Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02144/20.3BELSB
Data do Acordão:11/25/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REVISTA
LEI
ASILO
Sumário:É de admitir revista porque as instâncias decidiram de forma divergente sobre a interpretação a dar ao art. 16º da Lei do Asilo, sendo a questão colocada relevante jurídica e socialmente, e sobre a mesma este Supremo Tribunal não se pronunciou ainda, por se tratar de questão nova em matéria do direito de asilo.
Nº Convencional:JSTA000P28605
Nº do Documento:SA12021112502144/20
Data de Entrada:11/15/2021
Recorrente:SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS
Recorrido 1:A........................
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar


Acordam no Supremo Tribunal Administrativo


1. Relatório

A………………, cidadã angolana, interpôs no TAC de Lisboa acção, em matéria de asilo, contra o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), visando o despacho do Director Nacional Adjunto do SEF, de 02.11.2020, que julgou inadmissível o pedido de protecção internacional e asilo por si apresentado, de acordo com os arts. 19, nº 1, alíneas c) e e) e 20º da Lei nº 27/08, de 30/6, com a alteração da Lei nº 26/2014, de 5/5.

Por sentença do TAC de Lisboa, datada de 20.08.2020, foi julgada improcedente a acção, absolvendo-se a Entidade Demandada dos pedidos.

Por acórdão de 07.10.2021 o TCA Sul concedeu provimento ao recurso da Autora/ Recorrente, revogou aquela sentença e condenou o Recorrido a retomar o procedimento nos termos indicados no acórdão.

É deste acórdão que o SEF interpõe o presente recurso de revista visando uma melhor aplicação do direito, mostrando-se verificados os requisitos previstos no art. 150º, nº 1 e 2 do CPTA para a admissão da revista.

A Recorrida apresentou requerimento no qual sumariamente defende que o recurso não deve ser admitido.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

Na presente revista o Recorrente invoca que o acórdão recorrido fez errada interpretação e aplicação dos arts. 16º, e 49º, nº 7 da Lei do Asilo à luz da interpretação do art. 20º, nº 2 da CRP, ao considerar que o SEF não actuou como lhe competia e que não assegurou, no caso concreto, o direito constitucional ao advogado.

Sobre a única questão em causa no presente recurso de revista, a A. alegou na sua petição inicial o “vício de inconstitucionalidade das declarações prestadas pela Autora para efeitos do disposto no artigo 16.º da Lei do Asilo, por violação do princípio do acesso ao direito consagrado no n.º 2 do artigo 20.º da CRP”, com o fundamento de que tais declarações foram prestadas sem a presença de advogado que lhe prestasse auxílio. Mais acrescentando que não foi informada de que poderia ter o acompanhamento de advogado ou requerer que lhe fosse nomeado defensor oficioso. Contrapondo a Entidade Demandada que durante o procedimento administrativo foi a Autora sobre os direitos e deveres dos requerentes de protecção internacional, tal como constam dos pontos 9 e 11 do documento mencionado na alínea C) do probatório constante da sentença do TAC.
Sobre esta matéria disse-se na sentença o seguinte: “Ora, os pontos 9) e 11) do folheto explicativo constante da alínea C) do probatório, em anexo, ao documento designado como “GABINETE DE ASILO/INQUÉRITO PRELIMINAR” [cfr. alínea B) do probatório] estatuem efetivamente sobre o conteúdo do direito a fazer-se acompanhar por advogado e o direito a apoio judiciário, respetivamente. Por sua vez, resulta provado nos autos que, aquando da formulação pela Autora do pedido de proteção internacional, tomou conhecimento dos direitos e deveres em língua portuguesa constante desse mesmo folheto explicativo, em língua portuguesa. Aliás, na parte final do referido documento consta a sua anuência expressa materializada através da afirmação “[t]omei conhecimento dos direitos e deveres acima referidos em língua portuguesa que compreendo e através da qual comunico claramente” e que mereceu a sua assinatura.
Concluiu sobre esta questão o seguinte: “Em suma, da leitura conjugada do teor do normativo legal do n.º 7 do artigo 49.º da Lei do Asilo e a orientação jurisprudencial vertida nos citados arestos, é de concluir que a decisão ora em dissídio não padece [de] qualquer vício invalidante, porquanto a Autora não tinha constituído mandatário aquando da apresentação do seu pedido de proteção internacional, bem como, posteriormente, por ocasião da prestação das declarações, sem auxílio por intérprete e perante inspetora ao serviço da Entidade Demandada [cfr. alíneas A) a C), D), N) e O) do probatório]. Por outras palavras, perante esta concreta factualidade, não estava na disponibilidade da Entidade Demandada gerar a notificação do ora Ilustre Mandatário, justamente por não se encontrar junto ao processo do pedido de proteção internacional qualquer procuração forense constituída a seu favor.
(…)
Mais se acresce que inexiste qualquer obrigatoriedade quanto à presença de advogado no ato em causa, nem a sua ausência prejudica a realização da entrevista, sem prejuízo de que caso a Autora tivesse mandatário constituído em qualquer dos dois momentos acima mencionados – o que não ocorreu nos presentes autos, como já foi sublinhado – não lhe poderia ser denegado ou coartado a prerrogativa legal de se fazer acompanhar do mesmo às referidas diligências.
Assim, este vício foi julgado improcedente, tal como, a final, a acção.

O acórdão recorrido discordou do decidido na sentença de 1ª instância, por ter considerado que não foi prestada informação certa e segura à requerente de protecção internacional sobre a possibilidade de, não tendo meios económicos para o fazer a expensas suas, poder beneficiar de acompanhamento por advogado gratuito, ab initio e em todo o processo, particularmente na entrevista no art. 16º da Lei do Asilo, impedindo-se a instrução do processo administrativo em violação do princípio da boa-fé e da participação dos interessados (arts. 266º, nº 2 e 267º, nº 5, ambos da CRP e de princípios consagrados no CPA, nos arts. 6º, 11º e em aplicação directa do art. 67º, todos do CPA).
Assim, concedendo provimento ao recurso e revogando a sentença recorrida, condenou a Entidade Demandada a retomar o procedimento nos termos que o acórdão indicou.

Como se viu as instâncias decidiram de forma divergente sobre a interpretação a dar ao art. 16º da Lei do Asilo.
Ora, a questão assim colocada é relevante jurídica e socialmente, e sobre a mesma este Supremo Tribunal não se pronunciou ainda, por se tratar de questão nova em matéria do direito de asilo, tudo aconselhando a admissão da revista para ser esta questão convenientemente abordada.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em admitir a revista.
Sem custas.

Lisboa, 25 de Novembro de 2021. – Teresa de Sousa (relatora) – Carlos Carvalho – José Veloso.