Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0117/14
Data do Acordão:04/02/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:TAXA
PROMOÇÃO
VINHO
DIREITO COMUNITÁRIO
AUXILIO DO ESTADO
Sumário:I - Decorre da Jurisprudência do Tribunal de Justiça que um órgão jurisdicional nacional pode ser conduzido a interpretar e a aplicar a noção de auxílio do artigo 92º do Tratado de Roma (actual art. 107º do TFUE) com vista a avaliar da legalidade de uma medida estatal instaurada sem ter em conta o processo de controlo prévio do art. 108º nº 3 do TFUE.
II - A taxa de promoção do vinho (criada essencialmente para financiar as atribuições do Instituto da Vinha e do Vinho, I.P., cobrada aos agentes do sector e representando mais de 62% do orçamento afecto ao financiamento dos serviços de coordenação geral do mesmo) ao não implicar à partida um auxílio concedido pelo Estado ou proveniente de recursos estatais (característica típica associada à qualificação dos auxílios), não estava sujeita a comunicação prévia no decurso do respectivo procedimento legislativo de criação.
III - Para além de a Comissão ter concluído, logo no início de procedimento de averiguação, que a parte da taxa de promoção do vinho afecta ao financiamento do IVV, I.P., não constituía um auxílio de Estado, à partida, no momento da sua criação, era igualmente plausível ou prognosticável que a pequena parte afecta ao financiamento das medidas de promoção e publicidade respeitasse os limites de minimis, como a Comissão veio reconhecer a final.
IV - Sendo, por isso, de considerar não existir “um grau suficiente de probabilidade” de tal medida envolver auxílios estatais, em termos de exigir a sua notificação prévia no decurso do procedimento legislativo de criação da taxa, nem a consequente suspensão da sua execução.
V - A anulação da totalidade da taxa, por vício formal de procedimento, quando não está em causa a finalidade que se pretende alcançar (salvaguarda do Direito Comunitário), afigura-se desproporcionada, sobretudo se se tiver em conta que a receita da mesma corresponde a cerca de 62% do financiamento da actividade do IVV., I.P., e que a parte que suscitou dúvidas à Comissão não representa mais do que uma pequena parte.
Nº Convencional:JSTA000P17305
Nº do Documento:SA2201404020117
Data de Entrada:01/31/2014
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:INST DA VINHA E DO VINHO, IP
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. A………………, LDA., com os demais sinais dos autos, recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, a fls. 221 e segs. dos autos, que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziu contra o indeferimento do pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação da taxa de promoção cobrada pelo Instituto da Vinha e do Vinho, I.P., referente aos meses de Junho a Agosto de 2011.

1.1. Terminou as alegações de recurso com as seguintes conclusões:

A. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou improcedente a impugnação judicial do acto tributário relativo à taxa de promoção alegadamente devida ao Instituto da Vinha e do Vinho com referência aos meses de Junho a Agosto de 2011.

B. Ao contrário do que foi defendido nos autos pelo IVV e acolhido pelo Tribunal a quo na sentença ora posta em crise, o processo de investigação à taxa de promoção que foi iniciado pela Comissão (processo C43/2004) não é «totalmente irrelevante para os presentes autos e para a fundamentação da pretensão da Impugnante» - cf. página 24 da sentença proferida nos autos -, sendo que neste entendimento radica a confusão e erro de julgamento que ocorreu em 1ª instância.

C. Independentemente da eventual compatibilidade com o mercado comunitário da totalidade ou da parte do auxílio em questão relacionada com os vinhos produzidos em Portugal ou independentemente dos aspectos da mesma taxa que estão em investigação pela Comissão por suscitarem dúvidas quanto à respectiva compatibilidade com o mercado comum, verifica-se, no caso da taxa em causa dos autos, uma ilegalidade manifesta, decorrente da falta de notificação da medida à Comissão, ao arrepio do disposto no nº 3 do artigo 88º do TCE (actual nº 3 do artigo 108º do TFUE) e consequente proibição de execução de semelhante medida, prevista no mesmo artigo.

D. Essa ilegalidade encontra-se plenamente provada nos autos – cf. alínea D), E) e F) dos factos provados e teor da decisão da Comissão Europeia de iniciar o procedimento contraditório C-43/2004, junto aos autos pela A………… com a sua petição inicial e dada por integralmente reproduzida pelo Tribunal a quo na alínea E) dos factos provados -, pelo que o Tribunal a quo não podia ter decidido no sentido em que decidiu na sentença ora posta em crise.

E. É inegável que estamos perante um auxílio de Estado, porquanto as campanhas de promoção e de publicidade do vinho que beneficiam um determinado conjunto de empresas são financiadas com receitas da taxa de promoção, sendo consequentemente possível identificar os três elementos que caracterizam um auxílio de Estado: (i) a vantagem económica (a vantagem económica para os operadores do sector vitivinícola decorre do facto de não terem de suportar o encargo com a organização da promoção dos seus produtos); (ii) para um determinado grupo de destinatários (a vantagem económica é atribuída a um determinado conjunto de empresas ou sector de actividade, in casu, o sector do vinho e dos produtos vinícolas); (iii) financiada através de recursos estatais (as receitas utilizadas provêm da cobrança da taxa de promoção que, como é claro, é um recurso estatal).

F. A própria Comissão (*) reconhece, nas decisões que se encontram juntas aos autos, que estamos perante um auxílio de Estado (cf. parágrafos 57, 102 ou 131 da decisão junta com a petição inicial e parágrafos 84, 113 ou 131 da Decisão de 20.07.2010, junta aos autos com a contestação do IVV).

(*) - «(102)Das considerações expostas resulta que existe “auxílio estatal” a favor dos operadores económicos do sector do vinho, na acepção do nº 1 do artigo 87º do Tratado, no que diz respeito ao financiamento das campanhas de promoção e publicidade do vinho e dos produtos vitivinícolas e da organização das actividades de formação. – Cf. considerando 102 da decisão da comissão junta aos autos com a petição inicial.

«(84) Em consequência, no que respeita ao financiamento das campanhas de promoção e publicidade do vinho e dos produtos vínicos com uma parte das receitas da taxa de promoção do vinho, a Comissão confirma a sua posição quanto à existência de auxílio estatal a favor dos operadores económicos do sector do vinho e dos produtos vínicos nos termos do artigo 107.º, n.º 1, do TFUE» - cf. considerando 84 da Decisão de 20.07.2010, junta aos autos com a contestação do IVV.

G. A taxa de promoção, sendo una, consubstancia – conforme está demonstrado nos autos e vem até afirmado pela própria Comissão Europeia (cf. parágrafos 56 a 58, entre outros, da Decisão da Comissão e, por exemplo, parágrafo 113 da Decisão de 20.07.2010) - a fonte de financiamento de auxílios de Estado.

H. Ainda que esta taxa de promoção financie também outras medidas ou prestações que não revistam a natureza de auxílios, o que é facto é que ela constitui a única fonte de financiamento dos auxílios à promoção e à publicidade e à formação e, como tal, faz parte integrante dessa medida – cf., por exemplo, parágrafo 112 da Decisão de 20.07.2010.

I. A implementação de uma medida parafiscal – in casu, a taxa de promoção – que consubstancia a única fonte de financiamento de um auxílio de Estado não notificado, com o qual tem uma relação de afectação obrigatória ou legal, de tal modo que o produto da taxa influencia directamente o montante do auxílio concedido, tem de ser notificada à Comissão, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 88.º do TCE (actual artigo 108.º do TFUE) – cf. jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (*) e pág. 48 do Parecer Jurídico junto aos autos.

(*) Cf., entre outros, Acórdãos de 25.06.1970, FRANÇA/COMISSÃO; de 21.10.2003, EUGENE VAN CALSTER, OPENBAAR SLACHTHUIS; ou de 13.01.2005, STREEJGEWEST WESTELIJK NOORD-BRABANT.

J. Foi dada execução pelo Estado Português à taxa de promoção do vinho cobrada pelo IVV e às medidas financiadas pelo produto dessa imposição parafiscal, desde 1995, sem autorização prévia da Comissão - cf. parágrafos 1 e 3 da aludida Decisão da Comissão.

K. A Comissão Europeia inscreveu as medidas de auxílio e o respectivo modo de financiamento em causa nos presentes autos no conjunto de auxílios não notificados - conforme melhor decorre do parágrafo 3 da decisão junta com a petição inicial, que ora se transcreve: «(3) Resultando das informações prestadas ter sido dada execução ao dispositivo em causa, desde 1995, sem autorização prévia da Comissão, foi o mesmo inscrito no registo dos auxílios não notificados».)

L. A proibição de execução ou efeito suspensivo previsto no nº 3 do actual artigo 108º TFUE foi, inclusivamente, recordada pela Comissão a Portugal no parágrafo 147 da Decisão da Comissão que se juntou com a petição inicial.

M. A taxa de promoção, não tendo sido comunicada previamente à Comissão e continuando a ser mantida em execução, é necessariamente inválida até à prolação e trânsito final da decisão da Comissão sobre a respectiva compatibilidade com o mercado comum e manter-se-á inválida, relativamente ao período em questão nos autos, por mais regular e compatível com o mercado comum que se venha a considerar, a final, o auxílio investigado (cf., por exemplo, Ac. De 21.11.1991, FNCE, proc. C-354/90) e foi explicado na petição inicial que dá causa aos autos.

N. «[U]ma decisão da Comissão que declare um auxílio não notificado compatível com o mercado comum não tem por consequência regularizar, a posteriori, os actos de execução que são inválidos por terem sido adoptados em violação da proibição contida nessa disposição [nº 3 do art. 88º), porquanto «qualquer outra interpretação conduziria a favorecer a inobservância, pelo Estado-Membro em causa, dessa disposição e privá-la-ia do seu efeito útil,» — cf. Acórdão de 05.10.2006, TRANSALPINE ÕLLEITUNG IN ÕSTERREICH GMBH, processo C-368/04, nº 41; cf., ainda, Acórdão de 21.10.2006, processo C-261/01 e 262/02.

O. «A taxa de promoção não podia, por isso, ser cobrada. E tendo-o sido — como o foi (cf. parágrafo 132 da Decisão de 20.07.2010: «Portugal deu execução ilegalmente ao financiamento das campanhas de promoção genérica do vinho, financiadas por meio de uma taxa cobrada sobre os produtos nacionais e sobre os produtos importados dos outros Estados-Membros, em violação do artigo 108º, nº 3, do TFUE») — impõe-se agora aos órgãos jurisdicionais nacionais que declararem a anulação dos actos de liquidação da taxa de promoção relativos ao período em questão, uma vez que o estabelecimento daqueles auxílios e daquela taxa de promoção, sem prévia pronúncia da Comissão Europeia, é contrário ao Direito Comunitário - o que, em concreto, se requereu nos presentes autos relativamente ao acto de liquidação da taxa de promoção do período de Junho a Agosto de 2011 e veio a ser, com manifesto erro de julgamento, indeferido em primeira instância.

P. «75. Enquanto a apreciação da compatibilidade de medidas de auxílio com o mercado comum é da competência exclusiva da Comissão, agindo sob a fiscalização do Tribunal de Justiça, os órgãos jurisdicionais nacionais zelam pela salvaguarda dos direitos dos particulares em caso de violação da obrigação de notificação prévia dos auxílios de Estado à Comissão, prevista no artigo 93º, nº 3, do Tratado [88.º, nº 3] (v. acórdão de 17 de Junho de 1999, Piaggio, C-295/97, Colect., p. I-3735, nº 31).» - cf. parágrafo 75 do Acórdão do TJUE, de 21.10.2003, proferido no processo C-261/01 e 262/02.

Q. «53. A este propósito, importa recordar, por um lado, que cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais proteger os direitos dos particulares face a uma eventual violação, por parte das autoridades nacionais, da proibição de pôr em execução auxílios, a que se refere o artigo 93º, nº 3 [88º, nº 3], último período, do Tratado e que tem efeito directo (acórdãos, já referidos, Fédération nationale du commerce extérieur des produits alimentaires e Syndicat national des négociants et transformateurs de saumon, nº 12, e Lornoy e o., nº 30), e, por outro, que o Estado-Membro é, em princípio, obrigado a restituir os impostos cobrados em violação do direito comunitário (acórdão de 14 de Janeiro de 1997, Comateb e o., C-192/95 a C-218/95, Colect., p. I-165, nº 20)» — cf. parágrafo 53 do Acórdão do TJUE, de 21.10.2003, proferido no processo C-261/01 e 262/02.

R. «62. Importa ainda sublinhar que a ilegalidade de uma medida de auxílio, ou de uma parte dessa medida, em virtude da violação da obrigação de notificação prévia à sua execução, não é afectada pelo facto de a referida medida ter sido considerada compatível com o mercado comum por uma decisão final da Comissão.» — cf. parágrafo 62 do Acórdão do TJUE, de 21.10.2003, proferido no processo C-261/01 e 262/02.

S. «63. Com efeito, o Tribunal de Justiça já declarou que, sob pena de prejudicar o efeito directo do artigo 93º, nº 3 [88º, nº 3] último período, do Tratado e de não respeitar os interesses dos particulares que os órgãos jurisdicionais nacionais têm por missão proteger, a referida decisão final da Comissão não tem como consequência sanar, a posteriori, os actos de execução que eram inválidos por terem sido adoptados com inobservância da proibição contida nesse artigo. Qualquer outra interpretação conduziria a favorecer a violação, pelo Estado-Membro em causa, dessa disposição e privá-la-ia de efeito útil (v. acórdão Fédération nationale du commerce extérieur des produits alimentaires e Syndicat national des négociants et transformateurs de saumon, já referido, nº 16).» — cf. parágrafo 63 do Acórdão do TJUE, de 21.10.2003, proferido no processo C-261/01 e 262/02.

T. «64. Por outro lado, importa recordar que compete aos órgãos jurisdicionais nacionais proteger os direitos dos particulares face a uma eventual violação, por parte das autoridades nacionais, da proibição de pôr em execução auxílios, a que se refere o artigo 93º, nº 3 [88º, nº 3], último período, do Tratado e que tem efeito directo. Esta violação, invocada pelos particulares com legitimidade para tal e verificada pelos órgãos jurisdicionais nacionais, deve conduzir estes a daí retirarem todas as consequências, em conformidade com o seu direito nacional, no que se refere tanto à validade dos actos de execução das medidas de auxílio em causa como à cobrança dos apoios financeiros concedidos (v. acórdãos, já referidos, Fédération nationale du commerce extérieur des produits alimentaires e Syndicat national des négociants et transformateurs de saumon, nº 12, e Lornoy e o., nº 30)» — cf. parágrafo 64 do Acórdão do TJUE, de 21.10.2003, proferido no processo C-261/01 e 262/02.

U. O Tribunal a quo incorreu, pois, em manifesto erro de julgamento na sentença proferida, rogando-se a este Venerando Tribunal a revogação da sentença aqui posta em crise.

Termos em que deverá o presente recurso proceder, revogando-se a sentença recorrida.

Caso assim não se entenda e se suscitem dúvidas relativamente ao alcance da obrigação de notificação prévia e efeito suspensivo no caso da taxa em causa nos presentes autos, mais se requer, nos termos do art. 267.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, que a instância seja suspensa e se proceda ao reenvio do processo ao Tribunal de Justiça da União Europeia para que esta instância se pronuncie sobre as seguintes questões prejudiciais nessa hipótese:

· A implementação de uma medida parafiscal — in casu, a chamada taxa de promoção — que consubstancia a única fonte de financiamento de um auxílio de Estado não notificado, com o qual tem uma relação de afectação obrigatória de tal modo que o produto da taxa influencia directamente o montante do auxílio concedido, tem de ser notificada à Comissão, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 88º do TCE (actual artigo 108º do TFUE)?

· A resposta à questão anterior é alterada em alguma medida pelo facto do produto dessa taxa - consubstanciando embora a única fonte de financiamento desses auxílios, numa relação de afectação legal percentual – financiar igualmente, na percentagem remanescente, outro conjunto de serviços e actividades (podendo ter, por isso, porventura, um efeito protector que vai para além do auxílio propriamente dito que financia)?

· O nº 3 do artigo 88º do TCE (actual nº 3 do artigo 108º do TFUE) permite a um Estado-Membro proceder à cobrança dessa medida parafiscal que consubstancia a única fonte de financiamento de um auxílio de Estado não notificado, com o qual tem uma relação de afectação obrigatória - e que se encontra a ser alvo do procedimento previsto no nº 2 do mesmo artigo, tendo sido inscrito no registo de auxílios de Estado não notificados -, antes da decisão da Comissão e do trânsito dessa decisão sobre a respectiva compatibilidade?

· Em caso negativo — e na hipótese de o Estado-Membro ter procedido à cobrança da referida medida parafiscal -, pode um contribuinte nacional recorrer aos Tribunais nacionais, invocando a violação da obrigação de notificação prévia e proibição de pôr em execução tal medida, para obter a restituição ou anulação da liquidação da taxa cobrada em violação dessa disposição?

1.2. O Recorrido apresentou contra-alegações para sustentar a manutenção do julgado, que concluiu da seguinte forma:

A. O presente recurso vem interposto da sentença que decidiu pela manutenção da autoliquidação da taxa de promoção devida ao IVV, aqui Recorrido, com referência aos períodos mensais de Junho a Agosto de 2011.

B. O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso — cfr. artigos 660º nº 2, 684º, nºs 2 e 3 e 685º-A, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil e Acórdãos do STA de 21 de Maio de 1992, proferido no recurso nº 027044 e de 5 de Julho de 2012, proferido no recurso 053/2012.

C. A Recorrente limita o objecto do seu recurso à questão de saber se as medidas financiadas pela taxa de promoção em crise violam a obrigação de notificação prévia à Comissão Europeia dos auxílios estatais, prevista hoje no artigo 108º, nº 3 do TFUE, pelo que também só sobre esta questão podem incidir as presentes alegações — cfr. conclusões C e D das alegações da Recorrente.

D. Ao contrário do alegado pela Recorrente, na sentença proferida o Tribunal a quo demonstra ter compreendido os vícios que reputa imputáveis à taxa de promoção, pronunciando-se expressamente sobre eles, pelo que não enferma do erro de julgamento alegado.

E. Ao invés de atacar propriamente a decisão a quo nos seus fundamentos, a Recorrente ataca a conduta do Tribunal baseando-se no por si já alegado na p.i. e no facto do Tribunal não ter aderido à sua posição.

F. A sentença a quo, com base nos documentos juntos aos Autos, designadamente na decisão da Comissão Europeia de abertura do processo contraditório C-43/2004, decidiu pela improcedência da impugnação.

G. A posição aí defendida, já foi confirmada pelo STA nos recentes Acórdãos de 23 de Abril de 2013, proferidos nos recursos n.º 29/13-30 e n.º 48/13, de 30 de Abril de 2013, proferidos nos recursos n.º 292/13-30 e n.º 1503/12, de 22 de Maio de 2013, proferidos nos recursos nº 1311/12-30, n.º 9/13, n.º 44/13, n.º 53/13 e n.º 200/13-30, de 29 de Maio de 2013, proferidos nos recursos n.º 1398/12, n.º 30/13, n.º 84/13 e 198/13-30, de 3 de Junho de 2013, proferidos nos recursos n.º 1328/12-30 e n.º 143/13, de 5 de Junho de 2013, proferidos nos recursos n.º 1288/12-30, nº 125/13 e n.º 249/13 e de 26 de Junho de 2013, proferidos nos recursos n.º 1245/12-30, n.º 1336/12-30 e 55/13-30.

H. No dia 1 de Dezembro de 2004, a Comissão Europeia notificou o Governo português da sua decisão de dar início ao procedimento de investigação previsto no artigo 88º, nº 2 do Tratado CE — hoje, artigo 108º, nº 2 do TFUE — com vista a analisar a compatibilidade da referida taxa com as regras do Tratado sobre auxílios de Estado.

I. Logo na decisão de abertura do procedimento a Comissão concluiu que o financiamento, através das receitas da taxa em causa, das actividades desenvolvidas pelo IVV enquanto autoridade pública responsável pela coordenação geral do sector vitivinícola em Portugal, nos termos da legislação comunitária e nacional aplicável, não constitui um auxílio de Estado na acepção do agora artigo 107º do TFUE.

J. Estando demonstrado no âmbito do procedimento que as receitas desta taxa correspondem a mais de 62% do orçamento associado ao funcionamento do IVV, quanto à grande maioria da consignação da taxa de promoção, não estamos sequer perante um auxílio de Estado, pelo que, quanto a essa larga componente, inexistia, por completo, qualquer obrigação de notificação da medida em causa.

K. A Comissão considera também que o apoio financeiro concedido à associação Viniportugal para a organização e o desenvolvimento de campanhas de promoção genérica e de publicidade do vinho e dos produtos vínicos, ou seja, a actividade desenvolvida em Portugal por aquela Associação, não constitui um auxílio, na acepção do mesmo preceito, pelo que, também esta medida dispensava qualquer notificação prévia à Comissão.

L. A Comissão apenas deu início ao processo de investigação relativamente:

i) às medidas relativas à promoção e à publicidade do vinho português nos mercados dos outros Estados-membros e de países terceiros;

ii) ao regime de financiamento de tais medidas; e,

iii) ao regime de financiamento das medidas relativas à formação.

M. Apenas e só relativamente a essa ínfima parcela poderia eventualmente discutir-se a violação do dever de notificação prévia previsto no artigo 108º, nº 3 do TFUE, o que deita por terra as pretensões da Recorrente de não pagar a totalidade da taxa por si autoliquidada.

N. O IVV foi notificado da decisão relativa ao procedimento instaurado em 28 de Setembro de 2010, a qual abrange o período compreendido entre 2002 e 2006 foi objecto de recurso por parte das autoridades portuguesas, factos também referidos pela Recorrente nas suas alegações de recurso.

O. Após negociações entre as partes, a Comissão adoptou a Decisão C(2012) 2111 final, de 4 de Abril de 2012, que altera as condições sétima e nona da Decisão de 2010 nos termos acordados com as autoridades portuguesas em termos que levaram o Estado Português a desistir do recurso pendente, entretanto extinto por despacho de 10 de Maio de 2012 — cfr. Decisões de 2010 e de 2012 (esta ainda não publicada no Jornal Oficial da União Europeia) juntas em anexo a estas contra-alegações como docs. nºs 1 e 4.

P. A decisão final do procedimento – já transitada, ao contrário do que insinua a Recorrente nas suas alegações - conclui que das três realidades averiguadas apenas as medidas relativas à promoção e à publicidade do vinho português nos mercados dos outros Estados-membros e de países terceiros e as medidas relativas o respectivo regime de financiamento podem constituir auxílios de Estado nos termos do artigo 107º do TFUE, mas não as medidas relativas ao regime de financiamento da formação, que não constitui um auxílio de Estado, pelo que não carece de notificação prévia nos termos do artigo 108º nº3 do TFUE.

Q. No âmbito da execução da Decisão de 2010, conforme alterada pela Decisão de 2012, a Comissão manifestou abertura para que Portugal demonstrasse que os apoios considerados como auxílios estatais no âmbito do procedimento concluso, respeitam os limiares de minimis aplicáveis, caso em que a Comissão consideraria a Decisão como executada.

R. O Regulamento (CE) nº 1998/2006 da Comissão, de 15 de Dezembro de 2006, estabelece, no seu artigo 2º que se considera que os auxílios não preenchem todos os critérios estabelecidos no nº 1, do artigo 107º do TFUE, pelo que estão isentos da obrigação de notificação prevista no nº 3 do artigo 108º do TFUE, os auxílios de minimis concedidos, os quais não podem exceder € 200.000 durante um período de três exercícios financeiros por empresa beneficiária.

S. Após confirmação de que os limiares de minimis aplicáveis não foram excedidos por nenhum dos agentes económicos do sector vitivinícola em Portugal, o IVV enviou uma carta à Comissão comunicando que os apoios respeitaram os limiares de minimis aplicáveis e que por esta razão o Estado considera a Decisão de 2010 plenamente executada, sem necessidade de proceder a qualquer reembolso – cfr. doc nº 7 em anexo.

T. Em Outubro de 2012— através de carta junta em anexo a estas contra-alegações como doc. nº 8 — a Comissão tomou boa nota do entendimento do Estado de que as poucas medidas classificadas como auxílio no âmbito da Decisão de 2010, conforme alterada pela Decisão de 2012, se encontram abrangidos pelos Regulamento (CE) nº 1998/2006 da Comissão, de 15 de Dezembro de 2006 e cumprem os limites de minimis aí estabelecidos.

U. Esta carta traduz, a confirmação da Comissão de que a taxa de promoção não padece de qualquer incompatibilidade com o direito da União Europeia em matéria de auxílios de Estado e que as medidas financiadas por meio desta taxa classificadas pela Comissão como auxílios estatais no âmbito do procedimento não careciam de notificação prévia nos termos do artigo 108º, nº 3, do TFUE.

V. Também no que respeita às acções de promoção financiadas pelas receitas da taxa de promoção no período compreendido entre 2007 e 2011 – as quais não se encontram abrangidas pela Decisão de 2010 e a que diz respeito a taxa em crise nos presentes Autos -, a Comissão já encerrou as suas diligências de investigação preliminares, não tendo sequer chegado a instaurar qualquer procedimento de investigação formal, nesta matéria.

W. À semelhança do sucedido para o período compreendido entre 2002 e 2006, através de carta datada de 3 de Agosto de 2012, o Estado Português informou a Comissão de que os apoios concedidos entre 2007 e 2011 preenchem as condições previstas nos artigos 1º e 2º do Regulamento (CE) 1998/2006 da Comissão, respeitando os limites de minimis aí estabelecidos, pelo que não constituem auxílios de Estado, na acepção do artigo 107º, nº 1 do TFUE – cfr. doc. nº 9 em anexo.

X. Através de carta datada de 18 de Setembro de 2012, a Comissão confirmou que toma boa nota do preenchimento dos limites de minimis pelos apoios concedidos entre 2007 e 2011 reconhecendo assim que, de acordo com as informações transmitidas por Portugal, os apoios em causa preenchem as condições previstas no Regulamento (CE) 1998/2006 da Comissão, pelo que obedecem aos limites de minimis aí fixados, não constituindo, consequentemente, auxílios de Estado – cfr. doc. nº 10 em anexo.

Y. O Recorrido demonstrou, mesmo quanto às medidas investigadas pela Comissão, que estas não colocam quaisquer problemas de compatibilidade com o Direito Comunitário no que respeita ao dever de notificação prévia instituído no artigo 108º, nº 3, do TFUE, pois não constituem auxílios de Estado nos termos do artigo 107º do TFUE.

1.3. O Exmº Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de que o recurso devia ser julgado improcedente, em consonância com o acórdão proferido pelo STA em 23 de Abril de 2013, no processo nº 29/13.

1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir.

2. Ao abrigo do disposto no art. 663º, nº 6, do Código de Processo Civil, aplicável ao presente recurso de revista para o Supremo Tribunal por força do disposto no artigo 679º do mesmo diploma legal, remete-se para o julgamento da matéria de facto constante da sentença recorrida.

3. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou improcedente a impugnação deduzida pela sociedade A…………, LDA, contra o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação da taxa de promoção cobrada pelo Instituto da Vinha e do Vinho, I.P., referente a Junho e Agosto de 2011.
A questão que a Recorrente coloca à apreciação deste Tribunal é a de saber se a sentença padece de erro de julgamento, em matéria de direito, por ter julgado que a falta de notificação prévia da taxa de promoção, prevista no Decreto Lei nº 119/97, de 15/5, e proibição dos respectivos actos de execução, nos termos do art. 88º nº 3 do TCE (actual art. 108º nº 3 do TJUE), não invalida a cobrança dessa taxa durante o período da suspensão, ainda que a decisão final da Comissão seja no sentido da sua compatibilidade com o mercado comum. Subsidiariamente, suscita a questão do reenvio do processo ao TJUE para que, em caso de dúvida, aí seja proferida decisão sobre as questões prejudiciais que enuncia, em ordem a determinar da necessidade da notificação prévia da implementação da taxa de promoção em apreço e da legalidade da sua cobrança à luz do que dispõe o art. 88º, do TCE (actual art. 108º do TJUE), bem como da possibilidade da directa invocação desta norma nos tribunais nacionais.
Tais questões são, todavia, em tudo idênticas (até nos pressupostos de facto) às que foram decididas neste Supremo Tribunal pelo acórdão proferido em 23/04/2013, no recurso nº 029/13, e no qual, com fundamentação que merece a nossa inteira adesão, se concluiu no sentido da manutenção da autoliquidação aí em causa e de que ficava prejudicado, por inutilidade, o pedido de reenvio prejudicial – acórdão a que se seguiram muitos outros, nomeadamente, os prolatados em 30/04/2013, proc. nº 292/13; em 22/05/2013, nos procs. nºs. 9/13, 44/13, 48/13, 53/13, 200/13 e 1311/12; em 29/05/2013, nos procs. nºs. 84/13, 198/13, 30/13 e 1398/12; em 10/07/2013, nos proc. nºs 44/13, 9/13, 53/13 e 200/13; em 26.06.2013, nos procs. nsº 1329/12 e 55/13; em 2.10.2013, no proc. nº 1221/12; em 9/10/2013, nos procs. nsº 0126/13 e 0169/13, em 4/12/2013, nos procs. nsº 045/13, 01246/12, 0202/13 e 01334/12, em 18/12/2013, nos procs. nº 047/13 e 142/13, em 8/01/2014, nos procs. nº 01389/13 e 01137/13.
A doutrina expendida nesse acórdão proferido no recurso nº 029/13 in www.dgsi.pt, é inteiramente transponível para o presente caso – sendo, aliás, as alegações e as contra-alegações substancialmente idênticas – e encontra-se alicerçada nas razões jurídicas nele sumariados da seguinte forma:
I - Decorre da Jurisprudência do Tribunal de Justiça que um órgão jurisdicional nacional pode ser conduzido a interpretar e a aplicar a noção de auxílio do artigo 92º do Tratado (actual art. 107º do TFUE) com vista a avaliar da legalidade de uma medida estatal instaurada sem ter em conta o processo de controlo prévio do art.108º, nº 3, do TFUE.
II - A taxa de promoção do vinho, tendo sido criada essencialmente para financiar as atribuições do Instituto da Vinha e do Vinho, I.P., cobrada aos agentes do sector e representando mais de 62% do orçamento afecto ao financiamento dos serviços de coordenação geral do mesmo, ao não implicar à partida um auxílio concedido pelo Estado ou proveniente de recursos estatais, característica típica associada à qualificação dos auxílios, não estava sujeita a comunicação prévia no decurso do respectivo procedimento legislativo de criação.
III - Para além de a Comissão ter concluído, logo no início do procedimento de averiguação, que a parte da taxa de promoção do vinho afecta ao financiamento do IVV, I.P., não constituía um auxílio de Estado, à partida, no momento da sua criação, era igualmente plausível ou prognosticável que a pequena parte afecta ao financiamento das medidas de promoção e publicidade respeitassem os limites de minimis, como a Comissão veio reconhecer a final.
IV - Pelas razões apontadas, considera-se não existir, na situação em apreço, “um grau suficiente de probabilidade” de tal medida envolver auxílios estatais, em termos de exigir a sua notificação prévia no decurso do procedimento legislativo de criação da taxa nem a consequente suspensão da sua execução.
V - A anulação da totalidade da taxa, por vício formal de procedimento, quando não está em causa a finalidade que se pretende alcançar (salvaguarda do Direito Comunitário), afigura-se desproporcionada sobretudo se se tiver em conta que a receita da mesma corresponde a cerca de 62% do financiamento da actividade do IVV., I.P., e que a parte que suscitou dúvidas à Comissão não representa mais do que uma pequena parte.
VI - A anulação total da taxa com o consequente comprometimento do financiamento do orçamento do IVV., I.P., pelo menos de 1995 até 2010, teria igualmente como consequência a violação dos princípios da confiança e da segurança jurídica.

É esta a jurisprudência que também aqui se acolhe e reitera, já que se entende que a sua fundamentação é inteiramente transponível para o caso dos autos, mesmo tendo em conta que a liquidação ora em apreço se refere aos meses de Junho e Agosto de 2011.
Com efeito, tendo em conta todas as circunstâncias já referidas naquele aresto, e, em especial, o facto de a Comissão ter conhecimento perfeito de toda a situação em torno da taxa de promoção do vinho desde 2004 e ter acabado por concluir não haver qualquer violação do Direito comunitário em relação a todas as componentes da mesma, podemos com segurança concluir que não haveria qualquer possibilidade de a sua intervenção poder influenciar o conteúdo material do acto de liquidação em causa, mesmo considerando que este se refere ao ano de 2011.
Com efeito a anulação da totalidade da taxa de promoção, como pretende a Recorrente, por vício formal de procedimento, que é o único vício por si alegado, nas circunstâncias do caso, seria contrária, desde logo, ao princípio da proporcionalidade.
Como ficou dito no já citado Acórdão 29/13, as razões que levam a jurisprudência do TJUE e a própria doutrina a sancionar com a nulidade o incumprimento da obrigação de comunicação prévia das ajudas de Estado residem na particularidade do bem jurídico que se pretende acautelar e que é o de impedir a entrada em vigor de ajudas contrárias ao Tratado e evitar que as trocas entre os Estados-Membros sejam perturbadas pelas vantagens concedidas pelas autoridades públicas que falseiem ou ameacem a concorrência.
Ora, no caso em apreço, a finalidade que se pretende obter foi alcançada, na medida que não subsiste qualquer violação do Direito Comunitário, pelo que a aplicação automática da sanção da nulidade seria manifestamente desproporcionada; sobretudo se se tiver em conta que a receita da taxa afecta ao financiamento das actividades do IVV., I.P., corresponde a mais de 62% do seu orçamento e que a componente da taxa que inicialmente suscitou dúvidas à Comissão representa apenas uma pequena parte.
Finalmente, para além do que já ficou dito, não podemos deixar de salientar que, como ficou demonstrado, a liquidação da taxa de promoção que diz respeito à situação da Recorrente não foi afectada pelas dúvidas suscitadas pela Comissão quando decidiu dar início ao procedimento de investigação previsto no art. 88º, nº 2, do TCE (art. 108º, nº 2, do TFUE). Por outro lado, o juízo de aferição da legalidade da auto-liquidação não pode deixar de levar em conta as consequências que a Recorrente pretende retirar de uma pretensa violação formal da regra «standstill», sem ter demonstrado ou sequer alegado que, no caso em apreço, estavam ultrapassados os limites de minimis, ou que a taxa respeita a produtos importados de outros Estados-Membros ou de Países Terceiros.
Em suma, a tese da Recorrente conduziria, como já foi dito, a resultados absurdos e manifestamente desproporcionados.
Termos em que se irá negar provimento ao recurso, desse modo ficando prejudicado, por inutilidade, o pedido de reenvio prejudicial para o TJUE formulado.

4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 2 de Abril de 2014. – Dulce Neto (relatora) – Ascensão Lopes – Casimiro Gonçalves.