. 3.º, b), do R.G.I.T..

A conexão subjetiva que nas ditas normas do C.P.P. se encontra prevista não é automática, dependendo da apreciação dos ditos requisitos, conforme tem sido reiterado pela jurisprudência do S.T.A. – assim, nos acórdãos de 17-6-2015, no processo 0137/15, de 28/10/2015, no processo 069/15, de 15/11/17, no processo 01026/17, de 20/3/2019, no processo 01895/17, de 29/5/2019, no processo 0140/18 e de 8-1-2020 no processo 02576/17.4BEBRG, todos acessíveis em www.dgsi.pt.

Consideramos que a omissão de conhecimento da dita questão da apensação implica nulidade por falta de fundamentação à semelhança do que se encontra previsto no n.º 5 do art. 97.º do C.P.P. quanto aos despachos decisórios, com especificação dos motivos de facto e de direito, e por referência ao previsto no art. 120.º n.º 2, d), do C.P.P., restando anular a decisão recorrida, a fim de que, em nova decisão, a dita nulidade seja suprida.

Aliás, a invocada omissão não foi suprida pelo Tribunal recorrido, quer no despacho que admitiu o recurso, quer no que o mandou subir, no qual se referiu encontrar-se a decisão sob recurso devidamente fundamentada, o que não se verifica.

Estando a decisão recorrida ferida da referida nulidade, e não podendo o S.T.A. suprir a mesma, porquanto, nos termos do art. 87.º n.º 2 do R.G.I.T., só conhece de direito, resulta não ser de conhecer do invocado erro de julgamento quanto a se ter julgado verificada a nulidade insuprível da decisão de aplicação de coima prevista na alínea d) do n.º 1 do art. 63.º do R.G.I.T..

IV. Decisão:

Os Juízes Conselheiros da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam em conceder provimento ao recurso, declaram a nulidade da decisão recorrida, anulando a mesma, e determinam a devolução do processo ao Tribunal recorrido, a fim de que em nova decisão a nulidade de que se conheceu seja suprida.

Sem custas no recurso, face à revogação do R.C.P.T. a que se refere o artigo 66.º do R.G.I.T..

Lisboa, 4 de março de 2020. - Paulo Antunes (relator) - Aragão Seia - Susana Tavares da Silva.