Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0755/09
Data do Acordão:06/22/2010
Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:MADEIRA DOS SANTOS
Descritores:QUEDA DE ÁRVORE
DEVER DE VIGILÂNCIA
PRESUNÇÃO DE CULPA
OMISSÃO
SINALIZAÇÃO
Sumário:I – A presunção de culpa prevista no art. 493º, n.º 1, do Código Civil não se aplica à EP relativamente a árvores que, embora bordejando as estradas, pertençam a terceiros.
II – Mas a EP tem o dever excepcional de detectar e de suprimir os perigos óbvios e alarmantes para a segurança rodoviária, designadamente os advindos de árvores marginais às estradas, mesmo que de terceiros – o que sucederá sempre que a queda delas sobre as vias se mostrar iminente ou muito provável.
III – Sabendo-se que uma árvore com dezoito metros de altura e implantada a cerca de três metros do limite da estrada estava inclinada sobre ela, mas desconhecendo-se o grau de inclinação da árvore, é impossível concluir que ela pendia de um tal modo sobre a estrada que imediatamente causasse preocupação ou alarme.
IV – Não se pode formular um quesito em que se pergunte «qual o grau de inclinação da árvore», pois ele não admitiria a resposta de «provado» ou «não provado» nem, «in casu», teria uma correspondência mínima na matéria de facto alegada.
V – Ignorando-se o grau de inclinação da árvore – por isso não ter sido dito, directa ou indirectamente, nos articulados – é impossível imputar à EP um dever de agir que prevenisse o perigo que a presença da árvore evidenciaria, razão por que não se lhe pode também imputar uma omissão ilícita e culposa que a responsabilizasse pelos danos provocados pelo colapso da árvore.
VI – O sinal de «outros perigos» visa alertar os condutores para riscos indeterminados, influenciando o modo da condução, pelo que a sua falta em nada concorreu para o acidente resultante da queda súbita de uma árvore sobre um veículo – pois este é um tipo de eventos a que nenhum condutor, por maiores cautelas que tome, se pode esquivar.
Nº Convencional:JSTA000P11942
Nº do Documento:SA1201006220755
Recorrente:EP-ESTRADAS DE PORTUGAL, SA
Recorrido 1:C...E OUTROS
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo:
EP – Estradas de Portugal, SA, interpôs o presente recurso da sentença do TAF de Lisboa que, julgando totalmente procedente a acção que lhe fora movida por C… e os seus pais, A… e B…, todos identificados nos autos, condenou a ré a pagar à primeira autora a quantia de 1.200.00,00 euros e aos outros autores a quantia de 252.521,00 euros, acrescidas de juros à taxa legal, desde a citação até efectivo cumprimento.
O recorrente terminou a sua alegação enunciando as conclusões seguintes:
A. A sentença do Tribunal a quo condenou a Ré, ora recorrente, na totalidade do pedido de indemnização formulado pelos autores, montante que ascende a E. 1.452.521,00, acrescendo, ainda, juros à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
B. Sem prejuízo de toda a demais fundamentação do presente recurso, este número impressiona pela sua dimensão; resultando intuitivamente a convicção de excesso e desrazoabilidade, donde resulta, também, dúvida legítima sobre a justeza da sua aplicação, até porque o pedido da A. foi concedido na íntegra.
C. O presente recurso tem por objecto duas questões fundamentais: a primeira consiste em determinar se há responsabilidade da Ré (ora recorrente); e a segunda (prejudicada se for negativa a resposta à primeira) consiste em determinar o montante da indemnização.
D. Na verdade, são estes os dois pontos que delimitam o âmbito do presente recurso, decididos pelo Tribunal a quo, e com os quais se não conforma a recorrente, imputando à sentença os vícios de falta de fundamentação; incorrecta aplicação do Direito e demais fundamentos que se expõem de seguida.
E. Fazendo-se Justiça, será a ré/recorrente totalmente absolvida do pedido, como aliás sustentou o Ministério Público em Douto Parecer. Ora, não é de menor importância que o Ministério Público pugne pela total improcedência da acção, pois que efectivamente são muitas, e fortes, as razões que se avolumam para absolver a ré. Ou, quando assim se não entenda — o que a recorrente não concede, mas apenas admite em argumentação subsidiária — que seja reduzido significativamente o montante indemnizatório, para um valor equitativo e razoável, não excessivo nem desconcertante com a linha orientadora jurisprudencial nesta matéria.
F. Os AA./recorridos demandaram a ré/recorrente, com fundamento em responsabilidade civil extra-contratual por facto ilícito.
G. A autora C… circulava num veículo automóvel, conduzido por outra pessoa, sofrendo um acidente de viação em resultado da queda de uma árvore.
H. Da matéria provada, resulta que a árvore estava implantada a 3 metros do limite da faixa de rodagem, dentro de um terreno vedado, pertencente a um particular (D…).
L. Recorde-se, ainda, da matéria provada, que a chuva e o vento provocaram a erosão do terreno onde a árvore se implantava, e que na noite em que ocorreu o sinistro o tempo apresentou-se chuvoso e com muito vento.
J. Nos termos do nº 1 do artº 493.° do Código Civil, é o proprietário da árvore — que, no caso, é também o proprietário do terreno onde a árvore estava implantada —, quem tinha o dever de a vigiar.
K. Assim tem entendido a Jurisprudência; veja-se, por todos, o Acórdão da Relação do
Porto: “Aos danos causados pela queda de árvores é aplicável o art. 493, nº. 1, do Cód. Civil, o qual estabelece a presunção de culpa do proprietário que a pode afastar provando que exerceu a necessária vigilância ou tomou as precauções indispensáveis.” (Ac. RP, 14-7-1992).
L. Vicia, pois, a sentença do Tribunal a quo uma incorrecta aplicação do Direito, por preterição do preceito legal constante do nº 1 do artº 493.° do Cód. Civil — aliás, em divergência com a citada jurisprudência dos Tribunais superiores —, que imputa a responsabilidade civil ao proprietário da árvore, e não à recorrente!
M. Note-se que a sentença recorrida, na análise do Direito aplicável chega mesmo a considerar a aplicação do artº 493.° do Cód. Civil.
N. Mas, depois de ter concluído, e bem, pela aplicação do artº 493.° do Cód. Civil, chega a sentença recorrida a conclusão contrária de tal modo que, a final, da absolvição passa para a condenação da ré/recorrente na totalidade do pedido.
O. Acresce, na ponderação desses resultados, que a não condenação da ré/recorrente não quer dizer que ninguém seja responsabilizado pelo sinistro. Desde logo, a proprietária da árvore e do terreno - aliás, em acção declarativa de condenação que foi intentada pelos mesmos AA. contra a proprietária, e cuja sentença condena esta.
P. Nestes termos, estando em causa a responsabilidade civil extra-contratual por facto ilícito — que constitui a fundamentação dos AA./recorridos e conformam a causa de pedir — era essa, e só essa, a questão que cumpria analisar, parecendo haver excesso de pronúncia em procurar outros fundamentos de responsabilidade, designadamente, em sede de responsabilidade objectiva.
Q. Quanto à responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, é pacifico que há determinados pressupostos - extraídos do artº 483.° do Código Civil - que importa conhecer, e só quando se verificam todos os pressupostos se gera a obrigação de indemnizar. Tais pressupostos são, para a generalidade da doutrina e da jurisprudência: o facto, a ilicitude, a culpa, o dano, e o nexo de causalidade.
R. Pretende a sentença recorrida que o facto ilícito se consubstancia no não exercício pela ré/recorrente de “poderes de intervenção em relação a terceiros” que a lei lhe faculta, mas depois concluindo “rematando neste ponto pode afirmar-se, com a necessária segurança, que a queda da árvore que atingiu o veículo onde seguia a A. C… se traduz na comissão de um facto subjectivamente ilícito e culposo” (sic).
S. Ora, com o devido respeito, peca por obscuridade (e consequente vício de falta de fundamentação) a teoria pela qual a queda duma árvore “se traduz na comissão de um facto suhjectivamente ilícito”.
T. Não resulta, pois, demonstrado, na sentença recorrida, que facto concreto se considera praticado ou omitido, para efeitos de responsabilidade civil.
U. Começa a sentença por uma referência genérica a “regras de trânsito e normas de segurança que visam a protecção do colectivo”, mas sem identificar nenhuma norma concreta, do Código da Estrada, ou outra, cuja violação impute à ré/recorrente.
V. Depois, prossegue a sentença fazendo referência ao diploma legal que definia — à data dos factos — as atribuições do ICERR, e listando os poderes, prerrogativas e obrigações conferidos ao Estado pelas disposições legais e regulamentares aplicáveis, que os vários institutos (IEP, ICOR, ICERR) possuíam, verifica-se a completa falta de especificação no diploma legal de qualquer prerrogativa na qual se enquadre um suposto dever de arrancar a árvore, que depois aparece como um dado assente no raciocínio do Tribunal a quo, para se dizer não ter sido observado, constituindo, assim, facto ilícito.
W. E continua a referência, agora, em particular, relativamente ao pessoal do ICERR (nº 4 do mesmo artigo), verificando-se, também, aqui, não se enquadrar na correcta interpretação da norma, qualquer disposição legal que especifique poderes especiais que a ré pudesse e devesse ter usado para entrar, pela via da força, por um terreno alheio, e abater uma árvore que não lhe pertence, especialmente quando não se provou nenhum facto que pudesse sequer fazer prever que a referida árvore constituísse um perigo para a circulação (não se provou sofrer a árvore de doença ou problema fitossanitário, e não se provou que a árvore estivesse muito inclinada sobre a estrada, ficando por conhecer aspecto essencial que era saber quanto inclinada estaria).
X. Para tanto, refira-se que resulta da matéria provada que a árvore tinha 18 metros de altura, que se encontrava implantada num terreno particular, a 3 metros do limite da faixa de rodagem, e que se encontrava inclinada sobre a faixa de rodagem. Não cuidou o Tribunal a quo de apurar - facto de suma importância - qual o grau de inclinação da árvore sobre a via, nem a que altura estavam aqueles ramos que se debruçavam sobre a estrada. Pois que uma árvore com 18 metros de altura, implantada a 3 metros do limite da estrada, precisaria de uma verticalidade limpar, para que o seu topo não se desviasse da base do tronco. Porque se não determinou (e provou) na matéria de facto qual o grau se inclinação da árvore, não se sabe se era muito ou pouca tal inclinação, nem se tal inclinação, de per si, representava algum perigo para a circulação rodoviária. E seria indispensável, numa acção de responsabilidade civil, alegar e provar factos que permitissem concluir por essa perigosidade. Ora nada disso se provou.
Y. Visto isto, sempre caberia à sentença recorrida identificar a alínea ou alíneas exactas que considera fundamento, não se furtando a essa apreciação na conclusão geral a que chega. Apesar de reconhecer que “É claro que embora a lei não o refira expressamente, em tais poderes compreende-se o de ordenar o derrube de árvores que, pela sua dimensão, localização e estado de conservação, colocassem em risco essa mesma circulação em caso de queda sobre a via.”.
Z. Ora, o problema é que, da matéria provada nos autos, não resultam factos que demonstrem uma situação de perigosidade, que legitimasse a intervenção da ré/recorrente num terreno particular. Provou-se que a árvore se encontrava inclinada mas não quanto; também não se provou qualquer doença da árvore.
AA. Provou-se que o terreno particular onde a árvore estava implantada era arenoso, mas também se provou que a acácia-mimosa “é uma árvore que se adapta a meios pouco exigentes e que tolera a secura, sendo, por isso, uma espécie introduzida com o objectivo de consolidar e estabilizar terrenos arenosos e dunas”.
BB. Provou-se, também, que no dia do acidente “o tempo apresentou-se chuvoso e com muito vento” (facto provado nº 13), sendo essa uma das “causas da queda da árvore” (facto provado nº 17).
CC. Ademais, no caso dos autos não se trata de uma árvore de “ninguém”, da berma da estrada, ou sequer do património arbóreo da ré/recorrente. Trata-se de uma árvore propriedade privada, implantada num terreno particular vedado, no qual só em circunstâncias absolutamente excepcionais, de perigosidade, poder haver intervenção coerciva, que se traduza pela entrada forçada em terreno particular e destruição de coisa imóvel que tem proprietário.
DD. Pelo exposto, não cometeu a ré/recorrente nenhum facto ilícito, nem positivo (acção), nem negativo (omissão). Como resulta da interpretação das referidas normas, das atribuições e competências estatutárias do ICERR — e acaba também por reconhecer a Sentença recorrida — a intervenção da ré/ recorrente no sentido abater a árvore em causa, só se poderia justificar em circunstâncias de manifesta perigosidade, que não resultam da matéria provada.
EE. Não havendo facto ilícito, logo por aí faleceria a alegada responsabilidade civil da ré/recorrente. Mas falham também outros pressupostos.
FF. Quanto à alegada culpa por não cumprimento de um dever de vigilância, é preciso fazer a correcta interpretação e aplicação desse dever de vigilância, no exacto âmbito das atribuições e competências da ré/recorrente e, nesse âmbito, sempre se dirá que o dever de vigilância da ré/ recorrente não abrangia, portanto, o terreno particular vedado, a 3 metros do limite da estrada, onde se encontrava implantada uma árvore.
GG. Em termos de possibilidade, tenha-se presente, pelas regras da experiência comum, que em Portugal há milhares de quilómetros de estradas, ladeadas por um número indeterminado (na ordem dos milhões) de árvores; donde, só por absurdo se poderia pensar possível, até em termos físicos, ter um técnico especialista em conservação de árvores 24h/dia, 365d/ ano.
HH. Em termos de exigibilidade, a vigilância de árvores circunscreve-se ao chamado património arbóreo das estradas, e não pode deixar se ser aferida num juízo de razoabilidade, que não dê por ilimitados os meios de vigilância.
II. Diz a sentença recorrida que “um funcionário médio, colocado na posição dos funcionários da ré, não deixaria de questionar o motivo da inclinação da árvore”. Mas, da matéria provada, não resultam factos que evidenciassem perigo de queda. Conclui a sentença recorrida, no mesmo parágrafo, que após observação da árvore por tal funcionário concluiria este haver perigo. Discorda-se da conclusão por falta de prova, mas, de todo o modo, sempre se dirá ser um raciocínio viciado por petição de princípio e contradição, pois se avança com o pressuposto (que havia perigo) para imputar a um funcionário o dever de inspeccionar aquela árvore, quando depois se conclui que, afinal, só da inspecção da árvore resultaria esse perigo.
JJ. E é isso que falece, por completo, na sentença recorrida, na aplicação do Direito à matéria provada. Nada, na lista dos factos provados, indicia o referido forte nexo de imputação e censurabilidade do facto ao agente
KK. Quanto ao nexo de causalidade. Provou-se que os danos se produziram pela queda de uma árvore. Mas não é essa a causalidade cujo nexo importa apurar. A montante, importa saber por que é que caiu a árvore?
LL. Na matéria provada (facto nº 17) é dito que: “O referido supra em 10, 11, 12, e 13 constituiu as causas da queda da árvore”. Provou-se, portanto, que a queda da árvore teve múltiplas causas (4 causas), identificadas nos referidos factos provados na sentença.
MM. Na matéria provada, facto nº 13, provou-se que, no dia do acidente, “o tempo apresentou-se chuvoso e com muito vento”. Ficou provado que o facto de haver chuva e muito vento foi uma das causas da queda da árvore (facto provado nº 17), e consequentemente da produção dos danos. Ora, a chuva e o muito vento são factos jurídicos naturais, não imputáveis à ré, e que se não encontram em nenhuma relação de causalidade com nenhum facto da ré.
NN. Na matéria provada, facto nº 12, provou-se que “a chuva e o vento provocaram a erosão do terreno onde a árvore se implantava”. Ficou, também, provado que esta erosão do terreno teve causas naturais (da chuva e do vento), e não qualquer outra causa humana, e tal erosão do terreno, por causas naturais, também se prova ser causa da queda daquela árvore (facto provado nº 17), com os danos daí resultantes. Por isso, a erosão do terreno também não é um facto imputável à ré, nem se encontra numa relação de causalidade adequada com qualquer facto praticado pela ré.
00. Na matéria provada, facto nº 11, provou-se que “o terreno onde estava implantada a árvore é arenoso”. Mais se provando que o facto do terreno ser arenoso constituiu também uma das causas da queda da árvore (facto provado nº 17). Ora, a circunstância daquele terreno ser arenoso é uma constatação geológica de um facto, e, mais uma vez, facto natural, que se não encontra em nexo de causalidade com qualquer facto da ré.
PP. Por fim, na matéria provada, facto nº 10, provou-se que “essa árvore encontrava-se inclinada sobre a faixa de rodagem”. E provou-se também ter sido esta uma das causas da queda da árvore (facto provado nº 17), com os consequentes danos. Mais uma vez, aqui, o facto provado é um facto jurídico natural, não imputável à ré/recorrente, nem se encontra numa relação de causalidade adequada com qualquer facto dela.
QQ. Não obstante, é nesta inclinação da árvore sobre a faixa de rodagem que o Tribunal a quo parece verificar o nexo de causalidade com o facto omissivo da ré/recorrente, esta que, no entendimento da sentença recorrida, deveria — no exercício de deveres genéricos de vigilância — ter apreciado a perigosidade da árvore, e procedido ao seu abate.
RR. Independentemente de não resultarem provados factos donde resulte a perigosidade da árvore, e de não haver culpa da ré/recorrente por os seus deveres de vigilância não compreenderem árvores em terrenos particulares vedados, a verdade é que também aqui falha o pressuposto de causalidade, entendida, como bem tem sido feito pela, generalidade da doutrina e jurisprudência, com recurso à teoria da causalidade adequada.
SS. Com efeito, por não se provarem factos que demonstrem a perigosidade da árvore (problemas fitossanitários, ou pelo menos um determinado grau de inclinação que, pelas leis da física, da gravidade e resistência dos materiais, implicasse risco de queda), não era previsível, em abstracto, que a não inspecção individual daquela árvore produzisse aquele resultado, ainda que, em concreto, tal causalidade possa ser considerada.
TT. Por outro lado, identificaram-se e provaram-se quatro causas para a queda da árvore, e consequentes danos, mas se não cuidou de apurar em que medida concorreu cada uma dessas causas para esse resultado. E a questão é relevante, pois que à ré/recorrente só se imputa uma das causas.
UU. Outrossim, havendo concurso de várias causas, é ao julgador que cabe determinar a causa mais relevante, a causa última, que precipitou o sinistro. E da matéria provada, até pelas regras da experiência comum, é manifesto que a causa principal e decisiva, foi a intempérie de mau tempo que se verificou naquele dia. Registe-se, de suma importância, a matéria provada (facto provado nº 16), na participação policial é dito que “a causa provável do acidente foi queda de árvore devido às más condições climatéricas”.
VV. Pelo disposto, sendo a causa provável, mais relevante, e última que despoletou a queda da árvore, uma causa natural, não se pode estabelecer um nexo de causalidade adequado entre qualquer facto da ré/requerente (ainda que omissivo) e os danos que se provocaram.
WW. Por outro lado, e ainda que não se conforma a ré/recorrente com o exposto da sentença recorrida quanto à suposta responsabilidade objectiva, cumpre, ainda, rejeitar, por inconstitucional (violando o artº 64.° da CRI’), a interpretação feita pelo Tribunal a quo, pela qual os poderes de intervenção ou as competências do ICERR lhe permitiam e impunham uma actuação em toda a zona envolvente à estrada, numa faixa não inferior a 5 metros, actuando como verdadeiro detentor em nome alheio do complexo arbóreo que a ladeia, sendo este propriedade privada.
XX. Reputa-se, também, inconstitucional (violando o artº 64° da CRI’), a interpretação feita pelo Tribunal a quo, pela qual, a proibição constante do nº 1 al. a) e nº 2 do art. 7° e do nº1 do artº 11° do Decreto-Lei nº 13/94, de 15 de Janeiro, determinava a competência do ICERR para intimar a sua proprietária a derrubá-la, ou conferia poderes ao ICERR para abater a árvore.
YY. Na verdade, o referido diploma na proibição que estabelece no seu art.° 7.°, quanto a construções a menos de 5 metros da zona da estrada, tem um conteúdo programático e só dispõe para o futuro, não determinando um direito geral do ICERR (nem de qualquer outra entidade) de se apropriar de bens privados (nem de os demolir, ou destruir), o que nesses locais já se encontravam, anteriormente à entrada em vigor desse diploma. Num Estado de Direito há regras sobre a apropriação pública de bens privados, designadamente, medidas expropriativas com correspondentes direitos indemnizatórios. E, em situações de urgência, verificados os respectivos pressupostos, até pelas regras gerais dos artºs 336.° a 339.° do Cód. Civil, qualquer pessoa poderia intervir — não se trata de competência do ICERR, nem nada que resulte da aplicação do Decreto-Lei nº 13/94.
ZZ. Sem prejuízo de todo o exposto (e sem prescindir), no caso de assim se não entender valerá a seguinte argumentação:
AAA. A sentença recorrida condena a R. pela totalidade do pedido, num montante de E. 1.452.521,00, mais juros, à taxa legal, desde a citação. Ora, este montante, não se poderá deixar de ter como muito exagerado e injusto, a todos os níveis, na dimensão jurídica que cumpre apreciar.
BBB. Em primeiro lugar, tratando-se a indemnização, numa parte substancial, de danos morais, danos de dor, e outros de difícil quantificação, haveria que os ter quantificado e justificado segundo critérios de ponderação, de equidade, que a lei determina e que os Tribunais têm vindo a forjar; em vez de divergir, como faz a douta sentença recorrida, de forma desconcertante, com a linha orientadora jurisprudencial nesta matéria.
CCC. Em segundo lugar, compreendendo a indemnização danos futuros, que o Tribunal a quo liquida antecipadamente (sem remeter para execução de sentença), haveria que ter quantificado os danos em função de um juízo de prognose sobre a sua verificação, de modo correcto e realista, atentos os elementos do caso, no período expectável da sua verificação.
DDD. Em terceiro lugar, numa perspectiva finalística, atento o princípio da restauração natural, a indemnização por equivalente visa compensar o lesado pela impossibilidade de reconstituir a situação que existiria.
EEE. Em quarto lugar, não ponderou a sentença recorrida qualquer limitação da indemnização, em função de todas as circunstâncias do caso, que merecem — sem dúvidas — aplicação, caso se entenda haver responsabilidade em indemnizar (que a R. não concede), designadamente: o diminuto grau de culpa (cf. artº 494.° C. Civil) assente num dever genérico de vigilância; o contributo de quatro causas diferentes para o acidente, das quais só uma, quanto muito, se poderá alegadamente imputar à R. o facto do nexo de causalidade entre os danos e o facto omissivo da R. ser o mais fraco de todos, uma vez que a causa determinante, última, que precipitou a queda da árvore não se poderá deixar de dizer ter sido a intempérie daquela noite; e, ainda, a circunstância do verdadeiro responsável ser o proprietário da árvore.
FFF. Com esses pressupostos, sempre se dirá quanto aos danos patrimoniais da A. C…: começa a sentença por ensaiar os cálculos para o capital necessário que estabeleça o valor de renda anual para despesas futuras da C…. E fá-lo com recurso a uma fórmula dos acidentes de trabalho. Porém, fazendo os cálculos, e apurando o respectivo montante, sustenta o Tribunal a quo que é tal “resultado inaceitável”, dando, afinal (e em função dos resultados), como mau o critério que acabou de aplicar.
GGG. De todo o modo, independentemente da metodologia de análise, a verdade é que a sentença recorrida se equivoca, também, no cálculo (ainda a propósito das despesas mensais da C…).
HHH. Senão vejamos. O cálculo das despesas mensais futuras, que é feito na p. 30 da sentença, e depois utilizado na fórmula de multiplicação pelo número de anos em que serão necessárias; no entanto, tal cálculo encontra-se viciado pela duplicação da parcela de €. 150,00, que é contabilizada duas vezes, ao passo que na matéria provada só consta uma vez.
III. Com efeito, na matéria provada, há um conjunto de despesas passadas, num período de tempo claramente identificado (“desde o dia em que teve alta até à data da propositura da acção”), que compreende os factos provados nº 80 a 82.
JJJ. E há, também, na matéria provada, um conjunto de despesas futuras, até ao fim da vida da C…, que compreende os factos provados nº 84 a 86.
KKK. Mas a sentença recorrida, ao fazer o cálculo destas despesas, equivoca-se ao duplicar a parcela de E. 150,00 (despesas passadas, facto nº 80), que soma às parcelas de E. 110 + €40 (despesas futuras, factos nº 84 e 86).
LLL. Por isso, erra a sentença ao dizer o cálculo de tais despesas futuras “dá um montante de €5.400 por ano”. O que não dá!
MMM. O número de E. 5.400 por ano resulta da multiplicação por 12 meses da seguinte soma mensal: E 150 (facto 80) + E 110 (facto 84) + E 150 (facto 85) + 40 (facto 86). Assim: 150+110+150+40 = 450; e 450 x 12 = 5400. Mas está errado, por somar indevidamente a parcela de despesas passadas, isto é, E 150 (facto 80), com as mesmas despesas futuras, ou seja E 110+ E40 (factos 84 e 86).
NNN. Com efeito, para o cálculo das despesas mensais futuras da C…, da matéria provada só resultam os factos 84 a 86, que totalizam E 300 /mês.
000. E, assim: E 300 x 12 meses, dá o quantitativo anual de E. 3.600,00. Este, sim, está certo!
PPP. A partir daqui, estão errados todos os cálculos na sentença recorrida, com referência às despesas mensais da C…, em que foi levado em conta um montante anual de E 5.400, quando deveria ter sido, apenas, de E 3.600.
QQQ. Assim está errado o montante de E. 129.370,00, resultante da aplicação da fórmula de acidentes de trabalho.
RRR. E errado está o montante de E. 199.800,00, também calculado na sentença, que resulta da simples multiplicação do quantitativo anual pelo número de anos restantes na esperança de vida, que o Tribunal a quo “considerou” ser de 37 anos. Com uma grande diferença - diga-se —‘ pois que E. 3.600,00 x 37 anos = E. 133.200,00 sempre seriam menos E. 66.600,00. E um erro de 66 mil euros não é um erro de menor importância!
SSS. Acresce, ainda, que não se pode — com a necessária seriedade e certeza jurídicas — liquidar antecipadamente o custo de medicamentos, fraldas e despesas de transporte a 37 anos! Na verdade, o cálculo destes custos futuros pelo Tribunal a quo, mesmo que corrigido do erro de cálculo assinalado, sempre se dirá carecido dos requisitos de previsibilidade e determinabilidade do artº 564.°, nº 2; termos em que se impunha (e impõe) seja remetido para decisão ulterior.
TTT. De seguida, o Tribunal a quo pronuncia-se sobre outras despesas futuras da C…, relativas à assistência de uma terceira pessoa para os cuidados diários de saúde e higiene, a partir do momento em que a mãe de C… atinja 60 anos, e durante um período de mais 20 anos.
UUU. Por um lado, esta estimativa de que a mãe de C… a partir dos 60 anos já não conseguirá assegurar os cuidados que se dispõe a prestar, não se encontra fundamentada, nem na matéria provada, nem tão pouco nas regras de experiência comum. Na verdade, estabelecida a idade da reforma nos 65 anos, e existindo muitas pessoas com essa idade a prestar cuidados de saúde e assistência a doentes, não é líquido, nem se encontra demonstrado, que efectivamente haja que salvaguardar um período de mais 20 anos.
VVV. Considerada a idade da reforma nos 65 anos, em vez de 20 anos seriam apenas 15, e em vez de E. 280.000,00, seriam apenas E. 210.000,00, para assistência por um terceiro.
WWW. Por outro lado, fundamenta a sentença recorrida o valor de E. 280.000,00 no mesmo raciocínio de multiplicação simples (E. 14 mil/ano x 20 anos), que usou relativamente às despesas mensais já analisadas; dizendo aplicar “o mesmo raciocínio que se tomou no valor anteriormente apurado”; ou seja, que o valor resultante do investimento do capital (p.ex. juros de depósito a prazo) compensa a inflação.
XXX. Ora, a verdade é que a sentença recorrida aplica o mesmo raciocínio a ambas as situações, quando existe uma diferença relevante: é que, para as despesas mensais imediatas é necessária liquidez, onde aí sim, se coloca amiúde a preocupação que preside ao raciocínio do Tribunal a quo; mas já quanto às despesas de assistência, o capital mantém-se inutilizado a longíssimo prazo — durante 17 anos (37-20=17; isto é, 37 anos da esperança de vida, menos os 20 em que será preciso, considerando a reforma da mãe da C… aos 60 anos, como faz o Tribunal a quo) —, todo o tempo em que renderá sem que haja necessidade de liquidez.
YYY. Acresce que a sentença recorrida não relega para execução de sentença, como se impunha - sem qualquer dúvida - neste caso, a fixação de qualquer quantia por assistência futura (com início a 17 anos!).
ZZZ. No caso concreto, o prognóstico, feito pelo Tribunal a quo, da C… (tetraplégica, e com todas as consequências dessa condição) sobreviver ao momento em que a sua mãe atingirá 60 anos, e ainda viver mais 20 anos, é uma hipótese possível, mas nada certa, que se deve compaginar com a dúvida de tal não acontecer.
AAAA. Por outro lado, não sendo tais despesas futuras determináveis quanto à sua duração, nos termos do referido dispositivo legal (artº 564.°, nº 2 do C. Civil), sempre deveria a sentença remeter para decisão ulterior essa matéria.
BBBB. Termos em que, em matéria de despesas futuras de assistência por terceiro, não deve a R. ser condenada em qualquer importância desde já fixada, deixando-se para decisão ulterior — sempre respeitando os limites do pedido civil, e até ao quantitativo máximo de E. 210.000,00 que é calculado com base na idade de reforma de 65 anos.
CCCC. De seguida, o Tribunal a quo considerou haver ainda danos patrimoniais em “toda uma panóplia de equipamentos mecânicos, de viaturas e outros artefactos cujo preço futuro é impossível determinar neste momento.”.
DDDD. Concluindo o Tribunal a quo que os equipamentos terão que ser renovados e que é impossível determinar o preço futuro desses equipamentos, como chega a um valor para condenar a ré?
EEEE. Ou seja, como o Tribunal a quo já havia contabilizado “cerca de € 500.000,00” (mais correctamente E. 479.800,00), e juntava agora E. 200.000,00 pelos lucros cessantes do trabalho da C…, como o limite do pedido (artº 661.°, nº 1. do CPC) de danos patrimoniais era de E. 700.000,00, não cuidou de quantificar o somatório dos danos, emergentes e futuros, da “panóplia de equipamentos”.
FFFF. Ora, há manifesto erro de cálculo na primeira parcela (os E. 199.800,00 considerados para despesas mensais futuras: deslocações a médicos, medicamentos, fraldas), mesmo que se considerasse ser já de liquidar o montante desses danos (posição que a R. não concede).
GGGG. E a segunda parcela (E. 280.000,00 para assistência de terceiro, que só perspectiva necessária daqui a 17 anos), viu-se não dever ser, para já, fixada em montante indemnizatório, antes se devendo remeter tal decisão para o momento em que (e se) os danos se verifiquem.
HHHH. Assim sendo, da soma dos lucros cessantes decorrentes da perda de rendimento da C… (E. 200.000,00) com a quantia corrigida da primeira parcela (E. 133.200,00), temos apenas o total de E. 333.200,00, muito abaixo do limite do pedido.
IIII. Termos em que se impunha ter conhecido e quantificado o montante total dos danos emergentes e futuros, da “panóplia de equipamentos” em vez de ter optado por, “num juízo de equidade é de atribuir à C… uma indemnização por danos patrimoniais de € 700.000,00.».
JJJJ. Não sendo dada outra, ou melhor, fundamentação para o juízo de equidade,
ter-se-á viciado, também, este, pelo erro de cálculo nas parcelas, pela fixação antecipada de danos futuros sem respeitar os pressupostos de previsibilidade e de terminabilidade.
KKKK. Ora, a fixação do montante indemnizatório por equidade, a que se refere a nossa lei civil, não pode ser uma determinação arbitrária, sem critérios, mas antes se concede ao julgador a latitude para os ponderar no caso concreto, desde logo o diminuto grau de culpa (cf. art.° 494.° C. Civil) assente num dever genérico de vigilância. Depois, o contributo de quatro causas diferentes para o acidente, das quais só uma, quanto muito, se poderá alegadamente imputar à R..
LLLL. Na aplicação do Direito, deveria o Tribunal a quo considerar a aplicação das disposições que admitem a limitação da responsabilidade (desde logo o artº 494.°, e o art.° 496°, n.° 3). Não o fazendo, há vício de aplicação do Direito.
MMMM. Assim, e em resumo, os danos patrimoniais da C… devem quantificar-se no total de E. 310.600,00, que resulta da soma dos equipamentos (E. 74.600,00), dos lucros cessantes de salários (E. 200.000,00) e 10 anos de despesas mensais, provisoriamente arbitrados (E. 36.000,00).
NNNN. Mais se remetendo para decisão ulterior: (i) montante da renovação dos equipamentos que atinjam o seu fim de vida; (ii) montante para novo período de despesas mensais; (iii) montante de assistência de terceira pessoa, uma vez decorridos 17 anos da propositura da acção; sempre respeitando, como não poderia deixar de ser, o limite do pedido (art.° 661.°, n.° 1 do CPC).
OOOO. Quanto aos danos patrimoniais dos 2.° e 3.° AA., sempre no pressuposto que nos leva à presente alegação, subsidiária, do quantum indemnizatório (e sem conceder), encontram-se provados que estão estes danos passados dos pais de C…, não há dificuldade alguma de os somar, e assim determinar de modo rigoroso o respectivo montante indemnizatório, que totaliza E. 45.471,00. Mas a sentença recorrida foi por outros (e intrincados) caminhos.
PPPP. Diz o Tribunal a quo que “o custo dos medicamentos, fraldas, etc., de que a C… precisou desde a data da sua alta até à data de interposição da acção (...) atinge cerca de E 7.650”. Este valor calculado de E. 7.650,00 não vem justificado na sentença. E, tudo indica, também estará errado no cálculo.
QQQQ. E mais nenhum dano, porque os restantes são despesas de deslocação e obras na casa (e mini-mercado).
RRRR. Ora, a soma destes três valores, da matéria provada, dá E. 7.450,00 (e não E. 7.650,00, valor viciado por novo erro de cálculo).
SSSS. Adiante, diz a sentença que “com deslocações aos Hospitais e Clínica (...) os AA. A… e B… gastaram um total de «8.606,6”.
TTTT. Trata-se de um novo total, não justificado, e sem correspondência com os valores constantes da matéria de facto.
UUUU. Fazendo a soma destes valores de despesas, temos um total de E. 6.697,00, que não corresponde aos E 8.606,6 a que a sentença se refere.
VVVV. Por fim, diz a sentença recorrida, que os AA gastaram “ainda E. 2.950,00 com a aquisição de uma cama articulada, com colchão anti-escara”. E verdade, mas esse montante já estava incluído nos E. 7.650,00 (sem gralha = € 7.450) que a sentença menciona. Ou seja, na quantificação deste dano, duplica-se a despesa da cama e colchão.
WWWW. Em suma, expurgando todos estes erros e gralhas, temos que o montante de danos patrimoniais dos pais da C… é de €. 45.971,00, faltando apenas apreciar a questão do mini-mercado.
XXXX. Quanto ao mini-mercado, com base nos factos provados apenas - e a outros se não pode atender, por não terem sido alegados ou provados — colocam-se dois problemas fundamentais:
YYYY. O primeiro problema consiste em indagar por que é que um mini-mercado, até bastante lucrativo, tem que forçosamente, e para sempre, que se manter fechado, em função do acidente? Este é um problema que a sentença recorrida nem conhece, mas cuja análise é inultrapassável na determinação dos danos que são indemnizáveis.
ZZZZ. O segundo problema reside na relação de causalidade adequada entre estes danos e o facto que originou o acidente. É que falece, por completo, a possibilidade de indemnização relativamente a danos cujo nexo de causalidade se não verifica. Este problema, o Tribunal a quo conhece, mas decide com uma construção jurídica sui generis que, com o devido respeito, aplica mal o Direito.
AAAAA. Com efeito, a matéria provada nos autos (factos nº 91 e 92) não é suficiente para demonstrar, com um grau de certeza razoável uma absoluta impossibilidade física ou jurídica de funcionamento do dito estabelecimento comercial de mini-mercado. Um estabelecimento comercial que gera um lucro mensal de E. 1.500,00 euros (sublinhe-se lucro não são receitas brutas), não poderia funcionar à mesma com um empregado? Na actividade de venda de produtos típicos de um mini-mercado não há um carácter intuitu personae que gere impossibilidade de substituição da A. B… por outra pessoa, por si contratada.
BBBBB. Mesmo que assim se não entendesse, haveria que concluir não se verificar um nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano, requisito indispensável da responsabilidade civil no caso dos autos. Na verdade, ainda que - por hipótese de raciocínio (que a R. não concede) — se dissesse ter aquele acidente gerado uma ‘impossibilidade’ de manter em funcionamento aquele mini-mercado, tal seria apenas a verificação de uma causalidade concreta; que não encontra paralelo num juízo abstracto de ponderação e previsibilidade, em circunstâncias idênticas, aferido por um cidadão médio, diligente, que tais factos (na origem do acidente) pudessem ter consequências económicas para um estabelecimento comercial de familiares do lesado.
CCCCC. Em bom rigor, ter-se-á por absolutamente imprevisível que aqueles factos gerassem danos para um estabelecimento comercial de familiares da vítima. Ora, à luz dos ensinamentos da teoria da causalidade adequada, não há, no caso concreto, nexo de causalidade adequada.
DDDDD. No mesmo sentido, aliás, parece manifestar-se a sentença recorrida, quando apela à “teoria da causalidade adequada, e, mais à frente, diz que não são indemnizáveis “todos os danos que os AA. A… e B… invocam”. Contudo, uma vez mais, em função dos resultados da lei que acabou de aplicar, acaba a sentença recorrida por fazer diferente aplicação da lei. Ou seja, em vez de aplicar a correcta interpretação do art.° 563.° C. Civil que acabou de expor, passa para uma aplicação sui generis do art.° 495.°, n.° 2 do C. Civil.
EEEEE. Considera o Tribunal a quo: «Como C… necessita de assistência permanente de terceira pessoa, e como já se apurou que essa assistência custa E 14.000,00 por ano, isso quer dizer que esse seria o montante que deveria ter sido atribuído à A. B… para cuidar da sua filha.».
FFFFF. Na verdade, o pedido de indemnização dos AA. nos autos é claro na configuração do pedido e da causa de pedir. O pedido é a indemnização no montante que consta na petição inicial, claramente identificado como sendo o lucro cessante do estabelecimento mini-mercado que encerrou.
GGCGG. Essa foi a configuração dos factos e o pedido constante dos autos, feita pelos próprios AA.. O que foi pedido foi uma indemnização pelo encerramento do mini-mercado; não foi nenhuma compensação de “serviços de assistência a doente”.
HHHHH. Encontrava-se, pois, o Tribunal a quo limitado à configuração dos factos e ao pedido formulado pelos AA. pais de C…, não podendo a sentença recorrida conceder indemnização diversa da que foi pedida.
IIIII. Para além disso, na matéria provada é dito que a C… precisará, no futuro (se e quando sobreviver ao momento em que sua mãe não a puder prestar), de assistência de terceira pessoa, essa sim orçada em € 14.000/ano.
JJJJJ. Previsão esta, para o futuro, que já se encontra salvaguardada na indemnização por danos patrimoniais da C….
KKKKK. Acresce, também, nova imprecisão dos números na sentença recorrida.
Diz-se que a assistência por parte da mãe de C… se manterá “durante cerca de 20 anos”. É uma incógnita, mas sempre se dirá um número impreciso. Com efeito, dizia a sentença (p. 30, fls 1002) que o período de esperança de vida da C… era de 37 anos (da propositura da acção), e mais dizia (p. 31, fls 1003) que após o momento em que a sua mãe deixaria de poder prestar assistência precisaria da ajuda de terceiro por mais 20 anos. Ou seja, 37-20 = 17; donde os “cerca de 20 anos” são afinal 17.
LLLLL. Por outro lado, e como reconhece a sentença recorrida, não há sequer equivalência entre os lucros cessantes do mini-mercado e os custos dessa assistência por terceira pessoa. Os lucros anuais desse estabelecimento provaram-se ser de €. 18.000/ano (€. 1.500x 12meses), e a assistência que será eventualmente necessária no futuro ser de €. 14.000/ano (€. 1.000 x 14 meses). Ora, entre 18 mil euros e 14 mil euros, vai uma diferença considerável, tanto mais, quando multiplicado por 17 (ou 20) anos.
MMMMM. Explica a sentença recorrida: «É que, se ficcionássemos que a A. B… mantinha o estabelecimento e pagava a uma terceira pessoa para cuidar da filha com os rendimentos auferidos no mini-mercado, no final do ano sobrar-lhe-iam € 4.000,00, o que demonstra que este valor não pode ser considerado dano emergente do acidente.».
NNNNN. Trata-se, efectivamente, de uma ficção! Ficção esta que demonstra, por um lado, que a decisão de encerrar o estabelecimento não era economicamente justificável por ser a mais onerosa
OOOOO. Ora, com o devido respeito, não pode o Tribunal a quo decidir com base em ficções; tem que decidir com base na configuração dos factos provada e do pedido dos AA..
PPPPP. Quanto aos danos morais da A. C…: a sentença recorrida atribuiu à C…, a título de danos morais, uma indemnização de meio milhão de euros. Ou seja, pela totalidade do pedido.
QQQQQ. Ora uma indemnização deste montante, que acresce a uma indemnização também avultada de danos patrimoniais, mais os respectivos juros, será excessiva, atendendo a toda a douta interpretação e aplicação da lei feita pela nossa Jurisprudência; vejam-se, por todos, STJ, 22-10-1992; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Coimbra, 4ed, p. 501; STJ 19.06.2008; STJ 28.2.2008; STJ 5.7.2007; STJ 23.10.2008; STJ 29.10.2008;
RRRRR. Na verdade, para que se faça justiça é necessário ponderar as decisões de casos similares. A par da lei, dos usos, e da doutrina, a Jurisprudência é uma verdadeira fonte de Direito, com um campo de aplicação privilegiado nesta matéria da fixação de valores indemnizatórios com recurso à equidade.
SSSSS. O Tribunal a quo, aponta apenas um único Acórdão do STJ (27.01.2005), na qual foi arbitrada uma indemnização de E. 100.000,00 a uma vítima de acidente de viação, com graves consequências.
TTTTT. Ora, apenas um Acórdão — tanto mais cujo montante indemnizatório é cinco vezes inferior ao concedido pela Sentença Recorrida — ter-se-á por insuficiente para fundamentar a decisão de meio milhão de euros de danos morais no presente caso.
Os autores, e ora recorridos, contra-alegaram oferecendo as seguintes conclusões:
1- Ao contrário do que se escreveu, em sede de fundamentação, da douta decisão recorrida, o Tribunal não está impedido de computar os danos parcelares em montantes superiores aos indicados na petição e o Tribunal “ad quem” deve fazê-lo.
2- A proibição de condenar “ultra petitum” aplica-se só ao montante global da indemnização e não aos danos parcelares.
3- Por isso, deviam e devem ser computados todos os danos parcelares sem que as quantias indicadas na petição lhe sirvam de limite máximo.
4. A justa indemnização devida a cada Autor é a soma dos seus danos parcelares.
5- Como essas somas ultrapassam, no caso concreto, os pedidos formulados, há que aplicar então (mas só então) o disposto no artº. 661º nº 1 do CPC, abstendo-se o Tribunal de condenar em quantias superiores às pedidas.
6- Decidindo de forma diferente do acabado de descrever, a decisão recorrida violou o artº 569º (1ª parte) do Código Civil por força do qual os AA. não são sequer obrigados a indicar os montantes em que computam cada dano parcelar.
Aplicou também indevidamente o artº 661º, nº 1 do CPC, uma vez que a regra nele contida só se aplica ao pedido indemnizatório global.
7- Por força do vício acabado de expor, o Mmº Juiz “a quo” absteve-se de computar o valor correcto do dano patrimonial decorrente da perda de capacidade de rendimento da C…, que reconheceu ser superior aos 200.000.00 Euros, que todavia levou em consideração, alegadamente por virtude do disposto no artº 661º nº 1 do CPC.
8- Porém, esse dano, devia e deve ser computado em 400.000.00 Euros, pelo que os danos patrimoniais da C… totalizam 900.000.00 e não 700.000.00 Euros.
9- Pelo mesmo motivo não foram correctamente computados todos os danos parcelares dos AA A… e B….
10- O dano parcelar que estes sofreram por virtude do encerramento do mini-mercado não devia ter sido diminuído de 14.000.000/ano Euros, uma vez que nem um nem sequer 2 empregados, seriam capazes de fazer nele todo o trabalho que a B… aí levava a cabo.
11- O encerramento desse estabelecimento comercial foi uma inevitabilidade emergente da queda da árvore.
12- Por isso, devem os danos patrimoniais dos AA A… e B… ser computados em 400.000.00 Euros, pelo que a decisão recorrida violou as já indicadas disposições legais e os artºs 562º, 564º, 566º nºs 1 e 2, todos do código Civil.
13- Todavia, por força do disposto no nº 1 do artº 661º nº 1 do CPC deve o réu ser condenado a pagar aos AA só as quantias que estes peticionaram e respectivos juros, apesar de serem inferiores aos seus danos reais, negando-se provimento ao recurso do réu.
14- Requer-se que o recurso suba directamente para o STA, uma vez que nele só se discutem questões jurídicas.
A Ex.ª Magistrada do MºPº junto deste STA emitiu douto parecer no sentido de que se anule a decisão recorrida a fim de se proceder à ampliação da matéria de facto, elaborando-se um quesito sobre o grau de inclinação da árvore.
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
1. No dia 06 de Dezembro de 2000, pelas 21H30, ao quilómetro 38,300 da Estrada Nacional (EN) 118, ocorreu um acidente de viação em que foi interveniente o veículo
…-…-…, conduzido por …;
2. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas na alínea anterior, o NT seguia no sentido Benavente-Samora Correia.
3. A A. C… seguia no NT no banco situado ao lado do condutor;
4. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidos em 1), uma árvore (acácia mimosa dealbuta), com cerca de 18 metros de altura, e com tronco com cerca de 50 centímetros de diâmetro, caiu em cima do NT, sobre o lugar ocupado pela C…;
5. A Acácia Dealbuta, comummente designada por Mimosa ou Acácia-Mimosa, apresenta-se sempre verde e pode atingir a altura de 30 metros;
6. É uma árvore que se adapta a meios pouco exigentes e que tolera a secura, sendo, por isso, uma espécie introduzida com o objectivo de consolidar e estabilizar terrenos arenosos e dunas;
7. Devido a isso localiza-se em maior número junto às estradas, caminhos e terrenos de culturas;
8. A árvore referida em 4) tinha cerca de 40 anos de idade, e encontrava-se implantada a cerca de 3 metros do limite da faixa de rodagem da EN 118;
9. E encostada, pelo lado interior, à vedação do terreno pertencente a D…;
10. Essa árvore encontrava-se inclinada sobre a faixa de rodagem há mais de 10 anos, inclinação essa que também foi acentuada pelo próprio peso da árvore;
11. O terreno onde estava implantada é arenoso;
12. A chuva e o vento provocaram a erosão do terreno onde a árvore se implantava;
13. No dia e na noite de 6 de Dezembro de 2000 o tempo apresentou-se chuvoso e com muito vento;
14. A época do ano em que ocorreu o acidente é caracterizada por chuva intensa e vento forte, sobretudo durante a noite;
15. Consta da participação policial fotocopiada a fls. 99 e ss. dos autos (e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), que, segundo declarações do condutor do veículo, este circulava na EN 118, no sentido Benavente — Samora Correia e que ao Km. 38,300 uma árvore caiu em cima do veículo;
16. Consta ainda do mesmo documento que na data, hora e local referidos em a), o estado do tempo se caracterizava por “Chuva e muito vento” e que a causa provável do acidente foi “queda de árvore devido às más condições climatéricas” e que tal árvore é propriedade de D…, residente em …, …, …, 2765 Estoril.
17. O referido supra em 10, 11, 12 e 13 constituiu as causas da queda da árvore;
18. Anteriormente à data referida em 1., a Câmara Municipal de Benavente solicitou ao ICERR e ao Director de Estradas do Distrito de Santarém a limpeza das bermas no troço da EN 118, entre Porto Alto e Benavente, face aos perigos que a falta de limpeza oferecia;
19. Por ofício subscrito pelo Director de Estradas do Distrito de Santarém de 1 de Fevereiro de 2000 a CMB foi informada de que iria ser efectuada a limpeza das bermas e valetas da EN 118 no troço do KM 32,000 ao KM 41,300 (Porto Alto - Benavente);
20. A estrada nunca foi sinalizada nesse troço nem foram abatidas árvores, antes da data referida em 1;
21. À data do acidente a A. C… pertencia ao quadro privativo da Câmara Municipal de Benavente, com a categoria de Auxiliar dos Serviços Gerais (situação que se mantinha em 11.09.2003), auferindo o vencimento mensal de Esc. 68.900$00 acrescido do subsídio de alimentação;
22. Como consequência do embate da árvore, a A. C… sofreu fractura das vértebras C3, C4, C5, C6 e C7, com instalação de tetraplegia;
23. Tendo de ser assistida no Hospital de Benavente, e depois transportada para o Hospital de Vila Franca de Xira, de onde foi transferida para a UVM do Hospital de São José;
24. No Hospital de São José ficou em tracção esquelética até 14-12-2000, data em que foi submetida a intervenção cirúrgica (corporectomia de C4, C5, C6 e artodese com enxerto e placa Orion de C3-C7);
25. Como consequência desta intervenção cirúrgica, a 1ª A. tem na face lateral esquerda do pescoço uma cicatriz uma cicatriz deprimida, hipertrófica, com 10x1,5 cm;
26. Foram-lhe então retirados partes dos ossos da bacia, do lado esquerdo e direito, que foram enxertados nas cervicais;
27. A A. C… ficou com cicatrizes da crista ilíaca direita, oblíqua para baixo e para cima, que mede 9 cm, e na crista ilíaca esquerda, oblíqua para baixo e para a esquerda, que mede 10 cm;
28. Em 04.01.2001 foi submetida a nova intervenção cirúrgica para revisão da artrodese, reaplicação de parafusos distais, aplicação de mais 2 parafusos de fixação do enxerto; e a outra, mais tarde, para que fosse retirado o material de osteossíntese;
29. A partir da data do sinistro, a A. passou a ser alimentada através de um tubo gástrico, introduzido pelas narinas, no qual eram injectados os “alimentos”;
30. Logo depois da intervenção de 4/01/2001 sobreveio uma fístula esofágica alta, que obrigou a nova intervenção cirúrgica (gastrotomia), em 07/11/2001;
31. Nessa intervenção foi-lhe introduzida, no corte cirúrgico, uma sonda através da qual passou a ser alimentada;
32. A fístula esofágica “fechou” no início de Dezembro de 2001;
33. Só no dia 05-12-2001 começou a ser alimentada por via oral;
34. Como consequência da gastrotomia, a P A. ficou com uma cicatriz na região epogástrica, vertical, que mede 9 x 1 cm;
35. Para corrigir a deformação estética resultante da cicatriz no pescoço, a 1.ª A. foi submetida a uma intervenção cirúrgica;
36. O pré e post-operatório dessa cirurgia foram muito dolorosos;
37. A C… foi colocada numa “cama striker”, ficando “entalada” entre duas superfícies (uma inferior e outra superior) giratórias;
38. Foi-lhe retirada pele da orelha esquerda para tentar dissimular parcialmente a cicatriz do pescoço;
39. A A. C… ficou, em consequência da extracção de pele da orelha referida na resposta ao quesito 28°, com uma cicatriz na inserção do pavilhão auricular esquerdo, com 2 cm;
40. Por força das lesões sofridas e suas consequências, a 1ª A. apenas tem sensibilidade do pescoço para cima e nos ombros;
41. A A. C… sofreu fortes dores nas zonas referidas na alínea anterior;
42. Em 21-01-2002 foi internada no Centro de Medicina de Reabilitação onde, até 12/07/2002, data da alta (conforme documento de fls. 42), fez um programa de reabilitação com tratamentos diários de fisioterapia e terapia ocupacional com apoio psicológico;
43. Naquele Centro fez ainda os exames complementares de diagnóstico;
44. Como consequência das lesões sofridas, sofre de forma irreversível, de alteração da estrutura das vértebras C3 a C5 e diminuição acentuada da função respiratória;
45. E de uma incapacidade funcional permanente de 95% com incapacidade total e permanente para o trabalho;
46. As lesões sofridas e os seus tratamentos provocaram à A. C… dores, num “quantum doloris” de seis numa escala de sete;
47. Desloca-se em cadeira de rodas e necessita de assistência permanente de 3.ª pessoa nos actos da vida diária, sendo que, para certos actos (tais como, tomar banho e defecar) carece da ajuda de mais uma pessoa;
48. Perdeu todos os movimentos e sensibilidade do pescoço para baixo (com excepção dos ombros), designadamente nos órgãos sexuais, nos esfíncteres, no ânus, no recto, nos intestinos, no estômago, no aparelho urinário, no respiratório e nos membros inferiores e superiores;
49. Só com o auxílio de medicamentos consegue ter um controle, meramente mecânico e muito relativo, das fezes e da urina;
50. Não contém a urina nem as fezes, pelo que é obrigada a usar fraldas;
51. Anda permanentemente algaliada;
52. Tem frequentes infecções urinárias provocadas, sobretudo, pela algaliação;
53. Carece e carecerá toda a vida de permanente controlo médico e medicamentoso;
54. Corre o risco de vir a sofrer graves lesões renais;
55. A falta de movimentos provoca e provocará necessariamente, cada vez mais, descalcificação do esqueleto e péssima tonificação da massa muscular;
56. E provoca-lhe, constantemente, escaras nas nádegas e no ânus;
57. Ficou extremamente vulnerável à contracção de grande número de doenças;
58. Tem a sua expectativa de vida encurtada;
59. Não pode ter relações sexuais, nem prazer sexual, nem procriar;
60. O maior desejo de toda a sua vida era ser mãe;
61. O namoro que então tinha acabou, devido a ter ficado privada de sensações abaixo do nível dos ombros;
62. Perdeu quase todos os amigos, por falta de contacto com eles;
63. Tem dificuldade em estar em público ou em eventos sociais por carecer de medicação constante e ter receio de defecar e urinar sem disso se dar conta, por só se aperceber de tal pelo cheiro das fezes e da urina;
64. Passou a sofrer de depressão reactiva e ansiosa, tem humor deprimido com concentração dolorosa, padece de perda de iniciativa e de inibição psico-motora;
65. Por essa razão é acompanhada por psiquiatra;
66. Vive em permanente estado de amargura, desespero e angústia, inconformada com as suas deficiências físicas, psicológicas e emocionais e por sentir que não é uma pessoa igual às outras;
67. Perdeu a vontade de viver e muitas vezes tem pedido que lhe ponham termo à vida;
68. Ansiava casar, constituir família, ter filhos, realizar-se profissionalmente;
69. Era apaixonada por danças de salão, a que se dedicava desde muito jovem;
70. Era uma exímia dançarina, participando em competições e exibições por todo o país;
71. As lesões que sofreu e sofre impedem-lhe o exercício da dança;
72. O que a angustia profundamente;
73. A A. C… esteve sem trabalhar desde a data do acidente até 20.02.2003;
74. Antes do sinistro a A. C… era uma pessoa inteligente, muitíssimo trabalhadora, activa, alegre, feliz, saudável e cheia de dinamismo;
75. Tinha a expectativa de melhorar os rendimentos do seu trabalho;
76. Era sua intenção concluir o ensino secundário e tirar um curso superior;
77. Enveredando por uma profissão em que auferisse melhor remuneração do que aquela que poderia receber como funcionária pública na carreira a que pertencia;
78. A C… precisa e precisará, para sempre, de ser regularmente vigiada clinicamente, de tomar medicamentos, fazer análises, exames médicos, usar algálias, fraldas e resguardos;
79. O que tem sido garantido até ao presente, incluindo os transportes, pelos ÍAA. A… e B…;
80. As despesas com medicamentos, bem como com transportes a médicos e laboratórios, montam desde o dia em que teve alta até à data da propositura desta acção, a quantia superior a € 2550,00 (à média de € 150,00 mensais);
81. Essas despesas foram pagas pelos AA. A… e B…;
82. Os gastos com fraldas e algálias, durante o mesmo período, foram de quantia superior a € 2550,00 (à média de € 150,00 mensais);
83. Também essas despesas foram pagas pelos AA. A… e B…;
84. Com a assistência médica e medicamentosa e os meios auxiliares de diagnóstico, serão gastos mensalmente € 110,00, a valores actuais;
85. Com fraldas e algálias serão gastos, mensalmente, € 150,00, a valores actuais; 86. Com transportes ao psiquiatra e a outros médicos serão gastos mensalmente € 40,00, a valores actuais;
87. Os AA. A… e B… visitaram e apoiaram diariamente a ia A. C… durante todo o tempo em que esteve internada, primeiro no Hospital 8. José e depois em Alcoitão;
88. Essas visitas nunca foram em simultâneo, indo a A. B… o dia inteiro e o A. A… à hora de almoço, no intervalo do trabalho;
89. Com deslocações ao Hospital de São José os AA. A… e B…, gastaram, entre o dia 06 do mês de Dezembro de 2000 e o dia 21 do mês Janeiro de 2002, o A. A… € 1.950,00 em gasolina e portagens, a uma média de € 150,00 mensais, e a A. B… € 1115,40 referentes ao passe da empresa de camionagem … e € 411,00 referentes ao custo total dos bilhetes do metropolitano;
90. Com deslocações à clínica de recuperação de Alcoitão os AA. A… e B… gastaram entre o dia 21 do mês de Janeiro de 2002 (data do internamento) e o dia 12 do mês de Julho de 2002 (data da alta) a quantia de € 3.220,60, o A. A… € 900,00 em gasolina e portagens, a uma média de € 150,00 mensais, e a A. B… € 600,60 referentes ao passe da empresa de camionagem …, e € 172,00 referentes ao valor total dos bilhetes do metropolitano e € 1.548,00 referentes ao valor total dos bilhetes, de ida e volta, de comboio;
91. Desde 21-07-2002 (data da alta) a A. C… tem sido sempre assistida pela A. B…, que passa todo o tempo consigo;
92. Devido a isso a A. B… teve que encerrar, em Agosto de 2002, um pequeno estabelecimento de mini-mercado de que era proprietária com o seu marido e que explorava, do qual auferia mensalmente, em média, o lucro de € 1.500,00;
93. Os AA. A… e B… efectuaram alterações arquitectónicas na casa que habitam com a 1 A., tendo em vista a criação de acessibilidades destinadas a esta;
94. Alargaram 4 portas para que a cadeira de rodas da filha pudesse por elas passar, fizeram duas novas portas (aberturas), construíram um novo quarto adaptado para a 12 A, e junto a esse novo quarto, construíram uma casa de banho com espaço para a cadeira de rodas e com louças adaptadas à deficiência;
95. Para construir aquela casa de banho tiveram que alterar as canalizações da casa;
96. Adquiriram e montaram uma porta de correr para aquela casa de banho;
97. Construíram uma rampa na entrada da casa;
98. Com os factos referidos supra de 89 a 93 os AA. A… e B… gastaram, € 31.324,00;
99. Gastaram com a aquisição de uma cama articulada, com colchão anti-escara, a quantia de €2.950,00;
100. A A. C… precisará de nova cadeira de rodas eléctrica, movida por comando accionado pela cabeça, cujo custo não será inferior a € 35.000,00;
101. E de adquirir um computador (e posteriormente outros) com sistema de infravermelhos para escrita, stick bucal e software compatível, cujo custo unitário não é inferior a €2.500,00, a valores actuais;
102. E um elevador de transferências, cujo custo não é inferior a €2.100,00, a valores actuais;
103. E adquirir uma viatura automóvel “transformada para transporte de passageiro com deficiência motora superior a 90%” (e posteriormente outros), que custa € 35.000,00, a valores referidos à data de entrada da p.i.;
104. A velhice, primeiro, e, depois, a morte dos AA. A… e B… impedirão que os mesmos possam prestar assistência à 1ª A se esta lhes sobreviver;
105. Nessa circunstância o custo da assistência de terceira pessoa ascendera a quantia não inferior a € 14.000,00 (€ 1.000,00 x 14 meses);
106. À data do acidente a C… tinha 20 anos de idade, o 2° A. 41 anos e a 3ª A. 39 anos de idade;
Passemos ao direito.
A autora C… ficou tetraplégica devido aos ferimentos que sofreu por uma árvore, marginal à EN 118, ter caído sobre um veículo que ali passava e onde ela seguia. Daí que essa autora e os pais tivessem proposto contra o IEP (actual Estradas de Portugal, SA) a acção dos autos, pedindo a condenação do réu a pagar-lhes indemnizações pelos danos, patrimoniais e morais, presentes e futuros, por eles sofridos em resultado do sinistro. E a sentença recorrida julgou a acção totalmente procedente, condenando a ré a pagar à autora C… a importância de 1.200.000,00 euros e, aos restantes autores, a quantia de 252.521,00 euros, acrescidas de juros, à taxa legal, desde a citação até efectivo cumprimento.
No presente recurso, a ré insurge-se contra o assim decidido, questionando sobretudo duas matérias: desde logo, a sua responsabilidade civil e, secundariamente, a determinação e a quantificação dos danos indemnizáveis. Mas, para além disso, a recorrente critica a sentença por ela enfermar de «excesso de pronúncia» e de «falta de fundamentação». Ora, e como estes dois últimos pontos abstractamente se ligam à validade ou à nulidade da sentença, problema que é sempre cognoscível antes das questões de mérito, é por eles que importa começar.
Na sua conclusão P), a recorrente diz que a sentença, ao transitar da responsabilidade subjectiva que fora alegada pelos autores para uma condenação «em sede de responsabilidade objectiva», parece (foi este o verbo utilizado, aliás no gerúndio) ter incorrido em excesso de pronúncia. Depara-se-nos um modo debilitado e reticente de alegar o vício previsto no art. 668º, n.º 1, al. d), do CPC, que cria imediatamente a dúvida sobre se houve um propósito efectivo de arguir a correspondente nulidade. Não obstante, cremo-la invocada, pois a tibieza das afirmações não as descaracteriza como tais.
Sucede, todavia, que a nulidade é imaginária. Embora a sentença repetidamente falasse na «responsabilidade objectiva» da ré, percebe-se que o fez por um erro «de dicto», supondo que a culpa presumida (prevista no art. 493º, n.º 1, do Código Civil) integrava tal conceito. No entanto, a responsabilidade subjectiva é a que se funda na culpa do agente, seja ela real ou presumida, e a objectiva é a que prescinde da culpa, baseando-se no risco (arts. 499º e ss. do Código Civil). Incorreu, pois, a sentença num lapso terminológico; mas, por o lapso ser dessa índole, dele não resultou que a sentença tivesse julgado a causa com fundamento num tipo de responsabilidade diferente do imputado ao réu «in initio litis». Donde se conclui que a decisão «a quo» não é nula por excesso de pronúncia – ficando prejudicada a questão de saber se tal condenação em termos diferentes, a ter deveras existido, ofenderia a estabilidade da instância.
Quanto à falta de fundamentação, entendemos que a vaga referência que a recorrente lhe faz na sua conclusão S) não traduz a denúncia da respectiva nulidade – que, aliás, nunca existiria, por o vício invalidante pressupor uma falta de fundamentação total. Assim, tomamos a abordagem do assunto como uma tentativa de, com base numa fundamentação insatisfatória da sentença, melhor persuadir que ela contém algum erro de julgamento.
Ultrapassados os pontos anteriores, consideremos a «quaestio juris» essencial posta no recurso – que consiste em apurar se a recorrente pode ser responsabilizada pelos prejuízos resultantes da queda da árvore. E toda a dificuldade do problema radica na certeza de que a árvore, embora «implantada a cerca de três metros do limite da faixa de rodagem da EN 118», ou seja, muitíssimo perto de uma via sob jurisdição da recorrente, se localizava já num terreno privado, contíguo à berma da estrada.
As árvores são coisas imóveis (art. 204º, n.º 1, do Código Civil); daí que, nos termos do art. 493º, n.º 1, do mesmo diploma, se deva presumir a culpa da sua proprietária, também dona do prédio onde a árvore se situava, para o efeito de civilmente a responsabilizar pelos danos provocados pelo seu colapso. E, fundamentalmente por isso, a recorrente diz-se alheia ao evento danoso e clama pela sua absolvição.
No entanto, o facto da proprietária da árvore poder ser responsabilizada em primeira linha pelos efeitos lesivos da sua queda não exclui, «de plano», a responsabilidade civil da ora recorrente – que poderia ter concorrido também para o evento (cfr. art. 497º do Código Civil), movessem ou não «ex aequo» as causalidades de ambas. E essa foi a perspectiva dos autores, acolhida na sentença: a circunstância da árvore, com dezoito metros de altura, estar há mais de dez anos inclinada sobre a faixa de rodagem constituiria um perigo manifesto para a circulação rodoviária, que a recorrente deveria também prevenir; e, não tendo ela cumprido esse seu dever, incorrera numa omissão ilícita e culposa, justificando-se que responda pelos danos causados pela queda da árvore (art. 490º do Código Civil).
A responsabilidade civil por omissão pressupõe a existência de um dever jurídico, legal ou contratual, de praticar o acto omitido (art. 486º do Código Civil). Está fora de causa um qualquer negócio jurídico que obrigasse a recorrente a agir, por forma a remover a árvore; donde se segue que tal dever tem de ser procurado na lei.
E foi assim que a sentença procedeu, começando por detectar nas atribuições e nos estatutos do ICERR (antecessor da ora recorrente, à data do sinistro), previstos no DL n.º 239/99, de 25/6, e no DL n.º 13/94, de 15/1, a obrigação de ele vigiar a perigosidade para a circulação rodoviária das árvores próximas das vias públicas, obrigação essa que se cumpriria através dos poderes de ordenar aos proprietários das árvores que as derrubassem e de a eles se substituir, caso o não fizessem.
Aliás, a sentença foi mais longe, pois entendeu que, sobre a ré, impendia a presunção de culpa prevista no art. 493º, n.º 1, do Código Civil – fosse porque o ICERR, enquanto apto a intervir nas zonas envolventes das estradas, havia de ser encarado como «detentor em nome alheio do complexo arbóreo» que as ladeia, fosse porque o mesmo ICERR tinha em seu poder uma coisa imóvel (a estrada) e esta, «vista em toda a sua globalidade», incluía a árvore que sobre si se inclinava.
Antes de voltarmos à problemática aludida no penúltimo parágrafo, afastemos desde já a ideia errónea de que aquele art. 493º se aplica à ré. Independentemente do juízo que se faça sobre a existência e o âmbito dos poderes de intervenção da recorrente nas zonas limítrofes às estradas, é absolutamente certo que a árvore em causa nestes autos estava, ao que se sabe, no «poder» de uma única pessoa – que era a sua proprietária. Portanto, é fantasiosa a tese de que tal árvore, localizada em terreno privado, era detida pelo ICERR em nome alheio, pois isso já pressuporia um negócio que lhe transmitisse o gozo da coisa ou lhe impusesse a sua guarda. E a argumentação não melhora em resultado da árvore ocupar parcialmente o espaço aéreo da via; é que essa intrusão não contendia com a propriedade dela, continuando a dona da árvore a ser a pessoa que a tinha em seu «poder», aliás com «o dever de a vigiar».
O que, todavia, não exclui que o ICERR devesse igualmente vigiar a árvore – como dissemos já. A sentença concedeu que nenhum diploma legal especificamente previa que o ICERR vigiasse árvores alheias e as mandasse derrubar. Mas extraiu o dever de vigilância e a inerente prerrogativa das atribuições gerais desse ente público, que incluem a necessidade de cuidar da segurança rodoviária.
E, realmente, tal segurança era um dos fins transversais às atribuições do ICERR, aliás de importância superior à comodidade e à fluência da circulação. Isso perpassa pelo art. 4º dos estatutos aprovados pelo DL n.º 237/99, de 25/6, como a sentença correctamente disse. Vê-se aí, embora indistintamente, o dever desse ente público intervir, prevenindo riscos que ponham em causa a segurança daqueles que nas estradas circulem, podendo dizer-se que tal obrigação flui de um princípio jurídico que jaz, oculto mas presente, no texto dessa e doutras normas do diploma – e, ainda, de legislação anterior e conexa, como sejam o DL n.º 13/71, de 23/1, ou o DL n.º 13/94, de 15/1. Até porque ninguém de bom senso ousaria dizer que a entidade pública responsável pelas estradas pode, actuando ainda «secundum legem», permanecer alheia e indiferente a perigos notórios para os seus utilizadores, mesmo que advindos da acção ou da omissão de terceiros.
Sendo assim, não colhe a ideia de que o ICERR estava impedido de actuar porque a árvore se situava num terreno privado. Se o grau de perigosidade dela o justificasse, existiria o dever de agir. É duvidoso se o ICERR dispunha do título jurídico bastante para algum dos seus órgãos emitir um acto administrativo em que ordenasse à dona da árvore o seu abate num certo prazo, sob pena disso ser efectuado forçadamente à sua custa. Mas, a entender-se que essa intervenção autoritária não era possível, o ICERR poderia sempre usar a via do direito privado – lançando mão, v.g., do disposto no art. 1366º do Código Civil a fim de remover o perigo que a árvore constituísse.
E tocamos agora no ponto fundamental: seria leviano pensar-se que a recorrente tem a obrigação de vigiar todas as árvores que, aos milhões, bordejam as estradas nacionais a partir de terrenos privados. Portanto, os deveres de vigilância e de reacção a que aludimos «supra» só existem nos casos excepcionais em que os perigos, para a segurança rodoviária, criados pela presença dessas árvores sejam óbvios e genuinamente alarmantes.
«In casu», é claro que a hipotética violação, pela recorrente, de um dever de vigilância daquele género não se conclui, «ex post», do facto da árvore ter caído; mas tem de se verificar «ex ante», em virtude da árvore, anteriormente à queda, já possuir características detectáveis que insinuavam que ela tombaria.
Assim, e aos olhos de um observador prudente, podiam suceder três coisas relevantes: ser certo que a árvore cairia; ou ser muito provável que caísse; ou ser pequena a probabilidade da queda. Temos aqui uma gradação que vai da necessidade rumo à possibilidade pura. Mas sem que esta seja atingida, pois a queda simplesmente possível é irrelevante. É que ninguém duvida que qualquer árvore pode cair; mas a asserção também significa, ou ao menos implica, que ela pode não cair – pois o possível é o que pode ser ou não ser. E esta ambivalência do possível em relação ao ser logo evidencia que a pura e simples possibilidade da árvore cair nunca poderia fundar um dever de acção que evitasse a queda. Pelo que o problema se põe em termos, ou de necessidade, ou dos dois graus de probabilidade que acima distinguimos – e os graus são apenas dois por não se justificar maior minúcia na análise.
Os autores não alegaram directamente que a árvore, tal como se apresentava, cairia de certeza ou provavelmente. A sua alegação foi indirecta, fundando na conjugação de três factos – estar a árvore «fortemente inclinada sobre a faixa de rodagem», ter as suas raízes à mostra do lado oposto à estrada e estar implantada num terreno arenoso – a capacidade, ao alcance de um qualquer observador prudente, de antecipar a futura queda da árvore sobre a via.
Cremos mesmo que os autores, ao alegarem dessa maneira, quiseram persuadir que um vigilante atento constataria que a árvore ia necessariamente tombar. Essa não seria, decerto, uma necessidade absoluta, mas somente uma necessidade de inevitabilidade – por a queda inevitável da árvore ainda depender da reunião futura, mas já tida por certa («certa an, incerta quando»), das condições que desencadeariam e precipitariam o processo causal de colapso da árvore. De todo o modo, ao conjugarem a forte inclinação da árvore, a natureza do solo e o estado das suas raízes, os autores conduziram o assunto mais para a ordem da determinação do que para a da contingência – pelo que a futura queda da árvore apresentar-se-ia, aos olhos de um observador cuidadoso, como algo inevitavelmente certo.
Mas os factos assentes vedam que o problema se resolva dessa maneira. Ignorando-se o grau de inclinação da árvore, sabendo-se que ela permaneceu estável por mais de dez anos e não se tendo provado que tinha as raízes à mostra, exclui-se de imediato que um qualquer vigilante devesse concluir que a árvore certamente cairia sobre a estrada. Assim, não se pode solucionar o caso a partir da ideia de que as circunstâncias presentes no local apresentavam a queda da árvore como um acontecimento necessário, nos termos sobreditos.
Afastadas as hipóteses extremas de uma queda necessária e de uma queda meramente possível, outras se abrem: são as que respeitam a uma possibilidade qualificada, isto é, a uma probabilidade do evento. Com efeito, já dissemos que um observador atento do local poderia oscilar entre dois extremos – a certeza de que a árvore se abateria e a consideração disso como uma pura possibilidade; mas, para além dessas hipóteses, que vimos serem infecundas, ele poderia ainda, se as circunstâncias o impusessem, concluir que a árvore ameaçava abater-se; e uma tal conclusão significaria que se constatava alguma probabilidade dela cair.
Sabe-se que o provável é susceptível de gradações num número que é virtualmente indefinido. Mas, por óbvias razões de economia discursiva e de inteligibilidade, limitaremos a divisão dele a duas categorias: a de ser alta a probabilidade da árvore cair, de modo que um vigilante capaz estava em condições de encarar a queda da árvore como previsível, embora admitisse a falibilidade da previsão; e a de ele dever concluir que havia poucas probabilidades da árvore vir a tombar. Deparam-se-nos, no fundo, as seguintes e sucessivas questões: as circunstâncias presentes no local mostravam que a árvore ameaçava cair? E, se assim sucedia, essa ameaça era forte ou fraca, isto é, era grande ou pequena a probabilidade da ameaça se concretizar, propiciando um acidente?
A divisão que efectuámos é importante porque a recorrente não teria um dever de agir, inclinado à remoção de perigos, se o evento danoso se mostrasse pouco provável. Com efeito, já acima vimos que só em casos verdadeiramente alarmantes surgirá um dever da recorrente de prevenir riscos provocados por coisas de terceiros, incumbidos da obrigação de as vigiar. Até porque, enquanto for reduzida a probabilidade do acontecimento lesivo, continua a ser expectável que o dono da coisa intervenha «motu proprio», suprimindo o perigo «a radice».
Para apurarmos se a árvore se mostrava ameaçadora, e em que grau, apenas dispomos actualmente dos seguintes factos: ela estava implantada num terreno arenoso, a cerca de três metros do limite da faixa de rodagem da EN 118; tinha cerca de 18 m de altura e o seu tronco apresentava cerca de 50 cm de diâmetro; e estava inclinada sobre a faixa de rodagem há mais de dez anos, inclinação essa que também foi acentuada pelo próprio peso da árvore.
Ora, e «ante omnia», convém notar a total irrelevância dessa acentuação da inclinação. Provou-se que a árvore, devido ao seu peso, se foi progressivamente inclinando, mais e mais, sobre a estrada. Mas é claro que um tal processo duradouro, que se desenrolou por mais de dez anos, não era detectável por observações instantâneas da árvore, por muito cuidadosas que fossem. Portanto, e no plano da violação de deveres de vigilância, aquilo que deveras importa é o estado que a árvore manifestava num tempo razoavelmente próximo do evento lesivo.
O pormenor fundamental para se apurar se a árvore deveras ameaçava cair respeita à sua inclinação – já que não se provou que ela estivesse mal agarrada ao solo (e nem sequer fora alegado que «as raízes à mostra» eram visíveis por quem vigiasse a partir da estrada). No entanto, a inclinação sobre a via de uma árvore com dezoito metros de altura e implantada a cerca de três metros do limite dela – factos estes constatáveis por um vigilante atento – não implicava logo que a queda da árvore se mostrasse provável (nem, «a fortiori», iminente). Com efeito, se relacionarmos a altura da árvore com a sua proximidade à estrada, logo constatamos que a inclinação dela poderia, ainda assim, formar um ângulo, relativamente ao solo, pouco distante dos noventa graus. Ademais, se é certo que a verticalidade é a tendência natural das árvores, também é exacto que são inúmeras aquelas cujo tronco se desenvolve obliquamente sem que isso afecte de modo sério a sua estabilidade. Sendo assim, para que a árvore configurasse um perigo visível, impunha-se que a sua inclinação fosse de tal ordem que imediatamente causasse preocupação ou alarme.
Os autores perceberam-no e, na sua petição inicial, alegaram que a árvore em causa «estava fortemente inclinada sobre a faixa de rodagem». Ao usarem esse advérbio de modo, eles pretenderam assinalar o perigo que a árvore constituía. Mas fizeram-no em vão, pois tais advérbios, qualificadores de acções, incorporam sempre uma carga subjectiva que não pode ser quesitada. Assim, o tribunal «a quo» andou bem ao formular o respectivo quesito sem nele incluir o advérbio. E, «in fine», o quesito recebeu uma resposta afirmativa quanto ao facto da árvore se encontrar inclinada sobre a faixa de rodagem – desconhecendo-se, portanto, se tal inclinação era de molde a mostrar-se ameaçadora.
A natureza decisiva desta matéria não escapou à Ex.ª Magistrada do MºPº neste STA, que, no seu douto parecer, preconiza a formulação de um «outro quesito» em que se pergunte «qual o grau de inclinação da árvore». Contudo, a sugestão não pode ser aceite. Desde logo, porque tal quesito é formalmente inadmissível, já que não admitiria a resposta de «provado» ou «não provado» – a que todos os quesitos primária e imediatamente tendem; depois, porque a formulação de um quesito em que se perguntasse se a inclinação da árvore tinha um certo grau – corrigível, na resposta, para mais ou para menos – pressuporia que esse facto tivesse sido precisamente alegado (cfr. os arts. 264º, 511º e 664º do CPC). Ora, em ponto algum dos articulados consta a alegação directa de que a árvore se inclinava em certo grau; e isto proíbe que se elabore um quesito em conformidade.
Sendo assim, temos que os factos coligidos pelo tribunal «a quo» não mostram que a árvore configurasse uma ameaça que a recorrente devesse detectar e suprimir; pois, não se sabendo o grau de inclinação da árvore, fica-se na dúvida sobre se ela se mostrava perigosa – e uma tal dúvida deve resolver-se contra os autores e aqui recorridos, sobre quem impendia o ónus de provar os elementos constitutivos da culpa da ré (arts. 487º, n.º 1, do Código Civil e 516º do CPC). Pareceria, portanto, que esta perspectiva da demanda está votada ao insucesso, desde já.
Justifica-se, todavia, uma maior indagação. «In initio litis», os autores referiram-se à inclinação da árvore de um modo que vimos ser inútil. Mas importa ainda apurar se eles, na réplica, voltaram ao assunto e se, tendo-o feito, alegaram então de maneira eficaz. É sabido que a réplica acessoriamente serve para alterar ou ampliar a causa de pedir (art. 273º, n.º 1, do CPC); pelo que também serve o fim menor de alegar outros factos, que complementem ou concretizem (cfr. o art. 264º, n.º 3, do CPC) os da inicial «causa petendi» – permanecendo controvertidos esses outros factos invocados na réplica se não puder ser apresentada tréplica (cfr. o art. 503º do CPC). Ora, se porventura concluíssemos que a réplica conteve a alegação de factos reveladores de um alarmante grau de inclinação da árvore e, assim, de uma elevada probabilidade da sua queda, haveríamos então de seguir a via sugerida pela Ex.ª Procuradora--Geral Adjunta – determinando que se ampliasse a matéria de facto nesse preciso domínio.
Relendo a réplica, vê-se que os autores reafirmaram que a árvore estava «fortemente», ou «muito», inclinada sobre a estrada (arts. 37º, 52º e 72º). Mas, para além disso, disseram que «quase toda» a árvore se situava sobre a berma e a faixa de rodagem (arts. 36º e 38º), em termos de «a maior parte do tronco e toda a sua copa» estarem já sobre elas, «ultrapassando mesmo o eixo» da via (art. 46º). É indiscutível que estes dados acrescentam qualquer coisa à singela indicação de que a árvore estava inclinada; resta saber se esse acréscimo tem a nitidez e a precisão bastantes para que deles se possa inferir um notório estado de perigosidade que a recorrente não devesse ignorar.
O que está fundamentalmente em causa é o grau de inclinação da árvore. Não o tendo alegado «recte», os autores haveriam de fazê-lo indirectamente, descrevendo a situação por forma a que se pudesse segura ou razoavelmente apurar que grau era esse; é que, só depois de se saber isso, se poderia ponderar se a árvore ameaçava cair e qual a seriedade da ameaça.
Ora, a alegação de que «quase toda» a árvore estava sobre a berma e a via articula-se com o dito de que «a maior parte do tronco» e «toda a sua copa» estavam já sobre a berma e a faixa de rodagem. É que, acima do solo, a árvore compõe-se de tronco e copa, elementos que formam «toda» a árvore. Os autores não detalharam as dimensões da copa; mas deram-nos uma indicação delas ao afirmarem (no art. 46º da réplica), a propósito da árvore, que «a maior parte do tronco e toda a sua copa já se situavam fora da propriedade privada, sobre a berma e a faixa de rodagem, ultrapassando mesmo o eixo desta». Sendo assim, foi alegado que a copa da árvore ia desde a berma, do lado do terreno em que ela se implantava, até algures, por cima da via. Até onde ? Aparentemente só um pouco além do seu eixo – conclusão que fundamos em duas razões. Primeira razão: a dita ultrapassagem do eixo da estrada refere-se ao conjunto de «tronco» e «copa», atrás aludidos, isto é, refere-se à árvore tomada globalmente – sendo, portanto, de excluir a ideia de que estaria alegado que «a maior parte do tronco», por si só, já excedera o eixo da via; até porque, se o tronco excedesse o eixo, só uma grande assimetria da copa impediria que esta passasse além do limite oposto da estrada – facto que, a verificar-se, seria decerto alegado. Segunda razão: ao dizerem que houve «mesmo» uma ultrapassagem daquele eixo, logo vem sugerido – por o advérbio «mesmo» ter o sentido de «até» – que os autores concederam que tal ultrapassagem se deu em reduzida quantidade linear; aliás, isto aparentemente confirma que não foi alegado que «a maior parte do tronco» excedeu o eixo, pois, se assim acontecesse, a copa excedê-lo-ia tão largamente que o uso do advérbio não seria explicável.
Portanto, a maneira imprecisa como os autores, na réplica, continuaram a alegar factos referentes à inclinação da árvore não dissipa as hesitações originárias. E, nessa obscuridade, parece impossível entrever-se mais do que acima apontámos: que a copa da árvore ia, num sentido perpendicular à estrada, desde a berma até um pouco além do seu eixo; e que o tronco da árvore estava, na sua maior parte, sobre a berma e a faixa de rodagem – mas sem atingir o eixo da via, que só a copa ultrapassava. Mas, se isto se quesitasse e provasse, e considerando ainda a altura da árvore e a sua quase contiguidade à berma, persistiriam as dúvidas sobre a inclinação dela; pois tal inclinação seria pequena ou grande consoante a via fosse estreita ou larga e, sobre este ponto, nada foi dito nos articulados e nada consta da factualidade provada.
Podemos agora pôr fim ao excurso que empreendemos a fim de averiguar se a réplica continha a alegação de factos indicativos do grau de inclinação da árvore. Afinal, também aí se não elucidou, com um grau mínimo de certeza, esse crucial assunto, ficando na sombra se a árvore estava muito ou pouco inclinada e, por isso, se ela ameaçava ou não cair e, ameaçando, qual a medida do respectivo alarme. Ora, a certeza de que os factos novos da réplica não são decisivos exclui que, quanto a eles, se ordene a ampliação prevista no art. 712º do CPC.
Regressamos, portanto, a algo que já disséramos: ao invés do que a sentença julgou, os autos carecem de factos reveladores de que a árvore constituía uma ameaça tão notória para a segurança rodoviária que a aqui recorrente tivesse o dever de a detectar e suprimir. Donde se segue que, pela perspectiva que esteve em apreço, não se discerne uma responsabilidade civil da recorrente – inclinando-se a acção dos autos para o fracasso.
Porém, os autores invocaram três outras razões supostamente geradoras de uma igual responsabilidade da ré: não ter ela aposto na zona o sinal de «outros perigos», ter desatendido avisos vários sobre a necessidade de limpeza da zona e estar a árvore em contravenção ao estatuído no art. 8º, n.º 1, al. i), da Lei n.º 13/71, de 23/1.
Quanto àquela limpeza, a factualidade assente diz-nos que ela tinha ver com as bermas e as valetas da estrada, pelo que a questão não concerne às árvores situadas já em terrenos privados. Trata-se, pois, de matéria inútil para a averiguação de que tratamos.
Ao invés, apurou-se que «a estrada nunca foi sinalizada nesse troço», pelo que não havia aí o sinal de «outros perigos». Mas seria sempre absurdo relacionar a falta desse sinal com o acidente. Com efeito, os sinais de perigo têm por propósito alertar os condutores para riscos – no caso daquele sinal, indeterminados. Com a colocação deles, cujos destinatários são os condutores, intenta-se que estes elevem a atenção e aumentem as precauções, o que mostra que esses sinais visam influenciar o modo da condução – o que só é explicável por os perigos em causa serem os que os condutores podem evitar. Ora, nenhum condutor, por mais atento que esteja, pode esquivar-se a que uma árvore subitamente caia sobre o seu veículo. Donde se segue que a presença do sinal que os recorridos crêem em falta em nada contribuiria para evitar o sinistro; e só um raciocínio clamorosamente incorrecto estabeleceria um nexo de causalidade entre a ausência do dito sinal e o evento danoso.
Para além do que dissemos – e que já é, por si, decisivo – tem de se acrescentar que a colocação do sinal, se motivada pelo risco que a árvore constituía, pressupunha a constatação prévia da perigosidade dela. Ora, nós já vimos «supra» que não há elementos nos autos que evidenciem que a recorrente tivera, ou devesse ter, esse conhecimento – pelo que também não existe o antecedente cuja consequência seria a colocação do sinal.
Resta o problema de a árvore estar em contravenção ao preceituado no art. 8º, n.º 1, al. i), do DL n.º 13/71 – onde se proibia a implantação de árvores a menos de um metro do limite da zona da estrada (noção que abrange a respectiva berma – art. 2º do diploma). A admitir-se a vigência de tal norma, há que dizer que a sua destinatária imediata seria a dona da árvore que, na própria óptica dos autores, teria violado uma proibição ao mantê-la no local. Mas, se assim fosse, continuaria a ser muito problemática a responsabilização da aqui recorrente – agora somente por não ter reagido contra uma anterior contravenção de um terceiro, ademais não se sabendo se a presença da árvore era inquietante.
Sucede, porém, que o aludido preceito nem sequer visava prevenir o risco das árvores caírem sobre as vias, pois ele teria de impor um muito maior afastamento à zona da estrada se porventura prosseguisse esse fim. O bem jurídico protegido mediante a proibição seria, talvez, a segurança; mas com vista a evitar que, por distracção ou despiste, os veículos invadissem as bermas e embatessem em obstáculos, v.g. árvores, que com elas imediatamente confinassem. Sendo assim, e porque estava para lá da vedação de um terreno particular, a árvore em causa não parece enquadrar-se na previsão da mencionada al. i) – que tomava as árvores aí previstas como o primeiro obstáculo à dinâmica de um veículo, logo após a berma. Mas, mesmo que assim não fosse, a tese dos autores seria improcedente: sendo seguro que a norma nada tinha a ver com a queda de árvores, não pode atribuir-se à inércia ante a sua violação o efeito de originar uma responsabilidade civil justificada por essa queda.
É agora certo que os elementos dos autos não permitem asseverar a responsabilidade civil da recorrente, isto é, que ela omitiu deveres de vigilância e que, por isso, actuou culposa e ilicitamente em termos de se lhe impor que indemnize os danos resultantes da sua omissão. Assim, e «grosso modo», procedem as conclusões da alegação de recurso em que a recorrente nega a sua responsabilidade civil; e daí advém a inutilidade de conhecermos as demais, em que a recorrente discute a existência e a magnitude dos danos – pois, na falta de ilicitude e de culpa, sobre ela não pode impender uma qualquer obrigação de indemnizar.
Por último, resta notar que a improcedência total da acção inutiliza a – aliás, confusa – ampliação do «âmbito do recurso», ensaiada pelos recorridos na sua minuta. É que essa sua pretensão, relacionada com os fundamentos das quantias parcelares a atribuir, tem por base a certeza de que a recorrente incorrera em responsabilidade civil; mas, estando adquirido que a recorrente não é responsável pelo sinistro, falta uma condição necessária para que se corrija a sentença no que toca à quantificação de alguns dos danos.
Nestes termos, acordam em conceder provimento ao presente recurso jurisdicional, em revogar a sentença recorrida e em julgar totalmente improcedente a acção de condenação dos autos, absolvendo a ré, ora recorrente, do pedido.
Custas pelos autores e ora recorridos, na 1.ª instância e neste STA – sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam.
Lisboa, 22 de Junho de 2010. – Jorge Artur Madeira dos Santos (relator) – José Manuel da Silva Santos Botelho – Alberto Acácio de Sá Costa Reis (vencido de acordo com o voto que junto).
VOTO DE VENCIDO

A questão em causa neste recurso é a de saber se a EP - Estradas de Portugal, S.A., pode ser responsabilizada pela queda da árvore que vitimou a Autora e pelos prejuízos que resultaram desse evento.
A decisão que fez vencimento respondeu negativamente a esta interrogação e fê-lo por considerar que, muito embora aquela entidade tenha o dever de vigilância sobre as estradas que estão sob a sua alçada e, reflexamente sobre as árvores que a ladeiam, e, por conseguinte, possa ser responsabilizada a título de culpa pelos danos resultantes da sua queda, certo era que essa responsabilidade só operava nos casos excepcionais em que “os perigos, para a segurança rodoviária, criados pela presença dessas árvores sejam óbvios e genuinamente alarmantes”. E, sendo assim, e sendo que, in casu, o perigo constituído pela árvore em causa não revestia tais características revogou a decisão condenatória proferida rio Tribunal recorrido.
Não acompanho esse entendimento pelas razões que, de seguida, exporei com brevidade.
Considero que não se pode limitar a responsabilidade das Estradas de Portugal aos casos em que a queda das árvores representa uma ameaça tão notória e tão evidente que a mesma pode ser imediatamente detectada por um qualquer observador prudente e cauteloso. Em primeiro lugar, porque a análise do estado fitossanitário das árvores ou as condições da sua implantação não cabe ao cidadão comum, ao bonus pater famílias, mas sim aos técnicos qualificados daquela entidade os quais, verificando que as estradas que lhes cumpre vigiar estão marginadas por árvores que podem constituir perigo, devem proceder por forma a que a remover esse perigo e a garantir a segurança de todos aqueles que nelas transitem. Depois, porque a partilhar-se o entendimento que fez vencimento de que a responsabilidade civil da Ré só se poderia efectivar se os perigos, para a segurança rodoviária, criados pela presença da árvore ora em causa fossem óbvios e genuinamente alarmantes, muito dificilmente se poderia responsabilizar a Ré com fundamento em que ela negligenciou o seu dever de vigilância.
É certo que a simples possibilidade da queda de uma árvore não basta para constituir o seu dono ou a entidade a quem cabe a vigilância da estrada que ela ladeia em responsabilidade civil a título de culpa, já que todas as árvores podem cair e aqueles nenhuma culpa ter nessa eventualidade, mas também o é que essa responsabilidade opera para além dos casos admitidos no Acórdão, isto é, para além dos casos em que essa queda é representada com um tal grau de probabilidade que se pode falar em quase certeza.
O que a nosso ver releva é que, impendendo sobre a Ré o dever de garantir a segurança a todos aqueles que transitem nas estradas que lhe cumpre vigiar, se prove que os perigos que ameacem aquela segurança se podem concretizar com um razoável grau de probabilidade. Deste modo, o que importava provar era que a Ré negligenciou o seu dever de garantir aquela segurança e de afastar os referidos perigos, isto é, de que ela ignorou o estado perigoso em que a árvore ora em causa se encontrava e de que era possível representar, com razoável grau de probabilidade, que ela poderia vir a cair e de que, em função disso, poderiam ser causados danos a terceiros.
Ora, entendo que, no caso, essa prova foi feita, ou seja, que era razoável supor que a árvore pudesse cair.
Com efeito, encontra-se provado que o que vitimou a Autora foi a queda de uma árvore e não apenas dos seus ramos, ou de algum dos seus ramos, que estava implantada em terreno arenoso, a cerca de 3 metros do limite da faixa de rodagem da estrada onde o acidente ocorreu, inclinada sobre essa estrada há mais de 10 anos e que, como se afirma no Acórdão, “devido ao seu peso, se foi progressivamente inclinando, mais e mais, sobre a estrada.”
O que significa que quer um técnico experimentado como um observador prudente, atento e cauteloso se poderia aperceber que a mesma, quer pelo seu grande porte, quer pela sua inclinação sobre a estrada, a qual vinha progressivamente a aumentar, quer ainda pela pouca consistência do terreno em que estava implantada, poderia constituir perigo e que, por isso, seria razoável supor que pudesse cair. E significa também que, impendendo sobre as Estradas de Portugal o dever de vigilância dessa estrada por forma a garantir a segurança das pessoas e veículos que nela transitassem, se deve concluir que a sua indiferença pelo perigo que a árvore representava a constituiu na obrigação de indemnizar, a título de culpa, as vítimas da sua queda.
Daí que considere correcto o julgamento feito no Tribunal recorrido quando considerou que a Estradas de Portugal negligenciou o seu dever de vigilância sobre a segurança da estrada onde o acidente ocorreu permitindo que a árvore causasse os peticionados prejuízos.
Lisboa, 22 de Junho de 2010. – Alberto Acácio de Sá Costa Reis.