Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0157/11
Data do Acordão:09/07/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
AVALIAÇÃO
TERRENO PARA CONSTRUÇÃO
COEFICIENTE DE LOCALIZAÇÃO
PERCENTAGEM
ÁREA DE IMPLANTAÇÃO
Sumário:1 - O art. 684º-A do CPC aplica-se nas situações em que a parte, tendo apoiado a acção ou a defesa em vários fundamentos, venha a decair em um ou mais desses fundamentos e não em outros.
2 - O dever legal de fundamentação deve responder às necessidades de esclarecimento do destinatário, informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo do respectivo acto e permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito que determinaram a sua prática.
3.1. O coeficiente de localização previsto no art. 42º do CIMI é um valor aprovado por Portaria do Ministro das Finanças sob proposta da CNAPU na fixação do qual se têm em consideração, nomeadamente, as características referidas no nº 3 desse normativo legal.
3.2. O zonamento (determinação das zonas homogéneas a que se aplicam os diferentes coeficientes de localização em cada município, bem como as percentagens a que se refere o nº 2 do art. 45º do CIMI) são, igualmente, aprovados por Portaria do Ministro das Finanças sob proposta da CNAPU.
3.3. Tratando-se de parâmetros legais fixados e previstos na lei [determinados de acordo com os critérios constantes dos nºs. 2 e 3 do art. 45º e nº 3 do art. 42º, ambos do CIMI, e fixados anualmente por Portaria do Ministro das Finanças, sob proposta da CNAPU (arts. 60°, nº 1, al. d) e nº 3, do CIMI)], a fundamentação exigível para a aplicação destes valores apenas se pode circunscrever à identificação geográfica/física dos prédios no concelho e freguesia respectivos, à especificação dos coeficientes de localização e dos restantes valores referidos e à invocação do quadro legal que lhes é aplicável.
Nº Convencional:JSTA000P13184
Nº do Documento:SA2201109070157
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A… contra os actos de segunda avaliação de prédios urbanos.
1.2. A recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
A) Entendeu a sentença sob recurso julgar procedentes as alegações efectuadas pelo impugnante quanto ao valor da área de implantação fixado em segunda avaliação dos terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana da freguesia e concelho de Leiria sob os artigos 4095 e 4096, considerando que, não estando fixadas as percentagens das áreas de implantação na Portaria nº 1426/2004 e variando estas entre 15% e 45%, os avaliadores ao fixarem no caso em análise a percentagem de 25,00, tiveram de ponderar os diversos factores elencados no art. 42°/3 do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), sem que as fichas de avaliação reconstituam o iter cognoscitivo e valorativo por si percorrido.
B) Dando por verificada a falta de fundamentação alegada pelo impugnante, determinou a anulação dos actos impugnados.
C) Por conseguinte, o inconformismo com a sentença sob recurso reside na extensão da fundamentação exigida para a aplicação do valor da área de implantação a que se refere o art. 45°/2 do CIMI, não aceitando a RFP a configuração que da mesma faz a sentença recorrida.
D) Desde logo, porque as percentagens correspondentes à área de implantação para apuramento do VPT dos terrenos urbanos para construção, bem como as respectivas áreas de aplicação foram aprovadas pela Portaria nº 982/2004, de 4 de Agosto (art. 3°), constituindo valores de consulta facilitada através do site www.e-financas.gov.pt ou junto de qualquer Serviço de Finanças. (3. Portaria nº 982/2004, de 4 de Agosto.) E) Depois porque, por remissão do nº 3 do art. 45° do CIMI, na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação tem-se em consideração as características referidas no nº 3 do art. 42° do CIMI, ou seja, as mesmas características que determinaram a fixação do coeficiente de localização (acessibilidades, proximidade de equipamentos sociais, serviços de transportes públicos e valor de mercado imobiliário). F) Ora, o coeficiente de localização (Cl) é um valor, igualmente, aprovado por Portaria do Ministro das Finanças sob proposta da CNAPU (com a composição e competências atribuídas pelos artigos 60º, 61° e 62°/1 a) e b) do CIMI) e o zonamento consiste na determinação das zonas homogéneas a que se aplicam os diferentes coeficientes de localização do município, os quais, aquando da sua fixação pelos próprios municípios, atendem a diversas características da zona em que o prédio se situa, nomeadamente, as acessibilidades, a proximidade de equipamentos sociais, os serviços de transportes públicos e, mesmo, o elevado valor de mercado imobiliário (cf. artigos 42° e 45°/2 e 3 do CIMI).
G) Num caso e noutro, tratam-se de coeficientes e zonas pré-definidos, indisponíveis portanto para qualquer ponderação ou alteração por parte dos peritos intervenientes no procedimento de avaliação.
H) A estes restará, em termos de fundamentação, apenas a precisa identificação geográfica/física dos prédios no concelho e freguesia em causa, o estabelecimento do Cl aplicável e a invocação do quadro legal que lhe é aplicável.
I) Assim recuperando o que se deixa dito quanto às matérias de coeficiente de localização e de zonamento, importa concluir que na fixação da percentagem correspondente à área de implantação do nº 2 do art. 45° do CIMI, igualmente, estamos no domínio de valores pré-estabelecidos, indisponíveis para qualquer ponderação ou alteração por parte dos peritos intervenientes no procedimento de avaliação, aos quais apenas restará, em termos de fundamentação, a precisa identificação e localização geográfica/física dos terrenos para construção no concelho e freguesia em causa, o estabelecimento da percentagem aplicável àquela área e a invocação do quadro legal que lhe é aplicável.
J) Tal como a prova documental demonstra ter sido feito.
K) E assim sendo, não se verifica a alegada falta de fundamentação na aplicação da percentagem de 25%.
L) Ao decidir diferentemente, a sentença sob recurso não pode manter-se por errada interpretação e aplicação dos artigos 42° e 45° do CIMI e do nº 3 da Portaria nº 982/2004, de 4 de Agosto.
1.3. Contra-alegou o recorrido, terminando com a formulação das seguintes conclusões:
A) - O recorrido entende que a doutra sentença proferida pelo tribunal “a quo” deve ser mantida no ordenamento jurídico, isto porque:
B) - Quer o artigo 124° do CPA quer o artigo 77° da LGT estabelecem o dever de fundamentação dos actos administrativos, dever que se concretiza através exposição, ainda que sucinta das razões de facto e de direito.
C) - Fundamentação que no caso concreto não existiu, pois um destinatário normal, colocado na posição de destinatário do acto das segundas avaliações, não entende as razões que levaram os peritos regionais nomeados pela Administração Fiscal, a fixar a percentagem da área de implantação do terreno em 25%.
D) - Nas segundas avaliações não estão descritos nem explicados de forma clara e precisa as razões que levaram à fixação da percentagem de 25%, pelo que a sentença recorrida fez uma correcta interpretação e aplicação da lei, ao considerar a falta de fundamentação da fixação daquela percentagem.
E) - Nos termos do n.º 1 do artigo 684°-A do CPC, e caso venha a proceder o presente recurso, o recorrido pretende que seja apreciada a questão da insuficiente fundamentação do coeficiente de localização de 1,30 aplicado aos prédios objecto de avaliação, bem como quanto à fixação do valor da acção, assim;
F) - A fórmula de determinação do valor patrimonial tributário prevista no artigo 38° do CIMI, em 2007, tinha a seguinte expressão: Vt=Vc x [A x % + (Ac + Ad)] x Cl x Ca x Cq.
G) - O coeficiente de afectação previsto no artigo 41° do CIMI é uniforme e único a nível nacional, apenas alterando em função do fim, conforme assim se encontra descrito na tabela anexa à citada norma.
H) - O que acaba de se referir quanto ao coeficiente de afectação, aplica-se “ipsis verbis” aos coeficientes de qualidade, vetustez e à determinação da área.
I) - Relativamente aos coeficientes de afectação, de qualidade, de vetustez e cálculo de área, nem os peritos das primeiras nem das segundas avaliações têm qualquer poder discricionário.
J) - Aliás, relativamente aos supra indicados coeficientes, nem a própria Comissão Nacional de Avaliação da Propriedade Urbana (CNAPU) tem qualquer poder de decisão ou de alteração.
L) - O mesmo não se verifica com o coeficiente de localização.
M) - Assim, o n ° 1 do artigo 42° do CIMI prevê uma amplitude dos coeficientes de localização que pode variar entre 0,35 e 3.
N) - Por sua vez, os anexos das Portarias 982/04 e 1246/04 prevêem que para o concelho de Leiria e mais precisamente para a área pertencente ao Serviço de Finanças de Leiria – 1 o coeficiente de localização para habitação pode variar entre 0,60 e 1,80.
O) - Ou seja, não se encontra concretamente determinado na lei nem na portaria que o coeficiente de localização seja de 1,30 para o local onde se encontram os prédios do recorrido.
P) - Da matéria provada da douta sentença recorrida também não consta a concreta fundamentação para o recurso ao coeficiente de localização de 1,30.
Q) - Caso na segunda avaliação tivesse sido aplicado o coeficiente de localização de 0,70 previsto nas Portarias 982/04 e 1246/04 o valor patrimonial teria sido bastante inferior.
R) - No site da DGCI (http://www.portaldasfinancasqov.pt), (aplicação SIGIMI) não consta qualquer explicação nem justificação para ter sido fixado no zonamento dos prédios avaliados o coeficiente de 1,30, quando também teria sido possível o Cl de 0,70.
S) - Sendo possível para o zonamento onde ficam situam os prédios avaliadas os coeficientes de localização variáveis entre 0,60 e 1,80, não se poderá considerar fundamentada uma avaliação com a explicação de que o zonamento consta de Portaria e está publicada no site oficial do Ministério das Finanças.
T) - O entendimento em sentido diferente é retirar do controlo judicial uma componente essencial da fórmula de avaliação, sendo que a CNAPU não tem poderes discricionários para fixar os coeficientes de localização.
U) - O entendimento segundo o qual a CNAPU funciona como entidade que na fixação dos zonamentos é insindicável não tem suporte nem no artigo 42° do CIMI nem no anexo das Portarias 982/04 e 1246/04.
V) - O valor patrimonial tributário dos prédios não configura a utilidade económica directa, concreta e determinável no processo de impugnação da fixação do valor patrimonial.
X) - A utilidade económica da impugnação das segundas avaliações apenas pode ser aferida em sede de IMI, IRS e IRC.
Z) - Contudo, em sede de IMI, de IRS e de IRC, a utilidade económica do valor patrimonial tributário depende de diferentes factores e pressupostos, não sendo por isso, determinável, a referida utilidade económica.
AA) - Do exposto resulta que a utilidade económica do presente processo não é de valor certo, pelo que a indicação do valor de € 20.000,00 é legal.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida, ou caso assim não se entenda, deve este tribunal, ao abrigo do disposto no n°1 do artigo 684°-A° do CPC, conhecer e apreciar a questão da insuficiente fundamentação do coeficiente de localização aplicado aos prédios objecto de avaliação, bem como quanto à fixação do valor da acção (impugnação) e consequentemente julgar procedente a impugnação, anulando as segundas avaliações e atribuindo ao processo o valor de € 20.000,00.
1.4. O MP não emitiu Parecer (cfr. fls. 95 verso).
1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.
FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
A) Em 18/03/2005, o impugnante apresentou as declarações modelo 1 de IMI, de fls... do p.a., que se dá por integralmente reproduzida, motivada pela 1.ª transmissão na vigência do CIMI dos terrenos para construção inscritos na matriz da freguesia de Leiria sob os artigos 4095 e 4096 - fls. 1 e 1 do apenso.
B) Inconformado com os valores atribuídos aos terrenos em 1.ª avaliação, o impugnante requereu 2.ªs avaliações - fls.... do p.a.
C) Reunidos os peritos, foram elaborados os Termos de avaliação de fls... do p.a., que também se dão por integralmente reproduzidos, para todos os efeitos legais.
D) O impugnante foi notificado dos actos de avaliação referidos na alínea antecedente, a coberto dos ofícios de fls. 10 e 11, datados de 13/02/2007, que também se dão por integralmente reproduzidos.
E) Em 27/02/2007, nos termos do Art. 37.° do CPPT, o impugnante requereu certidão dos fundamentos de facto e de direito «pelos quais foi fixado a % de 25%, o Cl em 1,30 (...)», – fls. 12.
F) Em resposta, o Serviço de Finanças de Alcobaça emitiu a certidão de fls. 22, que se dá por integralmente reproduzida, da qual se destaca o seguinte:
«(…)
Quanto à percentagem, consta do artigo 45.°, n.º 2, do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis.
Quanto ao Coeficiente de Localização, foi publicado pela Portaria n.º 1426/2004, de 25 de Novembro.
(…)»
3. Enunciando como questões a decidir as de saber se ocorre vício de forma quer por falta de fundamentação, quer por preterição do direito de audiência prévia, a sentença veio a concluir pela procedência da impugnação por os actos de avaliação enfermarem de vício de forma substanciado na respectiva falta de fundamentação, e considerando, assim, também prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.
3.1. A recorrente (Fazenda Pública) questiona o decidido, sustentando, em síntese, que a sentença sofre de erro de julgamento por fazer errada interpretação e aplicação dos arts. 42° e 45º do CIMI e do nº 3 da Portaria nº 982/2004, de 4/8.
3.2. Mas, por outro lado, também o recorrido pretende (cfr. segmento final das contra-alegações) a ampliação do recurso nos termos do disposto no art. 684º-A do CPC, pedindo que, caso o recurso venha a ser julgado procedente, este Tribunal, conheça e aprecie, ao abrigo do disposto no nº 1 do art. 684°-A° do CPC, a questão da insuficiente fundamentação do coeficiente de localização aplicado aos prédios objecto de avaliação, bem como a questão atinente à fixação do valor da acção (impugnação).
3.2.1. Ora, este art. 684º-A do CPC, tem aplicação nas situações em que a parte, tendo apoiado a acção ou a defesa em vários fundamentos, decaia em um ou mais desses fundamentos e não em outros. Nesse caso, sendo interposto recurso pela parte vencida, a lei confere ao recorrido (parte vencedora que não recorreu por, afinal, ter tido ganho da causa) a possibilidade de, precavendo-se da eventualidade de o recorrente lograr procedência do recurso, requerer ao tribunal ad quem, o conhecimento do fundamento ou dos fundamentos em que decaiu (cfr., entre outros, o ac. do STJ, de 20/3/02, rec. nº 2649/01).
Ou seja, o referido normativo permite ao recorrido ampliar o âmbito do recurso quando, no caso de pluralidade de fundamentos da acção, haja decaimento da parte vencedora nalgum deles (bem como no caso de arguição de nulidade ou no caso de impugnação da decisão recorrida sobre pontos determinados da matéria de facto não impugnados pelo recorrente), prevenindo a hipótese de procedência das questões por estes suscitadas.
No caso dos autos, o impugnante, imputara aos actos de avaliação impugnados os vícios decorrentes de vício de forma, por falta de fundamentação e por preterição de formalidade legal (falta de audiência prévia), sendo que, quanto ao primeiro, alegou a falta de fundamentação na parte relativa ao coeficiente de localização (de 1,60) aplicado e na parte relativa à percentagem da área de implantação, que foi fixada em 25%.
E a sentença (distinguindo e individualizando — dentro do vício de forma por alegada falta de fundamentação — quer a fundamentação relativa ao coeficiente de localização, quer a fundamentação relativa à percentagem da área de implantação), acabou por concluir que, embora não se verifique falta de fundamentação quanto ao coeficiente de localização, ela se verifica, contudo, na parte em que foi aplicada a percentagem de 25% relativamente à área de implantação. Daí que tenha julgado procedente a impugnação com esse fundamento e considerado prejudicada a apreciação do fundamento relativo à preterição de formalidade legal por falta de audiência prévia.
Entende-se, assim, que, face à apontada distinção (fundamentação quanto ao coeficiente de localização e fundamentação quanto à percentagem da área de implantação) e face à decisão de procedência da impugnação apenas no que a esta última diz respeito, estamos perante caso em que é aplicável o disposto no invocado art. 684º-A do CPC.
3.2.2. Porém, como acima se disse, o recorrido pretende a ampliação do recurso (nos termos do disposto no art. 684º-A do CPC) também no que respeita à questão relativa à fixação do valor da acção (impugnação).
E, na verdade, a sentença apreciou previamente a questão do valor da acção, fazendo-o nos termos seguintes:
O impugnante atribuiu à presente impugnação o valor de 20.000,00 Euros, mas, nela, contesta o valor global de 653.980,00 Euros, atribuído aos imóveis.
Contudo, o valor indicado pelo impugnante não corresponde à utilidade económica do pedido, tal como esta vem definida pelo art. 306°, nº 1, 2ª parte, do CPC (se, pela acção se pretende obter benefício diverso de uma quantia em dinheiro, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente a esse beneficio).
E assim, uma vez que a toda a causa deve ser atribuído um valor certo (art. 305º, nº 1 do CPC), é adequado fixar à causa o valor correspondente ao valor da avaliação contestada, em conformidade com a regra do art. 97°-A, nº 1, al. c) do CPPT que, por força do disposto no art. 27°, nº 1 do DL nº 34/2008, de 26/2, não é aplicável a este processo.
Ora, a ampliação do recurso não pode nesta parte ser admitida.
Com efeito, trata-se de matéria sobre a qual, pelas razões acima expostas, o recorrido não pode lançar mão da faculdade de ampliação do recurso, sendo que a recorrente Fazenda Pública não questiona, sequer, a decisão nesta parte. Para fazer reapreciar essa questão, necessário se tornava que o recorrido, nessa parte vencido, interpusesse, ele próprio, o pertinente recurso. Mas, não o tendo feito, não pode, por via da ampliação do recurso regulada no dito art. 684º-A do CPC, obter tal desiderato.
3.3. Em suma, as questões a decidir são, portanto, as de saber se os questionados actos de avaliação se encontram fundamentados nos termos legais:
- quer quanto à percentagem da área de implantação, que foi fixada em 25% (objecto do recurso da Fazenda Pública);
- quer (em caso de procedência do recurso interposto pela Fazenda Pública), quanto ao coeficiente de localização (de 1,60) também aplicado (questão relativamente à qual o recorrido pede a reapreciação nos termos do disposto no art. 684º-A do CPC).
Vejamo-las, pois.
4.1. O direito à fundamentação, relativamente aos actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos, decorria já do art. 1°, nº 1, als. a) e c) do DL nº 256-A/77, de 17/6 e tem hoje consagração constitucional de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias consagrados no Título II da parte 1ª da CRP (art. 268º) - vejam-se a abundante jurisprudência do STA atinente a esta matéria, bem como Gomes Canotilho e Vital Moreira, «Constituição da República Portuguesa Anotada», 1993, pp. 936 e Vieira de Andrade, «O Dever de Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos», 1990, pp. 53 e ss., tendo o respectivo princípio constitucional sido densificado nos arts. 124º e 125° do CPA e no art. 77° nºs. 1 e 2 da LGT (acto administrativo tributário).
E dado que este dever legal de fundamentação tem, «a par de uma função exógena - dar conhecimento ao administrado das razões da decisão, permitindo-lhe optar pela aceitação do acto ou pela sua impugnação -, uma função endógena consistente na própria ponderação do ente administrador, de forma cuidada, séria e isenta.» (ac. deste STA, de 2/2/06, rec. nº 1114/05), então, essa fundamentação deve ser contextual e integrada no próprio acto (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa e acessível (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do acto um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação), equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
E caso a fundamentação seja feita por forma remissiva (por adesão ou remissão para anterior parecer, informação ou proposta), estes constituirão parte integrante do respectivo acto administrativo: este acto integra, então, nele próprio, o parecer, informação ou proposta para os quais se remete e estes terão, assim, em termos de legalidade, que satisfazer os mesmos requisitos da fundamentação autónoma.
Assim, utilizando a linguagem da jurisprudência, o acto só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto administrativo (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto, sendo, portanto, essencial que o discurso contextual lhe dê a conhecer todo o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que suportam a decisão ou os motivos por que se decidiu num determinado sentido e não em qualquer outro. Ela visa «esclarecer concretamente as razões que determinaram a decisão tomada e não encontrar a base substancial que porventura a legitime, já que o dever formal de fundamentação se cumpre “pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis, enquanto a fundamentação substancial exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo”. O discurso fundamentador tem de ser capaz de esclarecer as razões determinantes do acto, para o que há-de ser um discurso claro e racional; mas, na medida em que a sua falta ou insuficiência acarreta um vício formal, não está em causa, para avaliar da correcção formal do acto, a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão.» (cfr. Vieira de Andrade – ob. cit. pag. 239, na citação do ac. do STA, de 11/12/2002, rec. 01486/02).
4.2. Especificamente, também a decisão em matéria de procedimento tributário exige sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo essa fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os integrantes do relatório da fiscalização tributária, e devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo (cfr. o art. 77° da LGT). Ou seja, o dever legal de fundamentação deve, em suma, cumprindo as referidas funções endógena e exógena, responder às necessidades de esclarecimento do destinatário (do contribuinte, no presente caso), informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo do respectivo acto e permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática. E a violação destes requisitos da decisão implica a respectiva ilegalidade, fundamento de subsequente anulação, em sede de impugnação judicial da correspondente liquidação (ou do acto de fixação do valor patrimonial tributário dos prédios em questão - 2ª avaliação -, como sucede no caso dos autos) - cfr. os arts. 99º e 134º do CPPT e cfr., ainda, entre outros, o ac. desta Secção do STA, de 30/11/2010, rec. nº 0600/10, bem como os demais aí referenciados).
4.3. No presente caso, tendo o recorrido deduzido impugnação dos actos de 2ª avaliação dos prédios questionados (inscritos na matriz da freguesia de Leiria sob os artigos 4095º e 4096º), invocando, além do mais, a falta de fundamentação desses actos (quer na vertente do coeficiente de localização aplicado, quer na da percentagem relativa à área de implantação) a sentença decidiu que, embora aquele vício não se verifique na parte que respeita ao coeficiente de localização, o mesmo se verifica, contudo, na parte referente à fundamentação da percentagem (25%) aplicada relativamente à área de implantação referida nos nºs. 2 e 3 do art. 45º do CIMI, pois que nem nas fichas de avaliação, nem na certidão de fls. 22, se encontram especificados quaisquer dos elementos mencionados no nº 3 do art. 42º do mesmo Código (para o qual remetem aqueles outros artigos), não sendo possível reconstituir o iter cognoscitivo e valorativo percorrido pelos peritos na determinação do valor dos terrenos em causa.
E na verdade, a sentença considera, em síntese, o seguinte:
a) No que respeita ao coeficiente de localização previsto no art. 42º do CIMI, não ocorre falta de fundamentação, dado que, tratando-se, por um lado, de um valor aprovado por Portaria do Ministro das Finanças sob proposta da CNAPU, na fixação do qual se têm em consideração, nomeadamente, as características relativas a acessibilidades, proximidade de equipamentos sociais, serviços de transportes públicos e localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário, e prevendo-se, por outro lado, no nº 4 do mesmo preceito legal, o zonamento (que consiste na determinação das zonas homogéneas a que se aplicam os diferentes coeficientes de localização em cada município e as percentagens a que se refere o nº 2 do art. 45° do CIMI), então, a fundamentação exigível para a aplicação deste coeficiente de localização, apenas se podia circunscrever à identificação geográfica/física dos prédios, ao estabelecimento do coeficiente de localização aplicável e à invocação do quadro legal que lhe era aplicável, sendo que das fichas de avaliação respectiva e da certidão de fls. 22 constam todos os mencionados elementos, pelo que não se verifica o alegado vício em análise.
b) Porém, no que respeita à percentagem respeitante à área de implantação, verifica-se a invocada falta de fundamentação, pois:
1 - De acordo com o nº 1 do art. 45° do CIMI o valor patrimonial dos terrenos para construção resulta da soma de dois outros valores: do valor da área de implantação do edifício a construir e do valor do terreno adjacente à construção.
- O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas, devendo, na fixação da respectiva percentagem, ter-se em consideração as regras constantes do nº 3 do art. 42º.
- Já o valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do nº 4 do art. 40º.
2 - Ora, o que o nº 3 do art. 42º define são as características a atender na fixação do coeficiente de localização acima especificadas (a Portaria nº 1426/2004 fixou os coeficientes de localização mínimo e máximo a aplicar em cada município, por tipo de afectação – mas nada menciona quanto às percentagens das áreas de implantação), pelo que na fixação do valor da área de implantação entre 15% e 45%, os avaliadores devem atender às acessibilidades (considerando-se como tais a qualidade e variedade das vias rodoviárias, ferroviárias, fluviais e marítimas), à proximidade de equipamentos públicos (designadamente escolas, serviços públicos e comércio), aos serviços de transportes públicos e à localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário. Só ponderando estes factores, é possível alcançar um determinado valor compreendido entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.
3 - Mas, antes disso, ainda era preciso determinar qual o valor das edificações autorizadas ou previstas.
4 - E, no caso, nem nas fichas de avaliação, nem na certidão de fls. 22, se encontram especificados quaisquer destes elementos, não sendo possível reconstituir o iter cognoscitivo e valorativo percorrido pelos senhores peritos na determinação do valor dos terrenos em causa.
4.4. A recorrente Fazenda Pública sustenta, todavia, que a decisão faz errada interpretação e aplicação dos arts. 42° e 45° do CIMI e do nº 3 da Portaria nº 982/2004, de 4/8, pois que a percentagem da área de implantação fixada nas avaliações questionadas se encontra devidamente justificada.
Vejamos.
4.4.1. O art. 38º do CIMI estabelece a fórmula (Vt = Vc x A x Ca x Cl x Cq x Cv) de determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços, em que Vt equivale ao valor patrimonial tributário, Vc ao valor base dos prédios edificados, A à área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação, Ca ao coeficiente de afectação, Cl ao coeficiente de localização, Cq ao coeficiente de qualidade e conforto e Cv ao coeficiente de vetustez.
Estes índices que integram a referida fórmula são explicitados nos arts. 39º e sgts. do mesmo CIMI.
Nomeadamente, no que interessa ao caso dos autos, em que se está em causa a avaliação de terrenos para construção, o respectivo valor patrimonial tributário (Vt) é calculado de acordo com as regras constantes do art. 45º do CIMI, que estabelece o seguinte:
«Artigo 45º - Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção
1 - O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.
2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.
3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no nº 3 do artigo 42º.
4 - O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do nº 4 do artigo 40º.»
Ou seja o valor patrimonial destes prédios, resulta da soma de dois outros valores: do valor da área de implantação do edifício a construir e do valor do terreno adjacente à implantação.
E cada um destes valores é assim encontrado:
- O valor da área de implantação (sendo que a área de implantação do edifício a construir é a que se situa dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo) varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas, tendo-se em conta, na fixação dessa percentagem, as características referidas no nº 3 do art. 42º do CIMI, ou seja, as características atendíveis para a fixação do coeficiente de localização aplicável na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos destinados a habitação, comércio, indústria e serviços, nomeadamente acessibilidades, proximidade de equipamentos sociais, serviços de transportes públicos e localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário (arts. 42º, nº 3 e 45º, nº 3, do CIMI).
- O valor do terreno adjacente à área de construção é calculado nos termos do nº 4 do art. 40º do CIMI (cfr. nº 4 do art. 45º do CIMI).
E é, precisamente, em relação ao valor da percentagem necessária para calcular a área de implantação que a sentença recorrida conclui que ocorre falta de fundamentação do acto avaliativo, por considerar que, definindo o nº 3 do art. 42º apenas as características a atender na fixação do coeficiente de localização, mas nada mencionando quanto às percentagens das áreas de implantação, então, na fixação do valor da área de implantação entre 15% e 45%, os avaliadores devem atender às acessibilidades, à proximidade de equipamentos públicos, aos serviços de transportes públicos e à localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário e, só ponderando estes factores, é possível alcançar aquele valor compreendido entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas. Ou seja, antes disso, ainda era preciso determinar qual o valor das edificações autorizadas ou previstas e, no caso, nem nas fichas de avaliação, nem na certidão de fls. 22, se encontram especificados quaisquer destes elementos, não sendo possível reconstituir o iter cognoscitivo e valorativo percorrido pelos senhores peritos na determinação do valor dos terrenos em causa.
4.4.2. Não subscrevemos, porém, este entendimento.
Com efeito, de acordo com o disposto no nº 4 do art. 42º do CIMI, a fixação da percentagem da área de implantação é feita por meio do «zonamento», que «consiste na determinação das zonas homogéneas a que se aplicam os diferentes coeficientes de localização do município e as percentagens a que se refere o nº 2 do artigo 45º».
E, como vimos, de acordo com o disposto nos nºs. 2 e 3 deste mesmo art. 45º do CIMI, nessa fixação da percentagem do valor do terreno de implantação também se têm em consideração as características referidas no nº 3 do art. 42º.
Na verdade, o citado art. 42º do CIMI estabelece o seguinte:
«1 - O coeficiente de localização (Cl) varia entre 0,4 e 2, podendo, em situações de habitação dispersa em meio rural, ser reduzido para 0,35 e em zonas de elevado valor de mercado imobiliário ser elevado até 3.
2 - Os coeficientes a aplicar em cada zona homogénea do município podem variar conforme se trate de edifícios destinados a habitação, comércio, indústria ou serviços.
3 - Na fixação do coeficiente de localização têm-se em consideração, nomeadamente, as seguintes características:
a) Acessibilidades, considerando-se como tais a qualidade e variedade das vias rodoviárias, ferroviárias, fluviais e marítimas;
b) Proximidade de equipamentos sociais, designadamente escolas, serviços públicos e comércio;
c) Serviços de transportes públicos;
d) Localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário.
4 - O zonamento consiste na determinação das zonas homogéneas a que se aplicam os diferentes coeficientes de localização do município e as percentagens a que se refere o nº 2 do artigo 45º.»
4.4.3. Já no art. 62º do CIMI dispõe-se:
«1 - Compete à CNAPU:
a) Propor trienalmente, até 31 de Outubro, os coeficientes de localização mínimos e máximos a aplicar em cada município, com base designadamente em elementos fornecidos pelos peritos locais e regionais e pelas entidades representadas na CNAPU, para vigorarem nos três anos seguintes;
b) Propor trienalmente, até 31 de Outubro, o zonamento e respectivos coeficientes de localização, as percentagens a que se refere o nº 2 do artigo 45º e as áreas da sua aplicação, bem como os coeficientes majorativos aplicáveis às moradias unifamiliares, com base em propostas dos peritos locais e regionais, para vigorarem nos três anos seguintes em cada município;
c) Propor as directrizes relativas à apreciação da qualidade construtiva, da localização excepcional, do estado deficiente de conservação e da localização e operacionalidade relativas;
d) Propor anualmente, até 30 de Novembro, para vigorar no ano seguinte, o valor médio de construção por metro quadrado, ouvidas as entidades oficiais e as associações privadas do sector imobiliário urbano;
e) Propor à Direcção-Geral dos Impostos as medidas que entender convenientes no sentido do aperfeiçoamento das operações de avaliação.
2 - Tratando-se de conjuntos ou empreendimentos urbanísticos implantados em áreas cujo zonamento não tenha ainda sido aprovado ou, tendo-o sido, se encontre desactualizado, as propostas referidas nas alíneas a) e b) do nº 1 são apresentadas anualmente.
3 - As propostas a que se referem as alíneas a) a d) do nº 1 e o número anterior são aprovadas por portaria do Ministro das Finanças.»
4.4.4. Por sua vez, a Portaria nº 982/2004, de 4/8, aprovou e deu publicidade aos coeficientes a fixar dentro dos limites estabelecidos no citado CIMI, estabelecendo-se no seu nº 7 que «o zonamento, os coeficientes de localização, as percentagens e os coeficientes majorativos referidos, respectivamente, nos nºs. 2º, 3º e 4º da presente portaria são publicados no sítio www.e-financas.gov.pt, podendo ser consultados por qualquer interessado, e estão ainda disponíveis em qualquer serviço de finanças».
Posteriormente, a Portaria nº 1426/2004, de 25/11, revogou o nº 1º da Portaria nº 982/2004 e aprovou novos coeficientes de localização mínimos e máximos a aplicar em cada município.
E também posteriormente, a Portaria nº 1022/2006, de 20/9, procedeu à primeira revisão do zonamento e dos coeficientes de localização, seguindo-se a Portaria nº 1119/2009, de 30/9 (cfr. os seus nºs. 1 e 3).
Todas elas tendo, porém, sido editadas nos termos do referido nº 3 do art. 62º do CIMI.
4.4.5. Assim sendo, a percentagem relativa à área de implantação, prevista no nº 2 do art. 45º do CIMI (na fixação da qual se têm em consideração, por força do disposto no seu nº 3, as características referidas no nº 3 do art. 42º do mesmo Código), é valor aprovado por Portaria do Ministro das Finanças sob proposta da CNAPU, sendo parte integrante dos conteúdos do SIGIMI. Ou seja, estamos perante valores predefinidos por lei e, portanto, indisponíveis para qualquer ponderação ou alteração por parte dos peritos intervenientes no procedimento de avaliação.
Ora, no caso dos autos, e relativamente à percentagem encontrada e fixada (25%) de área de implantação, é a que para o local foi proposta pela CNAPU.
5.1. Considerando este quadro legal, e relembrando que, como se disse, o grau de fundamentação há-de ser o adequado ao tipo concreto do acto e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado (cfr. ac. deste STA, de 11/12/2007, rec nº 615/04), vemos que, no caso presente, a fundamentação das avaliações impugnadas é a que resulta da fórmula e do critério legal, sendo que os peritos não poderiam ter alterado a percentagem para cálculo da área de implantação, legalmente fixada, pois que se trata de elemento preciso, objectivo e pré-determinado por lei, em função dos diversos parâmetros nela constantes, designadamente da localização e do destino dos prédios em causa e, por isso, indisponíveis para as partes no procedimento de avaliação.
5.2. Sobre a questão da fundamentação relativamente ao coeficiente de localização e às percentagens a que se refere o citado nº 2 do art. 45º do CIMI, se debruçou já, aliás, em vários acórdãos recentes, a jurisprudência desta Secção do STA. E se no acórdão proferido em 10/3/2011, no rec. nº 862/10, o Tribunal concluiu pela inexistência de falta de fundamentação do acto de 2ª avaliação, já nos acórdãos proferidos em 1/7/2009, rec. nº 239/09; 18/11/2009, rec. nº 765/09; 14/7/2010, rec. nº 377/10; 6/10/2010, rec. nº 510/10; 17/3/2011, rec. nº 964/2010; 25/5/2011, rec. nº 239/11; 22/6/2011, rec. nº 382/11); e 6/7/2011, rec. nº 307/11, o Tribunal concluiu pela suficiência da fundamentação, em termos com os quais concordamos inteiramente (sendo que relatámos o acórdão no citado rec. nº 307/11 e subscrevemos, na qualidade de 1º adjunto, os acórdãos nos recs. nºs. 239/11 e 382/11, e), exarando-se ali o seguinte:
«Como se pode ler no preâmbulo do CIMI, aprovado pelo DL 287/2003, de 12 de Novembro, com a reforma da tributação do património levada a cabo por este diploma, operou-se “uma profunda reforma do sistema de avaliação da propriedade, em especial da propriedade urbana. (…) o sistema fiscal passa a ser dotado de um quadro legal de avaliações totalmente assente em factores objectivos, de grande simplicidade e coerência interna, e sem espaço para a subjectividade e discricionariedade do avaliador.”.
O procedimento de avaliação, configurado nos artigos 38º e seguintes do CIMI, caracteriza-se, assim, agora por uma elevada objectividade, com uma curtíssima margem de ponderação ou valoração por parte dos peritos intervenientes, pretendendo-se que a avaliação assente no máximo de dados objectivos.
Desde logo, o coeficiente de localização previsto no artigo 42º do CIMI é um valor aprovado por Portaria do Ministro das Finanças sob proposta da CNAPU na fixação do qual se têm em consideração, nomeadamente, as seguintes características: acessibilidades, proximidade de equipamentos sociais, serviços de transportes públicos e localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário.
Por outro lado, o nº 4 do mesmo preceito legal prevê ainda o zonamento que consiste na determinação das zonas homogéneas a que se aplicam os diferentes coeficientes de localização em cada município e as percentagens a que se refere o nº 2 do artigo 45º do CIMI.
Trata-se, pois, de parâmetros legais de fixação do valor patrimonial com base em critérios objectivos e claros e, por isso, facilmente sindicáveis, bastando a indicação da localização dos prédios e a referência do quadro legal aplicável para que se compreenda como foi determinado o referido coeficiente.
Ou seja, encontramo-nos no domínio de zonas e coeficientes predefinidos e, portanto, indisponíveis para qualquer ponderação ou alteração por parte dos peritos intervenientes no procedimento de avaliação, e isto independentemente de se tratar de primeira ou segunda avaliação, pois não é o facto de se realizar uma inspecção directa ao imóvel a avaliar que pode levar ao desrespeito dos coeficientes predefinidos, mas antes serve essa inspecção para comprovar a justeza dos coeficientes a aplicar.
Neste contexto, a fundamentação exigível para a aplicação do coeficiente de localização apenas se podia circunscrever à identificação geográfica/física dos prédios no concelho e freguesia de Pombal, ao estabelecimento do coeficiente de localização aplicável e à invocação do quadro legal que lhe era aplicável.
Por outro lado, é a própria lei que manda ter em consideração na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação as mesmas características que se têm em consideração na fixação do coeficiente de localização (v. nº 3 do artigo 45º do CIMI).».
Ou seja, neste novo sistema de avaliações, assente em factores objectivos, não há espaço para a subjectividade e discricionariedade do avaliador, sendo coordenado por uma comissão cuja composição garante a representatividade dos agentes económicos e das entidades públicas ligadas ao sector.
«O coeficiente de localização é, assim, fixado de acordo com regras predefinidas, que têm a ver com o exacto local onde se encontra o imóvel a avaliar e têm em conta os elementos a que se refere o artigo 42º do CIMI.
Também o mesmo se passa com o zonamento que consiste na determinação das zonas homogéneas a que se aplicam os diferentes coeficientes de localização em cada município e as percentagens a que se refere o nº 2 do artigo 45º do CIMI e é aprovado por portaria do Ministro das Finanças sob proposta da CNAPU.
A determinação dos valores de zonamento é efectuada em cada município em assembleia camarária cuja materialização corresponde aos mapas informáticos de valor, por zona.
Assim, não é correcto alegar-se que a lei fixa um mínimo e um máximo e que dentro dessa moldura o avaliador tinha que fundamentar a razão por que atendeu ao coeficiente máximo e não ao mínimo
Deste modo, aderindo a esta jurisprudência (que, como supra referimos, já subscrevemos nos apontados arestos de 25/5/2011, 22/6/2011 e 6/7/2011), temos de concluir que a fundamentação no caso exigível, mesmo para a fixação da percentagem da área de implantação, apenas se podia circunscrever à identificação geográfica/física do prédio no concelho e na freguesia aqui em causa, ao estabelecimento da percentagem do valor da área de implantação que seja aplicável na respectiva localização e à invocação do quadro legal aplicável.
5.3. Ora, aqueles elementos constam das respectivas fichas de avaliação (cfr. fls. 10 a 22 e o apenso administrativo junto aos autos, bem como as als. E) e F) do Probatório).
E como igualmente se refere no citado aresto do STA, «… a intenção do legislador foi subtrair da subjectividade e da relatividade apreciativa do avaliador os critérios relevantes da avaliação dos prédios urbanos, para efeitos de incidência real tributária, e fê-lo para efeitos de combater a fraude e a evasão fiscal, através de avaliações subjectivas, sujeitas a pressões de especuladores e a outros interesses de subvalorização da propriedade urbana, sendo que foi todo esse circunstancialismo que levou o legislador a estabelecer critérios objectivos fixados por lei.
Além de que a existência de erros ou anomalias sempre poderá ser corrigida na medida em que os valores dos coeficientes de localização e zonamento são propostos pela CNAPU trienalmente
Em suma, tendo, no caso, sido aplicada a percentagem de 25% para cálculo da área de implantação aplicada, e sendo essa a que, efectivamente, resulta dos ditos parâmetros acima mencionados, tais elementos, constantes dos termos das impugnadas avaliações, são bastantes para os actos se considerarem fundamentados, nos termos exigidos pela lei para o caso (art. 77º da LGT), pois que, como se disse, a fundamentação no caso exigível apenas se podia circunscrever à identificação geográfica/física do prédio no concelho e na freguesia aqui em causa, ao estabelecimento da percentagem do valor da área de implantação aplicável na respectiva localização e à invocação do quadro legal aplicável.
E sendo isso que, no caso, se verifica e não invocando o impugnante/recorrido, por outro lado, qualquer erro na identificação geográfica, não pode concluir-se, relativamente aos actos de avaliação impugnados, pela falta absoluta de fundamentação na adopção da contestada percentagem, pelo que a impugnação teria de improceder, mantendo-se o valor patrimonial fixado.
Assim, sentença recorrida, ao julgar procedente a impugnação por considerar verificado o vício de forma decorrente da falta de fundamentação das avaliações, na vertente da percentagem relativa à área de implantação, enferma do erro de julgamento que a recorrente Fazenda Pública lhe imputa, substanciado na inadequada aplicação dos arts. 42° e 45° do CIMI e do nº 3 da Portaria nº 982/2004, de 4/8.
Procedem, assim, as conclusões do recurso da Fazenda Pública.
6. E face à procedência deste recurso interposto pela Fazenda Pública, importa, então, apreciar a questão suscitada pelo recorrido por via da admitida ampliação do objecto do recurso.
E, fazendo-o, dir-se-á que é totalmente aplicável, também quanto a esta suscitada questão (falta de fundamentação do coeficiente de localização – Cl), a argumentação supra e que, aliás, já consta expressa na sentença.
Com efeito, também a fixação dos coeficientes de localização é feita por meio do «zonamento» (previsto no nº 4 do art. 42º do CIMI e que consiste na determinação das zonas homogéneas a que se aplicam os diferentes coeficientes de localização em cada município), pelo que tendo, no caso, sido aplicado o Cl (coeficiente de localização) de 1,30 e sendo esse o coeficiente que resulta da fórmula e do critério legal, os peritos não poderiam senão aplicá-lo, pois que estamos perante parâmetros precisos, objectivos e pré-determinados por lei, em função dos diversos elementos nela constantes, designadamente da localização e do destino dos prédios em causa e, por isso, indisponíveis para as partes no procedimento de avaliação.
A sentença decidiu, pois, nesta parte, de acordo com a lei aplicável, improcedendo, por conseguinte, as Conclusões das contra-alegações do recorrido.
DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em:
a) Não admitir a ampliação do recurso, pretendida pelo recorrido à luz do disposto no art. 684º-A do CPC, no que à questão relativa à fixação do valor da acção respeita.
b) Dar provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública e, consequentemente, revogar a sentença recorrida e julgar totalmente improcedente a impugnação, mantendo-se os valores patrimoniais fixados nas avaliações impugnadas.
c) Apreciando a questão (da insuficiente fundamentação do coeficiente de localização aplicado aos prédios objecto de avaliação) suscitada pelo recorrido por via da admitida ampliação do objecto do recurso (nos termos do nº 1 do art. 684°-A° do CPC) negar-lhe provimento e confirmar, nesta parte, a sentença recorrida.
Custas pelo recorrido, fixando-se a procuradoria em 1/6.
Lisboa, 7 de Setembro de 2011. - Casimiro Gonçalves (relator) - António Calhau - Isabel Marques da Silva.