Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:033/18.0BCLSB
Data do Acordão:02/21/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:DISCIPLINA DESPORTIVA
TRIBUNAL ARBITRAL
RESPONSABILIDADE DISCIPLINAR
CLUBES DESPORTIVOS
SOCIEDADE DESPORTIVA
RELATÓRIO
JOGOS
PROVA
PRINCIPIO DA CULPA
PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO
ISENÇÃO DE CUSTAS
Sumário:I - A prova dos factos conducentes à condenação do arguido em processo disciplinar não exige uma certeza absoluta da sua verificação, dado a verdade a atingir não ser a verdade ontológica, mas a verdade prática, bastando que a fixação dos factos provados, sendo resultado de um juízo de livre convicção sobre a sua verificação, se encontre estribada, para além de uma dúvida razoável, nos elementos probatórios coligidos que a demonstrem ainda que fazendo apelo, se necessário, às circunstâncias normais e práticas da vida e das regras da experiência.
II - A presunção de veracidade dos factos constantes dos relatórios dos jogos elaborados pelos delegados da Liga Portuguesa Futebol Profissional [LPFP] que tenham sido por eles percecionados, estabelecida pelo art. 13.º, al. f), do Regulamento Disciplinar da LPFP [RD/LPFP], conferindo ao arguido a possibilidade de abalar os fundamentos em que ela se sustenta mediante a mera contraprova dos factos presumidos, não infringe os comandos constitucionais insertos nos arts. 02.º, 20.º, n.º 4, e 32.º, n.ºs 2 e 10, da CRP e os princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo.
III - A responsabilidade disciplinar dos clubes e sociedades desportivas prevista no art. 187.º do referido RD/LPFP pelas condutas ou os comportamentos social ou desportivamente incorretos que nele se mostram descritos e que foram tidos pelos sócios ou simpatizantes de um clube ou de uma sociedade desportiva e pelos quais estes respondem não constitui uma responsabilidade objetiva violadora dos princípios da culpa e da presunção de inocência.
IV - A responsabilidade desportiva disciplinar ali prevista mostra-se ser, in casu, subjetiva, já que estribada numa violação dos deveres legais e regulamentares que sobre clubes e sociedades desportivas impendem neste domínio e em que o critério de delimitação da autoria do ilícito surge recortado com apelo não ao do domínio do facto, mas sim ao da titularidade do dever que foi omitido ou preterido.
V - Não viola os arts. 13.º, 20.º, n.ºs 1 e 2 e 268.º, n.º 4, todos da CRP, a não concessão à Federação Portuguesa de Futebol da isenção da taxa de arbitragem.
Nº Convencional:JSTA000P24253
Nº do Documento:SA120190221033/18
Data de Entrada:12/20/2018
Recorrente:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
Recorrido 1:FUTEBOL CLUBE ... - FUTEBOL, SAD
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1. “FUTEBOL CLUBE ……. - FUTEBOL, SAD” [doravante «FC…, SAD»], instaurou no Tribunal Arbitral do Desporto [«TAD»], ao abrigo do disposto nos arts. 04.º, n.ºs 1 e 3, al. a), da Lei n.º 74/2013, de 06.09 [na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 33/2014, de 16.06] contra “FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL” [doravante «FPF»], recurso de impugnação do acórdão de 05.09.2017 do Conselho de Disciplina da «FPF»/Secção Profissional [proferido no processo disciplinar n.º 2 (2017/2018) e que negou provimento ao recurso hierárquico interposto, mantendo a decisão disciplinar proferida em processo sumário, na sessão de 11.08.2017, que havia condenado a «FC…., SAD» na multa de 153,00 € (pela prática da infração disciplinar p. e p. pelo art. 127.º, n.º 1, do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional de 2017 (doravante RD/LPFP-2017) (cfr. disposição transitória 1.ª do referido Regulamento e Comunicado da «FPF» n.º 02, datado de 04.07.2017 - disponível in: «www.fpf.pt/Institucional/Disciplina/Regulamentação/RD-LPFP») -, conjugado com os arts. 06.º, al. g), e 09.º, n.º 1, al. m), do Anexo VI - «Regulamento de prevenção da violência» do «Regulamento das competições organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional» 2017 (doravante RPV/RC/LPFP-2017), na multa de 536,00 € (pela prática da infração disciplinar p. e p. pelo art. 187.º, n.º 1, al. a), do RD/LPFP-2017), e na multa de 1.148,00 € (pela prática da infração disciplinar p. e p. pelo art. 187.º, n.º 1, al. b), do RD/LPFP-2017)].

2. O «TAD», por acórdão de 26.02.2018, negou provimento ao recurso e manteve a decisão recorrida, condenando a «FC…., SAD» nas custas que, tendo em conta o valor da causa [30.000,01 €], foram fixadas em 4.890,00 €, valor a que acresce IVA à taxa legal, perfazendo 6.014,70 € que englobam a taxa de arbitragem e os encargos do processo arbitral [cfr. fls. 01 a 59 - paginação «SITAF» - paginação essa a que se reportarão ulteriores referências à mesma].

3. Inconformada, a «FC…., SAD» interpôs recurso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo Sul [«TCA/S»], o qual, por acórdão de 06.08.2018 [cfr. fls. 208 a 230], concedeu provimento ao recurso e, revogando a decisão recorrida, julgou procedente o recurso interposto perante o «TAD», anulando o ato disciplinar punitivo ali impugnado.

4. Invocando o disposto no art. 150.º do CPTA a «FPF», agora inconformada com o acórdão proferido pelo «TCA/S», veio interpor o presente recurso jurisdicional de revista apresentando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz [cfr. fls. 237 e segs. e fls. 404 e segs.]:
«
1. A Recorrente vem interpor recurso de revista para o STA do Acórdão proferido pelo TCA Sul em 6 de agosto de 2018, que revogou o acórdão arbitral proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto.
Esta instância, por seu turno, havia decidido confirmar a decisão de aplicação à ora Recorrida de multas no valor de 1.837,00 €, por força do artigo 127.º, n.º 1 (inobservância de outros deveres), ex vi dos artigos 6.º-1 g) e 9.º-1, m), ponto vi), do Anexo VI do Regulamento de Competições e artigo 56.º-3 do RD da LPFP; por força do artigo 187.º-1, a), do RD da LPFP (comportamento incorreto do público) e por força do artigo 187.º-1. b), do RD da LPFP (comportamento incorreto do público).
(…)
6. É por demais evidente que o coletivo de juízes que proferiu o Acórdão não analisou devidamente o processo, limitando-se a copiar integralmente decisão anteriormente proferida pelo TCA Sul - o que é usual - mas sem curar de que a parte que copia nem sequer traz nada de relevante para o julgamento da questão. Mais grave do que fazer o chamado copy paste é que essa decisão tirada no processo n.º 144/17.0BCLSB havia remetido toda a sua fundamentação para o parecer que o Magistrado do Ministério Público havia elaborado nos autos, pelo que o Acórdão de que se recorre é, desde logo, nulo por falta de fundamentação.
7. De acordo com o Relatório de Ocorrências - que, recorde-se, não foi colocado em causa pela Futebol Clube …… - Futebol SAD nos presentes autos nem sequer foi requerida prova para contrariar o seu conteúdo -, na bancada Sul do Estádio do ….., durante jogo contra Os ………, os adeptos do FC…. rebentaram petardos, deflagraram um flash light, entoaram cânticos ofensivos, concretamente, aquando da reposição de bola por parte do guarda-redes d’Os ………., gritaram em uníssono “Filho da puta” e gritaram em uníssono “S….., S…., S…., filhos da puta, S…..”.
8. A Recorrida não colocou em momento algum em causa que estes factos aconteceram, colocou em causa, sim, que tenham sido adeptos do FC…. os responsáveis pelos mesmos e que tenha qualquer responsabilidade sobre o comportamento levado a cabo por outras pessoas.
9. O processo sumário é propositadamente célere, em que a sanção, dentro dos limites regulamentares definidos, é aplicada no prazo-regra de apenas 5 dias (cfr. artigo 259.º do RD da LPFP) somente por análise do relatório de jogo (e, possivelmente, outros elementos aí referidos) que, como se sabe, tem presunção de veracidade do seu conteúdo (cfr. artigo 13.º, al. f) do RD da LPFP).
10. Os Delegados da LPFP são designados para cada jogo com a clara função de relatarem todas as ocorrências relativas ao decurso do jogo, onde se incluem os comportamentos dos adeptos que possam originar responsabilidade para o respetivo clube.
11. Recorde-se, aliás, que esta forma de processo consta do Regulamento Disciplinar da LPFP, aprovado pelas próprias SAD’s que disputam as competições profissionais em Portugal, entre elas a ora Recorrida em sede de Assembleia Geral da LPFP.
12. Entende a Recorrida que cabia ao Conselho de Disciplina provar (adicionalmente ao que consta do Relatório de Jogo) que a Recorrida violou deveres de formação e vigilância, tendo de fazer prova de que houve uma conduta omissiva. Isto é, entende que cabia ao Conselho de Disciplina fazer prova de um facto negativo, o que, como se sabe, não é possível.
13. A presunção de veracidade não significa que o Relatório de Jogo contenha uma verdade completamente incontestável: o que significa é que o conteúdo do Relatório, conjuntamente com a apreciação do julgador por via das regras da experiência comum, são prova suficiente para que o Conselho de Disciplina forme uma convicção acima de qualquer dúvida de que a Recorrida incumpriu os seus deveres.
14. Para abalar essa convicção, cabia ao clube apresentar contraprova. Essa é uma regra absolutamente clara no nosso ordenamento jurídico, prevista desde logo no artigo 346.º do Código Civil.
15. A documentação junta aos autos foi analisada criticamente, tanto pelo Conselho de Disciplina como pelo Tribunal Arbitral, à luz da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade, designadamente no que se refere à conclusão de que os objetos descritos no relatório dos Delegados da LPFP, petardos e flash light só entraram e permaneceram no estádio porque a Recorrida, no caso com responsabilidade acrescida por ser entidade organizadora do jogo, não tomou quaisquer medidas que viessem a impedir as ocorrências descritas e praticadas pelos adeptos da bancada sul, afetos ao FC…..
16. Por seu turno, o TCA Sul nada analisa nem nada fundamenta.
17. Também a Recorrida nada fez, nada demonstrou, nada alegou, em nenhuma sede.
18. Ainda que se entenda - o que não se concede - que o Conselho de Disciplina não tinha elementos suficientes de prova para punir a Recorrida, a verdade é que o facto (alegada e eventualmente) desconhecido - a prática de condutas ilícitas por parte de adeptos da Recorrida e a violação dos respetivos deveres - foi retirado de outros factos conhecidos.
19. Refira-se, aliás, que este tipo de presunção é perfeitamente admissível nesta sede e não briga com o princípio da presunção de inocência, ao contrário do que refere a Recorrida e do que parece entender o TCA Sul.
20. Face ao exposto, deve o acórdão proferido pelo Tribunal a quo ser revogado por erro de julgamento, designadamente por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 13.º, al. f), 127.º, 172.º, 186.º, n.º 1, 187.º, n.º 1, al. a) e b), e 258.º do Regulamento Disciplinar da LPFP.
21. O Acórdão recorrido decide ainda rejeitar o pedido de isenção de custas apresentado pela Recorrente, pelo que também neste segmento decidiram mal os Exmos. Juízes do TCA Sul, e se este Douto Tribunal Superior entender igualmente não ser de reconhecer a isenção da Recorrente das taxas previstas na LTAD e na Portaria acima referida, estará também aplicar norma reportada como inconstitucional e a violar o artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais, e os artigos 13.º e 20.º, n.ºs 1 e 2, e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa …».

5. Devidamente notificada a demandante, aqui ora recorrida, veio produzir contra-alegações [cfr. fls. 291 e segs.], concluindo nos seguintes termos:
«
i. Ainda que a Recorrente não a evidencie com clareza e objetividade, a questão normativa que entende mal apreciada e decidida pelo Tribunal a quo parece ser a relativa ao critério de apreciação da prova em processo disciplinar.
(…)
vii. Revista que, todavia, deverá improceder, porque fundada numa total desconsideração dos princípios estruturantes do processo disciplinar, que não poderão deixar de abranger o exercício do poder sancionatório previsto no RDLPFP, alguns deles inclusive portadores de estatuto constitucional.
viii. O arguido em processo disciplinar, tal como ocorre em processo penal, não tem de provar que é inocente da acusação que lhe é imputada, até porque, aliado ao ónus da prova que recai sobre o titular da ação disciplinar (cf. jurisprudência uniforme e pacífica, e reiteradamente afirmada nos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 19/01/95, rec. n.º 031486, de 14/03/96, rec. n.º 028264, de 16/10/97, rec. n.º 031496 e de 27/11/97, rec. n.º 039040), vigora ainda o princípio da presunção de inocência.
ix. O princípio da presunção de inocência do arguido, também presente no âmbito do processo disciplinar, tem como um dos seus principais corolários a proibição de inversão do ónus da prova, não impendendo sobre o arguido - in casu a recorrida - o ónus de reunir as provas da sua inocência (neste sentido, a título de exemplo, veja-se o acórdão do TCA Norte de 02.10.2010, processo n.º 01551/05.8BEPRT, e ainda o acórdão do TCA Norte de 05.10.2012, processo n.º 01958/08.7BEPRT, disponíveis em www.dgsi.pt).
x. Revela-se, aliás, unânime que o arguido em processo disciplinar tem direito a um "processo justo", o que passa, designadamente, pela aplicação de algumas das regras e princípios de defesa constitucionalmente estabelecidos para o processo penal, como é o caso do citado princípio da presunção da inocência, acolhido no art. 32.º-2 da CRP (cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 27/11/97, in rec. n.º 039040; 16.OUT.97, in rec. n.º 031496, de 14/03/96, in rec. n.º 028264; de 19.JAN.95, in rec. n.º 031486; de 10.DEZ.98, in rec. n.º 037808; de 01.MAR.07, in rec. n.º 01199/06; de 28.ABR.05, in rec. n.º 333/05; de 17.MAI.01, in rec. n.º 40528, disponíveis em www.dgsi.pt).
xi. É precisamente o princípio de inocência que exige a formulação de um juízo de certeza sobre o cometimento das infrações para condenar o clube, aqui recorrida, não bastando meras ilações, ou uma simples referência geográfica, como, porém, aconteceu.
xii. Portanto, sem que esteja demonstrada e devidamente comprovada, através de robustas provas, a materialidade e autoria da infração disciplinar fica comprometida qualquer condenação do arguido/recorrida, que deve ter a seu favor a presunção de inocência cf. Ac. TCAS de 02-06-2010, Proc. 5260/01).
xiii. Ainda que os documentos gozem de uma presunção de veracidade e sejam elaborados pelos Delegados presentes ao jogo, não se podem aqui diminuir as exigências de prova e de sua apreciação, bastando-se com simples afirmações vertidas em relatórios.
xiv. Nem mesmo a presunção de veracidade dos relatórios prevista no art. 13.º, f), do RD, pode contrariar o quadro normativo, dado que, mesmo beneficiando de uma presunção de verdade, não se trata de prova subtraída à livre apreciação do julgador.
xv. Para efeitos disciplinares, como in casu, é relevante afirmar que a prova dos factos integradores da infração é determinada face aos elementos existentes no processo e pela convicção do julgador, estando sujeita ao princípio da livre apreciação da prova (cf. art. 127.º do CPP e art. 94.º-4 do CPTA).
Uma vez que o RDLPFP nada dispõe em contrário, competirá ao julgador - na fixação dos factos e pressupostos da aplicação da pena disciplinar - formular o seu juízo sobre a realidade e sentido dos factos através da apreciação do material probatório, segundo aquela que é a sua livre convicção.
xvii. Ainda que as provas coligidas possam, em teoria, ser aptas a determinar a instauração do procedimento disciplinar contra o arguido, por se revelarem suficientes, na ótica da acusação, para o considerar suspeito dos factos em causa, para punir disciplinarmente algum agente sempre será preciso ir mais além, recolhendo e produzindo provas concretas que permitam criar a convicção no julgador de que se mostram preenchidos todos os pressupostos exigidos pelo tipo legal.
xviii. A imputação de todos e cada um dos elementos do tipo “incriminador” deve estribar-se em meios de prova que os sustentem, com a natureza de prova direta ou, pelo menos, de prova indireta.
xix. Considerando os pressupostos legais exigidos para a imputação e condenação pela prática das infrações p. e p. pelos arts. 127.º e 187.º do RDLPFP, era necessário que o Conselho de Disciplina da FPF tivesse carreado aos autos prova suficiente de que i) os comportamentos indevidos foram perpetrados por sócio ou simpatizante da Futebol Clube ….. - Futebol SAD, como ainda que ii) tais condutas resultaram de um comportamento culposo da Futebol Clube ….. - Futebol SAD.
xx. Tal produção de prova jamais podia competir ou ser exigido à arguida, não se podendo neste âmbito admitir - como pretende a Recorrente - uma inversão do ónus da prova.
xxi. Face às normas e princípios que conformam o processo sancionatório, admitir a tese da Recorrida equivaleria a uma aberta e clamorosa violação das regras do ónus probatório e do princípio da presunção de inocência, o que deverá inevitavelmente conduzir ao repúdio de tal tese.
xxii. Além do mais, não se pode aqui abrir a porta a uma “prova por presunção” sobre a autoria dos factos e sobre a violação de deveres constitutiva da ilicitude típica.
xxiii. A prova em sede disciplinar, designadamente aquela assente em presunções judiciais, tem de ter robustez suficiente, tem de ir para além do início da prova, para permitir, com um grau sustentado de probabilidade, imputar ao agente a prática de determinada conduta, tendo sempre presente um dos princípios estruturantes do processo sancionatório que é o da presunção da inocência, designadamente: “todo o acusado tenha o direito de exigir prova da sua culpabilidade no seu caso particular” (GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, I, Verbo, 2008, p. 82).
xxiv. Também não se pode aqui admitir a aplicação do critério da primeira aparência, de acordo com o qual: à recorrente, titular do poder punitivo disciplinar, caberia fazer a prova da primeira aparência da verificação do facto; e à recorrida, uma vez comprovada essa primeira aparência, compete refutá-la, destruindo essa indiciação.
xxv. Tal critério mais não é que uma clamorosa violação ao princípio da presunção de inocência, direito fundamental de que a recorrida é titular.
xxvi. E do mesmo passo implica que para a prova dos factos fundamentadores de responsabilidade disciplinar não será necessária uma racional e objetiva convicção da sua verificação, para além de qualquer dúvida razoável, sendo suficiente uma sua simples indiciação.
xxvii. Note-se que, tal posição não tem qualquer base legal ou regulamentar: nesta matéria, os regulamentos aplicáveis não estabelecem qualquer presunção da verificação de um elemento constitutivo de uma infração disciplinar, nem se atribuiu ao arguido qualquer ónus de infirmação do que quer que seja.
xxviii. Trata-se, aliás, de critério decisório incompatível com o princípio da presunção de inocência, por duas ordens de razões: por implicar a imposição de um ónus de prova ao arguido; e por baixar o grau de convicção da verificação do facto para um nível insuportável: não a certeza correspondente à convicção para além de toda a dúvida razoável, mas a suspeita baseada somente na primeira aparência.
xxix. O critério decisório pelo qual pugna a Recorrente - o da prova da primeira aparência, com imposição de ónus da prova ao arguido - contraria frontal e irremissivelmente jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, jurisprudência que representa uma expressão consolidada do cânone da dogmática do princípio da presunção de inocência, constante de todos os tratados e comentários de processo penal e afirmado vezes sem conta pelos nossos tribunais superiores (TC, STJ, Relações e TCA’s) (veja-se, a título de exemplo, Ac. do Pleno da Secção do CA do STA de 18-04-2002, Proc. 033881; Ac. do STA de 20-10-2015, Proc. 01546/14, Ac. do STA de 18-02-1997, Proc. 033791, Ac. do STA de 28-06-2011, Proc. 0900/10, Ac. do STA de 18-04-2002, Proc. 033881, tirado em Pleno, disponíveis em www.dgsi.pt)
xxx. A “prova de primeira aparência” é indissociável da presunção de culpa e da distribuição do ónus da prova, pelo que se faz sentido no quadro dos litígios cíveis ou de natureza análoga já é um corpo completamente estranho no direito e processo sancionatórios, desde logo porque contraria os seus princípios estruturantes da culpa e da presunção de inocência.
xxxi. E nem se diga que se impõe à Administração a impossível prova de um facto negativo, pois a “contrapartida” da tese da prova da primeira aparência adotada pelo Tribunal a quo é a imposição ao arguido em processo disciplinar desportivo de uma prova impossível de um comportamento impossível: a demonstração de que o arguido fez tudo para evitar o resultado proibido.
xxxii. Atendendo aos pressupostos exigidos pelos tipos legais previstos nos arts. 127.º e 187.º do RD sempre se exigirá para a condenação do clube, in casu a Recorrida, que se mostrassem suficientemente provados - através da produção de prova que incumbe ao titular do processo disciplinar e a qual será sujeita a uma livre apreciação - os factos consubstanciadores da prática das infrações disciplinares; não se verificando tal prova, e considerando o quadro normativo aplicável ao caso, fica necessariamente prejudicada a alegação da Recorrente.
xxxiii. Em suma, a pretensão da Recorrente está claramente condenada ao fracasso, pelo que não padece o acórdão recorrido de qualquer erro de julgamento, tendo subsumido corretamente os factos ao direito aplicável.
xxxiv. O Tribunal Central Administrativo Sul já se pronunciou sobre esta matéria, decidindo em desfavor da posição assumida pelo Tribunal Arbitral do Desporto no acórdão recorrido e em desfavor da alegação ora aventada pela recorrente, designadamente no acórdão de 16.01.2018 (processo n.º 144/17.0BCLSB) e no acórdão de 26.07.2018 (processo n.º 8/18.0BCLSB).
xxxv. Se, por mera hipótese de raciocínio, proceder a tese da Recorrente, reputa-se como inconstitucional – por violação do princípio da presunção de inocência de que beneficia o arguido em processo disciplinar, inerente no seu direito de defesa (art. 32.º, n.ºs 2 e 10 da CRP), ao direito a um processo equitativo (art. 20.º-4 da CRP) e ao princípio do Estado de direito (art. 2.º da CRP) - a interpretação dos artigos 222.º-2 e 250.º-1 do RDLPFP de 2016 segundo a qual a comprovação de um elemento constitutivo de uma infração disciplinar está sujeita a um ónus da prova imposto ao arguido, podendo ser dado como provado se, resultando simplesmente indiciado através de uma prova de primeira aparência, o arguido não demonstrar a sua não verificação.
xxxvi. O douto acórdão do Tribunal a quo não merece qualquer reparo ou censura, devendo manter-se “in totum”…».

6. Pelo acórdão da formação de apreciação preliminar deste Supremo Tribunal, prevista no n.º 5 do art. 150.º do CPTA, datado de 27.11.2018, veio a ser admitido o recurso [cfr. fls. 348/349].

7. Notificada nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 146.º, n.º 1, e 147.º, n.º 2, do CPTA, a Digna Magistrada do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal, emitiu parecer no sentido da parcial procedência do recurso e revogação do acórdão recorrido apenas no segmento em que neste se julgou procedente o recurso interposto perante o «TAD» e se anulou o ato disciplinar punitivo [cfr. fls. 356/363], pronúncia essa que objeto de contraditório mereceu resposta discordante da «FC…., SAD» [cfr. fls. 380 e segs.].

8. Sem vistos, atento o disposto nos arts. 36.º, n.ºs 1 e 2, 147.º do CPTA e 08.º, n.º 2, da lei do TAD [LTAD] [aprovada e publicada em anexo à referida Lei n.º 74/2013 na redação supra referida], o processo foi submetido à Conferência, cumprindo apreciar e decidir.



DAS QUESTÕES A DECIDIR

9. Constitui objeto do presente recurso o aferir se o acórdão do «TCA/S», ao ter concedido provimento ao recurso jurisdicional da «FC…., SAD» e revogado a decisão do «TAD», julgando procedente o recurso que perante o mesmo havia sido interposto e anulando o ato disciplinar punitivo [acórdão de 05.09.2017 do Conselho de Disciplina da «FPF»/Secção Profissional] nele impugnado, enferma, por um lado, de nulidade [por falta de fundamentação - cfr. arts. 154.º, 615.º, n.º 1, al. b), 663.º, n.º 5, do CPC - na redação que lhe foi introduzida pela Lei n.º 41/2013, redação essa a que se reportarão todas as demais citações de normativos daquele Código sem expressa referência em contrário -, 94.º, n.º 5, e 146.º do CPTA - na redação que lhe foi introduzida pelo DL n.º 214-G/2015, redação essa a que se reportarão todas as demais citações de normativos daquele Código sem expressa referência em contrário] e, por outro lado, de erro de julgamento já que o fez com errada interpretação e aplicação do disposto nos arts. 13.º, al. f), 127.º, 172.º, 186.º, n.º 1, 187.º, n.º 1, als. a) e b), e 258.º do RD/LPFP-2017, incorrendo, ainda, em erro de julgamento no segmento relativo ao não reconhecimento da isenção de custas por parte da «FPF», dada a violação dos arts. 04.º, n.º 1, als. f) e g), do Regulamento das Custas Processuais [RCP], 13.º e 20.º, n.ºs 1 e 2, e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa [CRP] [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].



FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO
10. Resulta elencado na decisão recorrida como assente o seguinte quadro factual:
I) No dia 09.08.2017 disputou-se no Estádio do ….., na cidade do ….., o jogo entre as equipas de futebol do «F.C. ….., SAD» e do «………, SAD» a contar para a 1.ª jornada da «Liga NOS».
II) A Demandante não logrou evitar que os seus adeptos tivessem entrado e permanecido com materiais pirotécnicos no Estádio do …… por não ter adotado um conjunto de meios preventivos que eram exigíveis para esse efeito.
III) Aos 12 minutos da 1.ª parte, os adeptos afetos à Demandante fizeram rebentar um petardo.
IV) Aos minutos 15 da 1.ª parte, os adeptos afetos à Demandante fizeram deflagrar um pote de fumo.
V) Aos 02 minutos da 1.ª parte, os adeptos afetos à Demandante entoaram em uníssono a expressão «FILHO DA PUTA».
VI) Aos 19 minutos da 1.ª parte, os adeptos afetos à Demandante entoaram em uníssono a expressão «FILHOS DA PUTA».
VII) Aos 45+1 minutos da 1.ª parte, os adeptos afetos à Demandante entoaram em uníssono, «S…., S…., S…., FILHOS DA PUTA, S…., FILHOS DA PUTA, S….».
VIII) Aos 45+2 minutos da 1.ª parte, os adeptos afetos à Demandante entoaram em uníssono, «FILHO DA PUTA».
IX) Aos 30 minutos da 2.ª parte, os adeptos afetos à Demandante entoaram em uníssono, o cântico «OH S…., FILHOS DA PUTA, S…., de forma contínua, durante aproximadamente 2 minutos».

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DE DIREITO
11. Presente o quadro factual que resulta fixado passemos, então, à apreciação dos fundamentos que constituem objeto de recurso e que foram supra elencados.

12. Assim, constitui primeiro objeto de dissídio o determinar se acórdão proferido pelo «TCA/S» padece de nulidade por falta de fundamentação, violando o disposto nos arts. 154.º, 615.º, n.º 1, al. b), 663.º, n.º 5, do CPC, 94.º, n.º 5, e 146.º do CPTA, mercê de se haver louvado e fundado em acórdão do mesmo Tribunal cuja pronúncia, por sua vez, se mostrava reconduzida e assente em parecer do MP produzido naqueles outros autos.

13. Por força do disposto nos arts. 613.º, n.º 2, 615.º, 616.º, n.º 2, 617.º e 666.º do CPC ex vi dos arts. 01.º e 140.º do CPTA, os acórdãos são suscetíveis da imputação não apenas de erros materiais, mas, também, de nulidades.

14. Estipula-se no art. 615.º do CPC, sob a epígrafe de «causas de nulidade» e na parte que ora releva, que uma decisão judicial é nula «quando: … b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão» [n.º 1], derivando ainda do mesmo preceito que as «nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença/«acórdão» [cfr. n.º 1 do art. 666.º CPC] se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades» [n.º 4].


15. Caraterizando em que se traduz a nulidade da decisão por infração ao disposto na al. b) do n.º 1 do art. 615.º do CPC temos que a mesma só ocorre quando do teor da decisão judicial sindicada em sede de recurso não conste com o mínimo de suficiência e de explicitação os fundamentos de facto e de direito que a justificam.

16. Tal como tem vindo a ser afirmado, de forma reiterada, a propósito deste fundamento de nulidade não deve confundir-se uma eventual sumariedade ou erro da fundamentação de facto e de direito com a sua falta absoluta, pois, só a esta última se reporta a alínea em questão, termos em que a nulidade só se verificará quando a decisão omita por completo a operação de julgamento da matéria de facto/direito essencial para a apreciação da questão/pretensão analisada e decidida.

17. Cientes dos contornos da arguida nulidade temos que, no caso, o vício/defeito apontado ao acórdão recorrido não ocorre, não se mostrando, como tal, infringido o disposto nos arts. 154.º, 615.º, n.º 1, al. b), 663.º, n.º 5, do CPC, 94.º, n.º 5, e 146.º do CPTA, já que não nos deparamos, em concreto, com uma omissão/ausência total da motivação do julgamento no juízo de improcedência do recurso de apelação então interposto.

18. Na verdade, o acórdão em crise louvou-se naquilo que constituiu jurisprudência firmada em anterior acórdão do mesmo Tribunal que identifica e cita [datado de 16.01.2018 e no Proc. n.º 144/17.0BCLSB], jurisprudência essa à qual aderiu, tendo procedido à aplicação da mesma ao caso sub specie após extensa reprodução e na qual radica a fundamentação da pronúncia emitida.

19. Não se mostra o acórdão recorrido, pois, desprovido de fundamentação [cfr. arts. 154.º, 607.º, 615.º, n.º 1, al. b), e 663.º, n.º 2, do CPC], nem seus termos, sua estrutura e forma utilizada atentam contra o regime inserto no art. 663.º, n.º 5, do CPC ou no n.º 5 do art. 94.º do CPTA, e mecanismos de agilização e simplificação do processo de decisão deles constantes, na certeza ainda de que, como afirmado por este Supremo [cfr. Acs. de 18.10.2018 - Proc. n.º 0144/17.0BCLSB e de 20.12.2018 - Proc. n.º 08/18.0BCLSB consultáveis in: «www.dgsi.pt/jsta» - sítio a que se reportarão também todas as demais citações de acórdãos deste Tribunal sem expressa referência em contrário] «o art. 146.º, n.º 1, do CPTA, admite que o MP, quando não seja parte no processo, tenha nele intervenção para se pronunciar sobre o mérito do recurso, ou seja, sobre a legalidade da decisão recorrida», pelo que «[v]erificada a referida intervenção, não ocorre a violação do n.º 2 do art. 154.º do CPC quando a decisão remete para um parecer do MP que não é parte no processo».

20. Daí que constando do acórdão recorrido, com suficiência, a motivação fáctico-jurídica em que estribou o seu juízo não ocorre a arguida nulidade.

21. Insurge-se a recorrente quanto ao juízo firmado pelo «TCA/S» no segmento em que no mesmo se julgou procedente o recurso jurisdicional, revogou a decisão do «TAD» e se anulou a decisão disciplinar punitiva, para o efeito se considerando que esta padecia de ilegalidade já que não se mostravam apurados os factos e preenchidos os tipos dos ilícitos disciplinares imputados à «FC…., SAD», ocorrendo, assim, infração, nomeadamente, do que se mostra disposto nos arts. 13.º, al. f), 127.º, n.º 1, 187.º, n.º 1, als. a) e b), do RD/LPFP-2017 em conjugação com os arts. 06.º, al. g), e 09.º, n.º 1, al. m), do Anexo VI do RPV/RC/LPFP-2017.
Analisemos.

22. No processo disciplinar, à semelhança do que sucede no processo penal, o ónus da prova dos factos constitutivos da infração cabe ao titular do poder disciplinar, não sendo o arguido que tem de provar que é inocente da acusação que lhe é imputada, pelo que perante um non liquet em matéria de prova o mesmo terá de ser resolvido em favor do arguido por efeito da aplicação dos princípios da presunção de inocência do arguido e do in dubio pro reo.

23. E na fixação dos factos que funcionam como pressupostos de aplicação das penas disciplinares a Administração não detém um poder insindicável em sede contenciosa, porquanto nada obsta a que o julgador administrativo sobreponha o seu juízo de avaliação àquele que foi adotado pela Administração, mormente por reputar existir uma situação de insuficiência probatória [cfr., entre outros, os Acs. deste Supremo de 24.01.2002 - Proc. n.º 048147, de 18.04.2002 (Pleno) Proc. n.º 033881, de 07.10.2004 - Proc. n.º 0148/03, de 07.06.2005 - Proc. n.º 0374/05, de 14.04.2010 - Proc. n.º 0803/09, de 28.06.2011 - Proc. n.º 0900/10, de 13.07.2016 - Proc. n.º 0516/14].

24. Temos, ainda, que a condenação em pena disciplinar deve assentar ou estribar-se em provas que permitam um juízo de certeza, ou seja, uma convicção segura, que esteja para além de toda a dúvida razoável, de que o arguido praticou os factos que lhe são imputados [cfr., entre outros, Acs. deste Supremo de 07.10.2004 - Proc. n.º 0148/03, 28.04.2005 - Proc. n.º 0333/05, de 21.10.2010 - Proc. n.º 0607/10, de 28.06.2011 - Proc. n.º 0900/10, de 15.03.2012 - Proc. n.º 0426/10, de 23.01.2013 (Pleno) - Proc. n.º 0772/10, de 14.01.2016 - Proc. n.º 01546/14, de 28.01.2016 - Proc. n.º 0404/14, de 13.07.2016 - Proc. n.º 0516/14].

25. É que no processo sancionador a prova da prática da infração que é exigida deve ser conclusiva e inequívoca no sentido de que o sancionado é o autor responsável, não podendo impor-se uma sanção disciplinar com base em simples indícios ou conjeturas subjetivas.

26. Na verdade, como afirmado no acórdão deste STA de 07.06.2005 [Proc. n.º 0374/05] a «“prova dos factos integrantes da infração disciplinar cujo ónus impende sobre a entidade administrativa que exerce o poder disciplinar, através do instrutor do processo, tem de atingir um grau de certeza que permita desferir um juízo de censura baseado em provas convincentes para um apreciador arguto e experiente, de modo a ficar garantida a segurança na aplicação do direito sancionatório”», segurança essa que não se encontra garantida se «a prova coligida no processo disciplinar não legitimar uma convicção segura da materialidade dos factos imputados ao arguido».

27. Note-se, todavia, que a condenação do arguido em processo disciplinar não exige que a certeza tenha de ser «absoluta, férrea ou apodítica da sua responsabilidade» [cfr., entre outros, os Acs. deste Supremo de 21.10.2010 - Proc. n.º 0607/10, de 15.03.2012 - Proc. n.º 0426/10, de 07.01.2016 - Proc. n.º 0131/13], dado o preenchimento do grau de certeza exigido se bastar com existência de elementos probatórios coligidos no processo e que o «demonstrem segundo as normais circunstâncias práticas da vida e para além de uma dúvida razoável».

28. Com efeito, a prova dos factos não exige uma certeza absoluta da sua verificação, dado «a verdade a atingir não ser a verdade ontológica, mas a verdade prática» [cfr. o citado Ac. deste Supremo de 07.01.2016 - Proc. n.º 0131/13], uma «verdade histórico-prática e, sobretudo, não uma verdade obtida a todo o preço, mas processualmente válida» [cfr. J. Figueiredo Dias, in: «Direito Processual Penal», I, 1981, pág. 194], bastando, por isso, que a fixação dos factos provados, sendo resultado de um juízo de livre convicção sobre a sua verificação, se encontre estribada, para além de uma dúvida razoável, nos elementos probatórios coligidos que a demonstrem ainda que fazendo apelo, se necessário, às circunstâncias normais e práticas da vida e das regras da experiência.

29. É que «nos juízos de facto a emitir num processo disciplinar, é lícito à Administração, e até obrigatório, usar das presunções naturais que se mostrem adequadas», porquanto «é legítimo, e obrigatório, usar de presunções naturais na realização dos julgamentos de facto. Esse é, aliás, um exercício quotidiano nos tribunais, permitido pelo art. 351º do Código Civil; e de igual metodologia se serve a Administração nos juízos que emita sobre a prova produzida» [cfr. o citado Ac. deste Supremo de 21.10.2010 - Proc. n.º 0607/10].

30. Presentes os considerandos antecedentes e revertendo ao caso sub specie temos que as questões que no mesmo se mostram suscitadas não constituem novidade neste Supremo [cfr. as pronúncias já firmadas nos citados Acs. de 18.10.2018 - Proc. n.º 0144/17.0BCLSB, e de 20.12.2018 - Proc. n.º 08/18.0BCLSB].

31. Tal como afirmado nas pronúncias já emitidas o conhecimento em sede de recurso de revista mostra-se reconduzido a matéria de direito, porquanto o recurso de revista «só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual» e aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido o «tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado», cientes de que o «erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova» [cfr. arts. 12.º, n.º 4, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) - na redação que lhe foi introduzida pelo DL n.º 214-G/2015, redação essa a que se reportarão todas as demais citações de normativos daquele Estatuto sem expressa referência em contrário -, e 150.º, n.ºs 2 a 4, do CPTA].

32. Assente este pressuposto temos que o juízo formulado pelo «TCA/S» quanto à matéria de facto apenas pode ser censurado na medida em que se traduza numa questão de direito, questão essa que, como vimos, efetivamente se mostra colocada face aos termos do recurso de revista sob apreciação dado que, mormente, está em causa uma alegada infração de vários comandos normativos [cfr., nomeadamente, os insertos nos arts. 13.º, al. f), 222.º, n.º 2, e 250.º, do RD/LPFP-2017, 349.º do CC, 02.º, 20.º, n.º 4, e 32.º, n.ºs 2 e 10, da CRP] naquilo que foi, no contexto de processo disciplinar, o apelo ou recurso a presunções judiciais na fixação da factualidade tida por relevante e que foi pressuposto da imputação e responsabilização disciplinar.

33. Em apreciação da matéria objeto de discussão nos autos afirmou este Supremo nos acórdãos citados, em linha, como vimos, com o que constitui entendimento deste Tribunal, que aqui se secunda e reitera, que «no domínio do direito disciplinar, a que se aplicam subsidiariamente os princípios do direito penal, é lícito o uso das presunções judiciais».

34. E que aliada a tal afirmação importa ter, ainda, como «indubitável que, no domínio do direito disciplinar desportivo, vigora o princípio geral da “presunção de veracidade dos factos constantes das declarações e relatórios da equipa de arbitragem e dos delegados da Liga, e por eles percecionado no exercício das suas funções, enquanto a veracidade do seu conteúdo não for fundadamente posto em causa” [art. 13.º, al. f), do RD]», sendo que «[e]sta presunção de veracidade, que se inscreve nos princípios fundamentais do procedimento disciplinar, confere, assim, um valor probatório reforçado aos relatórios dos jogos elaborados pelos delegados da LPFP relativamente aos factos deles constantes que estes tenham percecionado».

35. Ora, ao invés do que se sustenta no acórdão do «TCA/S» aqui objeto de impugnação, a decisão do «TAD» não incorreu em erro de julgamento ao haver mantido incólume o quadro factual que havia sido fixado como provado na decisão disciplinar punitiva.

36. O juízo na mesma firmado nessa sede louvou-se ou socorreu-se não apenas do princípio da presunção de veracidade dos factos nos termos que se mostram previstos na al. f) do art. 13.º do RD/LPFP-2017, mas, também, de presunções naturais radicadas em circunstâncias normais e práticas da vida e das regras da experiência [cfr. art. 349.º do CC] que enuncia, nomeadamente, sob o ponto «iii) “Do alegado erro na apreciação da prova”», tal como o havia feito, aliás, a decisão disciplinar punitiva impugnada.

37. Esta não viu radicar, pois, o juízo punitivo numa qualquer presunção de culpa da «FC…., SAD», antes se mostrando o mesmo juízo alicerçado, ao invés, naquilo que foi a prova lograda coligir e produzir no processo disciplinar e o uso de presunções, considerando e fazendo apelo, inclusive, daquilo que são decorrências do cumprimento das obrigações que impendem sobre os clubes no decurso e participação nas competições em que estão envolvidos [cfr., nomeadamente, os arts. 34.º a 36.º do RC/LPFP-2017, e arts. 06.º, 07.º 08.º, 09.º, 10.º e 11.º do RPV/RC/LPFP-2017] e em que a designada «bancada topo Sul» do Estádio do …….., indicada expressis verbis no relatório como local onde os ilícitos ocorreram, é consabidamente um local ocupado por adeptos, sócios, apoiantes ou simpatizantes afetos ao clube «FC….»/«FC….., SAD», revelada, nomeadamente, «através da ostentação de camisolas, bandeiras, cachecóis ou da entoação de determinados cânticos».

38. A aqui recorrida, «FC…., SAD», verdadeiramente não nega ou põe efetivamente em causa a ocorrência dos factos registados no «relatório do delegado» da LPFP ao jogo, já que a impugnação, ou a discussão se centra, no fundo, que tenham sido adeptos seus os autores dos factos em causa nos presentes autos.

39. Ocorre, contudo, que pese embora a mesma teça diversas considerações sobre hipotéticas possibilidades no que respeita à autoria das sobreditas «ocorrências», a aqui recorrida, nem no processo disciplinar, nem na impugnação deduzida quanto à decisão disciplinar punitiva, não conseguiu infirmar, com plausibilidade, o que foi redigido no referido relatório, mediante a alegação de factos perfeitamente ao seu alcance e a produção de meios probatórios que, fazendo a contraprova [cfr. art. 346.º do CC], permitissem ilidir a mera presunção de veracidade de que o mesmo relatório goza [cfr. al. f) do art. 13.º do RD/LPFP-2017], presunção esta que não corresponde a uma qualquer presunção legal, ou a uma regra de dispensa, liberação ou de inversão do ónus da prova [cfr. art. 344.º do CC], que seria, aliás, inadmissível no plano constitucional e legal no âmbito de matéria sancionatória.

40. O considerar-se que a aqui recorrida não conseguiu destruir os factos que lhe foram imputados mediante a alegação de factos e a apresentação de provas apenas significa que a prova coligida durante a instrução do processo não foi infirmada na subsequente fase de defesa de que a mesma dispôs, não sendo possível inferir de uma tal afirmação a conclusão de que era àquela que, enquanto arguida, competia fazer a prova a inexistência dos factos e da sua não culpa, não ocorrendo, por conseguinte, uma qualquer infração ao princípio de presunção de inocência do arguido [cfr., entre outros, o Ac. do STA de 10.03.1998 - Proc. n.º 040528], nem sequer a situação, no contexto apurado de efetiva existência de culpa da arguida, permite o operar do princípio do in dubio por reo.

41. De referir ainda que do facto de nem as autoridades policiais, nem os delegados da «LPFP», ou o árbitro, terem identificado pessoalmente quem, em concreto, fez uso dos engenhos pirotécnicos ou proferiu as expressões/cânticos reportados, tal não invalida ou impossibilita a fixação da factualidade nos termos que se mostram realizados.

42. É que para o que constitui o objeto de incriminação e tendo em conta as circunstâncias em que os factos ocorreram [no decurso de um jogo de futebol e em que os adeptos e simpatizantes estavam numa bancada afeta a adeptos do «FC…..», mostrando-se portadores de sinais inequívocos da sua ligação ao respetivo clube, nomeadamente, as referidas bandeiras, cachecóis e camisolas] a circunstância de, no meio daquela imensa mole humana, não ter sido efetuada a identificação pessoal dum concreto sujeito ou dos concretos sujeitos, tem-se como de todo em todo desnecessária, já que a imputação não é feita aos concretos adeptos, mas ao clube de que os mesmos são apoiantes ou simpatizantes, adeptos esses que, refira-se, não estão sequer sujeitos ou abrangidos pelo âmbito do «RD/LPFP» [cfr., nomeadamente, seus arts. 03.º, 04.º, n.º 1, al. b), e 187.º].

43. Ressuma do exposto que o juízo posto em crise mostra-se, assim, em consonância com o entendimento e jurisprudência convocada, não padecendo, como tal, de qualquer erro de julgamento, nem das apontadas inconstitucionalidades.

44. Como afirmado por este Supremo nos seus acórdãos de 18.10.2018 e de 20.12.2018, supra citados, o estabelecimento e previsão de uma tal presunção de veracidade «não se vê que … seja inconstitucional, quando o Tribunal Constitucional, no Ac. n.º 391/2015, de 12/8 (…), considerou que, mesmo em matéria penal, são admissíveis presunções legais, desde que seja conferida ao arguido a possibilidade de abalar os fundamentos em que a presunção se sustente e desde que para tal baste a contraprova dos factos presumidos, não se exigindo a prova do contrário» e de que como o mesmo TC entendeu «para a situação idêntica da fé em juízo dos autos de notícia (…) cremos que a presunção de veracidade em causa - que incide sobre um puro facto e que pode ser ilidida mediante a criação, pelo arguido, de uma mera situação de incerteza - não acarreta qualquer presunção de culpabilidade suscetível de violar o princípio da presunção de inocência ou de colidir com as garantias de defesa do arguido constitucionalmente protegidas (art. 32.º, n.ºs 2 e 10, da CRP)», já que «o valor probatório dos relatórios dos jogos, além de só respeitarem, como vimos, aos factos que nele são descritos como percecionados pelos delegados e não aos demais elementos da infração, não prejudicando a valoração jurídico-disciplinar desses factos, não é definitiva, mas só prima facie ou de interim, podendo ser questionado pelo arguido e se, em face dessa contestação, houver uma “incerteza razoável” quanto à verdade dos factos deles constantes, impõe-se, para salvaguarda do princípio in dubio pro reo, a sua absolvição».

45. A decisão disciplinar punitiva não radicou, pois, numa qualquer presunção de culpa da «FC…., SAD», decorrente duma inversão do ónus probatório [cfr. art. 344.º do CC] estribado no art. 13.º, al. f) do RD/LPFP-2017, antes se mostrando alicerçada naquilo que, levando a consideração em matéria desportiva os princípios enformadores do processo disciplinar, foi a prova coligida no mesmo processo e o uso lícito e legítimo das aludidas presunções [cfr. art. 349.º do CC], tudo em observância e sem entorses aos princípios e comandos normativos [constitucionais e legais] convocados [cfr. arts. 02.º, 20.º, n.º 4, e 32.º, n.ºs 2 e 10, da CRP, 13.º al. f), 127.º, 187.º e 258.º do RD/LPFP-2017].

46. Não pode, pois, manter-se neste segmento o juízo firmado pelo «TCA/S» já que, contrário, àquele que se acaba de produzir.

47. Insurge-se, ainda, a recorrente contra o juízo de não preenchimento in casu do ilícito disciplinar previsto e punido nos arts. 127.º, 186.º, n.º 1, e 187.º, n.º 1, als. a) e b), do RD/LPFP-2017 e 06.º, al. g) e 09.º, n.º 1, al. m), do RPV/RC/LPFP-2017, que veio a ser firmado no acórdão do «TCA/S», juízo esse fundado na inexistência de prova pela recorrente da efetiva culpa da aqui recorrida dada a ausência de demonstração da ocorrência de conduta ou comportamento de incumprimento de um qualquer dever que sobre a mesma impendesse, e que, como tal, mostravam-se violados aquele quadro normativo e, como sustenta a recorrida, os princípios da culpa [art. 02.º da CRP] [dada a inexistência de responsabilidade objetiva por facto de outrem e de não se haver avaliado a concreta conduta da mesma enquanto agente desportivo, tanto mais que não resulta em evidência qualquer ato ou omissão que possa ter contribuído para os acontecimentos] e da presunção da inocência [art. 32.º, n.ºs 2 e 10, da CRP], ocorrendo inconstitucionalidade.
Vejamos, convocando, previamente, o concreto quadro normativo que releva para a análise da questão, na certeza de que soçobra, nesta sede, a invocação do princípio da presunção da inocência dado que não só se mostra desfasada e deslocada neste contexto, mas, também, insubsistente à luz do atrás exposto, cientes de que, em momento algum do procedimento e/ou do processo, resultaram preteridos à aqui recorrida os seus direitos e/ou as garantias de defesa.

48. Constitui uma incumbência do Estado, em colaboração, nomeadamente, com as associações e coletividades desportivas [in casu, os clubes de futebol] a prevenção e combate à violência no desporto [cfr., no quadro internacional a «Convenção Europeia sobre a Violência e os Excessos dos Espectadores por Ocasião das Manifestações Desportivas e nomeadamente de Jogos de Futebol» vulgo «Convenção ETS n.º 120» (aprovada, por ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 11/87, de 10.03, e que cessou a sua vigência em 01.01.2019 - cfr. Aviso n.º 90/2018 publicado DR 26.07.2018) e a «Convenção sobre uma Abordagem Integrada da Segurança, Proteção e Serviços por Ocasião de Jogos de Futebol e Outras Manifestações Desportivas» (ETS n.º 218 - vigente na nossa ordem jurídica desde 01.08.2018 - cfr. Aviso n.º 91/2018 publicado DR 26.07.2018); no quadro normativo interno, nomeadamente, os arts. 79.º, n.º 2, da CRP, 03.º, n.º 2, 05.º da Lei n.º 5/2007, de 16.01 (Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto - doravante LBAFD), 01.º, 05.º, 07.º, 08.º, 09.º, 16.º a 18.º, 23.º a 25.º, da Lei n.º 39/2009, de 30.07 (diploma que veio estabelecer o regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, de forma a possibilitar a realização dos mesmos com segurança - com as alterações introduzidas pela Lei n.º 52/2013, de 25.07)], pugnando-se para que a atividade desportiva seja «desenvolvida em observância dos princípios da ética, da defesa do espírito desportivo, da verdade desportiva e da formação integral de todos os participantes» [cfr. o art. 03.º, n.º 1, da LBAFD].

49. Em decorrência do que neste domínio constituem as obrigações e deveres legais enunciados no referido quadro normativo, que impendem, também, sobre os clubes e as sociedades desportivas, vieram, entretanto, a ser aprovados e publicitados pelas entidades responsáveis e organizadores das competições desportivas diversos regulamentos internos em matéria não apenas da organização daquelas competições, mas, também, de prevenção e punição das manifestações de violência, racismo, xenofobia e intolerância nos espetáculos desportivos, e, bem assim, de disciplina, nomeadamente, dos clubes de futebol e sociedades desportivas e dos agentes desportivos [cfr., no que aqui releva, o RD/LPFP-2017 - seus arts. 04.º, n.º 1, als. a) e b) 19.º, 66.º, 80.º, 94.º a 96.º, 105.º, 113.º, 131.º, 132.º, 145.º, 151.º a 154.º, 157.º a 159.º, 173.º, 178.º a 187.º - e o RC/LPFP-2017 - seus arts. 03.º, als. a) e d), 34.º, 35.º, 36.º e Anexo VI ao mesmo Regulamento].

50. Assim, no contexto do futebol, extrai-se do art. 06.º do RD/LPFP-2017 que o regime disciplinar desportivo é autónomo e independente da «responsabilidade civil ou penal, assim como do regime emergente das relações laborais ou estatuto profissional, os quais serão regidos pelas respetivas normas em vigor» [n.º 1], bem como da «responsabilidade disciplinar de natureza associativa decorrente da qualidade de associado da Liga Portuguesa de Futebol Profissional» [n.º 2], sendo que a «aplicação de sanções criminais, contraordenacionais, administrativas, cíveis ou associativas não constitui impedimento, atento o seu distinto fundamento, à investigação e punição das infrações disciplinares de natureza desportiva» [n.º 3], prevendo-se, no que releva, quanto ao âmbito subjetivo de aplicação das normas disciplinares que os «clubes são responsáveis pelas infrações cometidas nas épocas desportivas em que participarem nas competições organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional e no âmbito dessas competições» [cfr. art. 07.º, n.º 2].

51. O conceito de «infração disciplinar» mostra-se definido no n.º 1 do art. 17.º do referido RD ali se preceituando que se considera «infração disciplinar o facto voluntário, por ação ou omissão, e ainda que meramente culposo, que viole os deveres gerais ou especiais previstos nos regulamentos desportivos e demais legislação aplicável», elencando-se nos seus arts. 29.º e 30.º o leque de sanções disciplinares [principais e acessórias] e quais aquelas que são aplicáveis aos clubes.

52. Resulta, por sua vez, do capítulo IV do RD/LPFP-2017 o elenco de infrações disciplinares, prevendo-se na sua secção I as «infrações específicas dos clubes», as quais podem ser «muito graves» [cfr. subsecção I, arts. 62.º a 83.º], «graves» [cfr. subsecção II, arts. 84.º a 118.º] e «leves» [cfr. subsecção III, arts. 119.º a 127.º], seguindo-se depois as infrações de dirigentes, de jogadores, de delegados dos clubes e dos treinadores, e na secção VI o regime das «infrações dos espectadores», resultando enunciado no art. 172.º, como princípio geral, o de que os «clubes são responsáveis pelas alterações da ordem e da disciplina provocadas pelos seus sócios ou simpatizantes nos complexos, recintos desportivos e áreas de competição, por ocasião de qualquer jogo oficial» [n.º 1] e de que «[s]em prejuízo do acima estabelecido, no que concerne única e exclusivamente ao autocarro oficial da equipa visitante, o clube visitado será responsabilizado pelos danos causados em consequência dos atos dos seus sócios e simpatizantes praticados nas vias públicas de acesso ao complexo desportivo» [n.º 2] [sublinhado nosso].

53. Também as «infrações dos espectadores» se mostram qualificadas como podendo ser «muito graves» [cfr. subsecção II, arts. 173.º a 178.º], «graves» [cfr. subsecção III, arts. 179.º a 184.º] e «leves» [cfr. subsecção IV, arts. 185.º a 187.º], estipulando-se, no que releva para o litígio, no seu art. 187.º, respeitante a «comportamento incorreto do público», que «[f]ora dos casos previstos nos artigos anteriores, o clube cujos sócios ou simpatizantes adotem comportamento social ou desportivamente incorreto, designadamente através do arremesso de objetos para o terreno de jogo, de insultos ou de atuação da qual resultem danos patrimoniais ou pratiquem comportamentos não previstos nos artigos anteriores que perturbem ou ameacem perturbar a ordem e a disciplina é punido nos seguintes termos: a) o simples comportamento social ou desportivamente incorreto, com a sanção de multa a fixar entre o mínimo de 5 UC e o máximo de 15 UC; b) o comportamento não previsto nos artigos anteriores que perturbe ou ameace a ordem e a disciplina, designadamente mediante o arremesso de petardos e tochas, é punido com a sanção de multa a fixar entre o mínimo de 15 UC e o máximo de 75 UC» [n.º 1].

54. Decorre, por outro lado, do art. 34.º do RC/LPFP-2017, relativo à segurança e utilização dos espaços de acesso público, que os «clubes estão obrigados a elaborar um regulamento de segurança e utilização dos espaços de acesso ao público relativo ao estádio por cada um utilizado na condição de visitado e cuja execução deve ser concertada com as forças de segurança, a ANPC e os serviços de emergência médica e a Liga» [n.º 1], e que tal regulamento deverá conter, designadamente, medidas relativas à «a) separação física dos adeptos, reservando-lhes zonas distintas, nas competições desportivas consideradas de risco elevado; … d) instalação ou montagem de anéis de segurança e adoção obrigatória de sistemas de controlo de acesso, de modo a impedir a introdução de objetos ou substâncias proibidas ou suscetíveis de possibilitar ou gerar atos de violência, nos termos previstos na lei» [n.º 2].

55. Resulta do art. 35.º do mesmo RC que «[e]m matéria de prevenção de violência e promoção do fair-play, são deveres dos clubes: a) assumir a responsabilidade pela segurança do recinto desportivo e anéis de segurança; b) incentivar o espírito ético e desportivo dos seus adeptos, especialmente junto dos grupos organizados; c) aplicar medidas sancionatórias aos seus associados envolvidos em perturbações da ordem pública, impedindo o acesso aos recintos desportivos nos termos e condições do respetivo regulamento ou promovendo a sua expulsão do recinto; (…) f) garantir que são cumpridas todas as regras e condições de acesso e de permanência de espetadores no recinto desportivo; (…) k) não apoiar, sob qualquer forma, grupos organizados de adeptos, em violação dos princípios e regras definidos na Lei n.º 39/2009, de 30 de julho, com a redação dada pela Lei n.º 52/2013, de 25 de julho; l) zelar por que os grupos organizados de adeptos apoiados pelo clube participem do espetáculo desportivo sem recurso a práticas violentas, racistas, xenófobas, ofensivas ou que perturbem a ordem pública ou o curso normal, pacífico e seguro da competição e de toda a sua envolvência, nomeadamente, no curso das suas deslocações e nas manifestações que realizem dentro e fora de recintos; (…) o) desenvolver ações de prevenção socioeducativa, nos termos da lei; (…) s) reservar, nos recintos desportivos que lhe são afetos, uma ou mais áreas específicas para os filiados dos grupos organizados de adeptos» [n.º 1], e que «[p]ara efeito do disposto na alínea f) do número anterior, e sem prejuízo do estabelecido no artigo 24.º da Lei n.º 39/2009 (…) e no Regulamento de prevenção da violência constante do Anexo VI, são considerados proibidos todos os objetos, substâncias e materiais suscetíveis de possibilitar atos de violência, designadamente: (…) f) substâncias corrosivas ou inflamáveis, explosivas ou pirotécnicas, líquidos e gases, fogo-de-artifício, foguetes luminosos (very-lights), tintas, bombas de fumo ou outros materiais pirotécnicos; g) latas de gases aerossóis, substâncias corrosivas ou inflamáveis, tintas ou recipientes que contenham substâncias prejudiciais à saúde ou que sejam altamente inflamáveis» [n.º 2], sendo que «[p]ara além do disposto nos números anteriores, os clubes visitados, ou considerados como tal, devem proceder à colocação, em todas as entradas do estádio, de um mapa-aviso, de dimensões adequadas, com a descrição de todos os objetos ou comportamentos proibidos no recinto ou complexo desportivo, nomeadamente invasões do terreno de jogo, arremesso de objetos, uso de linguagem ou cânticos injuriosos ou que incitem à violência, racismo ou xenofobia, bem como a introdução (…) material produtor de fogo-de-artifício ou objetos similares, e quaisquer outros suscetíveis de possibilitar a prática de atos de violência» [n.º 6] [sublinhados nossos].

56. E quanto aos regulamentos de prevenção da violência [cfr. art. 36.º daquele RC] a matéria surge regulada nos referidos RD/LPFP e no anexo VI ao RC/LPFP [o RPV/RC/LPFP - adotado ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 05.º da Lei n.º 39/2009 (cfr. art. 02.º do mesmo RPV - «norma habilitante»)], extraindo-se do seu art. 04.º que «[c]ompete à Liga e aos seus associados, incentivar o respeito pelos princípios éticos inerentes ao desporto e implementar procedimentos e medidas destinados a prevenir e reprimir fenómenos de violência, racismo, xenofobia e intolerância nas competições e nos jogos que lhes compete organizar», constituindo deveres do «promotor do espetáculo desportivo» [no caso os «clubes» - cfr. art. 05.º, al. h), do referido RPV], no que aqui ora releva, os de «(…) b) assumir a responsabilidade pela segurança do recinto desportivo e anéis de segurança; c) incentivar o espírito ético e desportivo dos seus adeptos, especialmente junto dos grupos organizados; (…) l) não apoiar, sob qualquer forma, grupos organizados de adeptos, em violação dos princípios e regras definidos na Lei n.º 39/2009 (…); m) zelar por que os grupos organizados de adeptos apoiados pelo clube, associação ou sociedade desportiva participem do espetáculo desportivo sem recurso a práticas violentas, racistas xenófobas, ofensivas ou que perturbem a ordem pública ou o curso normal, pacífico e seguro da competição e de toda a sua envolvência, nomeadamente, no curso das suas deslocações e nas manifestações que realizem dentro e fora de recintos; p) desenvolver ações de prevenção socioeducativa, nos termos da lei; (…) t) reservar, nos recintos desportivos que lhe são afetos, uma ou mais áreas específicas para os filiados dos grupos organizados de adeptos; u) instalar e manter em funcionamento um sistema de videovigilância, de acordo com o preceituado nas leis aplicáveis» [cfr. art. 06.º do mesmo Regulamento].

57. Constituem, por último, condições de acesso dos espetadores ao recinto desportivo definidas no art. 09.º do referido Regulamento, nomeadamente, o: «f) não entoar cânticos racistas ou xenófobos ou que incitem à violência; (…) l) consentir na revista pessoal e de bens, de prevenção e segurança, com o objetivo de detetar e/ou impedir a entrada ou existência de objetos ou substâncias proibidos ou suscetíveis de possibilitar atos de violência; m) não transportar ou trazer consigo objetos, materiais ou substâncias suscetíveis de constituir uma ameaça à segurança, perturbar o processo do jogo, impedir ou dificultar a visibilidade dos outros espetadores, causar danos a pessoas ou bens e/ou gerar ou possibilitar atos de violência, nomeadamente: (…) vi. substâncias corrosivas ou inflamáveis, explosivas ou pirotécnicas, líquidos e gases, fogo-de-artifício, foguetes luminosos (very-lights), tintas, bombas de fumo ou outros materiais pirotécnicos; vii. latas de gases aerossóis, substâncias corrosivas ou inflamáveis, tintas ou recipientes que contenham substâncias prejudiciais à saúde ou que sejam altamente inflamáveis», sendo que o acesso e permanência dos grupos organizados de adeptos [cfr. art. 11.º] se mostra disciplinado pelo estabelecido, nomeadamente, no art. 09.º, sendo sempre obrigatória a revista pessoal aos mesmos e seus bens.

58. Encerrando-se aqui o elencar do quadro normativo tido por pertinente para a análise do litígio temos que a previsão do ilícito desportivo disciplinar em questão, no caso o inserto no art. 187.º do RD/LPFP-2017, mostra-se clara e perfeitamente integrada naquilo que, por um lado, são os deveres legais e regulamentares atrás aludidos e que nesta matéria impendem, nomeadamente, sobre os clubes e sociedades desportivas, e, por outro lado, no que, mais vastamente, constituem os objetivos e os fins da política de combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, de forma a possibilitar a realização dos mesmos com segurança e desportivismo, prevenindo a eclosão e reprimindo a existência ou a manifestação de tais fenómenos.

59. Através da previsão do referido ilícito desportivo disciplinar visa-se a prossecução e realização daqueles objetivos e fins, prevenindo e reprimindo os comportamentos e as condutas que nele se mostram tipificados e que são atentatórios e desconformes com aqueles objetivos e fins, fazendo responder clubes e sociedades desportivas por tais condutas e comportamentos incorretos, tidos pelo público aos mesmos afeto ou simpatizante, enquanto reveladores da inobservância por estes, por ação ou por omissão, do que constituem os seus deveres legais e regulamentares gerais e especiais constantes dos comandos normativos atrás convocados.

60. Na formulação do que constitui o tipo de ilícito disciplinar inserto no art. 187.º do RD/LPFP-2017 e do que, em decorrência, se exige para o seu preenchimento em concreto, estão subjacentes, tão-só, as condutas ou os comportamentos social ou desportivamente incorretos que nele se mostram descritos e que foram tidos pelos sócios ou simpatizantes de um clube/sociedade desportiva e pelos quais os mesmos respondem, porquanto decorrentes ou fruto do que constitui o incumprimento pelos mesmos, por ação ou omissão, do dever in vigilando que têm sobre as suas claques e adeptos, nomeadamente e no que releva para a discussão objeto dos autos sub specie, de que houve alguma falha no dever de revista dos adeptos, no dever de revista do estádio, no dever de controlar os adeptos dentro do estádio, no dever de demover os adeptos de praticarem ou desenvolverem tal tipo de comportamentos e condutas.

61. Ora no caso vertente inexiste, por não aportado aos autos, um qualquer elemento densificador e revelador do cumprimento por parte da demandante dos deveres a que está subordinada no que respeita aos deveres de formação, controlo e vigilância do comportamento dos seus adeptos e espectadores, bem sabendo que estava obrigada a cuidar dos mesmos e que eram os seus adeptos que ocupavam a denominada «bancada sul», onde se verificaram as ocorrências registadas no Relatório.

62. Sobre os clubes de futebol e as respetivas sociedades desportivas, como é o caso da demandante aqui recorrida, recaem especiais deveres na assunção, tomada e implementação de efetivas medidas não apenas dissuasoras e preventivas, mas, também, repressoras, dos fenómenos de violência associada ao desporto e de falta de desportivismo, de molde a criar as condições indispensáveis para que a ordem e a segurança nos estádios de futebol português sejam uma realidade.

63. Neste contexto, ao invés do sustentado pela demandante na sua impugnação e que veio a ter acolhimento no acórdão recorrido, não estamos em face de uma qualquer situação de responsabilidade disciplinar objetiva violadora dos princípios e comandos constitucionais.

64. Com efeito, mostra-se ser in casu subjetiva a responsabilidade desportiva na vertente disciplinar da demandante aqui recorrida, já que estribada naquilo que foi uma violação dos deveres legais e regulamentares que sobre a mesma impendiam neste domínio e em que o critério de delimitação da autoria do ilícito surge recortado com apelo não ao do domínio do facto, mas sim ao da titularidade do dever que foi omitido ou preterido.

65. É que se no domínio da prevenção da violência associada ao fenómeno desportivo o quadro normativo impõe deveres a um leque alargado de destinatários, nomeadamente, aos clubes de futebol e respetivas sociedades desportivas, é porque lhes reconhece capacidade para os cumprir e também para os violar, pelo que apurando-se a violação de deveres legalmente estabelecidos os destinatários dos mesmos serão responsáveis por essa violação.

66. Socorrendo-nos e transpondo para o caso vertente a jurisprudência do TC expendida no acórdão n.º 730/95 [consultável in: «www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/» e que foi firmada no quadro da apreciação da conformidade constitucional da sanção de interdição dos estádios por comportamentos dos adeptos dos clubes prevista nos arts. 03.º a 06.º do DL n.º 270/89, de 18.08 (diploma no qual se continham medidas preventivas e punitivas de violência associada ao desporto) e 106.º do Regulamento Disciplinar da FPF], temos que os ilícitos disciplinares ou disciplinares desportivos imputados e pelos quais a demandante aqui recorrida foi sancionada resultam de «condutas ilícitas e culposas das respetivas claques desportivas (assim chamadas e que são os sócios, adeptos ou simpatizantes, como tal reconhecidos) - condutas que se imputam aos clubes, em virtude de sobre eles impenderem deveres de formação e de vigilância que a lei lhes impõe e que eles não cumpriram de forma capaz», «[d]everes que consubstanciam verdadeiros e novos deveres in vigilando e informando», presente que cabe a cada clube desportivo o «dever de colaborar com a Administração na manutenção da segurança nos recintos desportivos, de prevenir a violência no desporto, tomando as medidas adequadas», concluindo-se no sentido de que «[n]ão é, pois, (…) uma ideia de responsabilidade objetiva que vinga in casu, mas de responsabilidade por violação de deveres».

67. É, por conseguinte, neste ambiente de proteção, salvaguarda e prevenção da ética desportiva, bem como do combate a manifestações de violência associada ao desporto, que incidem ou recaem sobre vários entes e entidades envolvidos, designadamente sobre os clubes de futebol e respetivas sociedades desportivas, um conjunto de novos deveres in vigilando e in formando e em que a inobservância destes deveres assenta não necessariamente numa valoração social, moral ou cultural da conduta do infrator, mas antes no incumprimento de uma imposição legal, sancionando-se aqueles por via da contribuição omissiva, causal ou co causal que tenha conduzido a um comportamento ou conduta dos seus adeptos.

68. Na verdade, não estamos in casu, pois, perante uma responsabilidade objetiva já que o regime previsto nos arts. 17.º, 19.º, 20.º, 127.º, 187.º, n.º 1, als. a) e b), do RD/LPFP-2017 em articulação, nomeadamente, com os arts. 06.º, al. g), e 09.º, n.º 1, al. m), do RPV/RC/LPFP-2017 e com o que resulta do demais quadro normativo atrás convocado, observa o princípio da culpa, tanto mais que em sua decorrência apenas se sancionam os clubes de futebol ou as suas sociedades desportivas pelos comportamentos incorretos do seu público havidos em violação por aqueles dos deveres que sobre os mesmos impendiam.

69. Daí que, no contexto, o princípio constitucional da culpa, enquanto servindo, igualmente, de elemento conformador e basilar ao Estado de direito democrático, e tendo como pressuposto o de que qualquer sanção configura a reação à violação culposa de um dever de conduta, considerado socialmente relevante e que foi prévia e legalmente imposto ao agente, não se mostra minimamente infringido, tanto mais que será no quadro do processo disciplinar a instaurar [cfr. arts. 212.º e segs., 225.º e segs., do RD/LPFP-2017] que se terão de averiguar e apurar todos os elementos da infração disciplinar, permitindo, como se refere no citado acórdão do TC, que «por esta via, a prova de primeira aparência pode vir a ser destruída pelo clube responsável (por exemplo, através da prova de que o espectador em causa não é sócio, simpatizante ou adepto do clube)».

70. Frise-se que é na e da inobservância dos deveres de assunção da responsabilidade pela segurança do que se passe no recinto desportivo e do desenvolvimento de efetivas ações de prevenção socioeducativa que radica ou deriva a responsabilidade disciplinar desportiva em questão, dado ter sido essa conduta que permitiu ou facilitou a prática pelos seus adeptos dos atos ou comportamentos proibidos ou incorretos.

71. E que cabe aos clubes de futebol/sociedades desportivas a demonstração da realização por parte dos mesmos junto dos seus adeptos das ações e dos concretos atos destinados à observância daqueles deveres e, assim, prevenirem e eliminarem a violência, e isso sejam esses atos e ações desenvolvidos em momento anterior ao evento, sejam, especialmente, imediatamente antes ou durante a sua realização.

72. Para o efeito, aportando prova demonstradora, designadamente, de um razoável esforço no cumprimento dos deveres de formação dos adeptos ou da montagem de um sistema de segurança que, ainda que não sendo imune a falhas, conduza a que estas ocorrências e condutas sejam tendencialmente banidas dos espetáculos desportivos, assumindo ou constituindo realidades de carácter excecional.

73. A previsão no quadro disciplinar do ilícito desportivo em crise mostra-se, assim, devidamente legitimada já que encontra, ou vê radicar, repousar os seus fundamentos não apenas naquilo que é a necessária prevenção, mas, também, na culpa, sancionando-se o que constitui um negligente cumprimento dos deveres supra enunciados, sem que, de harmonia com o exposto, um tal entendimento atente ou enferme de violação dos princípios da culpa e do Estado de direito, ou constitua um entorse aos direitos de defesa e a um processo equitativo, dado que assegurados e garantidos em consonância e adequação com o entendimento e interpretação fixados.

74. E também não vemos que tal entendimento e interpretação possam envolver uma pretensa violação dos princípios da presunção da inocência e do in dubio pro reo, pois, não estamos em face da assunção duma presunção de culpa da arguida ou de regra que dispense, libere ou inverta o ónus probatório que colida com o primeiro princípio, nem, como atrás referido, no caso em presença somos confrontados com uma situação de inexistência de prova relevante de que foi cometido ilícito e de quem é o sujeito responsável à luz da prova produzida para, mercê da existência de legítima dúvida, fazer apelo ao segundo princípio.

75. Assiste, por conseguinte, razão à recorrente, não podendo, assim, manter-se o juízo firmado neste segmento no acórdão recorrido.

76. Finalmente, insurge-se a recorrente com o juízo de improcedência expendido no mesmo acórdão quanto ao pedido de isenção de custas, porquanto alegadamente proferido em violação do disposto nos arts. 13.º, 20.º, nºs. 1 e 2, e 268.º, n.º 4, todos da CRP.

77. Esta questão fundamento de recurso mereceu já resposta concordante deste Supremo nos citados acórdãos de 18.10.2018 [Proc. n.º 0144/17.0BCLSB] e de 20.12.2018 [Proc. n.º 08/18.0BCLSB] no sentido de que a não concessão à Federação Portuguesa de Futebol da isenção da taxa de arbitragem não viola o referido quadro normativo.

78. Afirmou-se na motivação daquele juízo, que aqui se acompanha e reitera, que «[e]fetivamente, resultando dos arts. 76.º, n.º 2, e 77.º, n.º 3, da Lei do TAD [Lei n.º 74/2013, de 6.9, com as alterações resultantes da Lei n.º 33/2014, de 16.6] que “a taxa de arbitragem corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado” e que esta “é integralmente suportada pelas partes e por cada um dos contrainteressados” e não se encontrando prevista neste diploma, nem na Portaria n.º 301/2015, de 22.9, nenhuma isenção de pagamento dessas taxas, não se pode verificar qualquer desigualdade entre os intervenientes processuais no que a esse pagamento respeita» e que, nessa medida, fosse violadora do art. 13.º da CRP, sendo que também «é insuscetível de infringir os citados preceitos constitucionais a circunstância de, eventualmente, a legislação que introduziu a arbitragem obrigatória se traduzir num agravamento da responsabilidade tributária da recorrente, quando nem sequer é alegado que o novo regime seja de tal modo gravoso que dificulte de forma considerável o acesso aos tribunais» e que, desta forma, se possam considerar postergados os comandos insertos nos arts. 20.º, n.ºs 1 e 2, e 268.º, n.º 4, da CRP.

79. Mostra-se, assim, neste segmento improcedente o presente recurso, impondo-se quanto ao mesmo manter o juízo firmado no acórdão recorrido.



DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em:
A) negar provimento ao recurso jurisdicional sub specie na parte em que o acórdão recorrido julgou improcedente o pedido de isenção de pagamento das taxas de arbitragem da aqui recorrente;
B) conceder no mais provimento ao recurso jurisdicional, revogando-se, nesse segmento, o acórdão recorrido, e em fazer subsistir, pelas razões supra invocadas, o acórdão do «TAD» de 26.02.2018.
Custas a cargo da demandante, aqui recorrida, no TCA e neste STA. D.N..


Lisboa, 21 de fevereiro de 2019. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Jorge Artur Madeira dos Santos.