Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0437/12.2BEALM 0683/18
Data do Acordão:05/16/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:REFORMA DE ACÓRDÃO
NULIDADE
Sumário:I - Decorre do art. 616º, nº 2 do CPC que a reforma das decisões judiciais só é admissível quando ocorram lapsos manifestos do julgador na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos, ou ainda quando constarem do processo documentos ou quaisquer outros meios de prova plena que, por si só, impliquem necessariamente decisão diversa e que o juiz, por lapso manifesto, não tenha tomado em consideração (als. a) e b) do nº 2).
II - Lapso manifesto é, por regra, aquele que de imediato resulta do próprio teor da decisão ou, no caso de documentos ou outros elementos não considerados, que de forma flagrante e sem necessidade de grandes demonstrações, logo revelem que só por si a decisão teria de ser diferente da que foi proferida.
III - A omissão de pronúncia é o vício da decisão que ocorre quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questão de que deva conhecer, e que não esteja prejudicada pela solução dada a outras (arts. 615º, nº 1, al. d) e 608º, nº 2, ambos do CPC).
Nº Convencional:JSTA000P24551
Nº do Documento:SA1201905160437/12
Data de Entrada:10/15/2018
Recorrente:A................., E ESTADO PORTUGUÊS
Recorrido 1:LUSOPONTE – CONCESSIONÁRIA PARA A TRAVESSIA DO TEJO, SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

A Autora, aqui Reclamante, A……………., Lda, notificada do acórdão proferido nos autos, em 13.03.2019, vem pedir a respectiva reforma, arguindo ainda a nulidade do mesmo, nos termos dos arts. 685º, 666º e 616º, nº 2, als. a) e b) e 615º, nº 1, al. d), todos do CPC.

O Recorrido Estado Português respondeu defendendo que a reclamação deve ser desatendida, mantendo-se o acórdão reclamado nos seus precisos termos.

Sem vistos, vem o processo à conferência.

O acórdão reclamado negou provimento ao recurso de revista interposto pela A., mantendo o acórdão recorrido [proferido pelo TCAS em 15.03.2018], nas partes impugnadas pela Recorrente e concedeu provimento ao recurso do Réu Estado Português, declarando a nulidade do acórdão recorrido na parte em que condenou o R. no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais, revogando-o na parte em que o condenou no pagamento de honorários de advogado, julgando, assim, totalmente improcedente a acção.

I – Reforma do acórdão
Alega a reclamante que o acórdão de 13.03.2019 deve ser reformado, nos termos do disposto no art. 616º, nº 2, alíneas a) e b) do CPC. Isto porque, segundo defende, teria incorrido em lapso manifesto quanto ao que decidiu sobre os danos patrimoniais e os danos não patrimoniais/ morais invocados pela Recorrente.

Conforme claramente decorre do art. 616º, nº 2 do CPC a reforma das decisões judiciais só é admissível quando ocorram lapsos manifestos do julgador na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos, ou ainda quando constarem do processo documentos ou quaisquer outros meios de prova plena que, por si só, impliquem necessariamente decisão diversa e que o juiz, por lapso manifesto, não tenha tomado em consideração (als. a) e b) do nº 2).
Lapso manifesto é, por regra, aquele que de imediato resulta do próprio teor da decisão ou, no caso de documentos ou outros elementos não considerados, que de forma flagrante e sem necessidade de grandes demonstrações, logo revelem que só por si a decisão teria de ser diferente da que foi proferida (cfr. neste sentido o Ac. do STJ de 14.03.2006, Proc. 05B3878.dgsi.Net).
Sendo esta a definição de lapso manifesto, parece-nos óbvio que o acórdão reclamado não incorreu em qualquer lapso manifesto, sendo certo que o pedido de reforma não pode servir para reparar eventuais erros de julgamento, o que apenas pode ser conseguido em via de recurso, no caso já não admissível.
Desde logo, não se verifica a estatuição da al. b) do nº 2 do art. 616º do CPC, nem a reclamante invoca qualquer matéria subsumível à previsão deste preceito.
Mas, igualmente, inexiste qualquer lapso manifesto na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos (al. a) do nº 2 do art. 616º), pelo que o presente pedido de reforma tem que soçobrar.

Sempre acrescentaremos, no entanto, o seguinte:
i) Quanto aos danos patrimoniais, a reclamante continua a centrar a sua alegação na questão de se estar ou não perante uma prestação pecuniária a cargo do “Estado/Tribunal – Estado/Juiz”, defendendo que o acórdão reclamado “Expressa um grosseiro e manifesto lapso no enquadramento jurídico e normativo aplicáveis ao caso…”, através da afirmação contida na decisão reclamada de que “(…) a obrigação que não foi cumprida pelo réu Estado é a obrigação de garantir o direito constitucional a uma decisão em prazo razoável (…) não é uma obrigação pecuniária, pelo que não tem aqui aplicação a norma citada do art. 806º do CC”.
Com efeito, como haviam considerado as instâncias e, igualmente, o acórdão reclamado entendeu, a responsabilidade do Estado na presente acção é uma responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, a qual, para se ter por verificada, obriga a que estejam reunidos todos os pressupostos que o acórdão enunciou, tendo-se considerado que a A., aqui reclamante, não havia alegado e provado o dano (precisamente um desses pressupostos cumulativos de que depende tal responsabilidade civil extracontratual).
Por isso, o acórdão reclamado refere, “(…), e uma vez que o art. 806º, nº 1 do CC não é aplicável à situação dos autos, a autora não beneficia de qualquer presunção quanto ao dano, pelo que sobre si recaía o ónus de alegar e provar que o atraso na decisão judicial de fixação do valor da indemnização, com o consequente retardamento no pagamento da mesma, lhe causou danos.
Como tal, assume relevância no caso concreto o regime geral de prova, previsto no art. 342º, nº 1 CC, de acordo com o qual cabia à autora fazer a prova dos factos constitutivos do alegado direito à indemnização, aplicando-se também o regime da lei civil quanto ao pressuposto negativo da não existência de culpa do lesado (art. 570º do CC) e quanto ao cálculo do montante da indemnização.
Ora, como consideraram, quer o TAF de Almada, quer o TCAS, a recorrente limitou-se a alegar, de forma conclusiva, que por causa do atraso na fixação dos montantes indemnizatórios e no efectivo pagamento, perdeu a oportunidade de os aplicar nos seus negócios, rentabilizando-os e multiplicando o seu valor como é normal em qualquer empresa, bem como que, sendo uma sociedade comercial, poderia ter investido o valor das indemnizações no seu giro comercial.
Mas tal alegação da aqui Recorrente além de manifestamente insuficiente, não foi minimamente comprovada ao não ter a mesma oferecido qualquer prova sobre os alegados danos (que nem concretizou).
Não tendo a A alegado e demonstrado os danos que lhe foram causados pelo atraso nas decisões definitivas nos processos expropriativos, não podia o Réu ser condenado na indemnização respectiva.”
Como claramente resulta do que acabou de transcrever-se, o acórdão reclamado entendeu que sendo aplicável o regime atinente à responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, faltando um dos pressupostos da mesma – o dano -, não podia proceder a obrigação de indemnizar, no que poderia ter incorrido em erro de julgamento, mas não em lapso manifesto sobre as normas aplicáveis ou na qualificação dos factos.
Inexiste, assim, neste segmento do acórdão reclamado, qualquer lapso manifesto quer das normas aplicáveis, quer da qualificação dos factos, sendo certo que as instâncias e este Supremo Tribunal fizeram idêntica apreciação da questão que lhes foi colocada.

ii) Também quanto aos danos não patrimoniais, não incorreu o acórdão reclamado em qualquer lapso manifesto.
Quanto a este ponto o que o acórdão reclamado apreciou e decidiu foi a nulidade imputada no seu recurso de revista pelo Réu ao acórdão do TCAS, ao ter decidido fixar uma indemnização a título de danos não patrimoniais causados pelo funcionamento anormal dos serviços de administração de justiça, o valor global de € 15.000.
Considerou o acórdão reclamado que “(…), o TCAS não podia conhecer deste pedido, já que a A., aqui Recorrida, não o efectuou, como devia, na PI, tendo sido violado o princípio da estabilidade da instância (cfr. arts. 260º, 264º e 265º do CPC) e o princípio do contraditório (cfr. art. 3º, nº 3 e 415º do CPC), já que o Réu Estado não teve oportunidade de se pronunciar sobre esse pedido em sede própria, e, sobre o qual a sentença de primeira instância não se havia pronunciado ao não ter sido formulado pedido nesse sentido na petição inicial ou até ao encerramento da discussão em 1ª instância, no qual veio o R. a ser condenado.
Assim, tal como alega o Recorrente o TCAS incorreu na nulidade de decisão prevista no art. 615º, nº 1, al. e) do CPC, já que decidiu questão e pedido de que não podia conhecer, por ter sido efectuado extemporaneamente…”.
Ou seja, o que estava em causa sobre esta questão era a verificação ou não da nulidade de decisão contemplada no art. 615º, nº 1, al. e) do CPC, e o acórdão reclamado julgou-a verificada.
Ora, sobre esta concreta questão e seus fundamentos que determinaram o decidido, nesta parte, no acórdão reclamado, não é assacado erro ou lapso manifesto ao referido acórdão, antes se espraiando a reclamante em considerações sobre a jurisprudência do TEDH (págs. 15 a 20 da sua reclamação), que o acórdão não aplicou por ter de decidir, a montante, questão que prejudicava tal aplicação, pelo que, também aqui não há qualquer lapso manifesto.
Nada havendo a reformar no que aos danos patrimoniais e não patrimoniais diz respeito, nada há também a alterar quanto ao decidido sobre os honorários de advogado (ponto II. 3 da reclamação).

II. Nulidade do acórdão
Alega a reclamante que o acórdão reclamado incorreu em nulidade por omissão de pronúncia (art. 615º, nº 1, al. d) do CPC), porque o Tribunal se deveria ter pronunciado sobre a demora do presente processo, conforme constante nas alegações do presente recurso 138º a 144º e na conclusão 26º.

Também aqui sem razão.
Com efeito, a omissão de pronúncia é o vício da decisão que ocorre quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questão de que deva conhecer, e que não esteja prejudicada pela solução dada a outras (art. 608º, nº 2 do CPC).
Ora, a questão subjacente à invocada nulidade, por omissão de pronúncia, tem a ver com a indemnização a título de danos não patrimoniais por atraso na administração da justiça, que fora arbitrada pelo acórdão recorrido na presente revista.
Como já se disse, a propósito do pedido de reforma sobre esta matéria, o acórdão reclamado declarou a nulidade daquele acórdão de 15.03.2018 no segmento em que condenou o R. no pagamento à aqui Reclamante de montante indemnizatório por danos morais.
Tal declaração de nulidade prejudicou a apreciação das questões atinentes à eventual indemnização por danos não patrimoniais que a reclamante suscitou pela primeira vez em sede de Revista no recurso interposto do acórdão do TCAS, como é o caso da questão sintetizada na conclusão 26ª.
Com efeito, o acórdão reclamado decidiu que “…o TCAS incorreu na nulidade de decisão prevista no art. 615º, nº 1, al. e) do CPC, já que decidiu questão e pedido de que não podia conhecer, por ter sido efectuado extemporaneamente, nulidade que se declara, e que obsta ao conhecimento nesta sede de revista do pedido de atribuição de uma indemnização a título de danos morais agora quantificada, apenas nesta sede de revista, na conclusão 24ª.
Improcedem, portanto, as conclusões 24ª a 26ª do presente recurso da Autora…”.
O que significa, desde logo, que a conclusão 26ª foi apreciada, e, por isso, se diz que improcede, podendo ter-se incorrido em erro de julgamento mas não em nulidade por omissão de pronúncia.
Além de que se o Tribunal havia dito que não era possível conhecer de um pedido apenas formulado em sede de apelação por tal violar o princípio da estabilidade da instância (cfr. arts. 260º, 264º e 265º do CPC) e o princípio do contraditório (cfr. art. 3º, nº 3 e 415º do CPC), já que o Réu Estado não teve oportunidade de se pronunciar sobre esse pedido em sede própria, obviamente a mesma ordem de razões se aplica ao pedido indemnizatório formulado pela primeira vez no âmbito do recurso de revista interposto e atinente à duração da presente acção.
Por isso, é que o acórdão reclamado tendo declarado a nulidade daquele segmento do acórdão recorrido, julgou, consequentemente, improcedentes as conclusões 24ª a 26ª do recurso e improcedente o pedido de condenação no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais.
Improcede, consequentemente, a arguição de nulidade.

Pelo exposto, acordam em indeferir a reclamação.
Custas pela Reclamante/Recorrente, fixando a taxa de justiça do incidente em 3 UC.

Lisboa, 16 de Maio de 2019. – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) – José Francisco Fonseca da Paz – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.