Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0247/13
Data do Acordão:04/03/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:PENHORA
BENS COMUNS DO CASAL
DIVÓRCIO
PARTILHA
Sumário:I - Na penhora de bens em comum, em que a dívida foi contraída na constância do matrimónio mas referenciada na sentença recorrida como sendo da exclusiva responsabilidade do ex-cônjuge – mulher, (o que não é contestado por algum dos intervenientes processuais) exigida em processo executivo instaurado após o divórcio e vencida, também, após o fim do casamento, não podem, na execução movida apenas contra um dos contitulares dos bens comuns, ser penhorados os próprios bens na sua totalidade, nem uma fracção de qualquer deles, nem uma parte especificada dos mesmos por a tal obstar o disposto no artº 826.º nº 1 do CPC.
II - O que bem se compreende pois os direitos dos contitulares não se referem a qualquer parte especificada da coisa comum, mas a toda ela, globalmente considerada.
Nº Convencional:JSTA00068182
Nº do Documento:SA2201304030247
Data de Entrada:02/19/2013
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BRAGA
Decisão:PROVIDO PARCIALMENTE
Área Temática 1:DIR ADM CONT
Legislação Nacional:CPC96 ART826 N1
LGT09 ART104
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0973/09 DE 2011/05/18; AC STJ PROC2062 DE 2004/06/29
Aditamento:
Texto Integral: I - RELATÓRIO:

A……., nif. ……., residente na Rua ……., n.º …, ……., Lisboa, veio apresentar, ao abrigo do disposto no art.º 276.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), reclamação de decisão do Chefe de Finanças de Braga – 1, insurgindo-se contra as penhoras realizadas no processo executivo n.º 036120080109325.
Na 1ª Instância a sua reclamação foi julgada parcialmente procedente.

Não se conformando recorre para este STA formulando as seguintes conclusões de recurso:

Recorrente é titular, além das contas bancárias identificadas na parte dispositiva da, aliás, douta sentença, das contas números …… e …….., abertas junto do Millenniumbcp e do Millenniumbcp-ActivoBank, respectivamente, de cuja penhora à ordem dos autos de execução n.º. 036120080109325 também se reclamou (cf. conclusão 5.ª, a final do requerimento inicial).

2.ª
A, aliás, douta sentença, não se pronunciou sobre a penhora destas contas, violando assim o disposto nos artigos 125º do CPPT e 668º do CPC e incorrendo no vício de omissão de pronúncia.

3.ª
Deve, pois ser determinada também a anulação da penhora realizada sobre as contas bancárias números ……. e ……., abertas pelo recorrente junto do Millenniumbcp e do MilleiniumbcpActivoBank. Por outro lado,

4.ª
Após a dissolução do casamento, a situação dos bens comuns do casal é idêntica à situação dos bens da herança: até à partilha, os bens comuns do dissolvido casal pertencem a ambos os cônjuges, em comum, pelo que nenhum tem direito a qualquer dos bens, mas apenas à sua meação, que corresponde a metade do conjunto de todos esses bens, pelo que os bens comuns são bens indivisos.

5.ª

Os bens indivisos não podem ser penhorados em execução movida apenas contra algum ou alguns dos contitulares (cf. artigo 826º do CPC); ao invés, em execução movida contra algum, ou alguns, dos contitulares, apenas pode ser penhorada a quota do executado sobre a universalidade, a qual se transfere “...
sem mais, para os bens que couberem ao executado na partilha” (cf. artigo 232º do CPPT).

6.ª
A fracção autónoma designada pelas letras “AR”, inscrita na matriz predial sob o artigo 1920º, registada na CRP de Braga, que foi penhorada nos autos, constituía bem comum do casamento há muito dissolvido do ora recorrente com a executada, pelo que,

7.ª
Instaurada a execução apenas contra a executada - como bem se considerou na aliás douta sentença - a referida fracção não podia ser penhorada (cf. artigo 826º do CPC).

8.ª
Apenas a quota da executada sobre a fracção podia ser penhorada, mas como bem indiviso, observado o disposto no artigo 232º do CPPT. Em consequência,

9.ª
Devia também a, aliás, douta sentença recorrida, ter ordenado a anulação da penhora da fracção autónoma designada pelas letras “AR”, inscrita na matriz predial sob o artigo 1920º e registada na CRP de Braga sob o número 314/19871029, bem comum do casamento há muito dissolvido da executada com o recorrente, procedendo-se de seguida, caso assim se entendesse, à penhora do direito da executada sobre a mesma, nos termos do artigo 232º do CPPT.

10ª.

Ao assim não se entender, na aliás douta sentença violou-se o disposto nos artigos 232º do CPPT, 826º do CPC e 9º, 1697º e 1788º do Cód. Civil. Por fim,


11.ª

Nos autos, a Fazenda Pública sustentou que, em processo de execução fiscal, pode executar quem não figura no título executivo, não é devedor originário do imposto, nem seu sucessor ou garante, em interpretação frontalmente contrária ao disposto no artigo 153º do CPPT. Além disso,

12.ª

A Fazenda Pública deu como reproduzido o teor da informação prestada pelo órgão de execução fiscal, apesar do que aí se refere não ter correspondência com a verdade e incluir considerações das quais os serviços não podiam ter conhecimento, além de pretensões sem qualquer fundamento. Ora,

13.ª

Apresentada a reclamação nos termos do artigo 276º do C.P.P.T, o órgão da execução fiscal pode revogar o acto reclamado (artigo 277º, nº. 2 do C.P.P.T), pelo que a conduta relevante para efeitos de condenação como litigante de má-fé não é apenas a resposta do representante da Fazenda Pública, como parece ter sido pressuposto na aliás douta sentença. Assim,

14.ª

Se à pretensão traduzida no acto reclamado falta fundamento que não podia ser ignorado sem negligência grave e, deduzida reclamação, o acto não é revogado e se pugna na resposta pela sua validade, devia ter sido julgado procedente o pedido de condenação da Fazenda Pública como litigante de má-fé.

15.ª

Ao assim não se decidir, na aliás douta sentença violou-se o disposto nos artigos 104º da L.G.T. e 456º, nº. 2 do C.P.C..

Termos em que deve a, aliás douta sentença ser revogada, apenas assim se fazendo a costumada Justiça.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público neste STA emitiu parecer no sentido de que deve ser concedido provimento ao recurso no que respeita à penhora da fracção autónoma bem comum do ex-casal destacando também que por despacho judicial de 17 de Janeiro de 2013, exarado a fls. 254/258, o tribunal, recorrido, em cumprimento do disposto no artigo 670.º do CPC, conheceu da nulidade assacada à sentença por omissão de pronuncia, tendo considerado que quanto à conta ……. não ocorre omissão de pronúncia, pois que o tribunal pronunciou-se sobre a mesma, conforme 3.ª conta elencada na alínea R) do probatório, página 6 da sentença, tendo sido decidido manter a penhora, por ter considerado que incide sobre uma conta conjunta do reclamante e da executada, a qual se encontrava penhorada desde 27 de Março de 2009. E, que quanto à conta ……… o tribunal recorrido reconheceu a omissão de pronúncia e, reformando a sentença anulou a penhora dessa conta.
Pronunciou-se ainda acerca da pretendida condenação da AT como litigante de má-fé, defendendo que não se verificam os pressupostos legais para que a administração tributária possa ser condenada por litigância de má fé.

2- FUNDAMENTAÇÃO
A decisão de 1ª Instância deu como assentes os seguintes factos:

A) O processo de execução fiscal n.º 0361200801093258, a correr termos no Serviço de Finanças de Braga - 1, foi instaurado a 29.07.2008, contra B…….., nif. …….., para cobrança coerciva de dívidas ao Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), no montante de € 54.244,50, e acrescidos, cfr. pef. apenso e certidão de dividas;
B) Por carta registada com aviso de receção, de 18.08.2008RP575310000PT — procedeu o serviço de finanças à citação da executada, cfr. fls. 41 do pef.;
C) A carta referida em B), foi devolvida com a menção “não atendeu”, cfr. fls. 41 v. do pef.;
D) Por carta registada com aviso de receção, de 22.09.2008 — RM376383780PT — procedeu o serviço de finanças à citação da executada, cfr. fls. 44 a 46 do pef.;
E) A carta referida em D) foi devolvida com a menção “objecto não reclamado”, cfr. fls. 46 v. do pef.;
F) A 15.09.2008, foi emitido mandado de penhora, cfr. fls. 47 do pef.;
G) A 24.10.2008, foi a executada citada para a execução, cfr. fls. 48 a 50 do pef.;
H) A 28.11.2008, a executada requereu a suspensão da execução, cfr. fls. 60 do pef. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
I) A 27.03.2009, foi realizada a penhora sobre os valores mobiliários e contas bancárias que a executada detinha no BCP, cfr. fls. 63 a 71 do pef., a saber:
Conta de depósitos à ordem n.º ……. - valor: € 3,08+0,10;
Conta de depósitos à ordem n.º …… - valor: € 194,79.
J) A 1.03.2012, foi prestada ao Chefe de Finanças informação com o seguinte teor:
“Assunto:
Penhora de bens
Em 29-07-2008 foi instaurado o presente processo por dívida ao Instituto de Emprego e Formação Profissional, na quantia de € 54.244,50, (...).
Nessa data a executada era casada com A……… , NIF ……… e de que é detentor de um imóvel inscrito na matriz urbana de Braga ……. ,) sob o artigo 1920, fracção AR, pelo que, deverá ser incluído o NIF do contribuinte para que possam ser penhorados bens através do SIPE tendo em vista, por aplicação subsidiária prevista no artigo 2.º do CPPT, o prescrito no n.º 1 e 2 do art.º 1690.º, alínea a) do n.º 1 do art.º 1691.º e n.º 1 do art.º 1695.º do Código Civil e do art.º 825.º do Código de Processo Civil, bem como o art.º 220.º e 230.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
(…)”;

K) A 1.03.2012, foi proferido seguinte despacho pelo Chefe de Finanças, cfr. fls. 71 do pef.:
Tendo em vista a informação infra, recolha-se no processo de execução fiscal em crise o NIF do contribuinte A…….. para efeitos de pedidos de penhora através do Sistema Informático de Penhoras Electrónicas.
(…)”;
L) A 12.03.2012, A…….., ora reclamante, recebeu na sua caixa de correio eletrónico mensagem da administração tributária a informar “a existência de dívidas resultantes do não pagamento dessas importâncias dentro do prazo legal”, cfr. fls. 14 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido;
M) A 13.03.2012, A…….., através de correio eletrónico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, na sequência da notificação recebida relativamente à realização de penhoras solicita informação ao serviço de finanças sobre a execução, cfr. fls. 77 do pef.;
N) A 13.03.2012, o chefe de finanças responde via correio electrónico, cfr. fls. 71 do pef. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, ressaltando o seguinte:
“Em face do seu email sou a informar:
1. Em 2008-07-29 foi instaurado o processo 0361200801093258 por dívida ao Instituto de Emprego e Formação Profissional;
2. Que na certidão de dívida consta, para além de outros, a Sra. B………, NIF ……..;
3. Que a dívida em causa reporta-se ao ano de 2005;
4. Que a 24 de Outubro de 2008 ocorreu a citação pessoal de B……..;
5. De que, em face da dívida e segundo o previsto no art.º 239.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, podem ser penhorados bens comuns, o que está a suceder no caso em apreço.
Assim, deverá requerer o que se encontra previsto no art.º 220.º do mesmo código.
(...).”;
O) A 14.03.2012, foi penhorado o imóvel inscrito na matriz urbana de Braga (…….) sob o artigo 1920, fracção AR, cfr. fls. 101 do pef.;
P) Pela Ap. n.º 2769, de 20.03.2012, foi registada a penhora referida em N) na CRP de Braga, cfr. fls. 96 e 97 do pef.;
Q) A 20.03.2012, foi a “C……..”, na qualidade de entidade patronal do ora reclamante, notificada de penhora de 1/6 do vencimento e abonos até ao limite de € 64.061,05, cfr. fls. 92 e 102 do pef.; ,
R) A 23.03.2012, foram penhoradas as seguintes contas de depósitos à ordem abertas no BCP, em nome do ora reclamante:
• n.º …….., no montante de € 482,56;
• n.º ……., no montante de € 2.605,32;
• n.º ……., no montante de €43,53;
• n.º ……., no montante de € 2.500,00;
• n.º ……., no montante de € 10.042,66;
• n.º ……., no montante de € 16.250,00.
S) A 29.03.2012, na sequência do pedido de esclarecimentos formulados pelo ora reclamante, o Serviço de Finanças informa que, “para efeitos do art.º 220.º do CPPT será necessária competente acção judicial conforme o preceituado no n.º 1 do art. 864.º-A do Código do Processo Civil (CPC).”, cfr. fls. 95, cujo teor se dá por reproduzido;
T) A 29.03.2012, foi penhorada a quota social que a executada detém na sociedade “D…….., Lda.”, cfr. fls. 80 a 88 do pef.;
U) A 27.04.2012, procedeu o serviço de finanças à citação/notificação do ora reclamante, cfr. fls. 105, aqui reproduzidas para os devidos efeitos legais, constando de relevante o seguinte:
“Fica pela presente notificado, nos termos do art.º 864.º do Código de Processo Civil (CPC), de que foram efectuadas, por este Serviço de Finanças as penhoras abaixo identificadas, nos termos dos art.ºs 838.º do CPC e art.º 231.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), no processo de execução fiscal n.º 0361200801093258, instaurado contra o seu cônjuge, B…….. por dívidas ao Estado, das quais se junta cópia da respectiva certidão de dívida.
Imóveis:
Penhora artigo urbano 1920, fracção “AR” da freguesia de ……., concelho de Braga.
Fica também citado, nos termos do art.ºs 189.º e 190.º do CPPT, (...), nos termos do art.º 201.º do CPPT, ou deduzir oposição judicial, com os fundamentos previstos no art.º 204. CPPT.
V) A 17.05.1986, o ora reclamante celebrou casamento católico com B……., cfr. fls. 123 e 124 dos autos;
W) O casamento foi dissolvido por divórcio a 6.05.2003, cfr. fls. 122 a 124 dos autos;
X) A 30.11.2003, o ora reclamante casou civilmente com E………, cfr. fls. 123 e 124 dos autos;
Y) A 4.07.2012, o ora reclamante deduziu oposição à execução fiscal, cfr. fls. 159 a 169 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
Z) A 17.04.2012, no processo de execução fiscal, foi penhorada a conta bancária n.º ……., aberta no “Millenniumbcp-ActivoBank”, em nome do reclamante, cfr. fls. 72 e 73 dos autos.”.
Inexistem quaisquer outros factos provados ou no provados com relevância para a decisão da causa

3- DO DIREITO:
Para se decidir pela procedência parcial da reclamação considerou a decisão recorrida o seguinte: (destacam-se apenas os trechos mais relevantes da decisão com interesse para o presente recurso)

“A reclamação contra decisão do órgão de execução fiscal encontra-se regulada no CPPT (art.º 276º e ss do CPPT), e é o modo de reacção contra actuações lesivas, que sob o ponto de vista material, afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiros, praticadas por um órgão da Administração, no âmbito do processo de execução fiscal, garantindo-se aos interessados, no artigo 268º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa, a tutela jurisdicional efectiva mediante o recurso a um tribunal para defesa desses direitos, na esteira da previsão legal do artigo 103º, nº 2, da LGT.
Nos presentes autos, o reclamante insurge-se contra as penhoras ordenadas pelo Serviço de Finanças de Braga — 1, a saber:
1. A fração autónoma designada pela letra “AR” do prédio sito na Rua ……., n.ºs …. a ….., freguesia de Braga (…….), inscrito na matriz predial sob o artigo 1920.º, descrito na CRP de Braga sob o n.º 314/19871029-AR;
2. Valores depositados nas contas bancárias abertas em seu nome, no BCP.;
3. 1/6 do vencimento auferido no âmbito do exercício da sua atividade profissional.
4. Valores depositados na conta bancária n.º ……. aberta no “Millenniumbcp-ActivoBank”, em nome do reclamante.
Ora, as penhoras realizadas no processo de execução fiscal, postas em crise, foram-no na sequência do despacho do órgão de execução fiscal proferido a 1.03.2012, por consideração à informação prestada anteriormente pelos serviços, cfr. alíneas J) e K) do elenco dos factos provados. O despacho do chefe de finanças em análise refere o seguinte:
“Tendo em vista a informação infra, recolha-se no processo de execução fiscal em crise o NIF do contribuinte A……. para efeitos de pedidos de penhora através do Sistema Informático de Penhoras Electrónicas” — alínea K). Acresce que a informação ali mencionada refere à data a executada era casada com A……., NIF …….., detentor de um imóvel inscrito na matriz urbana de Braga (…….) sob o artigo 1920, fracção AR, pelo que existe a necessidade de incluir o NIF do contribuinte (ora oponente) para que possam ser penhorados bens através do SIPE tendo em vista, por aplicação subsidiária prevista no artigo 2.º do CPPT, o prescrito no n.º 1 e 2 do art.º 1690.º, alínea a) do n.º 1 do art.º 1691.ºe n.º 1 do art.º 1695.º do Código Civil e do art.º 825.º Código de Processo Civil, bem como o art.º 220.º e 230.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário — alínea J).
Assim, para aferirmos da (i)legalidade das penhoras teremos que procurar interpretar o teor do referido despacho e perceber o que nele está explícito e implícito para se poder extrair as devidas conclusões.
Para o efeito, cumpre ter presente que “o problema do acto implícito é um problema de interpretação do acto administrativo, posto que uma decisão administrativa explícita contém implícita uma outra quando da interpretação do acto resulta ter a Administração querido, para além de determinado efeito contido na decisão explícita, um outro, não declarado, que se apresenta como decorrência necessária dessa declaração expressa de vontade” (Ac. do STA, de 06.04.1989, in Acórdãos Doutrinais, n.º 338, pág. 212).
E é certo que “a interpretação do acto administrativo não se esgota no seu teor literal, sendo elementos igualmente relevantes para a fixação do seu sentido e alcance, as circunstâncias que rodearam a sua prolação, nomeadamente os seus antecedentes procedimentais, o tipo de acto, bem como os elementos posteriores que revelem o sentido de que a própria Administração lhe atribuiu, na medida em que se deve presumir que esta agiu coerentemente e de boa fé” (cfr. Ac. STA, de 03.03.1999, Proc. 041889).
Ora, isto posto, se, para bem interpretarmos o despacho que determinou a inclusão do nif. do ora oponente no sistema de penhoras, tivermos em consideração todos os elementos do processo executivo, chegamos à conclusão que o sentido pretendido era o de permitir a penhora de um bem imóvel, comum do casal, com vista ao posterior cumprimento da citação do cônjuge do executado (ora oponente), nos termos e para efeitos do disposto no art.º 239.º e 220.º do CPPT..
Senão, vejamos:
A informação que precedeu o despacho refere a existência do bem imóvel em nome do ora oponente, casado com a executada. É certo que, em termos de fundamentação jurídica nele se refere o n. 1 e 2 do art.º 1690.º, alínea a) do n.º 1 do art.º 1691.º e n.º 1 do art.º 1695.º do Código Civil - comunicabilidade das dívidas e do art.º 825.º do Código de Processo Civil, bem como o art.º 220.º e 230.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário - dívidas exclusivas de um dos cônjuges.
Ora, a menção aos artigos da comunicabilidade das dívidas só se pode concluir que se deve a mero lapso, ou, então, para uma leitura a contrario, por não estarem em consonância com os restantes artigos ali mencionados nem com os elementos dos autos.
Na verdade, conforme consta da certidão de dívida, emitida pelo exequente IEFP, apenas consta como executada B……., não tendo sido invocada a comunicabilidade da dívida ao ora oponente, na qualidade de cônjuge (vide, ainda, art.º 825.º do CPC.). Logo, nunca poderia o serviço de finanças, como mero órgão de execução fiscal, proceder a essa comunicabilidade. Todavia, neste caso impunha-se que no processo de execução fosse enxertada uma fase declarativa, destinada a viabilizar a reorientação da pretensão executiva contra quem não figura no título (Cfr., neste sentido, o voto de vencido aposto no Acórdão do TCAN de 12.01.2012, processo n° 00647/11.0BEAVR), à semelhança do que sucede com a reversão contra terceiros mencionada nos artigos 157º e seguintes do CPPT.
Esta é, efectivamente, a solução mais consentânea com a finalidade da acção executiva, que não é a de declarar direitos e deveres (nomeadamente a comunicabilidade das obrigações a quem não se obrigou), mas sim a de providenciar pela reparação material coactiva de direitos já reconhecidos.
Ora, no caso dos autos verifica-se que não houve esse “momento” declarativo, pelo que não resta senão concluir pela falta de título executivo contra o Reclamante, não podendo, em consequência a execução prosseguir contra ele.
Sendo certo, ainda, que, caso o ora oponente fosse considerado executado na execução fiscal, as penhoras teriam que ter como pressuposto a efetivação da citação ou o esgotamento das tentativas para o efeito, nos termos do disposto nos art.º 215.º, 193.º e 194.º do CPPT, o que, in casu, acarretaria, desde logo, a sua invalidade, porquanto ocorreram antes de realizada qualquer citação.
Por outro lado, e como decorre do probatório (alínea N)), a 13.03.2012, o chefe de finanças responde via correio electrónico ao ora oponente, dando-lhe conta “Que na certidão de dívida consta, para além de outros, a Sra. B……..”; “De que, em face da dívida e segundo o previsto no art.º 239.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, podem ser penhorados bens comuns, o que está a suceder no caso em apreço; Assim, deverá requerer o que se encontra previsto no art.º 220.º mesmo”. Factualidade reforçada, ainda, com o esclarecimento prestado pelo órgão de execução fiscal no sentido da necessidade de instauração de ação judicial, para efeitos do art.º 220.º do CPPT. (alínea S)). E, ainda, da menção na nota de citação do oponente (alínea U)), ocorrida a 27.04.2012 de que o processo foi instaurado contra o cônjuge do ora reclamante, sublinhado a negrito na referida citação (isto não obstante não ter sido referido expressamente o art.º 239.º do CPPT).
Daqui inelutavelmente se conclui que a inserção do nome do ora oponente no sistema informático de penhoras automáticas, em conformidade com o despacho do chefe de finanças, teve em vista proceder à penhora de bens comuns (imóveis ou móveis sujeitos a registo), na execução que corria termos contra a executada, ex-mulher do ora reclamante, por dívidas da exclusiva responsabilidade desta.
Assim, balizados o sentido e o alcance do despacho do chefe de finanças, impõe-se avançar num outro patamar de análise crítica, por referência a cada uma das penhoras realizadas nos autos.

(1) Penhora da fração autónoma designada pela letra “AR”, inscrita na matriz predial sob o artigo 1920.º, registada na CRP de Braga.
Nos termos do disposto no art.º 215.º do CPPT., findo o prazo posterior à penhora sem ter sido efetuado o pagamento, proceder-se-á à penhora.
A penhora será feita somente nos bens suficientes para o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, prosseguindo, todavia, quanto a outros bens, quando o produto dos bens penhorados for insuficiente — art.º 217.º do CPPT.
Ora, nos presentes autos, a executada não procedeu ao pagamento voluntário, no prazo legal (alínea G)) e os depósitos das contas à ordem penhorados eram insuficientes (alínea I)).
Razão pela qual a administração fiscal diligenciou pela penhora do imóvel, bem comum do casal, adquirido na constância do matrimónio (qualidade que não é posta em causa por nenhuma das partes) — alíneas J) e K).
Tratando-se, assim, de dívidas da exclusiva responsabilidade da executada, por elas respondem os seus bens próprios e, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns — cfr. art. 1696º, nº 1 do Código Civil.
Assim, na execução podem ser imediatamente penhorados bens comuns do casal desde que seja citado o cônjuge do executado para requerer a separação judicial de bens, como resulta do disposto no art. 220º do CPPT, segundo o qual «Na execução para cobrança de coima fiscal ou com fundamento em responsabilidade tributário exclusiva de um dos cônjuges, podem ser imediatamente penhorados bens comuns, devendo, neste caso, citar-se o outro cônjuge para requerer a separação judicial de bens, prosseguindo a execução sobre os bens penhorados se a separação não for requerida no prazo de 30 dias ou se se suspender a instância por inércia ou negligência do requerente em promover os seus termos processuais».
Penhorados bens imóveis ou bens móveis sujeitos a registo, o órgão de execução fiscal efectuará o seu registo, imediatamente, após a penhora ou após as diligências referidas na alínea d) do art.º 231.º do CPPT (art.º 230.º, n.º 1, e alínea e), do art.º 231,º), o que se verificou nos presentes autos.
Contudo, à data da penhora, a executada e o ora reclamante já se encontravam divorciados.
Coloca-se, então a questão de saber se o estatuto de co-executado se mantém quando sejam penhorados bens provenientes do património comum do dissolvido casal, ainda não partilhados.
Tudo passa, nessa medida, pela questão de saber o que sucede ao património comum depois do divórcio. Se entendermos que, após o divórcio e até à partilha deixa de existir comunhão e passa a existir compropriedade, o direito de cada ex-cônjuge passa a incidir sobre metade de cada um dos bens provenientes da comunhão, não tendo, neste caso, o ex-cônjuge não tem o mesmo estatuto do cônjuge. Na sua qualidade de comproprietário, o ex-cônjuge só terá interesse em defender a sua metade do património. Se, pelo contrário, entendermos que existe comunhão de mão comum (desde o divórcio até à partilha) o direito dos contitulares não incide sobre cada um dos bens mas, globalmente, sobre a universalidade dos bens que integram a comunhão, e os poderes dos ex-cônjuges sobre o património comum não se modificam necessariamente com o divórcio. Isso só acontecerá depois da partilha.
De salientar que, na comunhão de mão comum todas as questões relacionadas com o património que integra a comunhão são do interesse de todos os que nela participam. Afinal, nenhum dos contitulares sabe se tal bem lhe vem a caber em partilha. Já na compropriedade cada um tem interesse em discutir a penhora que abrange o seu direito a uma parte indivisa do bem.
Ora, no entendimento deste Tribunal, o património dos ex-cônjuges é ainda uma universalidade de bens comuns. É certo que o artigo 1688.º do Código Civil dispõe que as relações patrimoniais entre os cônjuges cessam pela dissolução do casamento. Mas este artigo deve ser conjugado com o artigo 1788.º do mesmo Código, segundo o qual o divórcio tem os mesmos efeitos da dissolução por morte. E na dissolução por morte a herança não partilhada também não pertence a cada um dos herdeiros na proporção das suas quotas. Os efeitos patrimoniais do divórcio implicam que cada um passa a dispor livremente do que lhe pertence, mas não que os bens que integravam a comunhão passem a pertencer a cada um na proporção de metade.
Se o património comum dos cônjuges degenerasse em compropriedade com o divórcio, os ex-cônjuges passavam a ser contitulares de bens certos e determinados, passando o seu direito a incidir sobre cada um dos elementos que constituem o património, e não sobre uma fracção ideal do conjunto. Pelo que não seria necessária a partilha a que alude o artigo 1404.º do C.P.C., sendo ao invés possível a divisão de coisa comum.
Pelo que o património dos ex-cônjuges não partilhado é ainda uma universalidade de bens comuns.
Donde que o ex-cônjuge tem o mesmo interesse em intervir na execução de bens comuns que a lei confere ao cônjuge do executado.
Assim, tendo a dívida nascido na vigência da sociedade conjugal, (independentemente de se tratar de dívida própria de um deles ou de dívida comum a ambos), podem ser imediatamente penhorados os bens comuns do casal, por estes integrarem um património autónomo especialmente afectado aos encargos da sociedade conjugal. E, nesta situação, o posterior divórcio não exonera esse património comum.
Daí que, ao contrário do alegado pelo reclamante, por dívidas da exclusiva responsabilidade do cônjuge executado, possam responder os bens imóveis (indivisos) comuns do casal (art.ºs 1717.º e 1724.º, alínea b), do Código Civil), e não uma parte ou o direito da executada sobre esses bens.
Nesta sede, importa, ainda, chamar à colação o disposto no art.º 1697.º, do Código Civil. (…)
Como ensinam Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in Curso de Direito da Família, volume I, Introdução Direito Matrimonial, 3.ª edição, Coimbra Editora, págs. 471 a 473, “Durante o casamento, operam-se transferências de valores entre os patrimónios - o património comum e dos dois patrimónios próprios dos cônjuges (...). Estes movimentos de capital, estes financiamentos sem prazos e sem juros, representados com mais ou menos rigor pelos intervenientes, são mais característicos da comunhão conjugal que de outra “sociedade” ou de outra qualquer reunião de patrimónios.
É assim que se forma uma espécie de conta-corrente entre o património comum e os patrimónios próprios, uma conta que se fecha apenas no momento da partilha. - sublinhado nosso.
No momento da partilha, pode verificar-se que os movimentos de capital não se equilibraram espontaneamente e que algum património ficou enriquecido enquanto outro ficou correlativamente empobrecido. A técnica das compensações visa restabelecer as forças dos patrimónios, reconstituir o seu valor, corrigindo os desequilíbrios da conta-corrente através do reconhecimento de créditos de compensação em favor de cada património empobrecido.
A certeza deste restabelecimento final, ao mesmo tempo que repõe os valores no lugar a que pertencem, dá confiança e favorece as transmissões durante o casamento. Por outro lado, a técnica das compensações obriga a traçar o rasto dos movimentos de valores entre os patrimónios, (...); e ainda serve para defender o património comum, ou o de um dos cônjuges, sistematicamente empobrecido por uma utilidade abusiva, por parte do outro, em seu proveito exclusivo, como através do endividamento em proveito próprio ou da aplicação egoísta de fundos comuns.
Com este entendimento, dá-se à técnica das compensações um âmbito vasto, que excede os casos expressamente previstos na lei. Haverá lugar a compensação sempre que as transferências de valores, apesar de justificadas pela tutela de interesses relevantes ou pela vontade de colaboração dos cônjuges, criem desequilíbrio económico entre os patrimónios.
Como exemplos de situações donde resulta um crédito do património comum sobre cada cônjuge podem mencionar-se: (...), o pagamento, pelas forças do património comum de dívidas da responsabilidade de um dos cônjuges (art. 1697. º, n.º 2);
Se o cônjuge do executado não pôde ou não quis recorrer à separação judicial de bens e teve de consentir na execução de bens indivisos por conta da meação do cônjuge devedor — para pagamento de dívidas próprias deste — justo é que no momento da partilha do casal, seja levado em linha de conta o prejuízo que então sofreu (Guilherme Braga da Cruz, in “Capacidade Matrimonial dos Cônjuges, Anteprojecto dum título do futuro Código Civil (Articulado e Exposição dos Motivos), BMJ, n.° 69, 1957, pág. 417.)

Cristina M. Araújo Dias, (in Compensações Devidas Pelo Pagamento de Dívidas do Casal (Da correcção do Regime Actual), Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Centro de Direito da Família — 7, Coimbra Editora, pág. 102.) (Vide, neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12.10.1999, proc. n.° 1091/99, disponível em www.dgsi.pt) refere, também, que se difere para o momento da partilha a exigibilidade desse crédito, defendendo, ainda, em nota a propósito do art.º 1697.º, do Código Civil que “Se atendermos à titularidade do crédito nascido do pagamento das dívidas comuns com bens próprios de um dos cônjuges (nº1) ou nascido do pagamento de dívidas próprias com bens comuns (n.º 2), constatamos que, enquanto no n.º 1 o credor da compensação devida é o cônjuge que pagou a dívida com bens próprios, no n.º 2 o credor é o património comum”. — sublinhado nosso.
Nos casos do n.º 2, do art.º 1697.º, não faria sentido estabelecer um simples crédito do outro cônjuge pela importância correspondente à sua meação nos bens utilizados para o pagamento da dívida, pois o património comum é um património de afectação especial que tem de ser devidamente ressarcido daquilo em que for desfalcado, a fim de não ficarem prejudicados os interesses daqueles que têm, em relação a ele, direitos especiais. Estão, pois, em causa, interesses de terceiros, credores do património comum (art.º 1689.º, n.º 2), que ficariam prejudicados, se em vez de um crédito do património comum sobre o cônjuge cujas dívidas foram pagas com bens comuns, se estabelecesse um simples crédito do outro cônjuge. (Neste sentido vide, ainda, Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in ob. Cit., pág. 469. ).
Por outro lado, louvando-nos, ainda, nos ensinamentos dos ilustres professores Pires de Lima e Antunes Varela (In Código Civil anotado, Vol. IV, p. 356, 2ª edição, Coimbra Editora.), no que se refere à titularidade do crédito resultante do pagamento de dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges com bens integrados na comunhão conjugal “credor é o património comum”.
Quanto ao momento em que nasce o dito direito de crédito, referem, de igual modo, estes Autores que o mesmo “só se efectiva no momento da partilha dos bens do casal”.
Ainda, a este propósito, e em jeito de conclusão, deixa-se aqui transcrita uma parte da fundamentação do acórdão do STA, de 14.06.2012, proferido no âmbito do processo n.º 0939/10, disponível em www.dgsi.pt.: “Em suma, a obrigatoriedade da citação do cônjuge do devedor nos casos de penhora de bens imóveis ou móveis sujeitos a registo na execução fiscal, com a subsequente atribuição da posição de parte nesse processo executivo, que já encontrava previsão no CPCI, implica que a Recorrente não tenha a possibilidade de embargar de terceiro, devendo reagir contra actos ilegais que afectem os seus direitos através dos meios processuais concedidos ao executado. Deste modo, se após a separação de meações e partilha dos bens realizada após a sua citação, a propriedade do imóvel penhorado lhe é atribuída, poderá pedir o levantamento da penhora no próprio processo executivo - caso esteja em causa dívida da exclusiva responsabilidade do devedor que consta do título executivo — sendo tal pedido analisado e decidido pelo órgão da execução fiscal, com possibilidade de reclamação da sua decisão para tribunal, nos termos previstos no artigo 276.º CPPT (...).” — sublinhado nosso.
Assim, nestes casos, não há que acautelar a defesa dos interesses do ex-cônjuge através do mecanismo da citação para requerer a separação de bens, pois que após o divórcio ele pode livremente fazer cessar a indivisão, instaurando processo de inventário para partilha dos bens, ao contrário do que acontecia na pendência do matrimónio (durante o qual não pode alterar o regime matrimonial de bens nem pedir a divisão dos bens comuns, razão por que a lei concede ao cônjuge não responsável pela dívida a faculdade de separar o património comum na pendência de processo executivo, de forma a poupá-lo a qualquer prejuízo).
Por tudo isto, reafirma-se que não assiste razão ao reclamante ao alegar que, apenas, pode ser penhorado um alegado direito que a executada detém sobre o imóvel, podendo/devendo demonstrar que na partilha o imóvel penhorado lhe foi atribuído.
Pelo exposto, nenhuma censura merece a atuação da administração fiscal nesta parte, mantendo-se por isso, a penhora ordenada sobre o imóvel adquirido na constância do matrimónio.
*
(2) Penhora sobre as contas de depósitos à ordem, nos termos do disposto no art.º 223.ºdo CPPT
Conforme resulta do elenco dos factos provados, o ora reclamante divorciou-se da executada a 6.05.2003 (alínea W)), e a penhora sobre os depósitos à ordem verificou-se em 23.03.212 (alínea Q)), ou seja, em data posterior à dissolução do casamento, não constituindo por isso, bens comuns do extinto casal.
Outrossim, a dívida é da exclusiva responsabilidade da executada, não comunicáveis ao ora reclamante, por isso, por ela não respondem os bens próprios do ex-cônjuge, ora reclamante.
“(3) Penhora sobre a conta de depósito à ordem n.º ……., aberta no
“Millenniumbcp-ActivoBank’, nos termos do disposto no art.º 223. º CPPT.
Conforme resulta do elenco dos factos provados, o ora reclamante divorciou-se da executada a 6.05.2003 (alínea W)), e a penhora sobre o depósito à ordem verificou-se em 17.04.2012 (alínea Z)), ou seja, em data posterior à dissolução do casamento não constituindo por isso, bem comum do extinto casal.
Outrossim, a dívida é da exclusiva responsabilidade da executada, não comunicáveis ao ora reclamante, por isso, por ela não respondem os bens próprios do ex-cônjuge, ora reclamante.
Nesta conformidade, a penhora ordenada sobre a conta bancária n.º ……., titulada pelo reclamante, é ilegal, pelo que se determina o seu levantamento.
Nesta conformidade, a penhora ordenada sobre as contas bancárias n.º ……., n.º …….; …….; ……. e ……., tituladas pelo reclamante, é ilegal, pelo que se determina o seu levantamento.

Não obstante o acabado de decidir, exceciona-se desta conclusão a penhora da conta n.º ……., que conforme se extrai do probatório (alíneas I) e R)) é uma conta titulada conjuntamente pelo ora reclamante e pela executada, razão pela qual já tinha sido penhorada a 27.03.2009, como bem pertencente à executada.
Donde, quanto à conta bancária n.º ……., mantém-se a penhora determinada.
*
(3) Penhora de 1/6 do vencimento auferido na C……., nos termos do disposto no art.º227.ºdo CPPT.
Dá-se aqui por integralmente reproduzida a fundamentação acabada de expor quanto à penhora das contas bancárias tituladas pelo reclamante.
Na verdade, estando em causa dívida da exclusiva responsabilidade da executada e tendo em consideração que o reclamante se divorciou a 6.05.2003 e a penhora do vencimento ocorreu a 20.03.2012 (alínea Q)), inelutavelmente se conclui que o ordenado por ele auferido naquela data não constitui um bem comum do extinto casal, mas sim um bem próprio do reclamante ou, quando muito, um bem comum do novo casal, constituído a 30.11.2003 (alínea X)).
Nesta conformidade, a penhora do vencimento auferido pelo reclamante na C……. é ilegal, determinando-se o seu levantamento.

Pelo exposto, sem necessidade de mais considerações, julgo parcialmente procedente a presente reclamação e, nessa conformidade, determino a anulação das penhoras realizadas nos autos sobre os bens próprios da ora reclamante, por terem sido determinadas para garantir a totalidade da dívida exequenda, devendo ser substituídas por outras que garantam o pagamento das dívidas referentes apenas a IVA e IRS dos anos de 2004 e 2005, com todas as consequências legais.

DO PEDIDO DE CONDENAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO FISCAL COMO LITIGANTE DE MÁ FÉ (e no pagamento de indemnização).
O reclamante na sequência da notificação da contestação apresentada veio requerer a condenação da fazenda pública como litigante de má-fé
De acordo com o disposto no art.º 456.º do Código de Processo Civil:
“1. Tendo litigado de má fé a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2. Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”

Como se extrai do preceito legal acabado de citar, a litigância de má fé reporta-se à conduta das partes nos meios processuais e, por outro lado, é necessária a demonstração de que actuou com dolo ou negligência grave.
Ora, não se pode qualificar como conduta processualmente ilícita a atuação da fazenda pública que, no âmbito dos presentes autos e através da contestação apresentada, se limitou a remeter a sua posição para o teor da informação prestada pelo órgão de execução fiscal e a pedir que os presentes autos sejam decididos com a costumada justiça.
Como defende Alberto dos Reis, no seu Código de Processo Civil, anotado, a fls. 262, a boa fé no litígio é perfeitamente compatível com uma lide imprudente ou temerária, só o não sendo no caso do litigante ter consciência plena de não assistir qualquer direito à sua pretensão, o que não é de todo o caso.

Em suma, a Fazenda Pública não incorreu em litigância de má fé, por não ter “deduzido pretensão … cuja falta de fundamento não devia ignorar” (n.º 2, a)) e por não ter “feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável com o fim de (...) entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.” (n.º 2, d)).

Qualquer outra responsabilização que o reclamante pretenda imputar à administração tributária, no âmbito de execução fiscal, teria que ser convocada em sede própria, que, não através do incidente da litigância de má-fé.

Nesta conformidade, improcede, pois, o pedido de condenação da fazenda pública como litigante de má fé (e de indemnização devida) com a consequente absolvição da fazenda pública do pedido.

“IV- DECISÃO
Pelo exposto, tudo visto e ponderado decido:
- julgar parcialmente procedente a presente reclamação e, nessa conformidade, determinar;
1. A anulação da penhora realizada sobre as contas bancárias nºs ……., …….; …….; ……. e ……., tituladas pelo reclamante no BCP, ordenando-se o seu levantamento;
2. A anulação da penhora de 1/6 do vencimento auferido pelo reclamante na C……., ordenando-se o seu levantamento.
3. A anulação da penhora realizada sobre a conta bancária n.º …….., titulada pelo reclamante Millenniumbcp-ActivoBank”, ordenando-se o seu levantamento.
Mantendo-se o restante.

- Improcedente o incidente de condenação da fazenda pública como litigante de má fé e no pagamento de indemnização devida, com a consequente absolvição da requerida do pedido.

Custas por ambas as partes, (cfr. Artº 446.º, nº 1 do CPC, aplicável ex vi do art.º 2.º alínea e) do CPPT.), fixando-se, a responsabilidade em partes iguais.

Custas do incidente da litigância de má fé pelo exequente, as quais se fixam em 0,5 UC. - nos termos do disposto no artº 7.º, n.º 4, do RCP”.


DECIDINDO NESTE STA:

Como salienta o Mº Pº no seu parecer e resulta do supra exposto, designadamente da decisão recorrida transcrita, esta julgou improcedente (parcialmente) reclamação judicial deduzida dos actos de penhora de fracção e conta ……. do Banco Millenium BCP, no entendimento de que, quanto à penhora da fracção, património do recorrente e ex- cônjuge, ainda não partilhado, é ainda uma universalidade de bens comuns e, como tal, é legal a penhora do imóvel e quanto à conta bancária …….. esta é uma conta bancária titulada pela executada e pelo reclamante/recorrente, razão pela qual já tinha sido penhorada em 27 de Março de 2009, como bem pertencente à executada, pelo que não há motivo legal para se proceder ao levantamento de tal penhora.
O recorrente além do mais, imputa à sentença recorrida vício de forma por omissão pronúncia omissão de quanto às contas ……. e ……. do Milleniumbcp e Millenuimbcp-ActivoBank, pedindo, também, anulação da penhora de tais contas.
Mas por despacho de 17 de Janeiro de 2013, exarado a fls. 254/258, o tribunal, recorrido, em cumprimento do disposto no artigo 670.º do CPC, conheceu da referida nulidade, tendo considerado que quanto à conta ……. não ocorre omissão de pronúncia, pois que o tribunal pronunciou-se sobre a mesma, conforme 3.ª conta elencada na alínea R) do probatório, página 6 da sentença, tendo sido decidido manter a penhora, por ter considerado que incide sobre uma conta conjunta do reclamante e da executada, a qual se encontrava penhorada desde 27 de Março de 2009.
Quanto à conta …….. o tribunal recorrido reconheceu a omissão de pronúncia e, reformando a sentença anulou a penhora dessa conta.
Vejamos o mérito do presente recurso jurisdicional.
Quanto à alegada omissão de pronúncia sobre a penhora da conta ……., como muito bem referiu a tribunal recorrido inexiste omissão de pronúncia, pois a 1.ª instância pronunciou-se sobre a mesma na alínea R) do probatório, não havendo fundamento legal para a sua anulação, uma vez que se trata de conta conjunta do reclamante/recorrente e da executada e que já havia sido penhorada em 27 de Março de 2009, enquanto bem pertencente à executada.
Nesta parte, o recurso não merece provimento.
Quanto à penhora da conta ……. mostra-se satisfeita a pretensão do recorrente pelo tribunal recorrido, pelo que ocorre e se declara a inutilidade superveniente da instância de recurso, nesta parte.

Vejamos, agora, a questão da penhora da fracção.

Quanto a esta questão estamos em plena consonância com a posição do recorrente e do Mº Pº junto deste STA.
Como bem referem, depois da dissolução do casamento por divórcio até à partilha dos bens comuns dos ex-cônjuges a situação passa ser idêntica à da herança indivisa. ( 1 Acórdão do STJ, de 29/06/2004.P-04ª2062, disponível no sítio da Internet WWW.dgsi.pt)
De facto, como ensinam Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira ( 2 Curso de Direito de Família, Volume I, 2ª edição, pag. 670) “a situação passa a ser idêntica à da herança indivisa.
Cada um dos ex-cônjuges pode dispor da sua meação, como pode pedir a separação das meações, o que não podia fazer antes do divórcio.
Não quer isto dizer que com o trânsito da sentença de divórcio os bens comuns deixem de ser património comum e passem a pertencer aos ex-cônjuges em compropriedade, ( uma vez que não podem cada um deles dispor de metade de cada um desses bens em concreto), pois antes da partilha não se sabe com que bens virá a ser preenchida a meação de cada um dos cônjuges. Existe pois uma universalidade de bens comuns pertencente aos ex cônjuges, pois o divórcio tem os mesmos efeitos da dissolução por morte, como acertadamente (nesta parte) refere a sentença recorrida, supra destacada, em fundamentação jurídica correcta que nos dispensamos de repetir. Na mesma linha de entendimento vide o Ac. deste STA de 18/05/2011 tirado no recurso nº 0973/09 que, não obstante incidir sobre situação fáctica distinta, destaca argumentação jurídica que devidamente ponderada nos ajuda a decidir no sentido ora propugnado.
Assim, na penhora de bens em comum, como no caso em, apreciação em que a dívida foi contraída na constância do matrimónio mas referenciada na sentença recorrida como sendo da exclusiva responsabilidade do ex-cônjuge –mulher, ( o que não é contestado por algum dos intervenientes processuais) exigida em processo executivo instaurado após o divórcio e vencida, também, após o fim do casamento “não podem, na execução movida apenas contra um dos contitulares dos bens comuns ser penhorados os próprios bens na sua totalidade, nem uma fracção de qualquer deles, nem uma parte especificada dos mesmos por a tal obstar o disposto no artº 826.º nº 1 do CPC, o que bem se compreende pois os direitos dos contitulares não se referem a qualquer parte especificada da coisa comum, mas a toda ela, globalmente considerada”. (Com este entendimento vide Jorge Lopes de Sousa in Código de Procedimento e Processo Tributário, anotado e comentado, 6ª edição, 2011 III volume, páginas 642/643.)
Portanto, no caso “sub-judice” apenas poderia ser penhorado o direito à meação do ex-cônjuge mulher/executada e nunca a fracção autónoma (destaque nosso).
A penhora da fracção autónoma é, pois ilegal, pelo que, nesta parte, o recurso merece provimento.

Vejamos, por último, a alegada condenação da AT como litigante de má-fé.
Importa considerar o artigo 104.º da LGT nos termos do qual a Administração Tributária pode ser condenada numa sanção pecuniária a quantificar de acordo com as regras da litigância de má-fé em caso de actuar em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos contribuintes ou o seu procedimento divergir do habitualmente adoptado em situações semelhantes.
Como refere António Lima Guerreiro, citado pelo Mº Pº no seu parecer (Lei Geral Tributária, anotada, Editora Rei dos Livros, pag. 425) “A referida sanção por litigância de má-fé depende de uma violação dolosa ou gravemente negligente do princípio da boa fé, por desrespeito de informação vinculativa anteriormente prestada, ou violação do princípio da igualdade tributária, que ocorre quando a administração tributária trate conscientemente de modo desigual contribuintes em idênticas circunstâncias. Os requisitos do dolo ou negligência grave resultam de o presente preceito remeter para a lei geral que é o artigo 456.º, número 2, do CPC, que declara expressamente a dependência da litigância de má fé desse tipo de pressupostos. Simplesmente, verificados, em vez da sanção pecuniária em virtude da comprovação de má fé ser aplicada, mediante o mero preenchimento dos pressupostos previstos nesse artigo, de acordo com o regime da presente lei, só é devida em caso de violação do conteúdo de informação vinculativa anteriormente prestada aos contribuintes ou em caso de procedimento da Administração divergir do habitualmente adoptado em circunstâncias idênticas. A solução em causa tem em conta o quadro jurídico peculiar da actuação do Estado no processo judicial tributário, que é substancialmente diferente do das partes no processo comum.”
No caso em que a decisão da administração Tributária se escudou na norma do artº 220º do CPPT e segundo depreendemos no pressuposto de que o ex-cônjuge devia ao abrigo da norma ser notificado para requerer a separação judicial de bens, (interpretação que não seguimos como resulta da presente decisão relativa à fracção penhorada, mas que se afigura, perfeitamente, discutível e admissível) afigura-se-nos que não se verificam os pressupostos legais para que a administração tributária possa ser condenada por litigância de má fé.
Nesta parte, o recurso não merece provimento.

4- DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes deste STA em conceder parcial provimento ao recurso, revogando a decisão na parte em que confirmou a penhora da fracção identificada nos autos. determinando-se o levantamento da mesma e confirmando a sentença quanto ao mais, considerando já o suprimento da omissão de pronuncia reconhecida em 1ª instância.

Custas a cargo do recorrente por atenção à parte em que decaiu.
Lisboa, 3 de Abril de 2013. - Ascensão Lopes (relator) - Pedro Delgado - Valente Torrão.