Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01610/13
Data do Acordão:02/12/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
ERRO IMPUTÁVEL À ADMINISTRAÇÃO
Sumário:I – O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT, derivado de anulação judicial de um acto de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT.
II – A anulação de um acto de liquidação baseada na caducidade do direito de liquidar o tributo, por a notificação daquele acto não ter sido efectuada dentro do prazo da caducidade, não implica a existência de qualquer erro sobre os pressupostos de facto ou de direito do acto de liquidação, pelo que não existe o direito de juros indemnizatórios a favor do contribuinte, previsto naquele n.º 1 do art. 43.º da LGT.
III – Isto, sem prejuízo de o contribuinte poder pedir a indemnização a que se julgue com direito, o que lhe é assegurado, não só pela Constituição (art. 22.º), como pela lei ordinária (Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro), mas em processo próprio.
Nº Convencional:JSTA000P18609
Nº do Documento:SA22015021201610
Data de Entrada:10/17/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A.....
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – Vem a Fazenda Publica recorrer para este Supremo Tribunal, da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A………., melhor identificado nos autos, contra a liquidação adicional de IRS relativa ao ano de 1995, no valor de € 3.840,26.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«I) No caso dos autos, concluiu a douta sentença, ora recorrida, que a liquidação objecto da impugnação não foi validamente notificada até 31/12/2000, ocorrendo a caducidade do direito à liquidação. E, nessa medida, ocorrendo a caducidade do direito à liquidação impugnada, com a consequente anulação da liquidação, considerou que se tornava prejudicada a apreciação das outras ilegalidades alegadas pelo Impugnante.
II) Sucede que, assim sendo, contrariamente ao que decide a douta sentença, não há suporte, ao abrigo do disposto no art.º 43.° da LGT, para atribuir juros indemnizatórios ao Impugnante, porquanto o acto de liquidação é anulado apenas por vício de forma.
III) Isto porque, a declaração de caducidade não implica a existência de um erro sobre os pressupostos de facto ou de direito de que resulte pagamento da divida tributária em montante superior ao legalmente devido, não implicando, na realidade, nenhum juízo sobre a validade da relação material tributária subjacente.
IV) Neste sentido veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07/09/2011, processo 0416/11, disponível para consulta em www.dgsi.pt em cujo sumário se pode ler: “I — O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.° da LGT, derivado de anulação judicial de um acto de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro - sobre os pressupostos de facto ou de direito - imputável aos serviços, de que tenha resultado pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. II — A anulação de um acto de liquidação baseada unicamente em vício formal de falta de fundamentação não implica a existência de erro de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, pelo que inexiste, nesse caso, direito a juros indemnizatórios.”
V) De facto, tal como acontece no caso deste vício formal de falta de fundamentação (em que inexiste direito a juros indemnizatórios), também no caso da anulação da liquidação por vício de forma consubstanciado na caducidade do direito à liquidação inexiste o direito a juros indemnizatórios.
VI) Isto mesmo foi decidido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 03/07/2012, Processo 0407/10, consultável integralmente no site respeitante a situação semelhante à dos presentes autos, onde se lê: “(…) a questão aprecianda tem de ser solucionada no pressuposto de que a decidida anulação da liquidação impugnada se suporta, única e exclusivamente, em vício decorrente da verificação de caducidade do direito à disputada liquidação, por falta de notificação nos pertinentes cinco anos.”
VII) Continuando: “(...) sendo certo constituir jurisprudência consolidada, da Secção de Contencioso Tributário do STA que, quando o ato de liquidação impugnado é anulado apenas por vício de forma, não há suporte, ao abrigo do disposto no art.° 43.° da LGT, para atribuir juros indemnizatórios ao impugnante,” e de seguida cita esta Secção de Contencioso Tributário no seu aresto de 30.5.2012, rec. 0410/12, “versando precisamente, hipótese em que ocorreu caducidade do direito à liquidação”. (sublinhado nosso)
VIII) Naquele acórdão de 30/05/2012, rec. 0410/12, citado no acórdão 03/07/2012, Processo 0407/10, a que nos viemos a reportar, é dito que: “(...) se é certo que a falta de notificação no prazo de caducidade extinguiu o direito à liquidação do tributo (...), a declaração dessa caducidade não significa nenhum juízo sobre a validade da relação material tributária subjacente.”
IX) Pelo que, ‘a decisão judicial, nos termos em que foi proferida, se limitou a extrair os efeitos jurídicos do decurso do tempo sem que tenha sido efectuada a notificação, o que não implica nenhum juízo sobre a validade da relação material tributária subjacente e, consequentemente, não permite concluir pela existência de um erro sobre os pressupostos de facto ou de direito.
Ora, como resulta do que deixámos já dito, o direito aos juros indemnizatórios previsto no art.º 43.° da LGT exige que haja erro imputável aos serviços do qual tenha resultado (à luz de um nexo de causalidade) o pagamento de imposto indevido. É a existência desse erro que consideramos não poder dar-se como verificada em face da declaração da caducidade do direito à liquidação. (...).
Conclui-se, assim, que nos casos em que a anulação da liquidação impugnada tenha por fundamento a caducidade do direito de liquidar por falta de notificação da liquidação dentro do prazo da caducidade, carece de suporte legal a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do art. 43.º da LGT.”
X) Em face do exposto e, tendo em consideração a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo e o decidido no Ac. do de STA 30/05/2012, rec. 0410/12 acima citado, com o qual não se vislumbra razão para não concordar, terá de se concluir que a sentença recorrida, ao assim não entender, apresenta-se ilegal por desconformidade com o art. 43.º da LGT, não merecendo por isso ser confirmada.»

2 - O recorrido não apresentou contra alegações.

3 – O Exmº Procurador Geral emitiu douto parecer, a fls. 248/250, cuja fundamentação se transcreve, na parte mais relevante:
«É sabido que os juros indemnizatórios se destinam a compensar o contribuinte pelo prejuízo decorrente do pagamento de prestação tributária indevida ou superior à que seria devida.
Todavia, a lei faz depender o direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte da existência de erro imputável aos serviços, determinado em reclamação graciosa ou impugnação judicial (cfr. o art. 94º do CIRS e art. 43º, n.º 1 da LGT).
No caso dos autos, a liquidação adicional de IRS impugnada foi anulada unicamente com fundamento na caducidade do direito à liquidação, tendo-se considerado na sentença recorrida que tal configurava “errada aplicação do direito”, sendo esse erro imputável à A.T..
Com efeito, como se refere no douto Ac. do STA de 05.05.99 — Rec. nº 5557-A, “a utilização da expressão «erro» e não «vício» ou «ilegalidade» para aludir a factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito (cfr. Apêndice ao Diário da República de 19.6.2002, a fls. 1724).
Tal significa que o erro a que aludem os preceitos citados não é qualquer vício ou ilegalidade mas aquele que se concretiza em errada apreciação de factualidade relevante ou em errada aplicação da norma jurídica. De fora ficam, como tem sido jurisprudência repetida deste Supremo Tribunal, os casos de anulação de actos tributários com base em vícios de forma ou vícios de procedimento.
É certo que no caso em apreço, tal como ocorria na situação tratado no douto Acórdão de 30-05-2012, in Rec. n.º 0410/12 não se está em presença de simples falta de notificação da liquidação, mas de caducidade do direito à liquidação por falta de notificação dentro do prazo legal para o exercício desse direito
No entanto, como se anota no aresto atrás citado, «se é certo que a falta de notificação no prazo de caducidade extinguiu o direito à liquidação do tributo (e nessa parte a sentença transitou em julgado), a declaração dessa caducidade não significa nenhum juízo sobre a validade da relação material tributária subjacente».
A caducidade, como ali também se refere, constitui «(...) mero facto jurídico que releva do tempo e que determina a impossibilidade do exercício de um direito num caso concreto”, limitando-se a decisão judicial, nos termos em que foi proferida, «a extrair os efeitos jurídicos do decurso do tempo sem que tenha sido efectuada a notificação, o que não implica nenhum juízo sabre a validade da relação material tributária subjacente e, consequentemente, não permite concluir pela existência de um erro sobre os pressupostos de facto ou de direito».
Na fixação do sentido e alcance da lei há que convocar, em primeira linha, o elemento literal, presumindo-se que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 99º, nº 3 do C.Civil).
Ora, o erro, que tradicionalmente era assimilado à violação de lei, tem na doutrina e na jurisprudência administrativa e fiscal um sentido bem definido, constituindo fonte autónoma de invalidade do acto administrativo, a par dos demais vícios, como por exemplo o vício de forma (cfr., a propósito, Freitas do Amaral, Direito Administrativo, Volume III, pags. 285 e sgs.). E o legislador não podia ignorar esse facto.
Por outro lado, quer no Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) quer na Lei Geral Tributária (LGT) existem normas onde a expressão erro é utilizada com um alcance que não poderá deixar de ser o que é inerente ao erro-vício. É o caso, por exemplo, do art. 99.º do CPPT e do art. 78, n.º 1 e 2 da LGT.
Acresce que na origem dos preceitos que actualmente regem a questão dos juros indemnizatórios estão as normas que fundavam aquele direito unicamente na verificação de uma situação de “erro de facto imputável aos serviços”. Era o caso, designadamente, do 65, § 1º do Código do Imposto de Capitais, do art. 86.º, nº 1 do CIRS, na redacção anterior ao DL nº 141/92, de 17 de Julho e da redacção inicial do art. 111º, nº 6 do CIRC.
A evolução do quadro legal, traduziu-se, portanto, na substituição da expressão “erro de facto imputável aos serviços” por “erro imputável aos serviços” num claro propósito de alargar o direito a juros indemnizatórios às situações de erro de direito.
Todavia, o alargamento do fenómeno reparatório, a título de juros indemnizatórios, às situações de erro de direito não é extensível aos casos em que a substância do acto não se traduz na formulação de qualquer juízo sobre a validade da relação material tributária subjacente.
Os casos contemplados pela norma em causa são somente aqueles em que a Administração Tributária analisou defeituosamente os factos ou aplicou erradamente a lei.
Nem o elemento literal, limite da interpretação normativa, nem o elemento sistemático, histórico ou racional consentem que se alargue o âmbito do falado erro por forma a nele incluir todos os vícios ou ilegalidades de que o acto possa eventualmente padecer.
Como se decidiu no citado douto Acórdão de 30-05-2012, cuja doutrina se vem acompanhando, «a anulação de um acto de liquidação baseada na caducidade do direito de liquidar o tributo, por o notificação daquele acto não ter sido efectuada dentro do prazo da caducidade, não implica a existência de qualquer erro sobre os pressupostos de facto ou de direito do acto de liquidação, pelo que não existe o direito de juros indemnizatórios a favor do contribuinte, previsto naquele n.º 1 do art. 43º da LGT».
Pronuncio-me, pois, em face do exposto, pela procedência do presente recurso e pela consequente revogação da sentença recorrida na parte referente à condenação no pagamento de juros indemnizatórios.»

4 – Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5 – O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra fixou a seguinte matéria de facto:

A) O Impugnante foi trabalhador da B…….., com a categoria profissional de editor — cfr. artigo 16.° da petição de impugnação, a fls. 5;
B) A B……… tem a actividade de produção de filmes e vídeos — cfr. artigo 18.° da petição de impugnação, a fls. 5;
C) Na sequência de acção de inspecção efectuada à B…….. Crl, NIF ………e B…….. II, SA, NIF ………., os Serviços de Inspecção Tributária da 1.ª Direcção de Finanças de Lisboa alteraram a declaração de rendimentos de IRS, relativa ao ano de 1995, do Impugnante porque: “… no âmbito da análise feita às condições de pagamento de AJUDAS DE CUSTO, verificou-se que os encargos envolvidos se referem a pagamentos de natureza salarial acessória, titulados de forma ambígua, com o óbvio intuito de criar um favorecimento fiscal e tributário.
Face, ao exposto, é notório que se está em presença de Despesas de carácter Pessoal, quer económica, quer financeiramente, fora do enquadramento dos encargos empresariais fisco-dedutíveis, que se lhes pretende imputar pelos interessados, em virtude de não terem sido realizadas para único e exclusivo interesse da EMPRESA; isto é, estas despesas não são indispensáveis à obtenção ou manutenção dos proveitos da empresa, mas sim e pelo contrário, são jurídica e fiscalmente figurativas como uma retribuição (monetária ou em espécie), p/prestação dum serviço/tarefa, ou p/exercício duma função; corolariamente, conclui-se que tais rendimentos se enquadram na categoria A/IR S, por força do disposto no art. 2.º, do respectivo código.
Deste modo, indica-se que o valor a corrigir será de:

REMUNERAÇÕES NÃO DECLARADAS: CATEG. A/IRS


ANO
EMPRESA
NIPC
VALOR
(…)
1995
B..... e B..... II, SA..... e .......1 515 414$00

(…) O contribuinte (A………), não indicou, nem juntou, nada de NOVO, ao que já era do nosso conhecimento e que, como é óbvio, deu origem às correcções fiscais ora em apreço; deste modo, o presente Proc. seguirá a sua normal tramitação, sem tomar em consideração a contestação do sujeito passivo. - cfr. relatório de fls. 42 a 46;
D) Na sequência das correcções referidas em C, o Impugnante foi notificado da liquidação adicional de IRS n.º 5323594541, de 14/10/2000, mediante carta registada com data de 21/12/2000, relativa ao exercício de 1995, no valor a pagar de 769 904$00 (€ 3 840,26), sendo 286 209$00 relativo a juros compensatórios, com data limite de pagamento: 01/02/2001 - cfr. fls. 121 e 122 e print a fls. 65;
E) Em 22/02/2001, foi efectuado o pagamento da liquidação referida em D - cfr. fls. 59 e 60.

6. Delimitação do objecto do recurso:

O presente recurso vem interposto da sentença de fls. 208 e seguintes dos autos, na qual decidiu julgar procedente a impugnação judicial interposta contra a liquidação adicional de IRS, que a anulou com o fundamento em caducidade do direito à liquidação e condenou a FP ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos do art.º 43.º , nº1, da LGT.
Contra o assim decidido se insurge a recorrente Fazenda Pública, sustentando nas conclusões da sua alegação, no essencial, que a caducidade não implica a existência de erro sobre os pressupostos de facto ou de direito do qual resulte o direito a juros indemnizatórios, nos termos do art. 43.º da LGT.
A questão objecto do presente recurso é, pois, a de saber se incorre em erro de julgamento a sentença recorrida ao condenar a Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do disposto no nº1, do art.º 43.º da LGT, após ter anulado a liquidação impugnada com o fundamento em caducidade do direito à liquidação.

6.1 Do direito a juros indemnizatórios
A questão nestes termos suscitada tem sido objecto de jurisprudência suficientemente consolidada desta Secção de Contencioso Tributário, a qual se vem pronunciando no sentido de que quando o acto de liquidação objecto de impugnação é anulado apenas por vício de forma, não há suporte, ao abrigo do disposto no art. 43.º da LGT, para a atribuição de juros indemnizatórios ao impugnante - cf. neste sentido, os Acórdãos de 29 de Outubro de 2008, proferido no processo com o n.º 622/08 de 21 de Janeiro de 2009, proferido no processo com o n.º 945/08, de 9 de Setembro de 2009, proferido no processo com o n.º 369/09, de 4 de Novembro de 2009, proferido no processo com o n.º 665/09, de 20 de Janeiro de 2010, proferido no processo como n.º 942/09, de 8 de Junho de 2011, de 7 de Setembro de 2011, proferido no processo com o n.º 416/11, e de 30.05.2012, proferido no processo 410/12, todos in www.dgsi.pt.

E, especificamente sobre caso em tudo idêntico ao dos presentes autos, em que o tribunal recorrido havia anulado a liquidação impugnada com fundamento na caducidade do direito da Administração Tributária à liquidação, se pronunciou Acórdão 410/12, de 30.05.2012.
Trata-se de jurisprudência que também aqui se acolhe, por com a respectiva fundamentação concordarmos integralmente, pelo que, pelo que nos limitaremos a reproduzir a argumentação expendida no supracitado Acórdão 410/12 de 30.05. 2012,
Como se sublinha naquele aresto « Diz o n.º 1 do art. 43.º da LGT, ao abrigo da qual foi proferida a condenação ora recorrida: «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido». Ou seja, quando um acto de liquidação de um tributo for declarado em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial viciado por erro imputável aos serviços e do qual tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, há direito a juros indemnizatórios, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 43.º da LGT.

Como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, «[a] utilização da expressão «
erro» e não «vício» ou «ilegalidade» para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito.
Com efeito, há vícios dos actos administrativos e tributários a que não é adequada tal designação, nomeadamente os vícios de forma e a incompetência, pelo que a utilização daquela expressão «erro» tem um âmbito mais restrito do que a expressão «vício».
Por isso, é de concluir que o uso daquela expressão «erro» tem um alcance restritivo do tipo de vícios que podem servir de base ao direito a juros indemnizatórios» (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume I, anotação 5 ao art. 61.º, pág. 531..)
O mesmo Autor explica as razões por que a LGT restringiu o direito a juros indemnizatórios aos casos de anulação por vício substancial e já não o reconheceu relativamente aos vícios de forma ou incompetência que determinem a anulação do acto: o reconhecimento de um vício destes últimos tipos «não implica a existência de qualquer vício na relação jurídica tributária, isto é, qualquer juízo sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela Administração Tributária com base no acto anulado, limitando-se a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adoptado para a declarar ou cobrar ou a falta de competência da autoridade que a exigiu.
Por outro lado, é usual utilizar-se a expressão «
vícios» quando se pretende aludir genericamente a todas as ilegalidades susceptíveis de conduzirem à anulação dos actos, como é o caso dos arts. 101.º (arguição subsidiária de vícios) e 124.º (ordem de conhecimento dos vícios na sentença) ambos do CPTT.
Ora, é inquestionável que, quando se detecta um vício respeitante à relação jurídica tributária, se impõe a atribuição de uma indemnização ao contribuinte, pois a existência desse vício implica a lesão de uma situação jurídica subjectiva, consubstanciada na imposição ao contribuinte da efectivação de uma prestação patrimonial contrária ao direito.
Por isso, se pode justificar que, nestas situações, não havendo dúvidas em que a exigência patrimonial feita ao contribuinte implica para ele um prejuízo não admitido pelas normas fiscais substantivas, se dê como assente a sua existência e se presuma o montante desse prejuízo, fazendo-se a sua avaliação antecipada através da fixação de juros indemnizatórios a favor daquele.
Porém, nos casos em que o vício que leva à anulação do acto é relativo a uma norma que regula a actividade da Administração, aquela nada revela sobre a relação jurídica fiscal e sobre o carácter indevido da prestação, à face das normas fiscais substantivas. Nestes casos, a anulação do acto não implica que tenha havido uma lesão da situação jurídica substantiva e, consequentemente, da anulação não se pode concluir que houve um prejuízo que mereça reparação. Por isso, pode-se considerar justificado que, nestas situações, não resultando da decisão anulatória a comprovação da existência de um prejuízo, não se presuma o seu valor, fixando juros indemnizatórios, mas apenas se deva restituir aquilo que foi recebido, o que poderá constituir já um benefício para o contribuinte, perante a realidade da sua situação tributária.
Trata-se de uma solução equilibrada, inclusivamente no domínio processual. Na verdade, perante o simples reconhecimento de um vício de forma ou de incompetência, fica-se na dúvida sobre se estavam reunidos os pressupostos de facto e de direito de que a lei faz depender o pagamento de uma prestação tributária; se essa dúvida é um motivo suficiente para não exigir uma deslocação patrimonial do contribuinte para a Fazenda Pública (justificando a restituição da quantia paga) também, por identidade de razão, será suporte bastante para não impor uma deslocação patrimonial efectiva em sentido inverso (pagamento de uma indemnização); verdadeiramente, a regra aplicável, a mesma em ambos os casos, é a de não impor deslocações patrimoniais sem uma prova positiva da existência de uma situação, ao nível da relação tributária, em que elas devem ocorrer.
Assim, compreende-se que a LGT, em sintonia com a doutrina tradicional, nos casos em que há uma anulação de um acto administrativo ou de liquidação por não se verificarem os pressupostos de facto ou de direito em que devia assentar, casos em que há a certeza de que a prestação patrimonial foi indevidamente exigida, atribua uma indemnização baseada em presunção de danos (no caso sob a forma de juros) e não faça idêntica atribuição nos casos em que a decisão judicial não implica a antijuricidade material da exigência daquela prestação» (Idem,págs.531/532..)
De acordo com a doutrina exposta, é jurisprudência consolidada nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo que, quando o acto de liquidação objecto de impugnação é anulado apenas por vício de forma, não há suporte, ao abrigo do disposto n o art. 43.º da LGT, para a atribuição de juros indemnizatórios ao impugnante (…..)
Dito isto, e verificando agora se a sentença incorreu em erro de julgamento na parte em que condenou a Recorrente no pagamento de juros indemnizatórios, diremos que a questão só se coloca relativamente à caducidade do direito à liquidação e já não ao outro fundamento – a violação do princípio da participação por o Contribuinte não ter sido notificado para o exercício do direito de audição – por que a Juíza do Tribunal a quo julgou procedente a impugnação judicial. Na verdade, relativamente a este último fundamento, sendo inequívoco que se trata de vício de forma, não haveria lugar suporte legal para a atribuição de juros indemnizatórios ao Impugnante, nos termos que deixámos referidos.
Já quanto à caducidade do direito à liquidação, que no caso sub judice foi declarada por o Impugnante não ter sido validamente notificado dentro do prazo que a lei fixa para a AT exercer o direito de liquidar o imposto, a questão não é líquida.
Vejamos:

A Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa anulou a liquidação impugnada com fundamento na caducidade do direito da AT à liquidação porque considerou que o Contribuinte não foi notificado deste acto tributário dentro do prazo da caducidade, uma vez que não foram cumpridos os requisitos da notificação por “hora certa”(….)

Seja como for, a declaração de caducidade não implica a existência de um erro – vício sobre os pressupostos de facto ou de direito – que permita a constituição a favor do contribuinte do direito a juros indemnizatórios ao abrigo do n.º 1 do art. 43.º da LGT Vejamos:
É certo que no caso
sub judice não estamos perante uma simples situação de falta de notificação (válida) da liquidação, caso em que seria inequívoco que tal vício, de natureza procedimental e exterior ao procedimento de liquidação, em nada contenderia com a relação jurídica material tributária e, por isso, seria insusceptível de conferir ao contribuinte o direito a juros indemnizatórios ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 43.º da LGT. Na verdade, se a questão fosse de mera preterição de formalidade legal na comunicação do acto ao Contribuinte, sempre o vício poderia ser sanado mediante a repetição da notificação, com observância da forma legalmente exigida, pelo que nunca se justificaria a concessão do direito a juros indemnizatórios.
No caso, porém, a situação não é de simples falta de notificação da liquidação, mas é de caducidade do direito à liquidação por falta de notificação dentro do prazo legal para o exercício desse direito (cfr. art. 45.º, n.º 1, da LGT); ou seja, do facto de a notificação não ter sido validamente efectuada dentro do prazo que a lei fixa para o efeito retirou-se como consequência a perda do direito de liquidar o tributo.
No entanto, se é certo que a falta de notificação no prazo de caducidade extinguiu o direito à liquidação do tributo (e nessa parte a sentença transitou em julgado), a declaração dessa caducidade não significa nenhum juízo sobre a validade da relação material tributária subjacente.

Como é sabido, a caducidade, juridicamente, é mero facto jurídico que releva do tempo e que determina a impossibilidade do exercício de um direito num caso concreto (Prescrição e caducidade têm em comum o facto de serem figuras jurídicas relacionadas com a aquisição ou perda de situações subjectivas pelo mero decurso do tempo: a primeira anda associada aos direitos ou situações jurídicas consolidadas, sendo o seu campo de eleição os direitos subjectivos a se; a segunda reporta-se a situações jurídicas em formação e aos direitos potestativos, cujo exercício está sujeito a prazos curtos. Em termos sintéticos, podemos dizer que a prescrição determina a extinção de um direito e a caducidade a impossibilidade de o exercitar num caso concreto (Cfr. A caducidade no Direito Administrativo: Breves considerações, Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, 2005, Coimbra Editora).). Significa isto que a decisão judicial, nos termos em que foi proferida, se limitou a extrair os efeitos jurídicos do decurso do tempo sem que tenha sido efectuada a notificação, o que não implica nenhum juízo sobre a validade da relação material tributária subjacente e, consequentemente, não permite concluir pela existência de um erro sobre os pressupostos de facto ou de direito.
Ora, como resulta do que deixámos já dito, o direito aos juros indemnizatórios previsto no art. 43.º da LGT exige que haja erro imputável aos serviços do qual tenha resultado (à luz de um nexo de causalidade) o pagamento de imposto indevido. É a existência desse erro que consideramos não poder dar-se como verificada em face da declaração da caducidade do direito à liquidação.
Não significa isto que o Contribuinte, se entender estar lesado nos seus direitos patrimoniais não possa exigir judicialmente a reparação a que se julgue com direito, o que lhe é assegurado não só pela Constituição da República (cfr. art. 22.º), como pela lei ordinária (Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, diploma em cujo art. 9.º se faz equivaler qualquer ilegalidade a ilicitude). Porém, para obter essa reparação o Contribuinte terá de fazer, em processo próprio, a demonstração da existência do direito a essa indemnização, à face das regras gerais da responsabilidade civil extracontratual, como qualquer outra pessoa que seja lesada nos seus direitos por actos de outrem, não havendo qualquer norma constitucional ou legal que imponha que, em todos os casos de anulação de actos administrativos, se presumam os prejuízos, como está ínsito nas normas que prevêem a atribuição de juros indemnizatórios (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume I, anotação 5. ao art. 61.º, pág. 532/533..)
Conclui-se, assim, que nos casos em que a anulação da liquidação impugnada tenha por fundamento a caducidade do direito de liquidar por falta de notificação da liquidação dentro do prazo da caducidade, carece de suporte legal a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do art. 43.º da LGT.» (fim de citação).


É esta a jurisprudência que também aqui se acolhe e se reitera, já que se entende que a respectiva fundamentação é inteiramente transponível para o caso dos autos, pelo que, com base nessa mesma fundamentação jurídica, se conclui que o recurso merece provimento.

7. Decisão
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao presente recurso e revogar da sentença recorrida na parte referente à condenação no pagamento de juros indemnizatórios.
Custas pelo Recorrido, mas apenas na parte em que decaiu (pedido de juros indemnizatórios) e em 1.ª instância, uma vez que não contra alegou o recurso.

Lisboa, 12 de Fevereiro de 2015. - Pedro Delgado (relator) - Casimiro Gonçalves - Francisco Rothes.