Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0997/16.9BELRA 01488/17
Data do Acordão:04/04/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA BENEDITA URBANO
Descritores:ARGUIÇÃO DE NULIDADE
REFORMA DE ACÓRDÃO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24420
Nº do Documento:SA1201904040997/16
Data de Entrada:12/03/2018
Recorrente:A... SA
Recorrido 1:B... SA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1. A………….., SA (A……), já devidamente identificada nos autos, vem arguir a nulidade e pedir a reforma do acórdão da Secção deste STA, de 23.01.19, que negou provimento ao recurso apresentado pela ora reclamante, mantendo o acórdão recorrido nos segmentos impugnados.

2. Devidamente notificada, a contra-interessada B………….., SA (B………), aqui reclamada, pronunciou-se no sentido de que “o requerimento da reclamante deve ser totalmente indeferido, visto não existirem as nulidades que argui, nem devendo proceder a reforma por si pedida”.

3. Com dispensa de novos vistos, cumpre apreciar e decidir em conferência.

II – Apreciação

4. A reclamante começa por sustentar que o acórdão recorrido enferma do vício de omissão de pronúncia, por violação da al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC. Em síntese, alega que o acórdão recorrido nada refere quanto à segunda conclusão 7.ª e quanto à conclusão 8.ª.

Da leitura e conjugação destas duas conclusões decorre que a recorrente, ora reclamante, entende que existe uma contradição entre o Plano de Varredura e o Plano de Trabalhos apresentados pela B……….., sendo que a inconsideração deste aspecto consubstanciaria um erro grosseiro na apreciação da proposta da B………. não devidamente apreciado e ponderado pelo julgador.

Vejamos o que é dito no acórdão recorrido:

Da leitura das conclusões de recurso apresentados pela ora recorrente, pode considerar-se que esta imputa ao acto em causa uma má apreciação dos factos. Supostamente, existe uma contradição entre o Plano de Varredura da B………. e o Plano de Trabalhos apresentado pela mesma B………., “Por tal motivo, entende a Recorrente que a proposta da B………. deve ser excluída (al. b) do nº 2 do art. 70º e al. o) do n.º 2 do artº 146º, ambos do CCP” (cfr. conclusão 9.ª das alegações de recurso)”. (…) “No caso da proposta da B………., decorre da leitura do Relatório Final de Análise das Propostas (que o acórdão recorrido reproduziu na íntegra, em face da pretensão recursiva da B……….) – em que, entre outras coisas, se dá resposta à proposta da A………. no sentido da exclusão da proposta da concorrente B……… por violação da al. c) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP) –, que o júri do procedimento entendeu que não havia “obrigatoriedade de todos os intervenientes da mesma [equipa de varredura manual] estarem afetos a 100% durante o período do turno”. No mesmo relatório diz-se o seguinte: “Na pág. 271 da Proposta Técnica, a B……… indica um conjunto de rendimentos previstos para diversos trabalhos, nomeadamente para a varredura manual em que o valor indicado para o rendimento previsto devia-se situar entre 3,8 a 4,8 Km/cantoneiro/jornada. Este rendimento tal como os outros serviram de base à elaboração dos mapas e da proposta nas diversas componentes. Na página 272, no quadro 9.2, são indicadas as extensões de varredura previstas para cada cantoneiro por semana. Ora o somatório dos valores indicados, cumprem os objetivos definidos no Anexo VIII do Caderno de Encargos, não tendo atingido sequer os valores máximos do rendimento expectável pela empresa para este trabalho. O júri do procedimento entendeu como aceitáveis os valores dos rendimentos indicados pela empresa”.

Conforme se pode constatar, o acórdão recorrido apreciou e julgou a questão da alegada contradição entre o Plano de Varredura e o Plano de Trabalhos da B………. em moldes que não desrespeitam a al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC (aplicável ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA). Com efeito, ocorre a omissão de pronúncia quando o julgador não se pronuncia e não decide todas as questões que as partes hajam submetido à sua apreciação (exceptuadas aquelas que tenham ficado prejudicadas pela solução dada a outras: arts. 608.º, n.º 2, e 615.º do CPC). Ora, “Questões para este efeito são, assim, todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que exigem decisão do julgador, bem como, ainda, os pressupostos processuais [gerais e específicos] debatidos nos autos, sendo que não podem confundir-se aquilo que são as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com o que são as razões de facto ou de direito, os argumentos, ou os pressupostos em que cada a parte funda a sua posição nas questões objeto de litígio” (cfr. Acórdão STA de 06.12.18, Proc. n.º 930/12.7BALSB).
Na medida em que o acórdão recorrido apreciou e julgou a questão/pretensão processual colocada pela ora reclamante, deve improceder a reclamação nesta parte.

5. Trata ainda o reclamante de arguir a nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação, por violação, portanto, da al. b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC. E isto, na medida em que, relativamente “à pretensão alternativa de alteração/correcção da avaliação da proposta da B………. no que se refere ao subfactor LU” – pretendendo a então recorrente “que seja atribuída à proposta da B……….. a pontuação de 3” – se afirmou no acórdão recorrido que, quanto a essa pretensão recursória, “uma vez mais, e basicamente pelos mesmos motivos, a argumentação despendida (conclusão 10ª das alegações de recurso) não é de molde a evidenciar um erro grosseiro, patente e manifesto que afecte a actuação do júri do procedimento”. Ora, afirma a reclamante, não foram referidos expressamente que motivos são esses, daí a falta de fundamentação. Deste modo, “face ao decidido no douto acórdão, impõe-se que esse Colendo Tribunal fundamente devidamente as razões pelas quais entende inexistir tal erro grosseiro ou, vindo a reconhecer que tal erro grosseiro existe, impõe-se igualmente que fundamente e extraia as devidas conclusões”.

Passando agora a analisar a nulidade do acórdão recorrido por alegada falta de fundamentação, é importante, antes de mais, lembrar que este tipo de nulidade só se verifica quando não constem da decisão judicial sindicada com o mínimo de suficiência e explicitação os fundamentos de facto e de direito que a justificam.

Seguidamente, cabe lembrar que a então recorrente começou por peticionar a exclusão da proposta da B………., apresentado como pretensão alternativa a de alteração/correcção da avaliação da proposta da B………. no que se refere ao subfactor LU.

Por fim, atente-se no que é dito no acórdão recorrido:

Ora, uma vez mais, e basicamente pelos mesmos motivos, a argumentação despendida (conclusão 10.ª das alegações de recurso) não é de molde a evidenciar um erro grosseiro, patente, manifesto que afecte a actuação do júri do procedimento que permitisse ao tribunal a quo ordenar a alteração/correcção da pontuação. Com efeito, também agora não se vislumbra, sequer, um juízo de desconformidade entre a decisão do júri do procedimento e o programa do concurso. O que sim se vislumbra é uma discordância da recorrente em relação à avaliação da proposta da B………, discordância que, in casu, não tem a virtualidade de colocar este tribunal a apreciar e a valorar esta mesma ou outras das propostas que oportunamente foram apresentadas”[negrito nosso].

Vejamos.

A expressão “Com efeito”, constante do trecho acabado de reproduzir, é uma locução adverbial habitualmente utilizada para indicar que o conteúdo da frase em que é aplicada – in casu, que com ela se inicia – visa concretizar o conteúdo da frase que a antecede. Tanto basta para que, de imediato, se conclua que o acórdão recorrido explicou com suficiência e clareza que motivos eram esses.
Improcede, deste modo, esta invocada nulidade do acórdão por falta de fundamentação.

6. Na parte final da sua reclamação a ora reclamante sintetiza a sua pretensão do seguinte modo: “Termos em que deve merecer acolhimento a arguição das nulidades supra indicadas, devendo esse colendo Tribunal, sendo caso disso, proceder à reforma do douto acórdão recorrido”. Tendo em conta os moldes em que sintetiza a sua pretensão e o teor da sua reclamação, pode concluir-se que a menção à “reforma” do acórdão recorrido não parece consubstanciar propriamente a dedução de um pedido de reforma nos termos do artigo 616.º, n.º 2, do CPC, antes será a consequência que a reclamante atribui à verificação das nulidades que argui. Mas, ainda que se desse o caso de haver aqui um pedido de reforma nos termos daquele preceito, sempre teria o mesmo de improceder, haja em vista que nada foi invocado pela reclamante que possa conduzir à conclusão de que, por manifesto lapso do juiz, “Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos” (al. a)), ou que “Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida”.

7. De tudo o que foi dito pode concluir-se que não enferma o acórdão recorrido de vício que acarrete a sua nulidade, seja por falta de fundamentação, seja por omissão de pronúncia, e/ou que implique a sua reforma ao abrigo do artigo 616.º, n.º 2, do CPC, soçobrando in totum a presente reclamação.

III – Decisão


Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em indeferir a presente reclamação.


Custas do incidente a cargo da reclamante.

Lisboa, 4 de Abril de 2019. – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano (relatora) – Jorge Artur Madeira dos Santos - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa.