Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0151/18.5BECTB
Data do Acordão:05/10/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24516
Nº do Documento:SA1201905100151/18
Data de Entrada:04/09/2019
Recorrente:ASFOALA-ASSOCIAÇÃO DE PRODUTORES FLORESTAIS DO ALTO ALENTEJO
Recorrido 1:IFAP-INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DE AGRICULTURA E PESCAS, I.P.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO
ASFOALA – Associação de Produtores Florestais do Alto Alentejo intentou, no TAF de Castelo Branco, providência cautelar contra o IFAP – Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP, pedindo:
“- a suspensão da eficácia da decisão do Presidente do Conselho Directivo do IFAP que determinou a alteração do contrato de financiamento n.° 02033904/0;
- e a devolução do valor de € 101.720,42 recebido pela requerente a título de subsídio de investimento, notificado por oficio de 16.1.2018.”

Por sentença de 22.08.2018, o TAF deferiu a requerida medida cautelar.

Decisão que o TCA Sul, para onde o IFAP apelou, revogou.
É desse Acórdão que a Autora vem recorrer (artigo 150.º do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. A Requerente, que é uma associação sem fins lucrativos e tem como receitas as quotas dos seus associados e os subsídios que recebe dos Fundos Comunitários em virtude das candidaturas apresentadas em nome dos proprietários florestais da sua zona, celebrou com a Requerida um contrato de financiamento através do qual lhe foi atribuído um subsídio não reembolsável no valor de € 175.801,14.
Com fundamento na “…impossibilidade de estabelecer correspondência quer entre as entidades a quem são faturados os subcontratos e as que constam das faturas apresentadas a financiamento, quer entre as datas em que tais facturações ocorrem, bem como por impossibilidade de confirmação da existência de meios para a realização dos serviços faturado”, a Requerida ordenou à Requerente a devolução da quantia de € 101.720,42 do montante financiado.
A Requerente pediu a suspensão da eficácia dessa decisão sustentando que se encontravam preenchidos todos os pressupostos de que a mesma dependia.
Requerimento que o TAF deferiu por considerar que se verificava o fumus boni iuris uma vez que a Requerente “com base nas declarações e depoimentos prestados em sede de audiência final logrou indiciar .... que todos os trabalhos previstos no projeto foram executados no terreno e que os preços que foram pagos às empresas subcontratadas pelos trabalhos que realizaram foram os que estavam definidos no projeto e de acordo com as tabelas CAOF.”
Deste modo, e atendendo a que, também, se verificava o periculum in mora - na medida em que a devolução daquele montante poderia determinar a insolvência da Requerente “num momento em que a mesma se encontra a discutir a legalidade da decisão tomada pela Entidade Requerida” - e que na, ponderação de interesses, deveriam prevalecer os interesses prosseguidos pela Requerente - por um lado, por não se vislumbrar que o deferimento da requerida medida causasse prejuízo ao interesse público e, por outro, porque dessa forma se evitava o perigo da sua insolvência – ordenou a suspensão da execução da ordem de devolução.

O TCA revogou essa decisão e indeferiu a requerida providência.
Desde logo, porque o julgamento da M.F. que fundara a decisão recorrida não se podia manter e isto porque a mesma “incorreu em erro ao considerar que são relevantes as declarações do representante da recorrida e os depoimentos das testemunhas que esta arrolou para determinar se são elegíveis as despesas que a mesma apresentou.” Deste modo, tendo concluído que a prova documental não permitia assegurar “que o acto suspendendo padece do vício de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, ou seja, a sentença recorrida errou ao julgar verificado o pressuposto do fumus boni iuris com base neste vício, razão pela qual deverá ser revogada.”
Depois, porque concluiu que os restantes vícios imputados ao acto suspendendo que a sentença não havia conhecido [falta de audiência prévia, falta de fundamentação de direito e ilegal aplicação da redução prevista no art. 30° n.º 1, do Regulamento (UE) n.º 65/2011] eram inexistentes.
Sendo assim, e sendo que não era provável “que a pretensão formulada no processo principal venha a ser julgada procedente, ou seja, tem de considerar-se como não verificado requisito relativo ao fumus boni iuris, o que implica a improcedência da presente providência cautelar.”

3. A Autora não se conforma com esse julgamento pelo que pede a admissão desta revista para a qual formula as seguintes conclusões:
“6º O poder/dever previsto no art.º 662º nº 2 CPC só pode ser exercido pelo Tribunal do recurso se o recorrente impugnar a decisão da sentença relativa a matéria de facto;
7º No exercício dos poderes de apelação previstos no art.º 149º nº 2 CPTA, o tribunal de recurso não pode conhecer dos vícios invalidantes do ato requerido com fundamento em nova factualidade que integra a matéria assente;
8º O acórdão “a quo” está por viciado de falta de fundamentação dado que decide os vícios invalidantes do ato requerido com base naquela nova factualidade;
9º Assim, o acórdão “a quo” faz uma errada interpretação e aplicação dos art.ºs 608º nº 2, 635º nº 4, 637º nº 2, 639º nºs. 1 e 2, 640º e 663º nº 6, e 149º nº 2 CPTA;
Sem prescindir,
10º A nova matéria de facto constante das alíneas S) a AF) incluídas oficiosamente pelo Tribunal “a quo” na matéria assente, é matéria que não foi articulada pelas partes, designadamente na oposição do ora Recorrido;
11º A referida factualidade consubstancia factos essenciais que constituem a causa de pedir e como tal, à luz do artº 5º nº 1 CPC, só podem ser considerados pelo Tribunal se tiverem sido alegados pelas partes;
12º Ao levar a identificada factualidade, oficiosamente, à matéria assente, o acórdão “a quo” violou o disposto no artº 5º nº 1 CPC.”

4. Como se vê a única crítica que a Recorrente dirige ao Acórdão sob censura refere-se ao julgamento da M.F feito no TAF, sustentando que o mesmo lhe estava vedado, por um lado, porque ele não havia sido objecto de apelação e, por outro, porque fixou factos que não foram articulados pelas partes.
Ora, tudo indica que a Recorrente não tem razão em nenhuma dessas críticas.
Desde logo, porque, como se vê das alegações e conclusões da apelação do IFAP, esta pôs enfaticamente em causa não só a veracidade dos pagamentos facturados por algumas das subcontratadas como evidenciou as divergências das entidades a quem essa subcontratação foi feita.
Depois, porque a Recorrida, na contestação ao requerimento inicial, referiu que, sequência de um controlo, foram constatadas inelegibilidades na despesa apresentada o que lhe permitiu concluir que a Requerente recebera sem justificação a quantia cuja devolução foi ordenada.
Mas, ainda que assim não fosse, a Recorrente continuava a não ter razão uma vez que o recurso de apelação é um recurso em que os poderes do TCA não se restringem à revogação da decisão recorrida e a ordenar a remessa dos autos ao Tribunal recorrido para que este decida de novo, já que o obriga a conhecer do mérito sempre que tal seja possível e que, sendo o caso, substitua a decisão impugnada por uma nova e diferente decisão, aí se incluindo o julgamento da M.F. - n.º 2 do art.º 149.º do CPTA.
Acresce que estamos perante a regulação provisória de uma situação, destinada a vigorar apenas durante a pendência do processo principal, e que, sendo assim, a admissão de um recurso excepcional não era conforme com a precariedade da definição jurídica daquela situação.
Sendo assim, e sendo que tudo indica que o TCA aplicou correctamente o direito não se justifica a admissão do recurso.

DECISÃO.
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pela Recorrente.

Porto, 10 de Maio de 2019. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.