Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0285/18
Data do Acordão:05/09/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23268
Nº do Documento:SA2201805090285
Data de Entrada:03/15/2018
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:PE.... - PARQUE EÓLICO DE ........, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 –Vem a Fazenda Pública interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria exarada a fls. 501/503 e do despacho de fls. 551 e verso, que a complementou nos termos do artº 617º, nº 2 do Código de Processo Civil, decisão essa que indeferiu o pedido de dispensa do remanescente da Taxa de Justiça, pedindo a alteração do decidido em primeira instância quanto a tal pedido de reforma quanto a custas.
Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«A) À luz do n° 7 do art. 6° do RCP, a Fazenda Pública requer a reforma, em matéria de custas, da douta sentença sob recurso, no sentido desta dispensar o pagamento do valor remanescente da taxa de justiça, reformando-se a mesma, neste segmento e limitando o cálculo e o valor de taxa de justiça a pagar ao limite máximo de € 275.000,00 e a dezasseis unidades de conta (16 UC”s)
B) Dado ter feito a Fazenda Pública um adequado e correcto uso da instância judicial, adoptando posição processual compatível com os princípios da colaboração e boa-fé, não praticando qualquer acto inútil, nem solicitando qualquer diligência dilatória (art. 8º do CPC).
C) Igualmente, a causa não se revestiu de uma especial complexidade, à luz do n° 7 do art. 530º do CPC.
D) Além de que o valor da taxa de justiça aplicada não pode ser, exclusivamente, aferido pelo montante total das dívidas, mas terá sempre que se reportar ao serviço público que foi efectivamente prestado nos autos.
E) Do mesmo modo, requer que este Venerando Tribunal faça idêntico uso desta faculdade, aplicando-a à presente instância de recurso, limitando o cálculo do valor de taxa de justiça ao limite máximo de € 275.000,00 (8 unidades de conta — tabela I-B do RCP).
Termos em que, como sempre mui douto suprimento de Vossas Exas, deverá ser concedido provimento ao presente, como que se fará como sempre JUSTIÇA.»

2 – Não foram apresentadas contra alegações.

3 O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer a fls. 568 e seguintes, com o seguinte teor:
«A pretensão da Fazenda Pública de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça superior a € 275 000 deve ser deferida, em consequência da conjugação das premissas seguintes (art.6° n°7 RCP):
a) conduta processual da requerente pautada pela observância dos princípios da colaboração e da boa fé, designadamente sem suscitação de incidentes anómalos ou expedientes dilatórios (arts.7° e 8° CPC );
b) no caso concreto, inexistência de especial complexidade da acção, cuja Fundamentação da decisão se inspirou em anterior acórdão do STA onde fora apreciada idêntica questão jurídica (art.530º n°7 al. b) CPC a contrario):
e) desproporção flagrante entre o montante da taxa de justiça devida (segundo a aplicação da Tabela 1 do Anexo 1 ao RCP) e o concreto serviço prestado com quebra da relação sinalagmática ínsita na taxa.
Pelo exposto
O recurso merece provimento.
A recorrente deve ser dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça resultante de um valor da causa superior a € 275 000.»


4 – No Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria foram dados como provados os seguintes factos:
A) A Impugnante é uma sociedade por quotas que tem por objecto a produção, transporte e venda de electricidade proveniente do sector das energias renováveis — facto alegado no artigo 1° da p.i. e não contestado, conjugado com o documento a fls. 51 dos Autos;
B) Em 15/12/2008, foi emitida pela Direcção Geral de Energia e Geologia a Licença Provisória de Exploração constante a fls. 65 dos Autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, em nome da Impugnante;
C) O Parque Eólico do …….. é composto por 35 turbinas eólicas — cfr. fls. 51 dos Autos;
D) Em 13/12/2013, foi emitido pelo Serviço de Finanças da Batalha a avaliação efectuada ao prédio tipo “outros”, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo P 2771 da freguesia de Reguengo do Feral, em nome da Impugnante, tendo sido atribuído o valor patrimonial de 586.130,00€- cfr. fls. 68 dos Autos;
E) Em 14/01/2014, a Impugnante apresentou no Serviço de Finanças da Batalha o instrumento constante a fls. 73 dos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, onde requer a 2ª avaliação do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo P-2771 da freguesia de Reguengo do Fetal;
E) Em 19/02/2014, foi emitida pelo Serviço de Finanças da Batalha e nome da Impugnante, o instrumento constante a fls. 80 dos Autos, o qual se dá por integralmente reproduzido, com o assunto de “Notificação da 2ª Avaliação”, referente à avaliação efectuada ao prédio tipo “outros”, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo P 2771, da freguesia de Reguengo do Fetal, e cujo valor patrimonial foi fixado em 586.130,00€;
G) A presente Impugnação foi apresentada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria em 15/05/2014 — cfr. fls. 1 dos Autos.


5. Com dispensa de vistos, dada a simplicidade da questão, cumpre decidir.

6. Do objecto do recurso

Resulta dos autos que por despacho de fls. 551, que passou a integrar a sentença de fls. 501 e segs., nos termos do artº 617º, nº 1 do Código de Processo Civil, o juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria indeferiu o requerimento de dispensa do remanescente da taxa de justiça deduzido pela recorrente no entendimento de que não se estaria “perante uma causa simples ou de menor complexidade jurídica que justificasse a pretendida dispensa de taxa de justiça» e que no caso dos autos não ocorreram quaisquer outros factos ou circunstâncias determinantes de uma simplificação da tramitação processual, nem a conduta das partes foi inferior ao que lhes é exigido.
A recorrente pretende agora, por via do presente recurso, obter a alteração da condenação em custas, com os fundamentos que sintetiza nas suas conclusões A) a C).
Vejamos, pois, se se verificam os requisitos legais para deferir tal pretensão.

7. De harmonia com o disposto no nº 7 do art. 6° do RCP nas causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
Trata-se de uma dispensa excepcional que, podendo ser oficiosamente concedida (à semelhança do que ocorre com o agravamento previsto no n.º 7 do art.º 7.º), depende sempre de avaliação pelo juiz, pelo que haverá de ter lugar aquando da fixação das custas ou, no caso de ser omitida, mediante requerimento de reforma dessa decisão.
Quanto à complexidade da causa haverá que ter em conta os parâmetros estabelecidos pelo disposto no nº 7 do art. 537º do actual CPC (art. 447º-A do CPC 1961).
De acordo com este normativo, para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as acções e os procedimentos cautelares que: (a) contenham articulados ou alegações prolixas; (b) digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou (c) impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.
As questões de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica serão, por regra, as que envolvem intensa especificidade no âmbito da ciência jurídica e grande exigência de formação jurídica de quem tem que decidir. Já as questões jurídicas de âmbito muito diverso são as que suscitam a aplicação aos factos de normas jurídicas de institutos particularmente diferenciados (neste sentido, Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2012, pág.85).

Em síntese poderemos dizer que a dispensa do remanescente da taxa de justiça, tem natureza excepcional, pressupõe uma menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes.
No caso subjudice verificam-se esses requisitos.
Por um lado a conduta processual das partes no recurso não merece censura que obste a essa dispensa.
Por outro lado, pese embora não possa deixar de invocar-se a relativa extensão dos articulados e alegações, relevando a especial densidade na subsunção jurídica dos factos às complexas questões suscitadas, haverá também que ponderar que, no caso concreto dos autos, o recurso teve como objecto questão que não era nova e fora já objecto de jurisprudência anterior desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal, a qual condicionou a decisão proferida nos autos.
Em face do exposto, ponderados os critérios de razoabilidade e proporcionalidade que devem necessariamente presidir à aplicação do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, a questão tratada no presente recurso pode ser considerada de complexidade inferior à comum, justificando-se a dispensa do remanescente da taxa de justiça na medida em que o montante da taxa devida se mostra desproporcionado em face do concreto serviço prestado.
Neste contexto, entendemos que estão preenchidos os requisitos exigidos pelo mencionado nº 7 do art. 6º do RCP, para que possa dispensar-se o pagamento da totalidade do remanescente da taxa de justiça.

8. Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida na parte relativa à condenação em custas, concedendo a requerida a dispensa do pagamento de remanescente da taxa de justiça na primeira instância e também nesta sede de recurso.
Sem custas
Lisboa, 9 de maio de 2018. - Pedro Delgado (relator) – Isabel Marques da Silva - Ascensão Lopes.