Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:045972
Data do Acordão:01/24/2002
Tribunal:3 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:JORGE DE SOUSA
Descritores:CASINO.
PROIBIÇÃO DE ACESSO À SALA DE JOGOSS.
INCONSTITUCIONALIDADE ORGÂNICA.
PODERES DE COGNIÇÃO.
MEDIDA DA PENA.
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.
FUNDAMENTAÇÃO.
Sumário:I - Tendo o recurso contencioso por objecto um acto que manteve uma sanção administrativa de proibição de entrada em salas de jogos, o decurso do prazo de proibição não implica uma total eliminação, no futuro, dos efeitos do acto recorrido, quando a aplicação da sanção produz também efeitos reflexos a nível do bom nome do visado, e a sua manutenção é susceptível de ser considerada como circunstância agravante para efeitos de aplicação de outras sanções.
II - Nestas condições, o recurso contencioso é de considerar um meio processual idóneo para eliminação daquele efeitos do acto recorrido, pelo que não pode concluir-se que seja inútil o seu prosseguimento, após o decurso do prazo de proibição.
III - O direito ao jogo não é incluído entre os direitos, liberdades e garantias, nem entre os direitos económicos e sociais constitucionalmente identificados, pelo que o estabelecimento do seu regime legal não está incluído na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.
IV - A sanção de proibição de acesso a salas de jogos com fundamento na inconveniência da presença do visado, prevista no n.º 1 do art. 38.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, aplicada fora do âmbito de processos contra-ordenacionais, tem suporte na autorização legislativa concedida ao Governo pela Lei n.º 14/89, de 30 de Junho.
V - A autorização legislativa concedida por esta Lei contém definição do seu sentido e objecto, pelo que não é inconstitucional.
VI - O Supremo Tribunal Administrativo não tem competência para apreciar questões de inconstitucionalidade abstracta de normas, devendo considerar-se como tal as suscitadas relativamente a normas que não relevam para decisão do recurso.
VII - A escolha e dosimetria das penas aplicadas pela Administração, efectuada dentro dos parâmetros legais, insere-se no âmbito da discricionariedade técnica, só sendo sindicável a actividade da Administração pelos tribunais nos casos de erro manifesto ou quando se detecte uma violação dos princípios que devem reger a globalidade da actividade administrativa.
VIII - Não é desproporcionada a sanção de proibição de entrada em salas de jogos aplicada a um frequentador que revelou falta de preparação para respeitar regras de conduta que nelas devem ser observadas, ao apropriar-se de créditos de outros frequentadores, quando se revela forte adequação dos factos praticados à sua personalidade.
IX - A fundamentação do acto administrativo é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente.
Nº Convencional:JSTA00057309
Nº do Documento:SA120020124045972
Data de Entrada:12/18/2001
Recorrente:A...
Recorrido 1:SE DO TURISMO E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC CONT.
Objecto:DESP SE DO TURISMO.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - ACTO.
Legislação Nacional:DL 422/89 DE 1989/12/02 ART38 N1.
CPA91 ART124 ART125 N1.
CONST82 ART168 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC35757 DE 1998/02/18.; AC STA PROC29876 DE 1992/06/25.; AC STAPLENO PROC40332 DE 1998/06/23.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A... interpôs neste Supremo Tribunal Administrativo recurso contencioso do Despacho n.º 7/2000/SET do Senhor Secretário de Estado do Turismo que indeferiu o recurso hierárquico necessário que interpôs de um despacho do Senhor Inspector-Geral de Jogos, que lhe aplicou uma sanção de proibição de entrada nas salas de jogos de todos os casinos do país, pelo período de um ano, contado quanto ao Casino do Estoril, desde 18-3-99, data da respectiva proibição preventiva.
Na sua resposta, a autoridade recorrida defendeu o não provimento do recurso e suscitou as questões prévias da ilegitimidade passiva, por falta de indicação da concessionária daquele Casino, Estoril-Sol, S.A., como interessada a quem o provimento do recurso pode prejudicar, e do caso decidido quanto ao acto que confirmou a medida tomada pelo Director do Serviço de Jogos daquela concessionária.
O recorrente respondeu às questões prévias.
Por despacho de 19-9-2000, foi ordenada a citação da referida concessionária, que apresentou contestação.
O recorrente apresentou alegações com as seguintes conclusões:
1– O art. 38º do DL 422/89, de 2/12, aplicado pelo acto recorrido, enferma de inconstitucionalidade orgânica, pois a lei de autorização legislativa (L 14/89, de 30/6) não permite nem contém, no seu sentido e objecto, a possibilidade de aplicação administrativa de sanções passíveis de limitador longo período acesso aos locais de jogo, fora do âmbito de um processo contra-ordenacional, dotado das respectivas garantias (referidas no n.º 7 do art. 2º da Lei), sendo certo que se trata de matéria de estado e capacidade das pessoas e Direitos, Liberdades e Garantias, ambas sujeitas a reserva relativa de lei da Assembleia da República (cfr., art. 168º/1 a) e b) da C.R.P., versão da revisão de 1982);
2 – Em alternativa, e caso se entenda que a referida lei de autorização legislativa conferia ao governo, através da norma do art. 2/2/d) a possibilidade de, por si, definir por via legislativa os pressupostos da medida de interdição de acesso de até 5 anos prevista no art. 38º do DL 422/89, então, será a própria lei de autorização que enferma de violação da norma do n.º 2 do art. 168º da CRP (na redacção da revisão de 1982), não fixando de forma clara o seu sentido e/ou objecto (dada a identidade da medida com a sanção acessória contra-ordenacional prevista no n.º 7 do art. 2º da L 14/89, de 30/6) ;
3 – Acresce que o DL n.º 10/95, de 19/1, que alterou o DL 422/89, não foi precedido de lei de autorização legislativa, embora incida novamente sobre matéria de estado e capacidade das pessoas e Direitos, Liberdades e Garantias, sujeitas a reserva relativa de lei da Assembleia da República (cfr., art. 168º/1 a) e b) da C.R.P., versão da revisão de 1989), pelo que enferma de inconstitucionalidade orgânica, pelo menos nas alterações dos arts. 36º a 39º.
4 – O acto recorrido enferma de falta, insuficiência ou incongruência de fundamentação, de facto e de direito, violando o disposto nos arts. 124º e 125º/1 do CPA, por se limitar de forma genérica e vaga a aludir o risco de prejuízo para a qualidade da oferta do casino sem consubstanciar de forma concreta e individualizada os prejuízos que derivam da actuação do ora recorrente, não permitindo conhecer das motivações inerentes à opção pela aplicação da medida de um ano de proibição em detrimento de outras, nem dos motivos que levaram a autoridade recorrida a perfilhar o Parecer do IGJ, de 6/8/99, em detrimento de pareceres divergentes, nomeadamente, os Pareceres 63/GJ/99 e 63-A/GJ/99 do Gabinete Jurídico da Secretaria Geral do Ministério da Economia.
5 – A insuficiência e obscuridade da fundamentação do acto recorrido coloca o ora recorrente, no que respeita à reacção contra o acto, numa situação similar à do destinatário de acto carente de fundamentação, dificultando o exercício do seu direito de defesa.
6 – Finalmente, o acto recorrido viola o princípio da proporcionalidade (artº 5º do CPA) ao impor a proibição de entrada na sala de jogo pelo período de uma ano, medida excessiva face à conduta do ora recorrente, à ausência de antecedentes do mesmo, à ausência de prova dos factos imputados, à destruição ilegal de meios de prova (cassetes), pois:
- O ora recorrente é um jogador assíduo que ao longo dos anos sempre se comportou com urbanidade e correcção, tendo sido inexplicavelmente expulso, no dia 18 de Março de 1999, por um comportamento que em nenhum momento perturbou os restantes clientes ou prejudicou a qualidade do serviço prestado pela concessionária.
- A correcção do comportamento do ora recorrente ao longo da tarde do referido dia 18 de Março de 1989 seria facilmente comprovada pelo visionamento dos filmes que cobriam os acontecimentos, entre as 15h e as 15.30, período que o ora recorrente despendeu a quantia de Esc. 50.000$. No entanto, as respectivas cassetes foram destruídas em violação do preceito que impõe a sua conservação durante 30 dias (52º/4 do Decreto-Lei 422/89, de 2 de Dezembro).
- O acto recorrido fundamenta-se na pretensa ilicitude do comportamento do ora recorrente, sem no entanto especificar o valor dos créditos de que se teria eventualmente apropriado nem quantificar o prejuízo inerente. Ora, a conduta do ora recorrente traduziu-se, tão só, na utilização de toalhetes ali deixados para uso dos clientes e na utilização de créditos deixados nas máquinas a que se tinha dirigido para continuar a jogar.
- Os créditos em questão eram de tão exíguo valor que a própria concessionária não conseguiu avaliar. Mais, parece ser de senso comum não se poder exigir de cada cliente que se dirige a uma máquina a obrigação de chamar um funcionário para que recolha créditos correspondentes a Esc. 25$, 50$, 100$ ou no máximo 200$, correndo o risco de perder o seu lugar, quando é de conhecimento geral que as máquinas são extremamente disputadas.
Donde resulta que a sanção aplicada é manifestamente desproporcionada à infracção que se tem por cometida dada a irrelevância dos valores, a inexistência de intuito doloso por parte do ora recorrente e de prejuízo para a concessionária ou para os restantes clientes.
A autoridade recorrida apresentou alegações com as seguintes conclusões:
1 – São as conclusões da alegação que demarcam o objecto de cognição do recurso e o abandono, nas alegações finais, de vícios invocados na petição, corresponde a redução da causa de pedir.
2 – Na petição de recurso não foram alegadas as inconstitucionalidades ora invocadas e que encerram matéria cognoscível e invocável «ab initio».
3 – As condutas susceptíveis de instauração do procedimento de contra-ordenação para a aplicação de uma coima e, acessoriamente, de uma medida de interdição de entrada nas salas de jogo não se confundem com a proibição de entrada nas salas a indivíduos cuja presença seja inconveniente.
4 – À concessionária incumbe destruir as gravações e devê-la-ia fazer em qualquer um dos trinta dias subsequentes ao da obtenção das mesmas, salvo se contiverem matéria de investigação ou susceptível de o ser e, por isso, se devam manter por mais tempo.
5 – A competência da Inspecção-Geral de Jogos abrange não só o controlo da permanência e proibição de entrada nos casinos e salas de jogo, mas também o da reserva e recusa de acesso a estes locais.
6 – O Recorrente foi notificado para se pronunciar sobre os factos que lhe eram imputados (fls. 15 do processo instrutor) e no exercício desse direito requereu diligências de prova (fls. 19), assistiu à realização das mesmas acompanhado de advogado (fls. 22), consultou o processo e apresentou defesa.
7 – Os fundamentos da aplicação da medida de proibição de entrada nas salas de jogos e da sua duração estão conveniente e suficientemente apontados no acto recorrido e os mesmos foram clara e totalmente entendidos pelo Recorrente como o demonstra e confessa no presente recurso.
A contra-interessada apresentou alegações com as seguintes conclusões:
1 – O Despacho que contém o acto recorrido para além dos pareceres de que se apropria, remete expressamente, quanto à sua fundamentação, para a Informação de 06.08.99 da Inspecção Geral de Jogos, como permite, aliás, o art. 125º n.º 1 C.P.A..
2 – A referida informação remete parte da sua fundamentação para os autos do processo instrutor, encontrando-se este convenientemente fundamentado através de uma exposição clara, suficiente e congruente dos fundamentos de facto e de direito, referindo quais os que se consideram provados e os que não se consideram provados, bem como as razões que presidiram às decisões tomadas em face das normas aplicáveis.
3 – De toda a argumentação expendida pelo recorrente nos recursos podemos facilmente concluir que o recorrente compreendeu o sentido e alcance de tudo o que aconteceu no processo, pelo que a fundamentação não pode deixar de tomar em consideração a posição que o destinatário ocupou no procedimento em que foi praticado o acto.
4 – É demais evidente que o recorrente compreendeu a fundamentação do acto sub judice, tanto mais que confessou a prática dos factos que lhe foram imputados, não podendo, assim, subsistir quaisquer dúvidas quanto à sua compreensão do mesmo.
5 – No acto recorrido, expressamente ou por remissão, são referidas as normas jurídicas violadas, os comportamentos imputados ao recorrente, as atenuantes, as agravantes, os factos provados, enfim, toda a matéria relevante para a fundamentação da decisão tomada, a qual só por manifesta má fé do recorrente pode ser tida como insuficiente.
6 – Embora o preenchimento de conceitos indeterminados se insira na “margem de livre apreciação administrativa” sendo, enquanto tal, insindicável pelos tribunais, é demais evidente que no presente caso o conceito de inconveniência se encontra preenchido pelo comportamento do recorrente, pois a presença de alguém que se apropria ilegitimamente das fichas de jogo de outros frequentadores da sala de jogos constitui, obviamente, uma presença inconveniente para o ambiente que deve ter uma sala de jogo.
7 – Não existe qualquer direito ao jogo no nosso ordenamento jurídico, bem pelo contrário, esta actividade sempre foi encarada como algo a proibir ou controlar.
8 – Os Casinos não são locais públicos, mas de acesso reservado, e, por isso, deve entender-se que não existe um direito de frequentar um Casino por parte de qualquer pessoa.
9 – O Estado, nos termos do artigo art. 36º da Lei do Jogo, conferiu às concessionárias o poder dever de aplicar a algumas pessoas a medida de recusa de acesso às salas de jogos, desde que considere a sua presença inconveniente.
10 – Tal como sucede no caso da concessão de Serviços de Transporte Colectivo, também na concessão da Actividade do Jogo, a Administração atribuiu às concessionárias poderes de autoridade destinados a assegurar o bom funcionamento dos serviços prestados e o bom ambiente das instalações, sendo-lhes permitido recusar o acesso ou determinar a expulsão de indivíduos que ponham em causa a prossecução adequada da actividade concessionada, e competindo-lhes, devido aos seus conhecimentos da actividade em causa e das exigências dos seus utilizadores, aferir da verificação ou não dos referidos requisitos.
11 – Em última instância é a Inspecção Geral de Jogos que domina a decisão de proibir as entradas e de expulsar os frequentadores que violem disposições legais aplicáveis, ou seja, a administração não delega poderes de autoridade a qualquer preço.
12 – Não se verificou qualquer caducidade da medida em causa, contrariamente ao que alega o recorrente nem foram ultrapassados os prazos previstos na lei.
13 – A conduta do recorrente, para além de constituir contra-ordenação por violação de disposições como tal previstas na Lei do Jogo, consubstancia Crime de Furto previsto no art. 203º do Código Penal e punido com pena de prisão até três anos.
14 – Perante as inúmeras agravantes existentes no caso sub judice e a quase inexistência de atenuantes, é manifesto que um ano de proibição de entrada nas salas de jogos dos Casinos relativamente a 5 anos, fixados como limite máximo, tendo em conta os factos provados e confessados pelo recorrente, não é violador do princípio da proporcionalidade, mas sim acolhedor do princípio do mínimo penal adequado à prevenção geral e especial, não se verificando qualquer violação do Princípio da Proporcionalidade.
15 – Do visionamento das imagens das câmaras de vigilância resultou provado que o recorrente utilizou fichas que não lhe pertenciam, não tendo provado qualquer combinação, anuência ou consentimento do anterior jogador.
16 – O acto de destruição das imagens respeitantes às máquinas onde alegadamente o recorrente estivera a jogar antes de cometer os factos em apreço, por não conterem qualquer matéria susceptível de investigação não constitui uma violação da Lei por parte da concessionária, mas sim o cumprimento correcto e atempado de um dever legal.
17 – É do mais elementar bom senso que ninguém se deve apropriar de bens alheios, é uma norma presente nos mandamentos da lei de Deus, que todas as culturas de tradição judaico cristã acolheram e consagraram nos seus códigos penais, sendo absurdo que no casino existissem cartazes com as regras que o recorrente violou, sendo igualmente absurda a alegação por parte do recorrente de que não tinha consciência da ilicitude dos actos que praticou.
18 – Toda a defesa apresentada pelo recorrente reflecte a sua má fé, não se podendo admitir que após ter confessado os factos que lhe são imputados, o recorrente venha posteriormente negar a prática de qualquer facto ilícito, para depois vir invocar a confissão como atenuante.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, pelas seguintes razões, em suma:
– Improcedem as inconstitucionalidades, pois a autorização legislativa concedida ao Governo continha todos os elementos necessários, não extravasando o Decreto-Lei n.º 422/89 os limites contidos naquela;
– O acto está suficientemente fundamentado tendo permitido ao recorrente apreender com naturalidade os motivos e o sentido da sanção que lhe foi imposta;
– Quanto à inibição que esta encerra, a autoridade recorrida goza da mais ampla margem de apreciação de modo a poder concluir que a inibição se justificou – Acórdão do Pleno de 9-11-99, no recurso 39.368 – margem essa que no caso presente não foi ultrapassada.
Colhidos os vistos legais, pelo anterior Excelentíssimo Relator foi suscitada a questão prévia da inutilidade superveniente da lide por, em suma, os efeitos jurídicos do despacho impugnado se mostrarem «exauridos com o decurso integral do prazo fixado para a proibição do recorrente entrar nas salas de jogos de todos os Casinos do País, não sendo já possível a reintegração da ordem jurídica pretensamente violada, com a reconstituição natural da situação actual hipotética» e que «a satisfação de um interesse meramente moral resultante da eventual anulação do acto contenciosamente sindicado» «não pode considerar-se fonte de legitimidade bastante para, por si só, justificar o prosseguimento do recurso (cfr. por todos o Ac. do Pleno de 27.04.99 - Rec. n.º 35.283)».
Notificadas as partes para se pronunciarem sobre esta questão, apenas o recorrente se pronunciou, afirmando manter interesse na anulação do acto recorrido.
Afirma ainda o recorrente, em suma,
– que a posição assumida no referido despacho viola a Constituição, em face do direito à tutela judicial efectiva, previsto nos arts. 20.º e 268.º)
– que a utilidade do recurso não está dependente da consumação ou não da lesão imposta pelo acto recorrido;
– que aos recorrentes não pode ser imposta a utilidade ou inutilidade do processo sob a forma de especulações prospectivas quanto à execução do julgado;
– a inexistência de ligação entre a utilidade do processo de recurso contencioso ao de execução de julgado tem sido defendida pela doutrina e pela jurisprudência;
– que pelo acto (supõe-se que o recorrente se reporta ao despacho do Relator) são postos em causa, para além das normas constitucionais referidas, os direitos fundamentais do recorrente ao seu bom nome e a liberdade de circulação, que constituem interesses primários e não secundários.
2 – Antes de mais, importa apreciar a questão da inutilidade superveniente da lide suscitada.
No art. 48.º da L.P.T.A. estabelece-se que «o acto ou facto que apenas faça cessar para futuro os efeitos de acto anterior não obsta à interposição ou ao prosseguimento de recurso, para sentença anulatória, em relação aos efeitos produzidos».
Este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender que, em situações deste tipo, só se justifica o prosseguimento do recurso, após a cessação de produção de efeitos pelo acto impugnado, quando estes efeitos sejam efeitos típicos do acto impugnado susceptíveis de serem eliminados como consequência da anulação contenciosa desse acto, por via da reposição natural da situação actual hipotética. (Neste sentido, podem ver-se os seguintes:
de 30-4-92, proferido no recurso n.º 26597, publicado em Apêndice ao Diário da República de 16-4-96, página 2697;
de 15-10-92, proferido no recurso n.º 26639, publicado em Apêndice ao Diário da República de 17-5-96, página 5606;
de 11-2-93, do Pleno, proferido no recurso n.º 26591, publicado em Apêndice ao Diário da República de 16-10-95, página 108, e em Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo, nº 386, página 208;
de 18-2-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 28433, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.° 474, página 202;
de 1-10-98, proferido no recurso n.º 32780;
de 14-1-99, proferido no recurso n.º 28669, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.° 483, página 75.)
No caso em apreço, porém, estando-se perante um acto que aplicou uma sanção administrativa, não se pode falar de uma total eliminação no futuro dos efeitos do acto recorrido, como efeito do decurso do prazo de proibição referido.
Na verdade, a aplicação de uma sanção, independentemente dos efeitos directos por ela visados, é susceptível de produzir também efeitos reflexos a nível do bom nome do visado, quando os factos em que estão subjacentes tiverem idoneidade para tal.
É isso o que sucede no caso dos autos, em que a sanção de proibição de entrada em salas de jogos teve por base a imputação ao recorrente de apropriação ilícita de fichas para utilização em máquinas de jogo, comportamento que, a comprovar-se, afecta o bom nome do recorrente.
Assim, numa situação deste tipo, o prejuízo para o bom nome do recorrente é um efeito directo e necessário da aplicação da sanção, não dependente do seu cumprimento, efeito esse que não é eliminado pelo decurso do prazo de proibição de entrada nas salas de jogos.
Por outro lado, o eventual provimento do recurso, com anulação do acto recorrido, poderá, só por si, independentemente de execução de julgado, ter efeitos a nível da reposição do bom nome do recorrente, pois ele defende no presente recurso, além do mais, não estarem provados que revelem a apropriação de fichas que não lhe pertencessem e não ter praticado factos com consciência da sua ilicitude (arts. 39.º a 41.º e 51.º a 58.º da petição de recurso e parágrafo 4.º da conclusão 6.ª das alegações).
Nestas condições, o recurso contencioso é de considerar um meio processual idóneo para eliminação daquele efeitos do acto recorrido, pelo que não pode concluir-se que seja inútil o seu prosseguimento após o decurso do prazo de proibição.
Para além disso, a existência ou não de uma sanção, pode relevar para efeito de graduação de ulteriores sanções, por outros factos, que eventualmente possam vir a ser aplicadas ao recorrente, pelo que tem de concluir-se que não é inútil apreciar se a decisão punitiva se deve ou não manter.
Assim, em matéria sancionatória, não se pode afirmar que a persistência ou não do acto que aplica a sanção é inútil, mesmo que se trate de uma pena já cumprida.
Termos em que acordam em julgar que não se verifica inutilidade superveniente da lide.
3 – Com base nos elementos que constam do processo principal e do processo instrutor, consideram-se provados os seguintes factos com interesse para a decisão da causa:
a) No dia 18 de Março de 1999, o recorrente encontrava-se na sala de máquinas automáticas do Casino do Estoril.
b) Nesse mesmo dia, por volta das 19 horas, os operadores das câmaras de controlo elaboraram a comunicação que consta de fls. 8 do volume II do processo instrutor, nos seguintes termos:
DE: C.C.T.V.
PARA : DIRECÇÃO DOS SERVIÇOS DE JOGOS
DATA : 99.03.18
ASSUNTO : OCORRÊNCIA NA S.M.A.
Cerca das 18h40 visionamos um indivíduo que já constava no nosso arquivo de fotografias devido ao seu comportamento suspeito.
Às 18:40:38, após andar a circular junto das máquinas do DCU 45, repara que a máquina 4509 está desocupada, dirige-se a ela e apropria-se de algo que estava no seu prato, retirando-se imediatamente do local.
Ao visionarmos o comportamento do suspeito, reparamos que este indivíduo percorre a S.M.A. a olhar constantemente para as máquinas,
Às 18:42:55, o indivíduo dirige-se junto à máquina 0707, repara que não se encontra ninguém a jogar nela, efectua duas jogadas sem ter depositado fichas, carrega no botão de desmarcar créditos e apropria-se das fichas que caem no prato da máquina, abandonando de imediato o local e dirigindo-se à máquina 0830, joga na mesma com fichas que possivelmente se tinha apropriado nos casos atrás descritos. Ao deixar a máquina 0830, continua a vaguear pela Sala e repara que na máquina 0524 não se encontrava ninguém a jogar, ao chegar junto dela, carrega no botão de jogada e joga sem ter depositado fichas na respectiva ranhura, abandonando-a de seguida indo na direcção da Sala de jogos Tradicionais
Entrámos de imediato em contacto com o Sr. B... e o Dr. C..., que nos instruíram no sentido de alertarmos o Sr. D... do sucedido, dirigindo-se este à Régie para identificação do suspeito.
Situação gravada na cassete N9-7.
(Assinaturas)
E... F...
c) O recorrente era a pessoa a quem de reportava a comunicação referida na alínea anterior;
d) Na sequência da comunicação referida, o Senhor Director do Serviço de Jogos daquele casino mandou o recorrente retirar-se da sala de máquinas automáticas, por considerar inconveniente a sua presença, e solicitou ao Senhor Inspector da Inspecção-Geral de Jogos em serviço na zona de Jogos do Estoril que confirmasse a medida adoptada e fosse decretada a proibição preventiva de acesso do recorrente às Salas de Jogo (fls. 7 do II volume do processo instrutor);
e) Com base nesta comunicação, foi instaurado na Inspecção-Geral de Jogos o Processo de Averiguações n.º 118/99, que consta do volume II do processo instrutor;
f) Em 21-3-99, o Senhor Assessor Principal, no uso de competência delegada pelo Senhor Subinspector-Geral de Jogos proferiu o seguinte despacho (fls. 6 do processo instrutor):
1. No uso da competência subdelegada pelo Sr. Subinspector-Geral de Jogos Dr. ..., pelo Despacho nº 20 806 (2ª série), de 13 de Novembro de 1998, publicado no D.R. n.º 275, II Série, de 27 do mesmo mês, determino que se proceda a averiguações na sequência - da participação anexa à carta n.º 135/DJS/99, de 19 de Março corrente, do Director do Serviço de Jogos do Casino do Estoril, a fim de se apurar se existe fundamento que justifique a proibição do acesso às salas de jogos, relativamente ao frequentador A..., melhor identificado na ficha anexa.
2. Nos termos do artº 37º do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 Dezembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro, e tendo em vista o disposto no seu nº 3, confirmo a expulsão determinada pelo Sr. Director do Serviço de Jogos, pelo que deve manter-se a interdição do acesso às salas de jogos deste Casino ao referido frequentador até decisão do processo de averiguações ora mandado instaurar, do que devem ser notificados a Estoril-Sol, S.A, e o citado frequentador.
3. A instrução fica a cargo do signatário.
Casino do Estoril, 21 de Março de 1999.
O COORDENADOR DA EQUIPA,
(Assinatura)
G...
(Assessor Principal)
g) Em 31-3-99, no Processo de Averiguações referido, foi efectuado o visionamento da cassete N9-7 [referida na alínea b)] e elaborado auto, nos seguintes termos (fls. 16 do II volume do processo instrutor):
AUTO DE VISIONAMENTO DE CASSETE DE IMAGEM
– Aos 31 de Março de 1999, eu, G..., assessor principal da Inspecção-Geral de Jogos, procedi ao visionamento das imagens gravadas na cassete N9-7, de 99-03-18, no Gabinete do C.C.T.V. da salas de jogos do Casino do Estoril, na presença e com a colaboração do empregado da Estoril-Sol, S.A., ali em serviço, o operador Sr. E..., relacionadas com o comportamento do frequentador A..., na sala de máquinas automáticas do Casino do Estoril, na partida do dia 18 de Março de 1999, tendo observado o seguinte:
– Às 18 horas, 40 minutos e 33 segundos, o referido frequentador aproxima-se da máquina 4509, que se encontra desocupada, e apropria-se de algo que estava no seu prato, retirando-se a seguir;
– Às 18 horas, 42 minutos e 56 segundos, vai junto da máquina 0707, repara que não se encontra ninguém a jogar nela, efectua duas jogadas sem ter introduzido fichas, carrega no botão de descarregar créditos e apropria-se das fichas que caem no prato da máquina;
– Ás 18 horas, 43 minutos e 21 segundos, chega à máquina 0830, faz uma jogada e retira-se;
– Às 18 horas, 44 minutos e 10 segundos, vai à máquina 0524, que se encontra desocupada, faz jogadas sem introduzir fichas usando créditos nela existentes, após o que se retira.
Para constar, lavrei o presente auto que vai assinado pelo empregado da Estoril-Sol, S. A., acima mencionado, e, por mim, que o dactilografei.
(assinaturas)
h) Notificado pelo Senhor Instrutor do Processo de Averiguações para exercer o direito de audiência e defesa, nos termos que constam de fls. 19 do II volume do processo instrutor, o ora recorrente requereu o visionamento da referida cassete e, depois, em 4-5- 99, apresentou naquele processo um documento que consta de fls. 32 do II volume do processo instrutor, em que afirma o seguinte:
1. O comportamento que lhe é atribuído junto da máquina 4509 é falso, porque de nada se apropria.
2. O comportamento que lhe é atribuído junto da máquina 0707 não corresponde igualmente à verdade.
2.1. De facto, não há, em primeiro lugar, qualquer comportamento prévio para se certificar que a máquina se encontra desocupada.
2.2. A ela se dirige normalmente, carregando nas respectivas teclas em gestos mecânicos e, portanto, não premeditados.
2.3. Desses gestos mecânicos veio a verificar-se, posteriormente, que deram origem a que a mesma máquina descarregasse algumas fichas.
2.4. É evidente que, face a tal situação, fez suas as respectivas fichas, ficando por se saber se a máquina se encontrava eventual e momentaneamente avariada (com algum problema mecânico ou eléctrico) para que tal sucedesse.
2.5. É evidente que, em semelhantes situações, que acontecem amiudamente, ninguém vai fazer entrega das fichas assim obtidas.
3. O comportamento atribuído junto da máquina 0524 é em tudo igual ao apontado no ponto nº.2, imediatamente anterior, pelo que aqui se dá por reproduzido o que ali se deixou referido.
Nestes termos, os comportamentos atribuídos ao ora respondente não podem fundamentar a sua proibição de entrar nas salas de jogos dos casinos, pelo que devem os autos ser arquivados sem quaisquer consequências.
i) Em 11-5-1999, o Senhor Instrutor do Processo de Averiguações elaborou relatório nos seguintes termos (fls. 45-47 do II volume do processo instrutor):
RELATÓRIO
1. A ESTORIL-SOL, S.A., empresa concessionária da zona de jogo do Estoril, veio solicitar a proibição do acesso às salas de jogos do Casino do Estoril do frequentador A..., melhor identificado a fls. 7, com fundamento nos factos constantes da participação de ocorrência do C.C.T.V. e do relatório diário do Chefe da sala de máquinas automáticas do referido Casino e constam dos documentos de fls. 4 e 5.
2. De acordo com os citados documentos e os demais elementos de prova existentes nos autos, designadamente o auto de visionamento das imagens gravadas na cassete N9-7, de fls. 12, bem como os autos de declarações do Operador do C.C.T.V. Sr. E..., de fls. 13, e do Subchefe da sala de máquinas automáticas Sr. D..., de fls. 14, na partida do dia 18 de Março de 1999, na sala de máquinas automáticas do Casino do Estoril, o A... adoptou o seguinte comportamento:
Às 18 horas, 40 minutos e 33 segundos, aproximou-se da máquina 4509, que se encontrava temporariamente desocupada, e apropria-se de algo que estava no prato da mesma, retirando-se a seguir;
Às 18 horas, 42 minutos e 56 segundos, foi junto da máquina 0707, certificou-se de que estava desocupada, efectua duas jogadas sem introduzir fichas, servindo-se dos créditos nela existentes, prime a tecla de descarregar créditos e apropria-se das fichas que caiem no prato da máquina;
Às 18 horas, 44 minutos e 10 segundos, vai junto da máquina 0524, que se encontrava desocupada, fez jogadas sem introduzir fichas, usando os créditos existentes, após o que se retirou.
3. Por despacho do Coordenador da Equipa de Inspecção, de 99-03-21, de fls. 2, foi confirmada a expulsão determinada pelo Director do Serviço de Jogos, ficando, assim, preventivamente interdita a entrada do A... nas salas de jogos deste Casino, conforme disposto no nº 3 do artº 37º do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro, até decisão do presente processo de averiguações que, pelo referido despacho, foi mandado instaurar.
4. Notificado dos factos que lhe são imputados, através do oficio nº 441, de 99.04.05, de fls. 15, para vir aos autos alegar em sua defesa o que tivesse por conveniente, o frequentador, anteriormente à apresentação da defesa:
Por requerimento de fls. 19, veio solicitar certidão de fls. 4, 5 e 12 dos autos, bem como o “visionamento do filme no qual se baseou a imputação de determinados comportamentos ao ora requerente”, o que foi deferido por despacho de fls. 20, transmitido pelo ofício nº 507, de 99-04-19, de fls. 21, tendo visionado a cassete N9-7, acompanhado do Advogado Dr. ..., no dia 29 de Abril de 1999, pelas 22 horas e 10 minutos, conforme se encontra assinalado a fls. 22;
Por requerimento de fls. 23, solicitou “que a cassete N9-7 donde constam os comportamentos atribuídos àquele seja mantida em arquivo nessa Inspecção-Geral até à conclusão dos presentes autos, e ainda por se mostrar necessária aos autos de processo crime que o averiguado intentou contra B... em 14.ABR.99, por factos relacionados com o presente”;
Por despacho de fls. 25, transmitido ao averiguado pelo oficio nº. 536, de 99-04-29, de fls. 26, tal requerimento foi deferido quanto à manutenção em arquivo da cassete N9-7 até à conclusão dos presentes autos, sendo informado de que a decisão a tomar relativamente à manutenção em arquivo da referida cassete por motivos relacionados com o processo crime que alega ter intentado contra B... ficará dependente da apresentação de documento comprovativo da entrega no Ministério Público da respectiva queixa crime.
Em 4 de Maio de 1999, o A... fez entrega nos autos das alegações de defesa de fls. 28 e 29, bem como de fotocópia de certidão que integra os documentos da queixa crime apresentada no Ministério Público do Tribunal Judicial de Cascais contra B..., que constituem as fls. 30 a 38.
5. Sobre os documentos relativos à queixa crime, foi o A... informado, pelo oficio nº 583, de 99-05-11, de fls. 40, que o presente processo vai ser remetido ao Senhor Inspector-Geral de Jogos, para decisão, conjuntamente com a cassete N9-7 que ficará à guarda destes autos, cumprindo àquela entidade pronunciar-se sobre pedidos da sua guarda à ordem de eventuais processos crime que deseje apresentar e tenham acolhimento no Ministério Público, relacionados com a matéria em análise.
6. Quanto à matéria que lhe é imputada, no oficio de fls. 15, o A... respondeu nos termos que constam do documento de fls. 28 a 29, onde, em resumo, afirma que os factos que lhe são atribuídos não correspondem à verdade, não obstante as imagens filmadas na aludida cassete não deixarem margem para dúvidas, mas acaba por confessar que fez suas as fichas que fez descarregar na máquina 0707, acrescentando que “em semelhantes situações, que acontecem amiudamente, ninguém vai fazer entrega das fichas assim obtidas”, querendo com isso significar que acha normal apoderar-se de dinheiro que não lhe pertence, abandonado nas máquinas, e que, nos termos do artº 66º, nº 5 do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº l0/95, de 19 de Janeiro, é propriedade da misericórdia local a quem deve ser entregue pela empresa concessionária do Casino, até ao dia 10 de cada mês, em relação aos valores referentes ao mês anterior, mediante depósito bancário.
E, a concluir pelos documentos que entregou no Ministério Público de Cascais, de fls. 30 a 38, também considera que é crime o facto de o Director do Serviço de Jogos Sr. B... o ter mandado retirar das salas de jogos do Casino, pelos factos que lhe são imputados, no uso dos poderes que lhe são conferidos pelo artº 37º do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro.
7. “Os casinos são estabelecimentos do domínio privado do Estado ... que visam fundamentalmente assegurar a honestidade do jogo, a concentração e comodidade dos jogadores e uma oferta turística de alta qualidade (nº 1 do artº 27º do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro);
8 . O acesso às salas de jogos de fortuna ou azar é reservado não devendo ser permitida a frequência por pessoas que “possam ... causar estragos e incomodar os demais utentes do casino com o seu comportamento” (vide artº 29º, nº 2, alíneas d) e e) do referido Decreto-Lei nº 422/89).
9. Ora, o A... não respeitou aqueles requisitos e o seu comportamento descrito constitui motivo suficiente para considerar inconveniente a sua presença nas salas de jogos dos casinos.
10. Ponderados os factos e as circunstâncias descritas, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 29º, 36º e 38º, todos do citado Decreto-Lei nº 422/89, na redacção dada pelo também citado Decreto-Lei nº 10/95, proponho que o frequentador A... seja proibido de entrar nas salas de jogos de todos os casinos do País, pelo período de UM ANO, contado, quanto ao Casino do Estoril, desde 18 de Março de 1999, data da respectiva interdição preventiva.
Inspecção junto do Casino do Estoril, 1999-05-11
O INSTRUTOR,
G... (Assessor Principal)
j) Em 18-5-99, o Senhor Inspector-Geral de Jogos proferiu despacho nos seguintes termos (fls. 49 do II volume do processo instrutor):
1. Concordo com o relatório de fls. 41 a 43, dos presentes autos, que aqui dou por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
2. Assim, com os fundamentos de facto e de direito aí expressos, proíbo o frequentador A..., melhor identificado a fls. 7, de entrar nas salas de jogos de todos os casinos do País, pelo período de UM ANO, contado, quanto ao casino do Estoril, desde 18 de Março de 1999, data da respectiva proibição preventiva.
Notifique-se
Inspecção-Geral de Jogos, em Lisboa, 18 de Maio de 1999
O INSPECTOR-GERAL DE JOGOS,
......
k) Em 12-7-1999, o ora recorrente interpôs recurso hierárquico do despacho referido na alínea anterior para o Senhor Ministro da Economia;
l) Em 6-8-99, o Senhor Inspector-Geral de Jogos, em substituição, elaborou a seguinte informação, nos termos do art. 172.º do Código do Procedimento Administrativo (fls. 1 a 4 do processo instrutor):
1. - Vem o presente recurso hierárquico interposto do despacho proferido em 18 de Maio de 1999 pelo Senhor Inspector-Geral de Jogos que proibiu o aqui Recorrente, A..., de entrar nas salas de jogos de todos os casinos do País, pelo período de um ano.
2. - O recurso é o próprio, foi atempadamente apresentado e mostra-se interposto por quem tem legitimidade.
3. - Compulsados os autos, constata-se que, na verdade, o Recorrente não foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artº 68º, nº 1, al.) c), do Código do Procedimento Administrativo; pelas razões que aduz, entendemos que é desculpável o erro na apresentação do presente recurso que deveria ter sido dirigido ao Excelentíssimo Senhor Secretário de Estado do Turismo ao qual deverá, assim, ser remetido o processo. Dest’arte, sempre se haveria de considerar sanada qualquer nulidade ou irregularidade na notificação ou outra eventualmente cometida até à apresentação da defesa.
4. - O Recorrente foi convidado a pronunciar-se sobre os factos que lhe eram imputados (cfr. fls. 15) e no exercício desse direito requereu diligências de prova (cfr. fls. 19), assistiu à realização das mesmas acompanhado do seu advogado (fls. 22), consultou o processo e apresentou a defesa junta a fls. 28 na qual - e no que releva para apreciação e valoração da sua conduta - confessou os factos de que vinha acusado e a necessidade de aplicação da medida que lhe foi aplicada, temendo-se agora que a duração da mesma não seja suficiente para alcançar o fim visado pela lei.
5. - Com efeito e como abundantemente vem fundamentado na decisão recorrida, foi convicção do instrutor do processo e do Senhor Inspector-Geral de Jogos que a proibição de entrada pelo período de um ano nas salas de jogos de todos os casinos seria suficiente para demover o aqui Recorrente de repetir práticas manifestamente violadoras das normas que regem o jogo e colocam em crise a oferta turística de alta qualidade que deve ser proporcionada pelos casinos (cfr. nº 1, artº 27º do DL 422/89, de 2/12).
O arguido já havia confessado na sua defesa todos os factos que lhe foram imputados; ali alegou o ora Recorrente (cfr. fls. 28):
« 2.2. A ela (referindo-se à máquina de jogo) se dirige normalmente, carregando nas respectivas teclas em gestos mecânicos e, portanto, não premeditados.
2.3. Desses gestos mecânicos veio a verificar-se, posteriormente, que deram origem a que a mesma máquina descarregasse algumas fichas.
2.4. E evidente que, face a tal situação, fez suas as respectivas fichas ...
2.5. É evidente que, em semelhantes situações, que acontecem amiudamente, ninguém vai fazer entrega das fichas assim obtidas.
3. O comportamento atribuído junto da máquina 0524 é em tudo igual ao apontado no ponto nº 2, imediatamente anterior, pelo que aqui se dá por reproduzido o que ali se deixou referido.»
Revelava assim o aqui Recorrente desconhecer a lei (v.g. o destino dessas verbas) e regras que nos parecem ser de elementar convivência cívica que tinha obrigação de conhecer e respeitar (pense-se num frequentador que tenha de se ausentar por alguns minutos ... ao bar ... ao WC ...); ora, a necessidade da medida decretada é agora redobrada pois vem claramente o Recorrente litigar contra norma expressa de que lhe foi dado conhecimento (cfr. fls. 42, e designadamente o seu ponto 6).
6. - Acrescenta agora o Recorrente factos que não alegou em sede própria, nem se vislumbra que a sua prova fizesse inquinar de qualquer vício o acto recorrido. Doutro passo, como se alcança do artº 52º, do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção que a este foi dada pelo Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro, à concessionária incumbe destruir as gravações nos trinta dias seguintes ao da sua obtenção, salvo se contiverem matéria de investigação ou susceptível de o ser e, por isso, se devam manter por mais tempo; assim sendo, agiu a concessionária no cumprimento de um dever destruindo as gravações que, segundo o próprio Recorrente, não continham matéria susceptível de investigação pelo que se não vislumbra fundamento para a invocada irregularidade na destruição da gravação.
7. - Resulta abundantemente da alegação de recurso que o Recorrente conhece e entendeu cabalmente as razões que determinaram a aplicação da medida de inibição e a duração da mesma é benévola face à gravidade da conduta, confessadamente repetida no curto espaço de 4 minutos em duas máquinas, e a preocupante dificuldade demonstrada pelo Recorrente em aceitar a evidente gravidade dos factos que confessou. O Recorrente aceita os factos, confessa que agiu voluntária e conscientemente e «fez suas as ... fichas» que, nos termos do artº 66º, nº 5, do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção que a este foi dada pelo Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro, eram propriedade da misericórdia local, “in casu” da Misericórdia de Cascais. Ademais, parece-nos do mais elementar bom senso o conhecimento de regras tão básicas como a ilicitude de actos que se traduzam na apropriação de bens ou fichas que se encontrem em máquinas de jogo ou em qualquer outro local, não se entendendo que para tal seja necessário colocar avisos sob pena de transformarmos a paisagem ambiental num painel de avisos, desculpabilizando sucessivamente o cidadão pelo desconhecimento da lei e de valores que se reputam de elementares em qualquer sociedade e, por isso, desde muito cedo são transmitidos e assimilados pelos seus membros.
8. - Não se conhece que haja sido declarada a inconstitucionalidade de qualquer comando normativo do diploma a que se alude no ponto 8, estando os órgãos da Administração submetidos ao princípio da legalidade que os vincula a actuar em obediência à lei e ao direito e dentro dos limites dos poderes que lhe estejam atribuídos.
9. - Face ao exposto e ao que mais se alcança dos autos, designadamente do relatório de fls. 41, 42 e 43 que faz parte integrante do despacho recorrido, entendo que o recurso deve ser remetido a Sua Excelência o Senhor Secretário de Estado do Turismo, admitido e ao mesmo negado provimento.
Inspecção-Geral de Jogos, em Lisboa, 1999-08-06.
O INSPECTOR-GERAL DE JOGOS, EM SUBSTITUIÇÃO
....
m) Em 5-11-99, o Senhor Assessor Jurídico Principal elaborou o Parecer n.º 63/GJ/99, que consta de fls. 47 a 72 do I volume do processo instrutor, cujo teor se dá como reproduzido, em que propõe o provimento parcial do recurso hierárquico, com redução da sanção «a um terço da sua duração»;
n) Em 23-11-99, o Senhor Inspector-Geral de Jogos, confrontado com o Parecer referido na alínea anterior, manteve a posição assumida na informação de 6-8-1999, nos termos que constam de fls. 33 a 36 do processo instrutor, cujo teor se dá como reproduzido;
o) Em 14-12-99, o Senhor Assessor Jurídico que elaborou o Parecer n.º 63/GJ/99, elaborou o Parecer n.º 63-A/GJ/99, que consta de fls. 17 a 23 do I volume do processo instrutor, cujo teor se dá como reproduzido, em que mantém a posição assumida naquele primeiro Parecer;
p) Em 3-1-2000, o Senhor Secretário de Estado do Turismo proferiu o Despacho n.º 7/2000/SET, que consta de fls. 15 do I volume do processo instrutor, nos seguintes termos:
Nos termos e fundamentos da informação de 06.08.99 da Inspecção-Geral de Jogos, elaborada ao abrigo do disposto no artº 172.º do CPA, indefiro o recurso hierárquico interposto pelo recorrente A..., do despacho de 18.05.99 do Senhor 1nspector-Geral de Jogos, que "proibiu o recorrente de entrar nas salas de jogos de todos os casinos do pais, pelo período de um ano".
Notifique-se o recorrente, com conhecimento ao Senhor Inspector-Geral de Jogos, para os devidos efeitos.
Lisboa, 03.01.2000
O Secretário de Estado do Turismo,
(...)
4 – Apreciar-se-ão os vícios imputados pelo recorrente ao acto recorrido, pela ordem referida no art. 57.º da L.P.T.A., como o recorrente manifesta expressamente pretender (petição de recurso, a fls. 12 verso).
A apreciação restringir-se-á aos vícios indicados nas conclusões das alegações, pois, como resulta do n.º 3 do art. 684.º do C.P.C., aplicável por força do art. 1.º da L.P.T.A., são as conclusões que delimitam o objecto do recurso e, como é jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal Administrativo, consideram-se abandonados vícios indicados na petição de recurso que não sejam levados às conclusões das alegações. (Neste sentido podem ver-se os seguintes acórdãos:
– de 1-3-90, proferido no recurso n.º 19404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 12-1-95, página 1517
– de 18-10-90, proferido no recurso n.º 17228, publicado em Apêndice ao Diário da República de 22-3-95, página 5908;
– de 14-11-95, proferido no recurso n.º 32732, publicado em Apêndice ao Diário da República de 30-4-98, página 8789
– de 11-7-96, proferido no recurso n.º 36414, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.° 459, página 323;
– de 23-1-96, proferido no recurso n.º 33823, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-8-98, página 385. )
Assim, seguir-se-á a ordem indicada nas conclusões, mas deixando para final o vício de falta de fundamentação, por ser o que assegura menos estável protecção dos direitos do recorrente, por a anulação com fundamento nele não ser incompatível com a renovação do acto punitivo.
5 – O recorrente suscita, em primeiro lugar, a questão da inconstitucionalidade orgânica do art. 38.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, por a lei de autorização legislativa em que se baseou a sua aprovação pelo Governo não permitir, fora do âmbito do processo contra-ordenacional, a previsão de aplicação de uma sanção administrativa limitadora da possibilidade de acesso aos locais de jogo, e se tratar de matéria relativa ao estado e capacidade das pessoas e direitos, liberdades e garantias, inseridas na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República [art. 168.º, n.º 1, alínea a), e b), da C.R.P., na redacção de 1982].
O n.º 1 do art. 168.º da C.R.P., na redacção de 1982, estabelecia que «é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo: a) Estado e capacidade das pessoas; b) Direitos, liberdades e garantias».
A referência ao estado e capacidade das pessoas reporta-se ao regime do direito civil relacionado com as relações familiares e com a as incapacidades gerais para o exercício de direitos, pelo que não estará no seu âmbito a matéria do exercício de direitos sociais, em que se inclui o direito ao jogo.
O direito ao jogo não é incluído entre os direitos, liberdades e garantias, nem entre os direitos económicos e sociais constitucionalmente identificados, pelo que o estabelecimento do seu regime legal não estará incluído na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, no âmbito da referida alínea b).
Por isso, desde logo, as normas constitucionais invocadas pelo recorrente não faziam depender de autorização legislativa o estabelecimento pelo Governo do regime legal de acesso às salas de jogo.
De qualquer forma, no que interessa ao caso em apreço, a actividade legislativa do Governo, ao aprovar o Decreto-Lei n.º 422/89, tem cobertura em lei de autorização legislativa.
Com efeito, o Decreto-Lei n.º 422/89 foi aprovado pelo Governo ao abrigo da autorização legislativa concedida pelos artigos 1.° e 2.° da Lei n.° 14/89, de 30 de Junho, que estabelecem o seguinte, no que aqui interessa:
Artigo 1.º
Objecto
É concedida ao Governo autorização para proceder à revisão da legislação que disciplina a exploração e prática dos jogos de fortuna ou azar em casinos.
Artigo 2.º
Sentido e extensão
A autorização referida no artigo anterior tem o seguinte sentido e extensão:
1) No âmbito da acção fiscalizadora da Inspecção-Geral de Jogos sobre a exploração e prática de jogos de fortuna ou azar, atribuir-lhe competência para:
a) Sancionar as infracções administrativas das concessionárias, as infracções das normas sobre a prática do jogo por parte dos trabalhadores que prestam serviço nas salas de jogos e dos ilícitos de contra-ordenação social da responsabilidade dos frequentadores das mesmas salas;
b) Aplicar medidas preventivas e cautelares de inibição de acesso às salas de jogos;
c) Consultar livros e documentos da escrituração comercial das empresas concessionárias das zonas de jogo;
d) Levantar autos de notícia por infracções previstas em diplomas legais que disciplinam a exploração e prática dos jogos;
2) Quanto às condições de acesso às salas de jogos de fortuna ou azar:
(............................................................................................................)
d) Definir as condições em que podem ser expulsos das salas de jogos e proibidos de elas entrar os indivíduos cuja presença seja inconveniente;
(............................................................................................................)
7) Considerar as irregularidades praticadas pelos frequentadores das salas de jogos como actos ilícitos de mera ordenação social, fixando as coimas a aplicar e a pena acessória de proibição de entrada nas mesmas salas nos seguintes termos:
a) Por violação das regras dos jogos, coima mínima de 30000$00 e máxima de 300000$00 e proibição de entrada nas salas de jogos até 3 anos;
b) Por violação da privacidade, fazendo reportagens nas salas de jogos, coima mínima de 2000$00 e máxima de 20000$00 e proibição de entrada nas salas de jogos até 2 anos;
c) Por entrada irregular nas salas de jogos, coima mínima de 5000$00 e máxima de 50000$00 e proibição de entrada nas salas de jogos até 2 anos;
d) Por concessão de empréstimos nos casinos e seus anexos, coima correspondente ao triplo da importância mutuada e proibição de entrada nas salas de jogos de 3 a 5 anos;
e) Por actos perturbadores do desenrolar normal da partida, coima mínima de 10000$00 e máxima de 100000$00 e proibição de entrada nas salas de jogos até 2 anos.
Como se vê pela alínea d) do n.º 2 do art. 2.º, em que se define o sentido e extensão da autorização legislativa, foi concedida ao Governo autorização para «definir as condições em que podem ser expulsos das salas de jogos e proibidos de nelas entrar os indivíduos cuja presença seja inconveniente».
O art. 38.º do Decreto-Lei n.º 422/89, em que se definem essas condições, estabelece o seguinte:
Artigo 38.º
Proibição de acesso
1 - Por sua iniciativa, ou a pedido justificado das concessionárias, ou ainda dos próprios interessados, o inspector-geral de Jogos pode proibir o acesso às salas de jogos a quaisquer indivíduos, nos termos do presente diploma, por períodos não superiores a cinco anos.
2 - Quando a proibição for meramente preventiva ou cautelar, não excederá dois anos e fundamentar-se-á em indícios reputados suficientes de ser inconveniente a presença dos frequentadores nas salas de jogos.
3 - Das decisões tomadas pelo inspector-geral de Jogos, por força do disposto neste artigo e nos artigos 29.º, 36.º e 37.º, cabe recurso para o membro do Governo da tutela, nos termos da lei geral. ( Redacção inicial, alterada, quanto ao n.º 3, pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, que não tem relevo para a apreciação do ponto que se está a tratar. )
Como se conclui pelo n.º 2 deste art. 38.º, em que se prevê a existência de indícios de ser inconveniente a presença dos frequentadores nas salas de jogos como um fundamento da proibição preventiva, essa inconveniência de presença será também um dos fundamentos para proibição como sanção, prevista no n.º 1, pois não se compreenderia que pudesse ser aplicada uma sanção preventiva, com base em meros indícios de uma conduta, se não fosse aplicável pela prática da mesma uma sanção idêntica na decisão final do procedimento, com base na prova fornecida pela instrução.
Assim, a inconveniência da presença dos frequentadores nas salas de jogos, é um dos fundamentos do «pedido justificado das concessionárias» a que alude o n.º 1 deste último artigo.
Sendo assim, conclui-se que a aplicação da sanção prevista no n.º 1 do art. 38.º tem suporte na referida alínea d) do n.º 2 do art. 2.º da lei de autorização legislativa, pois definem-se nele «as condições em que podem ser expulsos das salas de jogos e proibidos de nelas entrar os indivíduos cuja presença seja inconveniente», estabelecendo-se que essa expulsão e proibição são decididas pelo Inspector-Geral de Jogos, sendo um dos casos em que estas são permitidas a inconveniência da presença do frequentador nas salas de jogo.
Por outro lado, como se vê pelo n.º 7 do art. 2.º da Lei de autorização legislativa, a inconveniência da presença do frequentador nas salas de jogo não integra qualquer das hipóteses de contra-ordenação aí previstas, pelo que é de concluir que, independentemente da aplicabilidade da sanção acessória de proibição de acesso a salas de jogos, a alínea d) no n.º 2 do art. 2.º ao aludir admitir a expulsão e proibição com fundamento na mera inconveniência da presença está, forçosamente, a admitir a aplicação dessas sanções fora do âmbito do processo contra-ordenacional.
Assim, é de concluir que a referida lei de autorização legislativa autorizava o Governo a legislar sobre o regime da expulsão das salas de jogos e proibição de entrada nelas de pessoas cuja presença fosse inconveniente, fora do âmbito dos processos contra-ordenacionais, pelo que não se verifica a inconstitucionalidade orgânica do art. 38.º do Decreto-Lei n.º 422/89.
6 – Em alternativa à inconstitucionalidade daquele art. 38.º, o recorrente defende que é inconstitucional a lei de autorização legislativa, por violação do art., 168.º, n.º 2, da C.R.P., na redacção de 1982, por não fixar de forma clara o seu sentido e objecto, dada a identidade da medida proibição de entrada em salas de jogos com a sanção contra-ordenacional prevista no n.º 7 do referido art. 2.º da Lei n.º 14/89, de 30 de Junho.
Aquele art. 168.º, n.º 2, na redacção de 1982, estabelecia que «as leis de autorização legislativa devem definir o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização, a qual pode ser prorrogada».
Este n.º 7 prevê várias situações de contra-ordenações a que pode ser aplicada a sanção acessória de proibição de entrada em salas de jogos. É esta a disposição daquela Lei 14/89 que se reporta a matéria contra-ordenacional..
O n.º 2 do mesmo art. 2.º, relativo às «condições de acesso às salas de jogos de fortuna ou azar» prevê também a possibilidade de ser decidida a proibição do acesso a salas de jogos fora do âmbito do processo contra-ordenacional.
Para além disso, neste n.º 2, além da proibição de entrada com fundamento na inconveniência, prevê-se também a possibilidade de o Governo legislar no sentido da proibição de acesso de vários titulares de cargos públicos, funcionários, militares, menores, incapazes, empregados de casinos e portadores de armas e explosivos, todas elas situações em que a proibição não está dependente da prática de qualquer ilícito contra-ordenacional.
Por isso, é inequívoco o sentido da Lei n.º 14/89 autorizar o Governo não só a prever a proibição de entrada como sanção acessória de contra-ordenações, como a estabelecer um regime de proibição de várias pessoas independentemente da prática de qualquer contra-ordenação.
Consequentemente, não ocorre a invocada inconstitucionalidade desta Lei por falta de indicação clara do seu sentido e objecto.
7 – O recorrente defende também que o Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, enferma de inconstitucionalidade, por falta de autorização legislativa, ao alterar o regime dos arts. 36.º a 39.º do Decreto-Lei n.º 422/89.
Valem aqui as considerações que atrás se fizeram no que respeita à desnecessidade de autorização legislativa para o Governo legislar sobre o condicionamento do acesso às salas de jogo.
De qualquer forma, as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 10/95 nas normas indicadas pelo recorrente, não têm relevo no caso em apreço.
A redacção inicial do art. 36.º do Decreto-Lei n.º 422/89, era a seguinte:
Artigo 36.º
Restrições de acesso
1 - O acesso às salas de jogos de fortuna ou de azar é reservado, devendo o director do serviço de jogos ou a Inspecção-Geral de Jogos recusar a emissão de cartões de entrada aos indivíduos cuja presença nas mesmas salas considerem inconveniente, designadamente nos casos referidos no n.º 2 do artigo 29.º
2 - Independentemente do estabelecido no n.º 1, é vedada a entrada nas salas de jogos aos indivíduos:
a) Menores de 18 anos;
b) Incapazes, inabilitados e culpados de falência fraudulenta, desde que não tenham sido reabilitados;
c) Membros das forças armadas e das corporações paramilitares, de qualquer nacionalidade, quando se apresentem fardados;
d) Quando não em serviço, os empregados dos casinos explorados pela respectiva entidade patronal;
e) Portadores de armas, engenhos ou matérias explosivas, bem como de aparelhos de registo de imagem ou de som.
Como se vê, este artigo referia-se apenas à emissão de cartões de entrada nas salas de jogos e, independentemente dessa emissão, já era possível proibir o acesso daqueles cuja presença fosse inconveniente, ao abrigo do n.º 1 do art. 38.º, como se referiu.
Assim, mesmo que fosse inconstitucional a nova redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 10/95, o que teria como consequência a repristinação do regime anterior (art. 282.º, n.º 1, da C.R.P., na redacção vigente em 1995), tal inconstitucionalidade não teria qualquer efeito sobre a validade do acto recorrido.
Por isso, não tem relevo apreciar a constitucionalidade das alterações introduzidas pelo referido Decreto-Lei n.º 10/95 no citado art. 36.º.
Do art. 37.º só o n.º 3, relativo à proibição preventiva de acesso, foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 10/95, pelo que a alteração não releva para apreciação do presente recurso, que tem por objecto um acto final do procedimento, que decidiu uma proibição definitiva pelo período de dois anos.
Quanto ao art. 38.º, foi o seu n.º 1 que serviu de suporte à proibição de entrada do recorrente nas salas de jogos, disposição esta que também não foi alterada pelo Decreto-Lei n.º 10/95. O mesmo sucede com o n.º 2, que fornece elementos interpretativos sobre o alcance do n.º 1, como se referiu. Por isso, não se coloca em relação a este art. 38.º, no que concerne às normas em que se baseou a aplicação da sanção ao recorrente, a questão de inconstitucionalidade orgânica por falta de autorização legislativa relativa a este diploma.
O art. 39.º reporta-se aos documentos de acesso, pelo que também nada tem a ver com o caso em apreço.
Conclui-se assim que, em relação às normas que estão subjacentes ao acto recorrido (os n.ºs 1 e 2 do art. 38.º) não se coloca qualquer questão de inconstitucionalidade orgânica.
Em relação às disposições contidas nos arts. 36.º a 39.º do Decreto-Lei n.º 422/89 que foram alteradas pelo Decreto-Lei n.º 10/95, mas que não têm aplicação no caso em apreço, as questões de inconstitucionalidade orgânica suscitadas são questões de inconstitucionalidade abstracta, sem qualquer relevo no processo em apreço.
Ora, é ao Tribunal Constitucional e não ao Supremo Tribunal Administrativo que cabe pronunciar-se sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade abstracta de quaisquer normas – artigo 281º, nº 1, alínea a), da C.R.P. – no âmbito de processos próprios para tal efeito – artigos 51º e seguintes da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
Por isso, mesmo que se entendesse que o condicionamento do acesso às salas de jogo se inseria na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, o Supremo Tribunal Administrativo não poderia apreciar tais questões de inconstitucionalidade abstracta.
8 – O recorrente invoca também a violação pelo acto recorrido do princípio da proporcionalidade.
Não cabe no âmbito da violação deste princípio a eventual falta de prova dos factos que estiveram na base da decisão punitiva, pois essa falta poderia implicar vício de erro sobre os pressupostos de facto, e não de violação daquele princípio da proporcionalidade.
No entanto, o recorrente faz referência também à falta de prova da actuação que a Administração lhe imputou, pelo que tem de fazer-se também essa apreciação.
No que concerne à materialidade da infracção, ela deve dar-se por assente, no que concerne à utilização de créditos e apropriação de fichas que não lhe pertenciam.
É de pôr de lado, à partida, a imputação da apropriação «de algo» que estava no prato da máquina n.º 4509, pois não se faz qualquer referência ao que seja, não havendo prova de que não seja um toalhete, como o recorrente sustenta.
No entanto, no que concerne à máquina 0707, é imputado ao recorrente o seguinte:
– Às 18 horas, 42 minutos e 56 segundos, vai junto da máquina 0707, repara que não se encontra ninguém a jogar nela, efectua duas jogadas sem ter introduzido fichas, carrega no botão de descarregar créditos e apropria-se das fichas que caem no prato da máquina;
– Às 18 horas, 44 minutos e 10 segundos, vai à máquina 0524, que se encontra desocupada, faz jogadas sem introduzir fichas usando créditos nela existentes, após o que se retira.
Sobre esta imputação disse o ora recorrente, no processo administrativo:
– De facto, não há, em primeiro lugar, qualquer comportamento prévio para se certificar que a máquina se encontra desocupada;
– A ela se dirige normalmente, carregando nas respectivas teclas em gestos mecânicos e, portanto, não premeditados;
– Desses gestos mecânicos veio a verificar-se, posteriormente, que deram origem a que a mesma máquina descarregasse algumas fichas;
– É evidente que, face a tal situação, fez suas as respectivas fichas, ficando por se saber se a máquina se encontrava eventual e momentaneamente avariada (com algum problema mecânico ou eléctrico) para que tal sucedesse;
– É evidente que, em semelhantes situações, que acontecem amiudamente, ninguém vai fazer entrega das fichas assim obtidas.
Quanto à máquina 0524, o ora recorrente confirmou no procedimento administrativo que o seu comportamento «é em tudo igual» ao relativo à máquina 0707.
Tirando o que concerne à certificação prévia de que não estava ninguém a jogar na máquina, que é um pormenor sem importância apreciável, o ora recorrente confirma a materialidade dos factos que lhe são imputados, designadamente no que concerne à utilização para jogar de créditos que nela existiam e à apropriação de fichas que provenientes da descarga de créditos que nessas máquinas estavam carregados, afirmando mesmo que esta apropriação é uma conduta «evidente» e que é assim que fazem todas as pessoas.
A tese de que esses créditos que utilizou poderiam ser seus ou que poderia haver consentimento ou combinação com anteriores jogadores só aparece posteriormente, o que lhe retira qualquer credibilidade, pois, se assim fosse, e tratando-se de uma circunstância de primordial importância para a defesa do recorrente, não se compreenderia por que não a teria invocado, desde logo, ao exercer o seu direito de audiência.
No entanto, mesmo nas conclusões das alegações do presente recurso, que são a sua mais recente intervenção processual, o recorrente reconhece que a sua conduta «traduziu-se, tão-só, na utilização de toalhetes ali deixados para uso dos clientes e na utilização de créditos deixados nas máquinas a que se tinha dirigido para continuar a jogar» (conclusão 6.ª, parágrafo 4.º).
Assim, é evidente que não há qualquer razão para não considerar provado que o recorrente utilizou para jogar créditos deixados nas máquinas referidas por anteriores jogadores e se apropriou das fichas que as jogadas lhe proporcionaram.
Perante esta prova, resultante da coincidência do depoimento dos operadores com a confissão do recorrente, é irrelevante a falta da cassete com a gravação, uma vez que, mesmo sem ela, devem dar-se como provados os factos que o recorrente confessou, no que concerne à utilização para jogar de créditos que existiam nas máquinas e à apropriação de fichas que das jogadas resultaram, e são esses os factos em que se baseou a aplicação da sanção.
9 – Este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender, uniforme-mente, que a escolha e dosimetria das penas aplicadas pela Administração, efectuada dentro dos parâmetros legais, se insere no âmbito da discricionariedade técnica, só sendo sindicável a actividade da Administração pelos tribunais nos casos de erro manifesto ou quando se detecte uma violação dos princípios que devem reger a globalidade da actividade administrativa. (Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos:
de 25-6-1992, proferido no recurso n.º 29876, publicado no Apêndice ao Diário da República de 16-4-96, página 4311;
de 3-11-1992, proferido no recurso n.º 30795, publicado no Apêndice ao Diário da República de 17-5-96, página 6061;
de 20-4-1993, proferido no recurso n.º 30877, publicado no Apêndice ao Diário da República de 19-8-96, página 1895;
de 9-6-1993, proferido no recurso n.º 22496, publicado no Apêndice ao Diário da República de 19-8-96, página 3370;
de 8-7-1993, proferido no recurso n.º 28380, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 429, página 542, e no Apêndice ao Diário da República de 21-8-96, página 4035;
de 13-7-1993, proferido no recurso n.º 31124, publicado no Apêndice ao Diário da República de 21-8-96, página 4233;
de 21-4-1994, proferido no recurso n.º 32041, publicado no Apêndice ao Diário da República de 31-12-96, página 2982;
de 30-11-1994, proferido no recurso n.º 32500, publicado no Apêndice ao Diário da República de 18-4-97, página 8559;
de 7-2-1995, proferido no recurso n.º 34878, publicado no Apêndice ao Diário da República de 18-7-97, página 1327;
de 11-7-1995, proferido no recurso n.º 35687, publicado no Apêndice ao Diário da República de 27-1-98, página 6218;
de 11-6-1997, proferido no recurso n.º 38760, publicado no Apêndice ao Diário da República de 23-3-2001, página 4515;
de 1-7-1997, proferido no recurso n.º 41177, publicado no Apêndice ao Diário da República de 12-6-2001, página 5327;
de 23-9-1997, proferido no recurso n.º 40332, publicado no Apêndice ao Diário da República de 12-6-2001, página 6196;
de 9-10-1997, proferido no recurso n.º 40274, publicado no Apêndice ao Diário da República de 25-9-2001, página 6794;
de 18-2-1998, do Pleno, proferido no recurso n.º 35737, publicado no Apêndice ao Diário da República de 5-4-2001, página 278;
de 23-6-1998, do Pleno, proferido no recurso n.º 40332, publicado no Apêndice ao Diário da República de 12-4-2001, página 953;
de 1-7-1998, proferido no recurso n.º 39835;
de 18-2-1999, proferido no recurso n.º 37476;
de 4-3-1999, proferido no recurso n.º 36632, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 485, página 148
de 29-4-1999, proferido no recurso n.º 40579.)
Entre esses princípios inclui-se o da proporcionalidade, indicado no n.º 2 do art. 266.º da C.R.P. e enunciado no n.º 2 do art. 5.º do C.P.A., que estabelece que «as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar».
No art. 66.º do Decreto-Lei n.º 422/89 estabelece-se, no seu n.º 1, que «as importâncias ou fichas encontradas no chão, deixadas sobre as mesas ou abandonadas no decurso da partida e cujo dono não seja possível determinar serão logo entregues ao director do serviço de jogos, devendo os valores correspondentes ser entregues à misericórdia local, ou, na falta desta, à mais próxima, até ao dia 15 de cada mês, em relação aos valores referentes ao mês anterior, mediante depósito bancário».
No n.º 4 do mesmo artigo, estabelece-se que «caso o legítimo proprietário de alguma das importâncias ou fichas a que alude o n.° 1 se faça reconhecer e prove o seu direito até ao fim da partida, deverão as mesmas ser-lhe entregues».
No n.º 5 do mesmo artigo estabelece-se que «o disposto neste artigo é aplicável a situações idênticas que se verifiquem nas salas privativas de máquinas e de jogo do bingo».
Resulta destas disposições que os créditos abandonados nas máquinas de jogo, têm um destino legalmente previsto, que é a entrega do director de serviço de jogos, para ulterior entrega a misericórdia, ou a entrega a quem prove o seu direito sobre eles.
Assim, é clara a ilegalidade da actuação do recorrente ao utilizar esses créditos directamente em seu próprio proveito e ao apropriar-se das fichas proporcionados pela descarga dos mesmos.
Para além disso, a posição assumida pelo recorrente, ao defender que a apropriação das fichas referidas é uma conduta «evidente», com o sentido de atitude natural ou lógica e generalizada, demonstra deficiência da sua consciência ético-jurídica, pois, mesmo que ignorasse o exacto regime legal aplicável, deveria aperceber-se de que não era razoável que esse regime fosse o de quem encontrasse quaisquer créditos nas máquinas os poder fazer seus, pois a apropriação de bens de outrem sem criar condições para o seu titular os poder reaver é generalizadamente proibida e criminalmente punível (art. 209.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal).
Por outro lado, a posição adoptada pelo recorrente, ao defender a sua actuação como normal («evidente») e idêntica à que a generalidade das pessoas teriam nas mesmas circunstâncias, demonstra que os factos praticados não são primacialmente um fruto de circunstâncias exógenas excepcionais, antes se adequam perfeitamente à sua personalidade.
Neste contexto, não pode considerar-se injustificada a aplicação de uma sanção de proibição de entrada em salas de jogos, pois a conduta do recorrente revela falta de preparação para respeitar regras de conduta que nelas devem ser observadas e, ao apropriar-se de créditos de outros frequentadores, designadamente impedindo-os de exercer o direito que lhes assegura o n.º 4 do referido art. 66.º, é susceptível de incomodar estes.
Para além disso, a atitude assumida pelo recorrente no processo de averiguações, ao afirmar a normalidade da sua actuação, não deixava entrever a existência nele de uma intenção firme de, no futuro, se abster de condutas do tipo da referida. ( O que, aliás, se patenteia no presente recurso em que, já após a aplicação da sanção, o recorrente continua a defender que «é usual os frequentadores das salas de máquinas os casinos jogarem os créditos que são encontrados nas máquinas, ainda que vazias» e que essa «é uma reacção natural num local como a sala de jogos de um casino e que não é tido como violação de qualquer regra ou regulamento, tendo em especial atenção que na sala de jogo de máquinas do casino do Estoril não consta qualquer aviso bem visível advertindo os frequentadores de que tal conduta é proibida» (artigos 51.º e 52.º da petição de recurso) e nas alegações do presente recurso, apresentadas já depois de decorrido o período de proibição, continua a insistir que o visionamento da cassete demonstraria a correcção do seu comportamento (conclusão 6.ª, parágrafo 3) e que «parece ser de senso comum não se poder exigir de cada cliente que se dirige a uma máquina a obrigação de chamar um funcionário para que recolha créditos correspondentes a Esc. 25$, 50$, 100$ ou no máximo 200$, correndo o risco de perder o seu lugar, quando é de conhecimento geral que as máquinas são extremamente disputadas.» (conclusão 6.ª, parágrafo 5) )
Por outro lado, não se provou qualquer circunstância com efeito atenuante, designadamente que o recorrente tivesse um comportamento anterior melhor que o da generalidade dos frequentadores das salas de jogos.
Mesmo aceitando-se que o valor, não determinado, dos créditos utilizados fosse diminuto, a graduação da sanção em um ano, um quinto do limite máximo previsto na lei, não se afigura desproporcionada, atenta a repetição da actuação em duas máquinas, a referida forte adequação dos factos à personalidade do recorrente e a falta de qualquer indício de que o recorrente se convenceu da censurabilidade da sua conduta.
Assim, não ocorre violação do princípio da proporcionalidade.
10 – O recorrente sustenta também que o acto recorrido enferma de falta, insuficiência ou incongruência de fundamentação, de facto e de direito, violando o disposto nos arts. 124.º e 125.º, n.º 1, do C.P.A..
Segundo o recorrente, esta insuficiência e obscuridade da fundamentação do acto recorrido colocou-o, no que respeita à reacção contra o acto, numa situação similar à do destinatário de acto carente de fundamentação, dificultando o exercício do seu direito de defesa.
Os arts. 124.º e 125.º do C.P.A. estabelecem o seguinte:
ARTIGO 124.º
Dever de fundamentação
1 – Para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os actos administrativos que, total ou parcialmente:
a) Neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
b) Decidam reclamação ou recurso;
c) Decidam em contrário de pretensão ou oposição formulada por interessado, ou de parecer, informação ou proposta oficial;
d) Decidam de modo diferente da prática habitualmente seguida na resolução de casos semelhantes, ou na interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou preceitos legais;
e) Impliquem revogação, modificação ou suspensão de acto administrativo anterior.
2 – Salvo disposição da lei em contrário, não carecem de ser fundamentados os actos de homologação de deliberações tomadas por júris, bem como as ordens dadas pelos superiores hierárquicos aos seus subalternos em matéria de serviço e com a forma legal.
ARTIGO 125.º
Requisitos da fundamentação
1 – A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto.
2 – Equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
3 – Na resolução de assuntos da mesma natureza, pode utilizar-se qualquer meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que tal não envolva diminuição das garantias dos interessados.
No caso em apreço, o despacho recorrido não contém fundamentação própria, limitando-se a remeter para «os termos e fundamentos da informação de 06.08.99 da Inspecção-Geral de Jogos, elaborada ao abrigo do disposto no artº 172.º do C.P.A.», informação esta que, no seu ponto 9, também remete para o relatório em que assentou o despacho do Senhor Inspector-Geral de Jogos, que foi objecto do recurso hierárquico apreciado no acto recorrido.
Esta fundamentação por remissão é admitida pelo n.º 1 do transcrito art. 125.º, pelo que é à face dela que há que apreciar se ocorre o vício de forma imputado pelo recorrente ao acto recorrido.
Este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente.
No caso em apreço, são três as razões por que o recorrente entende que o acto recorrido enferma de deficiência de fundamentação
– limitar-se de forma genérica e vaga a aludir o risco de prejuízo para a qualidade da oferta do casino sem consubstanciar de forma concreta e individualizada os prejuízos que derivam da actuação do ora recorrente;
– não permitir conhecer das motivações inerentes à opção pela aplicação da medida de um ano de proibição em detrimento de outras;
– não permitir conhecer os motivos que levaram a autoridade recorrida a perfilhar o Parecer do IGJ, de 6/8/99, em detrimento de pareceres divergentes, nomeadamente, os Pareceres 63/GJ/99 e 63-A/GJ/99 do Gabinete Jurídico da Secretaria Geral do Ministério da Economia.
11 – No que concerne ao primeiro ponto, refere-se no relatório para que remete a informação subjacente ao acto recorrido que «os casinos são estabelecimentos do domínio privado do Estado ... que visam fundamentalmente assegurar a honestidade do jogo, a concentração e comodidade dos jogadores e uma oferta turística de alta qualidade (nº 1 do artº 27º do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro)», que «o acesso às salas de jogos de fortuna ou azar é reservado não devendo ser permitida a frequência por pessoas que “possam ... causar estragos e incomodar os demais utentes do casino com o seu comportamento” (vide artº 29º, nº 2, alíneas d) e e) do referido Decreto-Lei nº 422/89)» e que o ora recorrente «não respeitou aqueles requisitos e o seu comportamento descrito constitui motivo suficiente para considerar inconveniente a sua presença nas salas de jogos dos casinos».
Por sua vez, refere-se naquela informação, reportando-se aos factos imputados ao recorrente que ele teve «práticas manifestamente violadoras das normas que regem o jogo e colocam em crise a oferta turística de alta qualidade», o recorrente revelou desconhecer «regras que nos parecem ser de elementar convivência cívica que tinha obrigação de conhecer e respeitar (pense-se num frequentador que tenha de se ausentar por alguns minutos ... ao bar ... ao WC...)».
Assim, conclui-se com segurança que no acto recorrido se entendeu que resultava prejuízo para a qualidade da oferta do casino por serem praticados actos de apropriação de créditos de clientes que se ausentem momentaneamente das máquinas onde eles estão registados e por tais actos provocarem incómodos aos clientes.
Por isso, não há insuficiência de fundamentação, neste ponto.
12 – O segundo motivo por que o recorrente imputa ao acto recorrido deficiência de fundamentação é o de não permitir conhecer das motivações inerentes à opção pela aplicação da medida de um ano de proibição em detrimento de outras.
No relatório do instrutor refere-se que o facto de o recorrente não ter respeitado os requisitos de acesso às salas de jogo, designadamente no que concerne a causar incómodos aos demais utentes, «constitui motivo suficiente para considerar inconveniente a sua presença nas salas de jogos dos casinos».
Por outro lado, é óbvio que, conexionando-se esta inconveniência da presença do recorrente nas salas de jogos com a aplicação de uma medida que concretiza esse afastamento, essa inconveniência é o motivo da opção pela medida.
Por isso, é possível pela fundamentação do acto recorrido, saber-se por que se optou por uma medida de proibição de acesso às salas de jogo e não outra.
13 – No que concerne aos motivos que levaram a autoridade recorrida a perfilhar o Parecer do IGJ, de 6/8/99, em detrimento de pareceres divergentes, nomeadamente, os Pareceres 63/GJ/99 e 63-A/GJ/99 do Gabinete Jurídico da Secretaria Geral do Ministério da Economia, em que se propunha a aplicação de uma medida de proibição de acesso de oito meses de duração, ela também está fundamentada na informação referida, em cujo ponto 7 se refere que «a duração da mesma é benévola face à gravidade da conduta, confessadamente repetida no curto espaço de 4 minutos em duas máquinas, e a preocupante dificuldade demonstrada pelo Recorrente em aceitar a evidente gravidade dos factos que confessou.»
Assim, também neste ponto se conhecem as razões por que no acto recorrido se decidiu como se decidiu, pelo que não ocorre insuficiência de fundamentação.
Termos em que acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça de 400 euros e procuradoria de 50%.
Lisboa, 24 de Janeiro de 2002
Jorge Manuel Lopes de Sousa – Relator – António Fernando Samagaio – Fernando Azevedo Moreira.