Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0739/18
Data do Acordão:09/21/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23625
Nº do Documento:SA1201809210739
Data de Entrada:07/19/2018
Recorrente:A......, LDA E CENTRO HOSPITALAR DE LISBOA ORIENTAL
Recorrido 1:B......., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

B………, Lda. (B…….), intentou no TAF de Sintra, contra o Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, EPE (CHLO), acção de contencioso pré-contratual, pedindo (1) a anulação da deliberação, de 2/03/2016, do Conselho de Administração do Réu, que excluiu a sua proposta e adjudicou à proposta apresentada pela A………..., L.da o lote n.º 5 do concurso público ora em causa e (2) a sua condenação a retomar o procedimento.
Indicou como contra-interessada A………….., L.da.
A acção foi julgada procedente e anulada a deliberação impugnada.
O CHLO e a A…………. apelaram o TCA Sul. E este Tribunal, por acórdão de 16/2/2017, concedeu provimento aos recursos e, em consequência:
a) Anulou a sentença recorrida e
b) Ordenou a baixa dos autos ao Tribunal recorrido para se proceder a uma diligência e para que, depois dela realizada, fosse proferida nova sentença.
Após realização dessa diligência foi proferida nova sentença que julgou procedente a acção e, em consequência, anulou a deliberação impugnada.
Novamente inconformados, tanto o CHLO como a A………. apelaram para o TCA.
Sem sucesso já que este, ainda que com diferente fundamentação, confirmou a sentença recorrida.
A A………interpôs recurso de revista dessa decisão.

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. O TAF de Sintra anulou o acto impugnado com fundamento nos seguintes vícios:
- não verificação do motivo - prestação culposa de falsas declarações pela B………… - que conduziu à exclusão da sua proposta
- violação dos princípios da imparcialidade – por, após a deliberação de 21/09/2015, o concurso ter prosseguido com o mesmo júri - e da prossecução do interesse público – por, apesar de se reconhecer que a proposta da B…………. era a economicamente mais vantajosa, não se lhe ter adjudicado o objecto do concurso.

O Réu e o Contra interessado apelaram para o TCAS sustentando que nenhum daqueles vícios ocorria e, além disso, que “por despacho da Juíza relatora de 31.1.2018 foi identificada uma causa de invalidade que não tinha sido alegada pela B……...”
Todavia, o Acórdão sob censura manteve o juízo de improcedência da acção, ainda que com outra fundamentação.
E isto porque, depois de afirmar que a sentença tinha errado ao julgar procedentes os vícios de violação do princípio da imparcialidade e da prossecução do interesse público, concluiu que se verificava o vício identificado no despacho da relatora de 31.01.2018 – que, no TAF, não contribuiu para a anulação do acto impugnado - e com esse fundamento confirmou a sentença, julgando prejudicado o conhecimento dos restantes vícios suscitados.

Nesse despacho de 31.01.2018 a Sr.ª Juíza Relatora do TAF identificou uma causa de invalidade que não tinha sido alegada pela Autora. Decisão que o Acórdão recorrido sufragou considerando que “o tribunal de 1° instância deve na sentença que profere identificar a existência de vícios diversos dos que tenham sido alegados (cfr. art. 95° n.º 3, 2 parte, ex vi arts. 97° n.º 1, al. c), e 102° n.º 1, todos do CPTA), pelo que, sendo objecto deste recurso a sentença proferida em 1.ª instância, necessariamente, este tribunal de recurso pode e deve identificar a existência de vícios diversos dos que tenham sido alegados - e que não tenham sido identificados pelo tribunal a quo -, pois está em causa matéria de conhecimento oficioso;
- de acordo com o disposto no art. 51° n.º 3, ex vi art. 97° n.º 1, al. c), ambos do CPTA, o acto final do procedimento pode ser impugnado com fundamento em ilegalidades cometidas durante o procedimento, o que não inclui as ilegalidades que anteriormente já tenham sido reconhecidas pelo Tribunal ou pela Administração, mas pela deliberação de 21.9.2015 apenas foi reconhecida a ilegalidade do requisito mínimo vertido na subalínea i) da alínea b) da cláusula S, do Caderno de Encargos [o que determinou a revogação dos actos de exclusão e de adjudicação de 15.7.2015 (cfr. alínea a), dessa deliberação de 21.9.2015)], não tendo existido até à data qualquer decisão (do Tribunal ou da Administração) sobre a (i)legalidade do modo de execução dessa deliberação revogatória de 21.9.2015, ou seja, a este propósito inexiste qualquer caso julgado ou decidido.

3. A Recorrente não se conforma com essa decisão por entender que “a vingar a orientação jurisprudencial do Venerando Tribunal a quo, as Partes processuais podem ver-se confrontadas com decisões em 2.ª instância que se afastam de forma absoluta daquilo que foi invocado e discutido em 1.ª instância, com as nefastas consequências que daí podem advir, nomeadamente quando se tratem de questões que impliquem/justifiquem a produção de prova em 1.ª instância e que imponham que haja uma discussão alargada das mesmas logo desde a fase dos articulados, podendo esse conhecimento “ex novo” pelo Tribunal de 2.ª instância consubstanciar verdadeiras decisões-surpresa proibidas por Lei.”

4. E importa reconhecer que a questão suscitada pela Recorrente não só é juridicamente relevante como tem significativa capacidade de replicação.
Com efeito, a interpretação e aplicação do disposto no n.º 3 do art.º 95.º do CPTA suscita sérias dificuldades que importam ser resolvidas. E ninguém melhor que o STA está apto a resolvê-las.
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir a revista.

Custas pela Recorrente.

Porto, 21 de Setembro de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.