Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0256/11
Data do Acordão:09/21/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
Sumário:I - Em face da sucessão no tempo de diferentes prazos de prescrição, impõe-se convocar a regra estabelecida no nº 1 do art. 297º do CCivil, de acordo com a qual deverá aplicar-se o prazo mais curto, que se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.
II - As causas de interrupção da prescrição que tenham ocorrido antes da alteração ao nº 3 do art. 49º da LGT, introduzida pela Lei 53-A/2006, produzem os efeitos que a lei vigente no momento em que elas ocorreram associava à sua ocorrência: eliminam o período de tempo anterior à sua ocorrência e obstam ao decurso do prazo de prescrição, enquanto o respectivo processo estiver pendente ou não estiver parado por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte.
III - A paragem do processo de execução fiscal em consequência de dedução de impugnação judicial, associada à prestação de garantia, não opera a transmutação do efeito interruptivo em efeito suspensivo, dado o disposto no nº 3 do art. 49º da LGT (redacção da Lei nº 100/99, de 26/6).
IV - Não ocorrendo a prescrição das dívidas emergentes das liquidações impugnadas, não pode concluir-se pela inutilidade superveniente da respectiva impugnação, se tal inutilidade foi determinada com esse pressuposto.
Nº Convencional:JSTA000P13245
Nº do Documento:SA2201109210256
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, na impugnação judicial deduzida por A…, Lda. contra as liquidações adicionais de IVA de 1997, considerou prescritas as obrigações tributárias e, em consequência, julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.
1.2. A recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
a) Incide o presente recurso sobre a douta sentença que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, por se ter considerado verificada a prescrição da obrigação tributária cuja liquidação serviu de base à presente impugnação;
b) Com a ressalva do devido respeito não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, porquanto considera que a douta sentença enferma de erro de julgamento, porque colhe a sua motivação em errónea interpretação e aplicação das regras do art. 297° do Código Civil;
c) Em primeiro lugar, não podemos concordar com o facto de se atribuir efeito interruptivo da prescrição à “reclamação nos termos do art. 91º da LGT instaurada em 09 de Junho de 1999”, alínea B) dos factos provados, isto porque quer no âmbito do CPT, quer no âmbito da LGT, inexiste norma que atribua tal efeito ao pedido de revisão da matéria tributável do art. 91° da LGT;
d) Interrupção essa que veio a ocorrer com a instauração da presente impugnação judicial, em 20-03-2000, ponto C) dos factos provados;
e) Conforme se infere dos autos, são nesta sede questionadas as liquidações adicionais de IVA, relativas ao exercício de 1997;
f) De 1 de Julho de 1991 até 31 de Dezembro de 1998 vigorou o CPT, cujo art. 34º nº 1 determinava a prescrição das obrigações tributárias no prazo de dez anos, contando-se o prazo prescricional desde “o início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário, salvo regime especial”;
g) Assim, o prazo de prescrição em causa nos presentes autos começou a correr em 1 de Janeiro de 1998;
h) Tendo entrado em vigor a partir de 1 de Janeiro de 1999 a LGT (sem que, entretanto, tivesse ocorrido qualquer facto interruptivo ou suspensivo do prazo prescricional em questão), nos termos da qual o prazo de prescrição das dívidas tributárias passou a ser de oito anos, salvo o que resulte de lei especial, efectuando-se a contagem conforme se esteja perante impostos periódicos ou de obrigação única, respectivamente, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário ou a partir da data em que o facto tributário ocorreu;
i) Sendo aplicável ao caso vertente diferentes prazos de prescrição (10 anos do CPT e 8 anos da LGT), teremos de aferir qual o prazo de prescrição que se aplica àquelas liquidações adicionais;
j) Defendemos que, na esteira dos ensinamentos do Insigne Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, in Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária Notas Práticas, Áreas Editora, 2008, págs. 98, “a determinação do prazo de prescrição a aplicar faz-se no momento da entrada em vigor da nova lei. (...) É nesse momento (reportando-se à entrada em vigor da lei nova), com indiferença sobre o que se pode vir a passar, que se determina se é de aplicar o prazo da lei nova ou da lei antiga (...) o que releva para determinação do prazo a aplicar é o tempo que falta, em abstracto, sem ponderar a interferência de causas de suspensão ou interrupção da prescrição que possam vir a ocorrer na vigência da lei nova, só constatáveis a posteriori (...) assim, no caso de leis que encurtam prazos de prescrição, que são as que têm ocorrido em matéria tributária, se no momento da entrada em vigor da nova lei falta menos tempo para o prazo se completar face à lei antiga, é esta que se aplica. Nos outros casos, aplica-se o prazo da lei nova, contado da data da sua entrada em vigor”;
k) Assim, aquando da entrada em vigor da LGT (momento relevante para a determinação do prazo de prescrição a aplicar) ainda faltavam 9 anos, nos termos do CPT, para ocorrer a prescrição dos tributos, pelo que o prazo aplicável às dívidas de 1997 é o prazo de oito anos acolhido no art. 48° nº 1 da LGT, contado a partir da entrada em vigor deste diploma, ou seja, 1999-01-01;
l) Tanto mais que as leis que alteram causas de suspensão ou interrupção, não sendo leis sobre “alteração de prazos”, não estão abrangidas na previsão do art. 297° do C.C.;
m) Essas eis estão sujeitas à regra de aplicação no tempo do art. 12°, nº 2 do C.C., da qual decorre que os efeitos jurídicos de factos são determinados pela lei vigente no momento em que eles ocorreram ou, por outras palavras, havendo sucessão de leis no tempo, a lei nova é competente para determinar os efeitos sobre o prazo de prescrição que têm os factos que ocorrem na sua vigência;
n) Parafraseando, uma vez mais, Jorge Lopes de Sousa (obra citada supra) págs. 92, “… não se trata neste artigo de estabelecer uma regra de aplicação global do regime mais favorável ao devedor, em paralelismo com o que sucede no âmbito do direito criminal, em que se estabelece a aplicação retroactiva do regime mais favorável ao arguido (...) o texto do artigo e a respectiva epígrafe revelam que se tem em vista apenas as leis que alteram prazos e não as que alteram os efeitos das causas interruptivas ou suspensivas da prescrição. Por isso, as leis que alteram causas de suspensão ou interrupção, não sendo leis sobre “alteração de prazos”, não estão abrangidas na previsão do referido art. 297°. A essas leis aplicar-se-á a regra da aplicação no tempo do art. 12°, nº 2 do C.C.”;
o) O Mmo. Juiz “a quo” faz, pois, errónea interpretação e aplicação das regras do art. 297° do Código Civil, as quais se aplicam directamente apenas às leis que alteram prazos;
p) Nos presentes autos teremos que nos situar no período temporal compreendido entre 1 de Janeiro de 1999 e 1 de Janeiro de 2007 (data da entrada em vigor da nova redacção do nº 3 do art. 49° da LGT) sendo neste preciso contexto legislativo que cumpre analisar a prescrição;
q) No caso em análise, nos termos do 49° nº 1 da LGT, a primeira causa interruptiva, com os efeitos do artigo 326° nº 1 do C.C., foi a interposição da Impugnação judicial em 2000-03-20;
r) Por outro lado foi prestada garantia nos termos do art. 169º do CPPT, em 02-08-2000, para suspensão do processo executivo instaurado até à decisão do pleito, ou seja, até à decisão da impugnação judicial que havia sido interposta, conforme informação do Serviço de Finanças, a fls. 388 dos autos;
s) Verificando-se a suspensão do processo de execução fiscal, deverá que entender-se pela suspensão do prazo prescricional, tal como resulta do art. 49° nº 3 da LGT;
t) Neste sentido se tem pronunciado a jurisprudência do STA, donde destacamos os Acórdãos de 07-12-2010 e de 19-01-2011, recursos nº 0490/10 e 0726/10;
u) Assim, deve ser entendido que, suspendendo o processo de execução fiscal, a prestação de garantia suspende, igualmente, a contagem do prazo de prescrição até à decisão do pleito;
v) Tal como resulta dos artigos 52° nº 1 da LGT e 169° nº 1 e 195° do CPPT;
w) Verifica-se então que até à data da suspensão acima referida – 02-08-2000 – ainda não haviam decorrido os oito anos necessários para se completar a prescrição;
x) Caberia, pois, dando corpo a uma correcta interpretação do art. 297° do Código Civil, aplicar o prazo da lei nova (que o Mmo. Juiz classifica de “prazo mais curto”), daí decorrendo que a prescrição não teria ocorrido por força da suspensão da execução em consequência da prestação de garantia;
y) Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença que, conhecendo da prescrição, julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.
Termos em que, nos melhores de direito e sempre com o mui Douto suprimento de Vossas Excelências, se requer que seja concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, seja revogada a douta decisão recorrida e se julgue não verificada a prescrição dos tributos impugnados, ordenando-se, em consequência, a baixa do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, a fim de aí prosseguir os seus termos.
1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.
1.4. O MP emite Parecer no sentido da procedência do recurso, nos termos seguintes:
«Alega a entidade recorrente que, nos presentes autos teremos que nos situar no período temporal compreendido entre 1 de Janeiro de 1999 e 1 de Janeiro de 2007 (data da entrada em vigor da nova redacção do nº 3 do art. 49º da LGT) sendo neste contexto legislativo que cumpre analisar a prescrição.
E que nos termos do 49° nº 1 da LGT, a primeira causa interruptiva, com os efeitos do artigo 326° nº 1 do C.C., foi a interposição da Impugnação judicial em 2000-03-20.
Por outro lado, argumenta que foi prestada garantia nos termos do art. 169º do CPPT, em 02-08-2000, para suspensão do processo executivo instaurado até à decisão do pleito, ou seja, até à decisão da impugnação judicial que havia sido interposta, conforme informação do Serviço de Finanças, a fls. 388 dos autos.
Verificando-se a suspensão do processo de execução fiscal, alega que deverá entender-se que também ocorreu suspensão do prazo prescricional, tal como resulta do art. 49° nº 3 da LGT;
Afigura-se-nos que o recurso merece provimento.
Resulta com efeito dos autos que o processo de impugnação foi instaurado em 20-03-00 e, por razões estranhas à impugnante, parou entre 06-04-00 e 04-07-2001.
Por outro lado o processo de execução destinado à cobrança coerciva das quantias originadas nas liquidações em causa nestes autos foi instaurado quase três meses depois dos autos de impugnação, mais precisamente no dia 19-06-2000, nele não se tendo verificado qualquer pagamento ou adesão ao “Plano Mateus”, mas encontrando-se suspenso, desde 2000-08-02, por prestação de garantia.
A decisão recorrida, considerando que o art. 297º do Código Civil integra uma regra de aplicação global do regime mais favorável ao devedor, entendeu ser aplicável ao caso subjudice o regime de prescrição do CPT, nomeadamente o seu art. 34º.
Mas não lhe assiste razão já que ao caso é aplicável o regime da Lei Geral Tributária,
Com efeito, e como vem decidindo este Supremo Tribunal Administrativo, as causas de interrupção da prescrição que ocorreram antes da alteração ao nº 3 do artigo 49º da LGT, introduzida pela Lei 53-A/2006, produzem os efeitos que a lei vigente no momento em que elas ocorreram associava à sua ocorrência: eliminação do período de tempo anterior à sua ocorrência e suspensão do decurso do prazo de prescrição, enquanto o respectivo processo estiver pendente ou não estiver parado por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte.
Sobre a questão esclarece Jorge Lopes de Sousa, na sua obra Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2008, p.111 «a solução do problema da aplicação da lei no tempo depende do momento em que ocorrer o facto interruptivo e não eventualidade de, face às regras do art. 297º do Código Civil, ser aplicável o regime do CPT ou da Lei Geral Tributária no que concerne à duração do prazo e prescrição».
Em síntese, e como impressivamente se diz no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19.01.2011, recurso 629/09, in www.dgsi., pode-se concluir que a aplicação de diferentes regimes no tocante aos prazos prescricionais não determina a aplicação de um ou outro regime em bloco, porquanto o art. 297º só manda aplicar o prazo prescricional mais curto, e não as disposições legais que regem os termos em que esse prazo se conta e tudo o mais que releva para o seu curso.
Daí que se entenda que, tal como sustenta a entidade recorrente, não ocorreu a prescrição da obrigação tributária relativamente às dívidas de IVA do exercício de 1997.
E isto porque, nos termos do disposto nos artigos 49º, nº 3 da LGT e 169º do CPPT, aceite a garantia bancária, e tendo o processo de execução fiscal ficado, por isso, suspenso, o prazo de prescrição também ficou suspenso – cf. neste sentido Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 05.05.2010, recurso 140/10, de 04.03.2009, recurso 160/09, e ainda o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 01.07.2009, recurso 307/09, todos in www.dgsi.pt.
Termos em que somos de parecer que o presente recurso deve ser procedente, revogando-se a decisão recorrida.»
1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.
FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
A) Nestes autos impugnam-se as liquidações adicionais de IVA de 1997, cfr. cabeçalho da petição inicial e docs. de fls. 31 a 43 aqui dados por reproduzidos o mesmo se dizendo dos demais elementos infra referidos;
B) As referidas liquidações foram objecto de reclamação nos termos do artigo 91° da LGT instaurada em 9 de Junho de 1999, vide fls. 147;
C) Os presentes autos foram instaurados em 20-03-00 e, por razões estranhas à Impugnante, pararam entre 06-04-00 e 04-07-2001, cfr. fls. 94 a fls. 153;
D) O processo de execução destinado à cobrança coerciva das quantias originadas nas liquidações em causa nestes autos foi instaurado quase três meses depois dos autos de Impugnação, mais precisamente no dia 19-06-2000, nele não se tendo verificado qualquer pagamento ou adesão ao “Plano Mateus”, mas encontrando-se suspenso, desde 2000-08-02, por prestação de garantia, cfr. informação de fls. 388.
3.1. Em face dos factos que julgou provados, a sentença, considerando que a liquidação foi objecto de reclamação nos termos do art. 91º da LGT, instaurada em Junho de 1999, que os presentes autos foram instaurados em 20/3/2000, mas estiveram parados por razões alheias à impugnante desde 6/4/2000 a 4/7/2001 e que o processo de execução foi instaurado 3 meses depois da instauração da impugnação, nele não se tendo verificado qualquer pagamento ou adesão ao “Plano Mateus”, julgou prescritas as obrigações tributárias aqui em causa e, consequentemente, determinou a extinção da presente instância por inutilidade superveniente da lide.
Para tanto, considerou ser aplicável, de acordo com o disposto no nº 1 do art. 297° do CCivil, o prazo de prescrição de 10 anos previsto no art. 34º do CPT (e não o de 8 anos previsto na LGT) e que, à luz daquele art. 34º do CPT, as obrigações já estão prescritas, pelas razões seguintes:
− Começando o prazo de prescrição a correr em 1/1/1998 (art. 34º do CPT), e interrompendo-se este prazo em Junho/1999 (sendo que entre as datas acabadas de referir decorreu um ano e cinco meses), e voltando este a correr a partir de 7/4/2001, na presente data já se atingiu o prazo de 10 anos (ocorreu em Novembro de 2009).
− A instauração de execução não tem efeitos na prescrição pois que a interrupção que daquela poderia resultar não opera porque aquando da instauração daquela ainda estava o processo interrompido pela instauração da impugnação cujo efeito interruptivo só veio a ocorrer em 18/9/2002.
− Se se aplicasse o prazo mais curto, previsto na LGT, a prescrição não teria ocorrido nem ocorreria porque no âmbito da LGT vale como suspensão do prazo de prescrição a suspensão da execução por via da prestação de garantia pelo que é de aplicar o prazo previsto no CPT.
− Este entendimento pode traduzir-se, por outras palavras, pela impossibilidade de actuação de um segundo evento interruptivo enquanto o primeiro não tiver cessado o seu efeito.
3.2. Do assim decidido discorda a Fazenda Pública, que entende, como decorre das Conclusões do recurso, que as obrigações tributárias aqui em causa ainda não estão prescritas, dado que:
− o prazo aplicável às dívidas (de 1997) é o prazo de oito anos constante do nº 1 do art. 48° da LGT, contado a partir da entrada em vigor deste diploma (1/1/1999) e não o de 10 anos (constante do art. 34º do CPT), uma vez que aquando da entrada em vigor da LGT (momento relevante para a determinação do prazo de prescrição a aplicar) ainda faltavam 9 anos, nos termos do CPT, para ocorrer a prescrição;
− e situando-nos, então, no período temporal compreendido entre 1/1/1999 e 1/1/2007 (data da entrada em vigor da nova redacção do nº 3 do art. 49º da LGT) e considerando, por um lado, que nos termos do nº 1 do art. 49° da LGT, a primeira causa interruptiva foi a interposição da impugnação judicial (em 20/3/2000), e considerando, por outro lado, que em 2/8/2000 foi prestada garantia nos termos do art. 169º do CPPT, para suspensão do processo executivo até à decisão da impugnação judicial que fora interposta, tal suspensão do processo de execução fiscal também determinou a suspensão do prazo prescricional (como resulta do nº 3 do art. 49° da LGT).
− ora, até à data da suspensão acima referida (2/8/2000) ainda não haviam decorrido os 8 anos necessários para se completar a prescrição.
3.3. A questão a decidir é, portanto, a de saber se ocorreu a prescrição das obrigações tributárias cuja liquidação é objecto da presente impugnação judicial, prescrição que, a ter ocorrido, determinará a inutilidade superveniente desta.
Vejamos.
4.1. O art. 34º do CPT dispunha o seguinte:
«1. A obrigação tributária prescreve no prazo de 10 anos, salvo se outro mais curto estiver fixado na lei.
2. O prazo de prescrição conta-se desde o início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário, salvo regime especial.
3. A reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e a instauração da execução interrompem a prescrição, cessando, porém, esse efeito se o processo estiver parado por facto não imputável ao contribuinte durante mais de um ano, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após este período ao que tiver decorrido até à data da autuação.»
4.2. Já os arts. 48º e 49º da LGT, na sua redacção inicial, dispunham:
Artigo 48º
«Prescrição
1 - As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu.
2 - As causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários.
3 - A interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efectuada após o 5º ano posterior ao da liquidação.»
Artigo 49º
«Interrupção e suspensão da prescrição
1 - A reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
2 - A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação.
3 - O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento ou prestação legalmente autorizada, ou de reclamação, impugnação ou recurso.»
4.3. A Lei nº 100/99, de 26/6, alterou os nºs. 1 e 3 deste art. 49º, os quais ficaram a ter a seguinte redacção:
«1 - A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
3 - O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou de reclamação, impugnação ou recurso.»
4.4. Posteriormente, a Lei nº 55-B/2004, de 30/12, alterou o nº 1 daquele art. 48º da LGT, o qual ficou com a redacção seguinte:
«1 - As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.»
4.5. Finalmente, a Lei nº 53º-A/2006, de 29/12, veio alterar o citado art. 49º da LGT:
− tendo sido revogado o seu nº 2 (revogação que se aplica a todos os prazos de prescrição em curso, objecto de interrupção, em que ainda não tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo - art. 91º da Lei nº 53-A/2006, de 29/12);
− tendo sido alterada a redacção do seu nº 3;
− e tendo sido aditado o actual nº 4.
Assim a actual redacção desse preceito é a seguinte:
«1 - A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
2 – Revogado
3 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar.
4 - O prazo de prescrição legal suspende-se em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida.»
5.1. A sentença considera que é aplicável o prazo de prescrição (10 anos) constante do nº 1 do art. 34º do CPT.
Mas, não é assim.
Desde logo, é de referir que no mencionado art. 297º do CCivil ( O nº 1 deste art. 297º do CCivil dispõe: «A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar».) não se estabelece (ao contrário do que sucede no âmbito do direito penal) uma regra de aplicação global e em bloco do regime prescricional que se mostre mais favorável ao devedor.
Com efeito, as regras do art. 297º do CCivil aplicam-se directamente apenas às leis que alteram prazos, mas não já às leis que alteram causas de suspensão ou interrupção (estas não são leis que alterem prazos). Para estas vale a regra de aplicação no tempo constante do nº 2 do art. 12º do CCivil: os efeitos jurídicos de factos que para tal relevem, são determinados pela lei vigente no momento em que eles ocorrem (cfr. Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, 2ª ed., 2010, pp. 92 e 103).
5.2. Por outro lado, a determinação do prazo de prescrição a aplicar faz-se no momento da entrada em vigor da nova lei, ou seja, a «determinação do prazo a aplicar depende do tempo que faltar para a prescrição se completar à face de ambas as leis, considerando o momento da entrada em vigor da lei nova». Quando esta entra em vigor falta a totalidade do tempo que ela prevê; por isso o que é necessário é calcular «o tempo que, nesse momento, falta para a prescrição à face da lei antiga. Se faltar menos tempo do que o previsto no novo prazo, é de aplicar o prazo da lei antiga». E esta contagem do prazo que falta faz-se, por um lado, «considerando tudo o que consta da lei antiga (início, causas de suspensão e de prescrição) como se depreende do texto da parte final do nº 1 do art. 297º do CPPT» mas, por outro lado, faz-se «sem ponderar a interferência de causas de suspensão ou interrupção da prescrição que possam vir a ocorrer na vigência da lei nova, só constatáveis a posteriori» − ou seja, para a determinação do prazo a aplicar o tempo que releva é o tempo que falta em abstracto. ( Cfr. autor e local citado pp. 94 a 96. Aliás, como o mesmo autor também refere (ob. cit. p. 118), a solução do problema de aplicação da lei no tempo «depende do momento em que ocorrer o facto interruptivo e não da eventualidade de, à face das regras do art. 297° do CC, ser aplicável o regime do CPT ou da LGT, no que concerne à duração do prazo de prescrição». Assim, pode concluir-se que a aplicação de diferentes regimes no tocante aos prazos prescricionais não determina a aplicação de um ou outro regime em bloco, porquanto o art. 297º só manda aplicar o prazo prescricional mais curto, e não as disposições legais que regem os termos em que esse prazo se conta e tudo o mais que releva para o seu curso (cfr. o ac. do STA, de 19/1/2011, rec. nº 629/09). )
No caso dos autos, estando em causa uma dívida de IVA reportada ao exercício de 1997, o prazo de prescrição (10 anos) contava-se, à luz dos nºs. 1 e 2 do art. 34º do CPT, desde o início do ano seguinte ao da ocorrência dos respectivos factos tributários.
Assim, quando entrou em vigor a lei nova (LGT), em 1/1/1999, tinha decorrido apenas 1 ano (não tendo, entretanto, ocorrido qualquer facto interruptivo ou suspensivo desse prazo prescricional em questão) e, assim, faltavam 9 anos para aquele prazo de 10 anos se completar.
Não há dúvida, portanto, que o prazo que é aplicável é o de 8 anos previsto na nova lei (LGT) pois desde a data de entrada em vigor desta (data que é o momento relevante para a determinação do prazo de prescrição a aplicar) faltam, à luz das normas dela constantes, apenas 8 anos para a prescrição se consumar (cfr. nº 1 do art. 48º da LGT).
A sentença recorrida, ao concluir que, nesta matéria (prescrição) é aplicável o prazo de 10 anos previsto no art. 34º do CPT e não o prazo de 8 anos previsto na LGT, enferma, pois, do erro de julgamento que a recorrente lhe imputa.
5.3. Assente que é, no caso, aplicável o prazo de 8 anos previsto no nº 1 do art. 48º da LGT, vejamos, então, se esse prazo de prescrição já ocorreu.
Vem provado que:
− as liquidações foram objecto de reclamação (nos termos do art. 91° da LGT) instaurada em 9/6/1999;
− posteriormente, foi deduzida a presente impugnação, em 20/3/2000, a qual esteve parada, por razões estranhas à impugnante, entre 6/4/2000 e 4/7/2001.
− em 19/6/2000 foi instaurado processo de execução fiscal destinado à cobrança coerciva das quantias originadas nas liquidações;
− no processo de execução não se verificou qualquer pagamento ou adesão ao “Plano Mateus”; mas o mesmo está suspenso, desde 2/8/2000, por prestação de garantia.
Ora, por um lado, e tal como sustenta a Fazenda Pública, a dedução de pedido de revisão da matéria tributável (previsto no art. 91º da LGT) não constitui facto interruptivo da prescrição, dado que nem na LGT (nem no CPT) se prevê esse efeito no que respeita a esse pedido.
Mas, por outro lado, em 20/3/2000 foi deduzida a presente impugnação judicial, este sim, facto que a lei considera como facto interruptivo da prescrição (nº 1 do art. 49º da LGT) e que é, portanto, a primeira causa interruptiva, com os efeitos previstos no nº 1 do art. 326° do CCivil.
5.4. De todo o modo, em 19/6/2000 foi instaurado processo de execução fiscal para cobrança coerciva das quantias originadas nas liquidações impugnadas.
Ora, apesar de (contrariamente ao que sucedia no âmbito da vigência do art. 34º do CPT) no domínio da LGT a instauração da execução ter deixado de constituir facto interruptivo da prescrição (na redacção original do nº 1 do art. 49º da LGT a prescrição interrompia-se apenas com a dedução de reclamação, recurso hierárquico, impugnação e pedido de revisão oficiosa da liquidação), posteriormente, com a alteração que a Lei nº 100/99, de 26/7, introduziu no nº 1 do art. 49º da LGT, a citação passou, porém, a constituir facto interruptivo da prescrição.
No caso dos autos, não vem indicada a data da citação da executada, embora na informação de fls. 388 conste que em 20/6/2000 foi expedido aviso postal ao impugnante (executado).
Porém, uma vez que tinha já ocorrido aquela primeira causa de interrupção supra referida (dedução da impugnação judicial) e dado que as causas de interrupção da prescrição que ocorreram antes da alteração ao nº 3 do art. 49º da LGT, introduzida pela Lei 53-A/2006, produzem os efeitos que a lei vigente no momento em que elas ocorreram associava à sua ocorrência (eliminam o período de tempo anterior à sua ocorrência e obstam ao decurso do prazo de prescrição, enquanto o respectivo processo estiver pendente ou não estiver parado por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte), então, no caso, face a este duplo efeito do facto interruptivo (um efeito instantâneo, que determina a inutilização para a prescrição do prazo decorrido até à sua verificação - cfr. o citado art. 326°, n° 1, do CCivil) e um efeito suspensivo (que determina que o novo prazo só começa a correr após a decisão que puser termo ao processo), a referida dedução da impugnação, em 20/3/2000, com o inerente efeito interruptivo, determinou, quer a consequente inutilização de todo o período de prescrição anteriormente decorrido (nº 1 do art. 326º do CCivil), quer a concreta irrelevância dos posteriores factos com abstracta eficácia interruptiva (nos quais se inclui a eventual citação para a execução) - cfr., entre outros, neste sentido, os acs. deste STA, de 20/10/2010 e 2/3/2011, nos procs. 720/10 e 1038/10, respectivamente, bem como Jorge Lopes de Sousa, ob. cit. pp. 57 e 73).
5.5. É certo que o processo de execução está suspenso, desde 2/8/2000, por prestação de garantia, nos termos do art. 169º do CPPT.
Porém, esta paragem do processo de execução fiscal em consequência da dedução da presente impugnação judicial, associada à prestação de garantia, também não operou a transmutação do efeito interruptivo em efeito suspensivo, já que tal paragem decorre de uma causa imputável ao sujeito passivo (na medida em que a prestação de garantia impediu o órgão da execução fiscal do prosseguimento da tramitação). Ou seja, não houve transmutação do efeito interruptivo em efeito suspensivo, para efeito do disposto no nº 2 do art. 49º da LGT, uma vez que tendo o processo de execução fiscal ficado suspenso nos termos do disposto nos arts. 49º, nº 3 da LGT e 169º do CPPT, o prazo de prescrição também ficou suspenso (cfr., neste sentido, entre outros, os acs. desta secção do STA, de 4/3/09, rec. nº 160/09, de 7/12/10, rec. nº 0490/10, de 19/1/11, rec. nº 0726/10, de 26/1/2011, rec. nº 01/11, de 30/3/2011, rec. nº 0235/11; e de 29/6/11, rec. nº 0217/11).
Assim, os prazos de prescrição nem sequer recomeçariam a correr, pois que estavam e estão suspensos em virtude da dedução da presente impugnação judicial, a qual, como se viu, veio a ser acompanhada de garantia, prestada para suspender a execução.
5.6. E se o efeito suspensivo dos prazos de prescrição decorrente da pendência da impugnação acompanhada de suspensão da execução em virtude de garantia prestada para o efeito ainda não cessou, pois que o presente processo ainda não terminou, manifesto é que também não estão prescritas as dívidas emergentes das liquidações impugnadas e, por conseguinte, não pode julgar-se que a presente lide de impugnação é supervenientemente inútil em virtude da prescrição daquelas.
E, assim sendo, em procedência das Conclusões do recurso, há que revogar a sentença e ordenar a baixa dos autos ao Tribunal recorrido para que, se nada mais obstar, aí prossigam os pertinentes termos.
DECISÃO
Nestes termos acorda-se em, dando provimento ao recurso, julgar não prescritas as dívidas subjacentes às liquidações objecto da presente impugnação judicial e, consequentemente, revogar a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos à primeira instância para que, se nada mais obstar, se conheça do mérito da impugnação.
Sem custas.
Lisboa, 21 de Setembro de 2011. - Casimiro Gonçalves (relator) - Isabel Marques da Silva - António Calhau.