Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:019036
Data do Acordão:12/18/2002
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LÚCIO BARBOSA
Descritores:ISENÇÃO DE SISA.
REJEIÇÃO DO RECURSO CONTENCIOSO.
MUNICÍPIO.
COMPENSAÇÃO.
INDEFERIMENTO TÁCITO.
DEVER LEGAL DE DECIDIR.
FINANÇAS LOCAIS.
LEI DO ORÇAMENTO.
ACTO POLÍTICO.
ACTO ADMINISTRATIVO.
GOVERNO.
MINISTRO DAS FINANÇAS.
CENTRAL TERMOELÉCTRICA.
Sumário:I - O pedido de compensação, formulado por um Município, pela isenção de sisa concedida pelo Governo na alienação de uma Central Termoeléctrica, situada na área daquele Município, deve ser dirigida ao Primeiro-Ministro e não ao Ministro das Finanças.
II - Dirigido o requerimento do pedido de compensação a este, não tem ele o dever legal de decidir, pelo que, não dando ele resposta ao pedido, não se forma acto de indeferimento tácito.
III - A inscrição ou não da citada verba, no projecto de lei do Orçamento do Estado é um acto político, que não um acto administrativo.
Nº Convencional:JSTA00058569
Nº do Documento:SA220021218019036
Data de Entrada:02/05/2001
Recorrente:MUNICÍPIO DE ABRANTES
Recorrido 1:MINFIN
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC CONT.
Objecto:ACTO TÁCITO MINFIN.
Decisão:REJEIÇÃO REC CONT.
Área Temática 1:DIR FISC - SISA.
DIR ADM CONT - ACTO.
Legislação Nacional:CONST89 ART70 N2 ART103 N2 ART109 ART164 N1 H ART170 ART186 N1 ART187 N1 ART200 N1 D ART203 C ART204 N1 A.
CPA91 ART9 N1 ART100 ART109 N1.
CIMSISD91 ART11 N25 ART15.
LFL87 ART4 N1 A ART7 N7.
ETAF84 ART4 N1 A.
RSTA57 ART57 PAR4.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC28775 DE 2001/05/09.
Referência a Doutrina:GOMES CANOTILHO E OUTRO CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ANOTADA 3ED REVISTA.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. MUNICÍPIO DE ABRANTES, com sede na Rua José Estêvão, 8, Abrantes, interpôs, junto da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, recurso contencioso de anulação de acto de indeferimento tácito do senhor Ministro das Finanças do pedido de compensação, formulado pelo Município de Abrantes, pela isenção de sisa concedida pelo Governo na alienação da Central Termoeléctrica do Pego, situada na área daquele Município.
Alegou o seguinte:
O Subdirector Geral das Contribuições e Impostos, no uso de poderes subdelegados, concedeu a isenção de sisa na alienação da Central Termoeléctrica do Pego.
A recorrente pediu ao Sr. Ministro das Finanças informação acerca do pagamento da compensação prevista no n. 7 do art. 7° da Lei das Finanças Locais.
Em 31/1/94 o Gabinete do SEAF comunicou que por despacho do dito SEAF não é legalmente possível proceder à respectiva compensação, visto tratar-se de beneficio criado antes da entrada em vigor da Lei n. 1/87, de 6/1.
Defendendo estar-se perante um acto definitivo e executório de indeferimento do seu pedido e denegação do seu direito à referida compensação, o recorrente interpôs recurso contencioso de tal despacho.
Mas na dúvida sobre se tal acto é definitivo e executório (na medida em que o SEAF no dito despacho escreveu: "Concordo. À consideração do Senhor Ministro, parecendo de transmitir à Câmara Municipal de Abrantes"), e para a hipótese de assim ser decidido, então deve entender-se que se está então perante um acto de indeferimento tácito, imputável ao Ministro das Finanças. Isto porque o Ministro das Finanças não tomou qualquer decisão sobre o pedido formulado pelo recorrente.
Tal acto tácito (que se traduziu na não compensação ao Município de Abrantes da compensação pela isenção de sisa) está ferido de um vício de violação da lei, por erro nos pressupostos, e de um vício de forma, consistente na preterição do dever de audiência prévia, prevista no art. 100° do CPA.
Foi entretanto suspensa a instância até estar julgado o recurso n. 18.077 (recurso do já referido despacho do SEAF).
Por acórdão transitado em julgado, tal acto (despacho) foi julgado insusceptível de recurso contencioso, pelo que o recurso foi rejeitado por manifesta ilegalidade na sua interposição.
Prosseguiu pois o presente recurso contencioso.
Notificado para responder, o Senhor Ministro das Finanças veio dizer que o acto recorrido é um acto político e não um acto administrativo, pelo que não há lugar à "formação de acto de indeferimento tácito".
Notificados para apresentar as respectivas alegações, ambas as partes o fizeram.
O recorrente apresentou o seguinte quadro conclusivo nas respectivas alegações:
A. O vício de forma que se verificou no procedimento de atribuição de compensação ao Município de Abrantes, pela preterição do dever de audiência prévia, prevista no art. 100° do CPA, invalida o acto tácito de indeferimento que extinguiu aquele procedimento.
B. As normas do n. 6 do art. 11° e do art. 15º-A do Código do Imposto Municipal da Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações são inconstitucionais, por violação do n. 2 do art. 103° da CRP, ao estabelecerem um regime contrário ao princípio da tipicidade do imposto e dos seus elementos essenciais, permitindo a concessão da isenção da sisa por acto discricionário do Ministro das Finanças fundado na avaliação subjectiva de conceitos indeterminados ínsitos em tais normas.
C. A não atribuição de compensações pela concessão da isenção de sisa constitui violação de lei, por ser contrária à norma do n. 7 do art. 7° da Lei n. 1/87, de 6/1, em vigor à data, e por ofender o princípio da autonomia financeira dos Municípios.
Por sua vez, o Sr. Ministro das Finanças apresentou também ele as respectivas alegações, com o seguinte quadro conclusivo:
a) A audiência prévia prevista pelo art. 100° do CPA prevê expressamente que a audição dos interessados seja efectuada no âmbito do procedimento: como decorre do n. 1 do mesmo art. 100º do CPA "Concluída a instrução (...).
b) Ora, no caso em apreço - indeferimento tácito - não há lugar, por definição, a instrução do processo.
c) Improcederá, pois nestes termos, o alegado vício de forma.
d) O art. 106°, 2, da Lei Fundamental, com o corolário da tipicidade, determina que os modos de reconhecimento de benefícios fiscais pela AF sejam vinculados, existindo nesta matéria discricionariedade, apenas e tão só para efeitos de reconhecimento, isto é, a lei atribui-lhe uma certa margem de apreciação técnica de índole probatória, a fim de permitir a verificação de que os requisitos legais para concessão do benefício estão preenchidos.
e) Inexiste, no caso concreto, qualquer violação do princípio de tipicidade, porquanto ao Ministro das Finanças apenas é permitida a verificação dos pressupostos para efeitos de concessão do benefício fiscal.
f) Quanto ao benefício fiscal em causa - foi criado pelo DL n. 48316, de 5/4/68 -, não sendo aplicável ao caso o n. 7 do art. 7° da Lei a 1/86, de 6/1, porquanto esta norma estabelece que as isenções fiscais concedidas ou a conceder, serão objecto de compensação a inscrever no orçamento do Estado.
g) Por outro lado, o Município de Abrantes apenas solicitou ao Senhor Ministro das Finanças que inscrevesse as verbas necessárias no Orçamento do Estado, tal decisão não configura um acto administrativo, mas e tão só uma decisão de natureza política.
h) A inscrição de verbas no Projecto de Orçamento de Estado corresponde a uma decisão política contenciosamente insindicável.
i) No caso concreto, tratando-se de acto político e não de acto administrativo não tinha o Ministro das Finanças dever legal de decidir nos termos do art. 9º do CPA, pelo que não há lugar a formação de acto de indeferimento tácito.
j) Carece, nestes termos, de objecto o presente recurso.
Neste STA, o EPGA, defende que não compete ao Governo aprovar o orçamento, mas tão só executá-lo, pelo que, na procedência desta questão prévia, se deve negar provimento ao recurso. Mas, mesmo que assim se não entenda, e a conhecer-se do fundo da questão, deve, de qualquer modo, negar-se provimento ao recurso.
Ouvidas sobre tal questão prévia, as partes manifestaram posição diversa, sendo de concordância com tal posição a perspectiva do senhor Ministro das Finanças e de discordância o recorrente.
2. É a seguinte a matéria de facto que se considera assente:
2.1. A Sociedade ..., foi isentada de Imposto Municipal de Sisa na alienação da Central Termoeléctrica do Pego, sita no concelho de Abrantes.
2.2. O Sr. Presidente da Câmara Municipal de Abrantes dirigiu então ao Sr. Ministro das Finanças um requerimento, no qual dá conta de que a sisa é receita dos municípios; solicitando, em conformidade, que a verba de compensação pela isenção da sisa (compensação prevista no art. 7°, n. 7, da Lei 1/87, de 6/1) seja inscrita no Projecto de Lei do Orçamento de Estado.
2.3. Em 31/01/94, foi o recorrente (Município de Abrantes) notificado de que, por despacho do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, de 21/12/1993, "exarado sobre informação da DGCI, não é legalmente possível proceder à respectiva compensação visto tratar-se de benefício criado antes da entrada em vigor da Lei n. 1/87, de 6 de Janeiro".
2.4. Em finais de Abril de 1994, o recorrente obteve cópia do despacho referido em 2.3., que é do seguinte teor: "Concordo. À consideração do senhor Ministro, parecendo de transmitir à Câmara Municipal de Abrantes".
2.5. O recorrente interpôs recurso contencioso do despacho dito em 2.3. e 2.4.
2.6. O STA, por acórdão transitado em julgado, considerou que o despacho referido em 2.4. não é contenciosamente recorrível, uma vez que "não há qualquer suporte no texto deste despacho para concluir que o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais tenha pretendido decidir a não atribuição da referida compensação, resultando directa e linearmente do seu teor, que pretendeu submeter ao senhor Ministro das Finanças a decisão definitiva".
2.7. O Senhor Ministro das Finanças não deu resposta ao requerimento referido em 2.2.
2.8. O presente recurso contencioso deu entrada neste Supremo Tribunal em 29/11/94.
3. Como resulta das conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente, a que acima se aludiu, são três os vícios que este imputa ao acto de indeferimento tácito, a saber:
Um vício de forma, consistente na preterição do dever de audiência, previsto no art. 100° do CPA;
Dois vícios de violação de lei: um de violação de lei constitucional, por alegadamente as normas do n. 26 do art. 11 ° e do art. 15° do CIMSISSD violarem o art. 103°, 2, da CRP , e outro por violação do art. 7°, n. 7, da Lei n. 1/87, de 6/1.
Vejamos cada questão de per si.
Mas para dar resposta às várias questões suscitadas pelos recorrentes, há que definir desde já qual o acto sob recurso.
Pois bem.
Trata-se do acto de indeferimento tácito do senhor Ministro das Finanças do pedido de compensação formulado pelo Município de Abrantes pela isenção de sisa concedida pelo governo na alienação da Central Termoeléctrica do Pego.
Avancemos então
3.1. Dos vícios de violação de lei.
Vejamos o primeiro, a saber:
Do alegado vício de violação de lei constitucional, por alegadamente as normas do n. 26 do art. 11° e do art. 15° do CIMSISSD violarem o art. 103°, 2, da CRP.
Pois bem.
Como vimos acima não está em causa nos autos a isenção de sisa, prevista nas citadas normas.
Tal isenção podia eventualmente ser atacada em sede e momento próprios.
Que não neste processo em que está em causa unicamente o acto de indeferimento tácito do senhor Ministro das Finanças do pedido de compensação formulado pelo Município de Abrantes pela isenção de sisa concedida pelo governo na alienação da Central Termoeléctrica do Pego.
É aquele acto de indeferimento tácito que está em causa e unicamente ele. Assim, e não estando em causa a isenção da sisa, não é possível apreciar qualquer vício de que alegadamente padecesse o acto de isenção de sisa.
Não se conhece assim do alegado vício de violação da lei constitucional acima referido.
4. E que dizer do também alegado vício de violação de lei do art. 7°, n. 7, da Lei n. 1/87, de 6/1.
Importa agora considerar esta questão, apreciada numa dupla vertente: se estamos perante um acto político (contenciosamente insindicável), e se a prática do acto cabe à Assembleia da República que não ao Governo.
4.1. Vejamos agora o primeiro segmento da questão, suscitado aliás pela autoridade recorrida, logo na sua resposta.
Será que o acto sindicado é um acto político, contenciosamente insindicável?
Dispõe o art. 4° do ETAF:
"1. Estão excluídos da jurisdição administrativa e fiscal os recursos e as acções que tenham por objecto:
"a) Actos praticados no exercício da função política e responsabilidade pelos danos decorrentes desse exercício.
"..."
Quer isto dizer que se o acto em causa for um acto de conteúdo político é o mesmo insindicável nesta sede.
O que é um acto político?
O acórdão da Secção de Contencioso Administrativo deste STA de 9/5/2001 (rec. n. 28.775), depois de ampla incursão no campo doutrinal, sintetiza o seu pensamento do seguinte modo:
"As posições doutrinais referidas convergem, no essencial, sobre a atribuição da qualificação de actos políticos apenas a actos dos órgãos superiores do Estado, que visam a definição primária dos seus fins e interesses primaciais, qualificando como administrativa a actividade secundária tendente a satisfazer necessidades colectivas previamente definidas por via legislativa".
Cita depois posições jurisprudenciais deste STA, que radicam numa perspectiva idêntica.
À luz deste conceito - que será de subscrever em tese geral - poder-se-ia pensar que o acto em causa não poderia qualificar-se como acto político.
Porém, esta perspectiva não abrangerá o caso concreto por isso que o Orçamento de Estado nos parece um diploma eminentemente político, onde são traçadas, definidas e concretizadas as opções fundamentais do Estado em matéria económica para o ano respectivo.
Que têm expressão no art. 200°, 1, d) da Constituição, vigente à data (competência política do Governo, em matéria de propostas de lei a apresentar à Assembleia da República) e 164°, 1, h) da Constituição (competência política e legislativa da Assembleia da República).
Afigura-se-nos assim que o acto em causa será um acto político ou políti-co-legislativo, subtraído à jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais.
Mas, para quem assim não entenda, ou seja, mesmo para quem veja aqui não um acto político ou político-legislativo mas sim um acto administrativo, nem assim a pretensão do recorrente lograria êxito.
Como veremos de seguida.
4.2. Vejamos agora o segundo segmento da questão, aliás suscitado pelo EPGA.
Escreveu o EPGA:
"A existência do dever de decidir depende da verificação de pressupostos procedimentais um dos quais é a competência, como se conclui das referências que lhe são feitas no n. 1 do art. 9º e no n. 1 do art. 109º do CPA...
"Ora, no caso dos autos, muito embora compita ao Governo, na pessoa do Ministro das Finanças, a inscrição da referida compensação na proposta de orçamento, o certo é que não é da sua atribuição a decisão sobre a sua concessão, uma vez que é à Assembleia da República a quem compete a aprovação do orçamento (cfr. art. 164°, al. h) da CRP).
"Ao Governo cabe tão só executá-lo.
"Sendo assim, não tendo o Governo dever legal de decidir no âmbito desta matéria, não se formou acto tácito de indeferimento...".
Será assim?
Para responder a esta questão há que atentar no ponto 2.2. do probatório, que se fixou do seguinte modo:
"O Sr. Presidente da Câmara Municipal de Abrantes dirigiu então ao Sr. Ministro das Finanças um requerimento, no qual dá conta de que a sisa é receita dos municípios, solicitando, em conformidade, que a verba de compensação pela isenção da sisa (compensação prevista no art. 7°, n. 7, da Lei 1/87, de 6/1 ) seja inscrita no Projecto de Lei do Orçamento de Estado".
Ou seja: Não é a execução do orçamento que está em causa, mas sim e tão só a inscrição de determinada verba na proposta de lei de Orçamento do Estado.
Que é isso que o recorrente pretende.
Está em causa, como vimos, o n. 7 do art. 1° da Lei n. 1/87, que dispunha o seguinte:
"Os municípios serão compensados através de verba a inscrever no Orçamento do Estado ou nos orçamentos das regiões autónomas pela isenção ou redução dos impostos referidos na al. a) do n. 1 do artigo 4° que venham a ser concedidas para além das actualmente estabelecidas pela legislação em vigor".
E o citado art. 4°, 1, a), estabelecia no seu número 6 que a sisa constituía receita do município.
Pois bem.
Como vimos o recorrente imputa ao Ministro das Finanças a prática de um acto de indeferimento tácito (não ter feito inscrever no Orçamento de Estado uma verba correspondente ao montante da sisa que receberia se não fosse concedida a falada isenção).
Mas será o Ministro das Finanças o destinatário ínsito no dito n. 7 do art. 7° da Lei n. 1/87?
Quem tem competência para inscrever no Orçamento de Estado a verba reclamada ?
A Constituição da República Portuguesa dá a resposta.
Dispunha o art. 109° da CRP, vigente à data:
"1. A lei do Orçamento é elaborada, organizada, votada e executada de acordo com a respectiva lei de enquadramento, que incluirá o regime atinente à elaboração e execução dos orçamentos dos fundos e serviços autónomos.
"2. A proposta de Orçamento é apresentada e votada nos prazos fixados na lei, a qual prevê os procedimentos a adoptar quando aqueles não puderem ser cumpridos.
"3. A proposta de Orçamento é acompanhada de relatório sobre..."
Comentando este artigo, escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa, Anotada, 3ª Edição Revista):
"A iniciativa da lei do orçamento compete ao Governo mediante a proposta de orçamento (n.2). Tão exclusiva é a competência da AR para aprovar, mediante lei, o orçamento, como a competência do Governo para elaborar a respectiva proposta, embora tal não decorra explicitamente da Constituição (ainda que a expressão proposta de orçamento não possa deixar de referir-se a uma iniciativa governamental, por analogia com a expressão proposta de lei, nos termos da terminologia constante do art. 170º).
" A AR não pode delegar no Governo o seu poder de aprovação do orçamento mas também não pode aprová-lo senão precedendo iniciativa do Governo. Todavia, a AR não está limitada a aprovar ou rejeitar a proposta do Governo, podendo introduzir-lhe alterações; os deputados e grupos parlamentares não estão impedidos de fazer propostas de alteração, visto que o limite estabelecido no art. 70°, 2, não se aplica ao próprio orçamento".
Quer isto dizer que o Governo apresenta a proposta de orçamento, e a AR aprova-o (ou rejeita-o).
Ou seja: quem é competente para formular a proposta é, como dissemos, o Governo.
Mas o que significa aqui a palavra Governo?
O art. 186°, 1, da Constituição (vigente à data) definia a composição do Governo, dizendo que este "é constituído pelo Primeiro-Ministro, pelos Ministros e Subsecretários de Estado".
E poder-se-ia supor que, à míngua de outra qualquer definição constitucional, Governo seria também um qualquer ministro. No caso, e concretamente, o próprio Ministro das Finanças.
Afigura-se-nos, porém, que a expressão Governo quer significar aqui mais exactamente Conselho de Ministros, por isso que nos termos do art. 203° da CRP , na redacção então vigente, competia ao "Conselho de Ministros: ... c ) aprovar as propostas de lei e de resolução..."
Assim, e descendo agora ao caso dos autos, o destinatário da pretensão do recorrente (ou seja, concreta e nomeadamente, a já referida verba de compensação pela isenção da sisa) seria o Conselho de Ministros.
Constituído (art. 187°, 1, da Constituição - sempre na redacção então vigente) pelo "Primeiro-Ministro, pelos Vice-Primeiros-Ministros, se os houver, e pelos Ministros".
Assim, e sendo que o Primeiro-Ministro tem, nesta qualidade, a competência para "dirigir a política geral do Governo ... - art. 204°, 1, a) da Constituição) seria ele a quem deveria o recorrente dirigir a sua pretensão.
Em suma: não competindo ao Ministro das Finanças a inscrição na proposta de lei do orçamento da verba de compensação pretendida pelo recorrente - independentemente de ser ele que, como reclama o EPGA, deva promover tal inscrição - não tinha o Ministro das Finanças o dever legal de decidir.
Isto porque, como dissemos, não era da sua competência a inscrição de tal verba na proposta de lei do Orçamento de Estado .
Tal competência radicava no Conselho de Ministros, que não no Ministro das Finanças.
O recurso é assim de rejeitar.
Não sem antes se fazer uma breve referência ao vício de forma imputado ao acto sob censura.
5. Do alegado vício de forma.
Como vimos atrás, o recorrente imputa ao acto de indeferimento tácito um vício de forma consistente na preterição do dever de audiência, previsto no art. 100° do CPA.
Para que se consagre tal direito é preciso desde logo que a autoridade recorrida tenha o dever legal de decidir.
E como já vimos não existe tal dever.
Pelo que não ocorre o alegado vício de forma.
6. Face ao exposto, acorda-se em rejeitar o presente recurso contencioso, por manifesta ilegalidade na sua interposição - art. 57°, § 4° do RSTA.
Sem custas, por delas estar isento o recorrente.
Lisboa, 18 de Dezembro de 2002
Lúcio Barbosa – Relator – António Pimpão – Brandão de Pinho