Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0164/13.3BEALM
Data do Acordão:02/17/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:MAIS VALIAS
REINVESTIMENTO
HABITAÇÃO PRÓPRIA
HABITAÇÃO PERMANENTE
Sumário:I - O conceito de reinvestimento subjacente ao n.º 5 do artigo 10.º é um “conceito económico” e, por isso, o que é essencial é provar que “o produto da alienação obtido na transmissão onerosa de imóvel destinado à habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar seja reinvestido na aquisição de outro imóvel destinado ao mesmo fim”.
II - Admitindo a lei expressamente que o reinvestimento possa consistir na aquisição “de terreno para construção de imóvel e ou respectiva construção” e que esta aquisição e construção “seja efectuada entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização”, é lógico e razoável que durante o período que medeia a alienação do “imóvel de partida” e a obtenção (aquisição do terreno e construção) do “imóvel de chegada” o agregado familiar tenha que residir em outra habitação, seja arrendada, seja própria.
III - A necessária residência intercalada não consubstancia uma interrupção do nexo de ligação-causalidade entre o “imóvel de partida” e o “imóvel de chegada” que impeça o preenchimento da previsão normativa da isenção prevista no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, sempre que a factualidade seja reconduzível a uma razoável e plausível situação da vida, apreciada casuisticamente.
Nº Convencional:JSTA000P27190
Nº do Documento:SA2202102170164/13
Data de Entrada:12/02/2019
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A...... E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I - RELATÓRIO

1 – A Fazenda Pública, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, de 15 de Julho de 2019, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A………. e B………., contra as liquidações adicionais do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e juros compensatórios, relativas ao exercício de 2010, no montante global de €58.693,68, apresentou recurso jurisdicional, formulando, para tanto, alegações que concluiu do seguinte modo:

1.ª Estão em acusa nos presentes autos:
a) Liquidação adicional de IRS n.º 20125005032861, no valor de €124.348,44, relativa ao exercício de 2010;
b) A Liquidação adicional n.º 2010201200010686224, de juros compensatórios, no valor de € 3.860,38, relativa ao exercício de 2010;
c) A Liquidação adicional n.º 2012 00001812049, demonstração e acerto de contas, no valor de € 58.693,68, relativa ao exercício de 2010.
2.ª Para tanto, alegam, os ora impugnantes, que o imóvel objecto de alienação foi adquirido para habitação própria.
3.ª Porém, ao invés do alegado no artigo 11.º, da douta petição inicial (PI), que habitaram o imóvel até ao dia 1 de Julho de 2010, data em que celebraram a Escritura de Compra e Venda, pelo montante de € 700.000,00, a verdade é que, o Impugnante marido, em sede de audição prévia, na Direcção de Finanças de Setúbal (Divisão de Tributação e Cobrança) acabou por declarar ter abandonado o andar bastante tempo antes da venda para o entregar a uma Mediadora Imobiliária.
4.ª Declarações que desmentem o alegado, mas não provado, designadamente no dito artigo 11.º, do articulado da petição inicial, porque pretender justificar a alteração do domicílio fiscal, no entretanto operada, com o facto ou a circunstância de haverem contratualizado/adjudicado a venda a uma Mediadora Imobiliária, salvo o devido respeito, não colhe, de todo.
5.ª E não colhe, desde logo, porque a Lei não valoriza tal facto ou circunstância, porque o que, efectivamente, para efeitos de exclusão de tributação das mais-valias, releva é o facto do imóvel, objecto de alienação, ter funcionado como habitação própria e permanente, dos sujeitos passivos, até ao momento imediatamente anterior ao da sua alienação, situação que, no caso dos autos, que ora nos ocupam, não se verifica.
6.ª Com o devido respeito, mas onde é que está escrito que, para uma Mediadora fazer o seu trabalho, os proprietários têm que abandonar o imóvel? Pelo contrário, no caso que ora nos ocupa, habitar o imóvel até ao momento imediatamente anterior ao da sua alienação, para além de constituir uma obrigação legal, intensifica a segurança do próprio imóvel, se tivermos em consideração que, nas mais das vezes, quem visita o imóvel, não obstante se declare eventual interessado na sua compra, tal visita sempre pode ser motivada por objectivos mais dúbios, tais como o de ficar a conhecer o acesso à fracção, se esta se encontra devoluta ou não e, naturalmente, o respectivo recheio.
7.ª Já para não falar da informação relevante que podem prestar, sobre o historial do mesmo, informação essa que, por razões óbvias, a mediadora não possui.
8.ª Agora, o certo é que, ao invés do alegado na PI, pelo menos desde 10 de Janeiro de 2010, data da alteração do domicílio fiscal, o imóvel deixou de funcionar como habitação própria e permanente, dos sujeitos passivos, facto que ficou provado nos autos, conforme comunicação interna n.º 144, de 19-04-2012, remetida pela Divisão de Justiça Tributária, da Direcção de Finanças de Setúbal, à Divisão de Tributação e Cobrança, da Direcção de Finanças de Setúbal, que se transcreve:
"No âmbito do procedimento de reclamação graciosa n.º 2240201104002725, apresentada pela contribuinte A…………., NIF ………, verificamos que na respectiva declaração de IRS, Mod.3, no anexo G, referente ao ano de 2010, apresentada conjuntamente com o sujeito passivo B………, NIF …………, foi declarada a transmissão onerosa da fracção autónoma designada pela letra "V", do imóvel sito em Zona de Intervenção da Expo 98, Rua …….., Lote ………, Lisboa, e inscrito na matriz predial da freguesia de Santa Maria dos Olivais, sob o art.º 4002, bem como a intenção de reinvestimento do respectivo valor de realização de 350 mil euros.
Não obstante, após consulta ao Sistema de Gestão e Registo de Contribuinte (SGRC) verificamos que em 31/12/2010, os supra identificados sujeitos passivos, tinham domicílio fiscal em Rua ………, ………., Lt. ……., Quinta do Conde, freguesia de Sesimbra.
Assim sendo, estamos perante a transmissão onerosa de um imóvel, que não se destinava a habitação própria e permanente dos referidos sujeitos passivos, não se verificando assim a condição de exclusão de tributação nos termos do disposto no n.º 5, do art.º. 10º do CIRS.
Ora, verificando-se, conforme supra descrito, que indevidamente foi declarada a respectiva intenção de reinvestimento, suspendendo assim a tributação dos ganhos provenientes da referida transmissão onerosa, cumpre-nos informar V.ª Ex.ª da factualidade supra descrita (...)." Sublinhado, nosso.
9.ª Consequentemente, como bem detectado pela Administração Fiscal, tratou-se de declaração indevida da intenção de reinvestimento, dado se estar perante a transmissão onerosa de um imóvel que, à data da venda, não se encontrava afecto à habitação própria e permanente dos sujeitos passivos.
10.ª Porque, efectivamente, a fracção autónoma alienada em 1 de Julho de 2010, identificada no artigo 10.º da petição (PI-10.º), que aqui se dá por reproduzida, à data da venda, e ao invés do alegado, não constituía residência própria e permanente dos Impugnantes.
11.ª Em consequência, atento o disposto no n.º 5, do artigo 10.º do CIRS, a exclusão da tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa do sobredito imóvel não pode ter lugar, porque, no presente caso e aquando da sua transmissão, o imóvel em causa não servia de habitação própria e permanente dos ora impugnantes.
12.ª Com efeito, como antedito, à data da alienação do imóvel, a habitação própria e permanente dos impugnantes era constituída por um imóvel sito na Rua ……….. - Lote …….. - ………, 2975-……. Quinta do Conde, facto mais que provado nos autos, desde logo, porque, conforme documento n.º 9998000751740, de 10-01-2010, o sujeito passivo (SP), ora Impugnante, B………., NIF ………., alterou o seu domicílio fiscal para a Rua ………. - Lote ………. - ……….., 2975-……… Quinta do Conde.
13.ª Consequentemente, ao invés do alegado, à data da venda, a fracção autónoma designada pela letra "V", relativa ao imóvel sito em Zona de Intervenção da Expo 98, Rua ……….., Lote ………., Lisboa, e inscrito na matriz predial da freguesia de Santa Maria dos Olivais, sob o art.º 4002, não constituía a habitação própria e permanente dos Impugnantes.
14.ª Com o devido respeito, a assim não se entender, é a Lei que está a ser iludida. Porém, a Lei não pode ser iludida. E se o consentimos, é o Estado de democrático de direito que é posto em causa. Daí que as decisões, emanem de onde emanem, não podem ser contrárias ao que diz a lei.
15.ª Consequentemente, para que os ganhos provenientes da transmissão onerosa do imóvel pudessem ficar excluídos da tributação, este, à data da sua alienação, deveria funcionar como habitação própria e permanente dos sujeitos passivos. Situação que não se verificou, razão pela qual não merecem, pois, censura as correcções efectuadas e, consequentemente, as liquidações adicionais ora impugnadas, de nada valendo, designadamente o alegado (PI 22.º), ter sido o imóvel, sito na Rua ………. - ……… - ………., 2975-…….Quinta do Conde, adquirido apenas por um dos Impugnantes.
16.ª Como dito na douta Sentença, a questão a decidir assenta na correcção efetuada, pela administração fiscal, relativamente ao valor do reinvestimento declarado pelos Impugnantes, em sede de IRS de 2010, dado esta não ter aceitado o valor de € 350.000,00, declarado pelos Impugnantes como reinvestimento, por se tratar de transmissão onerosa de um imóvel que, à data da venda, não se encontrava afecto à habitação própria e permanente dos contribuintes, pelo menos desde a alteração de domicílio fiscal levada a cabo em 10 de Janeiro de 2010.
17.ª Isto é, na correcção resultante da divergência entre as partes quanto ao imóvel, sito no Parque das Nações, ser, ou não ser, considerado como habitação própria e permanente do agregado familiar, à data da sua alienação, tendo o Tribunal concluído, na base da prova testemunhal produzida nos autos, "... que todos os pressupostos previstos no nº 5 do art. 10º do CIRS estão preenchidos pelo que a liquidação adicional de IRS e de juros compensatórios do ano de 2010 padece de vício de violação de lei e como tal deve ser anulada."
18.ª Com a ressalva do devido respeito que nos merece o Tribunal "a quo", que muito é, e ressalvado o sempre devido respeito por diverso entendimento, não podemos concordar com a decisão vertida na aliás douta Sentença proferida nos autos pelas razões que se passam a expor.
19.ª Com efeito, nos presentes autos está em causa a legalidade da tributação de mais-valias, decorrentes da transmissão onerosa, ocorrida a 1 de Julho de 2010, da fracção autónoma designada pela letra "V", do imóvel sito em Zona de Intervenção da Expo 98, Rua ………., Lote ………. Lisboa, e inscrito na matriz predial da freguesia de Santa Maria dos Olivais, sob o art.º 4002, no valor de 350 mil euros.
20.ª Não obstante, sempre ressalvado o devido respeito por diverso entendimento, entendemos que contrariamente ao decidido, as liquidações de IRS, em causa, não padecem de qualquer ilegalidade, devendo manter-se na ordem jurídica. Senão vejamos,
21.ª De harmonia com o disposto no art.º 10 n.º 1 do CIRS, redacção dada à data dos factos - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (...).
22.ª E porque estamos perante a transmissão de um imóvel que, à data da sua alienação, não era utilizado como a habitação própria e permanente dos referidos sujeitos passivos, não se verifica a condição de exclusão de tributação nos termos do disposto no n.º 5, do art.º 10º do CIRS, por se tratar de transmissão onerosa de imóvel que, à data da venda, não se encontrava afecto à habitação própria e permanente dos contribuintes, pelo menos desde a alteração de domicílio fiscal levada a cabo em 10 de Janeiro de 2010.
23.ª Por conseguinte, considerando o quadro normativo supra, e transpondo o exposto para o caso "sub judice", a verdade é que o facto gerador do imposto, ou seja, a sua exigibilidade, ocorre, no momento da alienação dos imóveis, conforme n.º 3, do artigo 10.º, sendo esse o momento em que os ganhos de mais-valias se consideram obtidos.
24.ª E como clarificado no douto Acórdão do TCA-Sul, in processo, n.º 396/08.6BECTB, de 5 de Agosto de 2019, consultável em www.dgsi.pt - Unanimidade/Mais-valias/Exclusão da tributação/ CIRS nº5, do art. 10º- "...Sendo ainda de referir que no plano conceitual, a residência habitual não se identifica com a residência permanente, nem o domicílio coincide com a morada, ou seja, o local onde a pessoa tem a sua habitação, tal como se pode inferir dos dois números do artigo 82º do C Civil (vide Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, Vol. I, pág. 98), porém em matéria tributária há necessidade de dar estabilidade ao conceito tendo sido introduzido na LGT a noção de domicílio fiscal, fazendo coincidir este, no caso das pessoas singulares, com o local da sua residência permanente (art. 19.º n,º 1 al. a da LGT) com a criação de declaração obrigatória da comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária (art. 19.º n.º 2 também da LTG, à data dos factos, agora n.º 3).
Concluindo-se assim, de acordo com a factualidade provada não se encontram, manifestamente, reunidos os requisitos cumulativos, para acionar a exclusão de incidência tributária prevista no art.º 10.º, n.º 5, al. a), do CIRS, não incorrendo a sentença recorrida em erro de julgamento de direito que lhe vem imputado.
Aqui chegados e dispensamo-nos de mais considerações e concluímos que a sentença recorrida não enferma de qualquer erro de julgamento de facto, nem de direito, e nessa medida, o recurso não merece provimento." Sublinhado, nosso.
25.ª Verifica-se, assim, que as liquidações, ora impugnadas, não padecem de qualquer ilegalidade, devendo as mesmas ser mantida na ordem jurídica.
26.ª Face ao exposto, não pode ser retirada outra conclusão que não a de que a Administração Tributária estava legitimada para operar as liquidações ora impugnadas, sendo os Impugnantes, nessa medida responsáveis pelo seu pagamento.
27.ª Não podendo, assim, a douta Sentença, ser mantida na ordem jurídica, antes devendo ser revogada e substituída por decisão que dê provimento à pretensão da Recorrente, e consequentemente julgar a Impugnação improcedente.
28.ª Ao não o fazer, violou a douta Sentença, designadamente o disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3 do Código do IRS, e o artigo 75 da LGT.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a Vossas Excelências, Venerandos Senhores Juízes Conselheiros, se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e, em consequência, ser a douta Sentença, ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue totalmente IMPROCEDENTE a presente Impugnação, tudo com as devidas e legais consequências.


2. Não foram produzidas contra-alegações.


3 O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso ser improcedente.

4. Por despacho da Relatora de 23 de Dezembro de 2020, foi a Fazenda Pública notificada para se pronunciar se com o alegado nas conclusões 3.ª a 8.ª era sua intenção impugnar também a matéria de facto assente, tendo a mesma respondido, por requerimento de 8 de Janeiro de 2021, que a sua intenção era recorrer apenas da matéria de direito.

5. Cumpridos os demais trâmites legais, cabe decidir.


II – FUNDAMENTAÇÃO

1. De facto
Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A. B…….. e A……….. são casados sob o regime de separação e bens, como consta das escrituras mencionadas nas alíneas seguintes.

B. Em 30/11/2009 foi outorgada a escritura de compra e venda entre C…….. e mulher na qualidade de primeiros outorgantes e A………… na qualidade de segunda outorgante tendo por objeto a fração autónoma designada pela letra “B” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito no ………., Lote ……., Rua ………., freguesia de Quinta do Conde, concelho de Sesimbra, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 16014 pelo preço de € 133.500,00 (cfr. fls. 140/142).

C. Em 01/07/2010 foi outorgada a escritura de compra e venda celebrada entre B……… na qualidade de primeiro outorgante e D………… e mulher, tendo por objeto a fração autónoma designada pela letra “V” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Av. ………., lote …….., Parque das Nações, freguesia de Santa Maria dos Olivais, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa , sob o nº 2592 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 4002 pelo preço de € 700.000,00, tendo sido dado consentimento por A………. para outorga da escritura (cfr. fls. 37/44).

D. Em 19/09/2011 foi outorgada a escritura de compra e venda celebrada entre E……… e mulher na qualidade de primeiros outorgantes e B………. e mulher A………. na qualidade de segundos outorgantes, tendo por objeto a parcela de terreno para construção urbana sito na Herdade ……….., lote …….., freguesia de S. Lourenço, concelho de Setúbal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob o nº 1272, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2715, pelo preço de € 97.500,00 (cfr. fls. 144/146).

E. Em 26/10/2011 foi apresentada a declaração de rendimentos de IRS do ano de 2010 referente aos ora impugnantes tendo sido declarado no anexo G o valor de realização de € 700.000,00 do imóvel referente à fração “V” - artigo 4002, tendo ainda sido declarado o montante de € 144.651,39 como valor de aquisição e o valor de € 48.317,04 a título de despesas e encargos (cfr. fls. 105).

F. No mesmo anexo foi ainda declarada a intenção de reinvestir o valor de realização no montante de € 350.000,00 (cfr. fls. 105).

G. Em 28/03/2012 foi apresentado junto da Câmara Municipal de Setúbal em nome de B………, pedido de licença para realização de obras de construção, tendo sido admitida a comunicação prévia para obras de construção nº 42/12 relativamente ao prédio inscrito na matriz urbana sob o artigo 2715 na Herdade ………, Rua ………, lote ……., em Azeitão (cfr. fls. 148/150).

H. Em 24/04/2012 foi emitida notificação dirigida aos ora impugnantes para efeitos de notificação para o exercício do direito de audição dado que em relação ao IRS de 2010 a administração considerou “indevidamente declarada a intenção de reinvestimento, dado que se trata da transmissão onerosa de um imóvel, que não se destinava a habitação própria e permanente dos sujeitos passivos”, e como tal não aceitou o valor de € 350.000,00 declarado como reinvestimento (fls. 46).

I. O impugnante marido em 03/05/2012 exerceu oralmente o direito de audição tendo sido lavrado o termo de declarações de fls. 49/51.

J. Em 24/10/2012 foi emitida a notificação das correções meramente aritméticas ao IRS de 2010, não tendo sido aceite o valor declarado a título de reinvestimento (cfr. fls. 99/101).

K. Em 05/11/2012 foi efetuada a liquidação adicional de IRS do ano de 2010, tendo sido apurado, após compensação, o imposto a pagar no valor de € 58.693,68 (cfr. fls. 27/31).

L. Em 17/12/2012 foi efetuado o pagamento do IRS do ano de 2010 no montante de € 58.693,68 (cfr. fls. 37).

M. A primeira testemunha, F…….., ajudou na mudança dos móveis da casa da Expo para a casa da Quinta do Conde em junho de 2010 (cfr. depoimento da 1a testemunha).

N. Fez a mudança por três vezes, sendo que no último dia da mudança fez o transporte dos eletrodomésticos e da cama do casal (cfr. 1ª testemunha).

O. A casa da Quinta do Conde estava vazia antes da mudança feita pela testemunha (cfr. depoimento da T testemunha).

P. Os impugnantes moravam na zona da Expo e em 2010 foram morar para a Quinta do Conde e depois foram morar para Brejos de Azeitão (cfr. depoimentos da 2ª e 3ª testemunhas).

Na decisão recorrida foi ainda referido de que «não existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados».

2. Questões a decidir
A única questão que vem suscitada nos presente autos é a de saber se existe erro de julgamento do TAF de Almada ao considerar, com base na matéria de facto assente, que o imóvel sito no Parque das Nações podia ser considerado habitação própria e permanente do agregado familiar até Junho de 2010 e que, nessa medida, todos os pressupostos previstos no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS se deveriam considerar preenchidos, pelo que haveria que anular a liquidação adicional de IRS e de juros compensatórios do ano de 2010.

3 – Do direito
A Fazenda Pública não se conforma com a interpretação do artigo 10.º, n.º 5 do CIRS subjacente à decisão recorrida, segundo a qual, se considerou subsumível à exclusão de tributação de mais-valias prediais por “transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar” a factualidade assente nos autos.

De acordo com a matéria de facto assente: i) a desocupação do imóvel que era “habitação própria e permanente dos sujeitos passivos”, localizado na “Expo”, ocorreu em Junho de 2010 (ponto M da matéria de facto assente); ii) a venda do mesmo em Julho de 2010 (ponto C da matéria de facto); iii) o reinvestimento do valor de realização [350.000,00€] consistiu na aquisição, em Setembro de 2011, de uma parcela de terreno para construção urbana em Brejos de Azeitão (pontos D e P da matéria de facto assente); iv) os sujeitos passivos construíram o imóvel na parcela de terreno adquirida e foram viver para o mesmo [pontos G e P da matéria de facto assente]; v) entre a saída do imóvel alienado e a data em que foram viver para o imóvel fruto do reinvestimento, a família residiu no imóvel na Quinta do Conde, em Sesimbra, adquirido pelo cônjuge mulher, em Novembro de 2009 (pontos B e P da matéria de facto assente).

A Fazenda Pública entende que a aquisição do imóvel de Sesimbra e o facto de os sujeitos passivos terem estabelecido aí, por algum tempo, a sua habitação, consubstancia um “interregno” na relação necessária entre o que ambos indicaram como “imóvel de partida” e “imóvel de chegada” destinado a habitação própria e permanente, o qual impede a subsunção da factualidade à exclusão da tributação normativamente prevista no já mencionado n.º 5 do artigo 10.º do CIRS.

Porém, sem razão.

Como se tem sublinhado na jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, o conceito de reinvestimento subjacente ao n.º 5 do artigo 10.º é um “conceito económico” e, por isso, o que é essencial é provar que “o produto da alienação obtido na transmissão onerosa de imóvel destinado à habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar seja reinvestido na aquisição de outro imóvel destinado ao mesmo fim” [acórdão de 12.02.2020, proc. 0116/07.2BECTB 01243/17]. Preenchido esse pressuposto e os de que “o reinvestimento seja efectuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização” e “o sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respectivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação”, devem considerar-se verificadas as exigências legais para a isenção.

Admitindo a lei expressamente que o reinvestimento possa consistir na aquisição “de terreno para construção de imóvel e ou respectiva construção” e que esta aquisição e construção “seja efectuada entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização”, é lógico e razoável que durante o período que medeia a alienação do “imóvel de partida” e a obtenção (aquisição do terreno e construção) do “imóvel de chegada” o agregado familiar tenha que residir em outra habitação, seja arrendada ou própria. E dessa necessária residência intercalada em outra morada não pode inferir-se, como pretende a Fazenda Pública, que existe uma interrupção do nexo de ligação-causalidade entre o “imóvel de partida” e o “imóvel de chegada” que impede o preenchimento da previsão normativa da isenção.

Em outras palavras, nos autos apenas ficou provado que os sujeitos passivos no período que mediou entre a alienação do imóvel situado na “Expo” (casa morada de família alienada – “imóvel de partida”) e o estabelecimento da respectiva residência (centro de vida familiar) em Brejos de Azeitão, Setúbal (nova casa de morada de família ou “imóvel de chegada”, cujo terreno e respectiva construção foram custeados com o valor de realização da venda do primeiro imóvel), residiram num imóvel situado na Quinta do Conde, Sesimbra, adquirido por um dos sujeitos passivos (a mulher), antes da alienação do imóvel situado na “Expo”. Ora esta factualidade é subsumível a uma razoável e plausível situação da vida em que um sujeito passivo opta por reinvestir o produto da venda da casa de morada de família na aquisição de um terreno para construção e na construção de um imóvel que constitua a nova casa morada de família.

III - Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.


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Custas pela Recorrente [nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi a alínea e), do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário].
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Lisboa, 17 de fevereiro de 2021. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.