Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02374/14.7BELSB
Data do Acordão:01/28/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P25485
Nº do Documento:SA12020012802374/14
Data de Entrada:10/10/2019
Recorrente:A......
Recorrido 1:EMEL-EMPESA MUNICIPAL DE ESTACIONAMENTO DE LISBOA, E.M.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:


I. RELATÓRIO

A…….. intentou, no TAC de Lisboa, contra Empresa Pública de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa, EEM (EMEL), acção administrativa comum pedindo a sua condenação no pagamento de
a) A quantia de € 4.504,37 necessária para a reparação dos danos causados no veículo, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação;
b) A quantia de € 2.016,00 pela impossibilidade de utilização do veículo desde 2 de Abril de 2014, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação.”

O TAC julgou a acção procedente, condenando a R. no pagamento da quantia de € 6.520,37 acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

E o TCA Sul, para onde a EMEL apelou, concedeu provimento ao recurso, revogou a decisão recorrida, julgou a acção improcedente e absolveu-a do pedido.

É desse Acórdão que o Autor vem recorrer (artigo 150.º do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. O TAC julgou a acção procedente pela seguinte ordem de razões:
“..... o serviço de estacionamento em parque fechado, como é o caso, destina-se também à guarda da viatura estacionada, sendo expectável que daí não saia ou seja usada sem o consentimento do seu dono. No caso em apreço, o parque apresenta visíveis as câmaras de videovigilância, não sendo exigível ao público o conhecimento dos diferentes níveis de autorizações concedidas, em cada momento, pela CNPD à R.
Na verdade, o cidadão comum que se dirige ao parque com vista a usufruir do serviço de estacionamento, ao ver as câmaras confia que existem meios que permitem chamar as autoridades se algo de anómalo se verifica. E não foi isso que sucedeu neste caso.
Como resulta da factualidade provada, a R. não alegou nem demonstrou ter pedido as autorizações à CNPD, para que o sistema de videovigilância que instalou permita a referida utilidade aos utentes. Tão pouco juntou qualquer autorização da CNPD. Antes se refugiou no apego a norma regulamentar - concretamente o referido art.º 12.º do regulamento específico do parque - bem como na cláusula contratual que o repete, afirmando que está vinculada a tal norma que exclui a sua responsabilidade. Mais alega que o A. não impugnou tal norma, tendo-a aceite no contrato celebrado, razão porque a mesma não poderá ser afastada.
As normas regulamentares podem ser desaplicadas se violarem lei de grau superior. Como vimos, o A. enquanto consumidor tem direito à qualidade dos serviços que contratou. Ao não dispor de meios que permitem verificar a normalidade do acesso às viaturas, a R. prestou ao A. um serviço defeituoso. E, de acordo com o disposto no n.º1 do art.º 12.º da Lei n.º 24/96, “O consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos”, sendo que de acordo com o disposto no art.º 16.º da mesma Lei, qualquer convenção ou disposição contratual que exclua ou restrinja os direitos atribuídos pela presente lei é nula. Ou seja, é nula a cláusula contratual do contrato de assinatura que exclui a responsabilidade da R.
Tendo ficado demonstrados todos os danos alegados pelo A. e lucros cessantes, como resulta da factualidade provada, impõe-se condenar a R. no pagamento dos mesmos.”

A EMEL apelou para o TCA Sul e este, depois de ter afirmado que não se verificava a nulidade da sentença e que improcedia a impugnação da M.F., concedeu provimento ao recurso e revogou a sentença recorrida com base nas seguintes considerações:
“...
Defende a recorrente que o Regulamento Geral dos Parques do Município de Lisboa, aprovado nos termos do disposto no DL n° 81/2006, de 20.4, é o regime aplicável ao caso, desde logo, porque o recorrido não é um consumidor. O recorrido desenvolve a sua atividade profissional de transporte de passageiros e o veículo acidentado destinava-se a uso profissional. Pelo que o estacionamento deste no parque da EMEL, mediante acordo, não inclui a obrigação da recorrente proceder à vigilância do veículo.
...... na definição de consumidor importará, essencialmente, atender à utilização dada ao bem ou serviço adquirido, protegendo aqueles que adquirem bens ou serviços para uso privado, no âmbito da sua utilização pessoal ou familiar. Ou seja, fundamental para se aferir da aplicação do regime jurídico decorrente da Lei de Defesa do Consumidor é determinar se o bem ou serviço em causa se destinam a uma utilização alheia à actividade profissional ou comercial do adquirente, já que o objetivo da Lei é proteger a parte mais fraca na relação comercial existente.
Donde, nos termos da Lei n° 24/96, de 31.7, consumidor é qualquer pessoa singular que actue com objectivos não respeitantes à sua actividade comercial ou profissional.
.....
Com efeito, estando demonstrado que a utilização dada pelo recorrido ao veículo elétrico Tuk-tuk, de matrícula …………, estacionado no parque da EMEL, é o uso profissional do recorrido, não se pode considerar aplicável o regime especial em causa aos presentes autos.
Avançando, a utilização e funcionamento do Parque de Estacionamento Municipal de …………….. encontra-se regulamentado no Regulamento Geral de Parques do Município de Lisboa e no Regulamento Específico deste parque de estacionamento. E foi a coberto destes regulamentos que as partes celebraram o contrato de assinatura, que consiste na utilização de espaço de estacionamento 24 horas por dia contra o pagamento de uma tarifa.
Em concreto, resulta dos regulamentos e do acordo escrito que a EMEL não é responsável pela guarda e vigilância do Tuk-tuk.
As partes não celebraram entre si um contrato de depósito respeitante à guarda e recolha do veículo propriedade do recorrido, mediante a prestação de determinada quantia, a ser satisfeita mensalmente.
...
O facto do recorrido ter escolhido este parque público para estacionar o Tuk-tuk, designadamente, por dispor de câmaras de vigilância e um monitor de cabine, não significa que tenha contratualizado a guarda do veículo contra atos de vandalismo ou criminosos que atentem contra a propriedade e integridade do mesmo veículo.
Assim sendo, os danos provocados no veículo do recorrido, devido ao embate do mesmo contra as paredes do parque de estacionamento, não resultam do cumprimento defeituoso do contrato de assinatura celebrado entre as partes, porque a EMEL não ficou obrigada ao cumprimento do dever de vigilância e guarda da viatura em virtude do contrato.
Não tem por isso o recorrido direito a ser indemnizado em resultado do cumprimento defeituoso do contrato de assinatura, isto é, por responsabilidade contratual ou obrigacional, nem por responsabilidade extracontratual, isto é, sem dependência daquele contrato, por omissão de dever de vigilância. Como alega a recorrente, a mesma não tem dever de guarda e vigilância das viaturas estacionadas no parque, porque não faz serviço de segurança privada, nem o Parque de Estacionamento do …………, sendo público, dispõe de serviço de segurança privada nos termos e para efeitos do disposto na Lei n° 34/2013, de 16.5 (que regula a atividade de segurança privada).”

3. Está em causa nesta revista a questão de saber se o Autor/Recorrente tem direito à indemnização peticionada em resultado dos danos sofridos pelo seu veículo quando se encontrava estacionado num parque da Recorrida a coberto de contrato celebrado entre eles.
Ambas as instâncias foram unânimes na qualificação jurídica desse contrato. Onde elas divergiram foi na questão de saber se os seus termos e as normas que o regulamentavam permitiam a condenação da Ré na referida indemnização, divergência que decorreu da circunstância do TAC considerar que o Recorrente, nos termos dessa legislação, era um consumidor e o TAC a afirmar que ele não gozava dessa qualidade.
De acordo com o art.º 2.º da Lei 24/96, de 31.7 (Lei de Defesa do Consumidor):
“1- Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios.
2 - Consideram-se incluídos no âmbito da presente lei os bens, serviços e direitos fornecidos, prestados e transmitidos pelos organismos da Administração Pública, por pessoas coletivas públicas, por empresas de capitais públicos ou detidos maioritariamente pelo Estado, pelas regiões autónomas ou pelas autarquias locais e por empresas concessionárias de serviços públicos.”
Deste modo, usando o Recorrente, na sua actividade profissional, o veículo estacionado tudo indica que o decidido não merece censura sendo vã a argumentação do Recorrente quando refere que “quando o veículo não se encontra estacionado no lugar a tanto reservado e contratado com a EMEL, não pode servir para qualificar o uso dado aos bens ou serviços prestados pela recorrida como profissional;”
Sendo assim, sendo que as normas em causa não têm especial dificuldade de interpretação e sendo que o TCA adoptou uma solução juridicamente plausível e fundamentada é de concluir que a intervenção deste Tribunal é desnecessária.
DECISÃO.

Termos em que acordam em não admitir a revista.
Custas pelos Recorrentes.

Porto, 28 de Janeiro de 2020. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – Carlos Carvalho.