Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02377/18.2BEPRT
Data do Acordão:12/17/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P25366
Nº do Documento:SA22019121702377/18
Data de Entrada:12/19/2018
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA - ALFÂNDEGA DO AEROPORTO DO PORTO
Recorrido 1:A.........../SA (SUCURSAL) E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


O DIRECTOR DA ALFÂNDEGA DO AEROPORTO DO PORTO E REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, inconformado, interpôs recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAF do Porto) datada de 2 de Novembro de 2018, que declarou nula a decisão de aplicação de coima da Alfândega do Aeroporto do Porto à A…………., SA, SUCURSAL EM PORTUGAL, proferida no âmbito do processo de contraordenação nº 020-0093-18 a nº 020-0095-18, pela qual lhe foi aplicada a coima no montante de € 5.800,00. O TAF do Porto declarou ainda nulos todos os termos subsequentes do processo de contraordenação em causa e ordenou a remessa dos autos à respectiva autoridade administrativa.

Alegou, tendo apresentado conclusões, como se segue:
I. A notificação do Despacho de Acusação nos autos é feita em cumprimento do disposto no n.º 1 do art.º 70.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, nomeadamente informando dos factos apurados no processo de contra­ordenação e da punição correspondente, comunicando também que no prazo de 10 dias pode apresentar defesa e juntar ao processo os elementos probatórios que entender, bem como utilizar as possibilidades de pagamento antecipado da coima nos termos do artigo 75.º ou, até à decisão do processo, de pagamento voluntário nos termos do artigo 78.º
II. O legislador do RGIT foi expresso na sua exigência quanto aos requisitos para aplicação dos regimes de exceção de redução, pagamento antecipado e voluntário da coima, designadamente na imposição da regularização da situação tributária em todos eles.
III. A AT deve estrita obediência à lei, não podendo fora dos casos expressa e legalmente excecionados, conceder um benefício, uma vantagem, fixando condições diversas ou desconsiderando as exigidas pela lei. Pelo que;
IV. Não regulando expressamente o RGIT a situação de impossibilidade de regularização da situação tributária, por via do seu desprezo enquanto requisito para efeito dos institutos de redução de coima, de pagamento antecipado e voluntário, consignados nos artigos 30.°, 75.° e 78.°, todos do dito diploma, não caberá à AT fazê-lo, pois não está legalmente habilitada para o efeito.
V. No RGIT, beneficias de pagamento da coima reduzida (artigo 29.° do RGIT) e do pagamento antecipado da coima (art. 75.° do RGIT), operam antes que tenha sido efetuada qualquer análise do mérito e da determinação da medida da coima em sede de Decisão Final, a qual só ocorre caso não estejam cumpridas as condições da operacionalidade daquelas normas.
VI. Na situação de impossibilidade de regularização da situação tributária, ocorrerá a preclusão do direito do arguido, no processo de contraordenação, a beneficiar do pagamento antecipado (art.º 75.° do RGIT) e do pagamento voluntário (art.º 78.° do RGIT), resultando tal preclusão do facto de essa regularização consubstanciar (também) pressuposto do exercício daqueles direitos.
VII. Com efeito, à luz do disposto no artigo 75.º, n.º 3 e no artigo 78.º n.º 3, ambos do RGIT, a aludida regularização da situação tributária constitui condição legal ao pagamento antecipado e ao pagamento voluntário da coima fixada.
VIII. Pelo que a douta Sentença, ao interpretar o artigo 75.° do RGIT, nomeadamente os seus n.ºs 1 e 3, no sentido que basta que o arguido pague no prazo para a defesa a coima reduzida devida pela prática da infracção simples para que atendendo à impossibilidade de regularização tributária esse pagamento antecipado não fique dependente de qualquer condição e opere a extinção do processo de contraordenação por pagamento, errou na aplicação do Direito
IX. Sendo condição do pagamento antecipado da coima previsto no art.º 75.º do RGIT, a regularização da situação tributária (n.º 3) e consubstanciando-se esta no cumprimento das obrigações tributárias que deram origem à infração (art.º 30.º n.º 3 do RGIT), há que concluir que se a infração não pode ser regularizada nos termos do RGIT, não pode o infractor beneficiar dos regimes de redução (art.º 29.º, art.º 75.º e artigo 78.º) que o RGIT prevê.
X. Não é pois admissível, a extinção da responsabilidade contra-ordenacional (art.º 61.º al. c) através do pagamento antecipado da coima, tal como vem previsto no artigo 75.º do RGIT, em caso de não regularização da situação tributária, porquanto o n.º 3 da norma prevê que se o arguido não proceder à regularização da situação tributária, o processo prosseguirá para fixação da coima e cobrança da diferença.

Contra-alegou a recorrida tendo concluído:
1. A sentença recorrida faz uma apreciação ajustada dos preceitos e dos princípios aplicáveis ao pagamento antecipado de coima, quando refere que não é pelo facto de a regularização da situação tributária da Arguida ser impossível que lhe deve ser negado o direito a pagar antecipadamente as coimas fixadas.
2. A doutrina dominante, tal como se viu, acolhe esta mesma posição, dizendo que em casos como este que aqui nos detém deverá ser concedida aos infratores a possibilidade de pagar antecipadamente as coimas sem que tal esteja condicionado por uma sua anterior regularização da situação tributária.
3. Nesses termos padece, efetivamente, a decisão final que fixou uma segunda coima à aqui Recorrida, no valor de € 5.800,00, do vício de violação de lei, visto que colide com a interpretação acertada que deve ser feita do art. 75.º do RGIT.
4. A isto acresce o facto de o art. 61.º al. c) do RGIT referir que o procedimento contraordenacional se extingue nos casos em que o infrator procede ao pagamento voluntário das coimas.
5. Tendo a aqui Recorrida procedido ao pagamento antecipado e voluntário das coimas que lhe foram notificadas por via dos despachos de acusação, deve considerar-se extinto e arquivado o processo de contraordenação respetivo.

O Ministério Público notificado, pronunciou-se pela improcedência do recurso, basicamente entendeu que, “(…)tendo a recorrida procedido ao válido pagamento voluntário antecipado da coima, nos termos do estatuído no artigo 75.º do RGIT, a sindicada decisão da autoridade tributária, que a condenou nas coimas referidas é ilegal.”.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como provado a seguinte factualidade concreta:
1. Em 03-04-2018 a A……………, SA Sucursal em Portugal apresentou várias participações junto da Alfândega do Aeroporto do Porto.
2. Em resultado das participações a que se alude em 1., foi instaurado o processo de contraordenação n.º 93/18 e em 10-05-2018 foi proferido despacho pelo Diretor da Alfândega do Aeroporto do Porto de onde decorre o seguinte:
O (a) arguido (a) vem acusado as ter praticado o(s) seguinte (a) facto(s):
A companhia Aérea transportou as mercadorias declaradas para exportação pelas declarações eletrónicas (MRN) e ao abrigo das cartas de porte aéreo com os números referidos no quadro anexo sem que as tenha manifestado no voo BCS8213 das datas referidas, nos quais informou tê-las embarcado:



Norma Violada: artigo 590, § único, conjugado com o artigo 116.° do Regulamento das Alfândegas, aprovado pelo Decreto n.º 31730, de 15-12-1941
Norma Punitiva: art° 111-Aº conj c/4 do art 26.º do RGIT
Norma Contra-ordenacional: art.° 111-A. do RGIT
Os factos de que o arguido vem acusado são punidos com coima de Eur 150 a Eur 11 500 por cada uma das vinte e duas (22) infracções praticadas.
(…)”
3. Em 11-05-2018 a Alfândega do Aeroporto do Porto remeteu a A…………, SA Sucursal em Portugal o ofício n.º 2018S0000102689 de onde decorre o seguinte: “(…) Fica ainda, notificado de que, (…) poderá utilizar a possibilidade de pagamento antecipado da coima, nos termos do art.º 75.º do RGIT, ou seja, o pagamento da coima c/ redução para um valor igual ao mínimo legal cominado para a contra-ordenação €3.300,00 e da redução a metade das custas processuais €71,12 (…)”.
4. Em 22-05-2018 foi pago o montante de € 3.371,12 conforme notificação referida em 3).
5. Em 30-05-2018 foi proferido o seguinte despacho:
“(…)
A…………./Sucursal, Companhia Aérea, NIPC ……………., vem acusada em três processos contra-ordenação, autuados nesta Alfândega entre 07 e 10 de maio de 2018 com os números 020-0093-18 a 020-0095-18, com base em três Participações, e que se encontram em fase de decisão, todos por infração aos artigos 59º 116.º do Regulamento das Alfândegas.
Atendendo ao disposto no artigo 25.º do Regime Geral das Infrações Tributarias (RGIT), aprovado pela Lei n.° 15/2001 de 5 de Junho, a qual consagra a regra do cúmulo material para a punição do concurso (no caso, real) de contra-ordenações, e atendendo à competência desta Alfândega para a apreciação e decisão da matéria referente a todos os processos (regra da competência territorial), nos termos das disposições conjugadas dos art.s 25.° e 29.° n.° 2 do Código do Processo Penal, aplicáveis por força da conjugação do n.° 1 do artigo 41.° do Regime Geral das Contra-Ordenações, aprovado pelo DL 433/82, de 27 de Outubro, com a alínea b) do artigo 3.° do RGIT, determino a apensação dos três processos que serão objeto de apreciação e decisão conjunta
Nestes termos, proceda-se à apensação dos processos registados sob os números 020-0095-18 e 020-0094-18 ao processo 020-0093-18, que por ter sido a primeiro a ser autuado, prevalecerá.
(…)”
6. Dá-se por integralmente reproduzida a decisão de 28-06-2018 pelo Sr. Diretor da Alfândega do Aeroporto do Porto, que aqui se transcreve em parte:
Foram recebidas três participações, registadas e autuadas sob os n°s 020-0093-18, 020-0094-18, e 020-0095-18, a folhas 2 dos autos respetivos, do facto de a transportadora A………………/SA Sucursal em Portugal não ter manifestado no voo no qual assumiu tê-la embarcado, a mercadoria constante de carta de porte aéreo, declarada para exportação.
Perante a factualidade participada foi a A…………../SA Sucursal em Portugal, NIPC ……………. com estabelecimento estável no Aeroporto de Lisboa — Rua ………., Edifício ……. ……., Gabinetes ……./……, 1700-……….Lisboa, e instalações no Aeroporto Francisco Sá Carneiro, ………… A……., 4470 - …….. Maia, acusada de ter violado o disposto no 59.° § único, conjugado com o artigo 116.° do Regulamento das Alfandegas, aprovado pelo Decreto n.° 31 730, de 15-12-1941, o que constitui contraordenação aduaneira prevista pelo artigo 111-A do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.° 15/2001, de 05 de junho, e punível pelo mesmo artigo conjugado com os n.°s 1 e 4 do artigo 26.° do Regime Geral das Infrações Tributárias com coima de €150 a €11 500, por cada uma das infrações praticadas e participadas nas três participações.
Notificada legalmente da acusação, em 2016-05-16 em todos os processos, a arguida procedeu em 2018-05-22, no processo n° 020-093-18 e no dia 2018-05-24 nos restantes, ao pagamento antecipado da coima, correspondente ao mínimo legal para a infração, acrescida de metade das custas devidas nos termos do artigo 75.° do RGIT.
Os autos encontram-se todos em fase de decisão, pelo que por Despacho de fls. 155 foi determinada a sua apensação.
(…)
Dos Factos:
- A mercadoria descrita na carta de porte aérea AWB 2785891382, foi declarada para exportação através da declaração n.° 2017PT00002021412364.
- A mercadoria descrita na carta de porte aéreo AWB 2785890925, foi declarada para exportação através da declaração n.° 2017PT00002021412420.
- A mercadoria descrita na carta de porte aéreo AWB 2785891216, foi declarada para exportação através da declaração n.° 2017PT00002021412399.
- A mercadoria descrita na carta de porte aéreo AWB 2785890855, foi declarada para exportação através da declaração n.° 20.
- A mercadoria descrita na carta de porte aéreo AWB 7765860663, foi declarada para exportação através da declaração n.° 2017PT00002020273561.
- A mercadoria descrita na carta de porte aéreo AWB 8952851142, foi declarada para exportação através da declaração nº 2017PT00002020551569.
- A mercadoria descrita na carta de porte aéreo AWB 1260440064, foi declarada para exportação através da declaração n.° 2017PT00002020632399.
- A mercadoria descrita na carta de porte aéreo AWB 1176742490, foi declarada para exportação através da declaração n.° 2017PT00002020468810.
- A mercadoria descrita na carta de porte aéreo AWB 4329270713, foi declarada para exportação através da declaração n.° 2017PT00002021867582.
- A mercadoria descrita na carta de porte aéreo AWB 2250916275 foi declarada para exportação através da declaração n.° 2017PT00002021416006.
- A mercadoria descrita na carta de porte aéreo AWB 8071552134 foi declarada para exportação através da declaração n.° 2017PT00002021589004.
- A mercadoria descrita na carta de porte aéreo AWB 2786188255, foi declarada para exportação através dadeclaraçãon.° 2017PT00002022119720.
- A mercadoria descrita na carta de porte aéreo AWB 2786186782, foi declarada para exportação através da declaração n.° 2017PT00002022120264.
- A mercadoria descrita na carta de porte aéreo AWB 5902789071, foi declarada para exportação através da declaração n.° 2017PT00002021743198.
- A mercadoria descrita na carta de porte aéreo AWO 5902788304, foi declarada para exportação através da declaração n.° 2017PT00002021743112.
- A mercadoria descrita na carta de porte aéreo AWB 7402413885 foi declarada para exportação através da declaração n.° 2017PT00002021090260.
- A mercadoria descrita na carta de porte aéreo AWB 1532318970, foi declarada para exportação através da declaração n.° 2017PT00002020487240.
- A mercadoria descrita na carta de porte aéreo AWS 7281106066, foi declarada para exportação através da declaração n.° 2017PT00002020423412.
- A mercadoria descrita na carta de porte aéreo AWB 2326016295, foi declarada para exportação através da declaração n.° 2017PT00002021153712.
- A mercadoria descrita na carta de porte aéreo AWB 1910625765, foi declarada para exportação através da declaração nº 2017PT00002020505397.
- A mercadoria descrita na carta de porte aéreo AWB 1147575984 foi declarada para exportação através da declaração n.° 2017PT00002021720213.
- A mercadoria descrita na carta de porte aéreo AWB 4269769221 foi declarada para exportação através da declaração n.° 2017PT00002021723590.
- A mercadoria descrita na carta de porte aéreo AWB 8334674504, foi declarada para exportação através da declaração n.° 2016PT00002026404205.
- A mercadoria descrita na carta de porte aéreo AWB 4495305135, foi declarada para exportação através da declaração n.° 2016PT00002071618578.
- A mercadoria descrita na carta de porte aéreo AWB 3230367825 foi declarada para exportação através da declaração n.° 2016PT00002029473306.
- A mercadoria descrita na carta de porte aéreo AWB 6619163504 foi declarada para exportação através da declaração n.° 2016PT00002071616528.
- A mercadoria descrita na carta de porte aéreo AWB 4495300935 foi declarada para exportação através da declaração n.° 2016PT00002071818495.
- A mercadoria descrita na carta de porte aéreo.
- A mercadoria descrita na carta de porte aéreo AWB 5081907611 foi declarada para exportação através da declaração n.° 2016PT00002028165538.
- Não se detetou uni manifesto de voo em que as ditas cartas de porte tivessem sido manifestadas.
- A arguida informou que a mercadoria seguiram nos voos da ……….., com o n.° BCS ……… das datas que indicou e constam do quadro supra, sem ser manifestada.
- A arguida apresentou posteriormente as provas de saída da mercadoria do Território Aduaneiro da União nos termos do artigo 335º AE-CAU conforme solicitara a Autoridade Aduaneira, e as exportações que haviam sido indevidamente certificadas estão devidamente certificadas.
- A arguida procedeu em todos os processos apensos ao pagamento antecipado da coima, correspondente ao mínimo legal para a infração, acrescida de metade das custas devidas nos termos do artigo 75º do RGIT, não tendo regularizado a situação tributária no mesmo prazo por tal ser impossível.
Condeno a Arguida A……………/SA Sucursal em Portugal, no pagamento de uma coima que fixo no montante de €200,00 cada, por cada uma das 29 infracções praticadas, num total de €5.800,00 (…) o qual deverá ser descontado o montante já pago. (...)”.
Nada mais se deu como provado.

Há que conhecer da questão colocada no recurso.
A questão já não é nova e foi já decidida por este Supremo tribunal, entre outros, nos processos n.ºs 0578/18.2BEPRT e 01918/18.0BEPRT, o primeiro com acórdão datado de 23.01.2019 e o segundo de 29.05.2019.
Seguiremos de perto o que se deixou dito neste segundo acórdão:
No recurso que interpôs da decisão de aplicação de coima, a arguida invocara, em suma, que a alfândega a notificara para pagar a coima nos moldes previstos no nº 1 do art.º 75º do RGIT, o que cumpriu, e que isso torna ilegal a sua condenação na coima aplicada no processo de contraordenação. Na sua óptica, apesar das operações de trânsito não serem já susceptíveis de regularização, por impossibilidade de apresentar os manifestos emitidos nas declarações de voo, as exportações foram certificadas em devido tempo, como, aliás, se mostra provado, devendo considerar-se a situação regularizada e preenchido o pressuposto previsto no nº 3 do art.º 75º do RGIT.
O Mmº Juiz, dando-lhe razão, julgou procedente o recurso e declarou extinto o procedimento contraordenacional.
E é dessa decisão que recorre a Fazenda Pública, que invoca unicamente não haver lugar à aplicação do nº 1 do art.º 75 do RGIT em face do disposto no nº 3, isto é, por ser imprescindível a regularização da situação tributária e esta não ser viável em face da impossibilidade de manifestar uma mercadoria já transportada.
A questão que se coloca consiste, assim, e apenas, em saber se na sentença se incorreu em erro ao julgar-se que a arguida podia beneficiar do regime previsto no nº 1 do art.º 75º numa situação em que não era objectivamente possível proceder à regularização da situação tributária, já que não são, nem nunca foram, discutidos os requisitos previstos no nº 2 do art.º 75º - como seja o valor da prestação tributária ou o valor da mercadoria.
O artigo 75º do RGIT dispõe o seguinte:
Antecipação do pagamento da coima
1 - Tratando-se de contra ordenação simples, o arguido que pagar a coima no prazo para a defesa beneficia, por efeito da antecipação do pagamento, da redução da coima para um valor igual ao mínimo legal cominado para a contraordenação e da redução a metade das custas processuais.
2 - O pagamento antecipado da coima não é aplicável às contra-ordenações aduaneiras em que o valor da prestação tributária em falta for superior a € 15.000 ou, não havendo lugar a prestação tributária, a mercadoria objecto de infracção for de valor aduaneiro superior a € 50.000 e, em qualquer caso, não afasta a aplicação das sanções acessórias previstas na lei.
3 - Caso o arguido não proceda, no prazo legal ou no prazo que seja fixado, à regularização da situação tributária, perde o direito à redução previsto no n.º 1 e o processo de contra-ordenação prossegue para fixação da coima e cobrança da diferença.
Uma leitura conjugada do nº 1 e do nº 3 do preceito leva a concluir que o direito à redução da coima fica condicionado à regularização da situação tributária. Mas visto que essa regularização se traduz no cumprimento das obrigações tributárias que deram origem à infração - em conformidade com o estatuído no art.º 30º nº 3 do RGIT - a questão que logo se coloca é a de saber se o preceito pode ser aplicado a situações em que não é objetivamente possível proceder a essa regularização, como acontece no caso, por ser impossível manifestar uma carga aérea já embarcada e entregue.
Segundo a posição adoptada por JORGE LOPES DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS, na obra "Regime Geral das Infracções Tributárias", 4ª Ed., pág. 508, «Há situações em que não lugar ou não é já possível efectuar tal regularização (...). Nestes casos, será de concluir pela antecipação do pagamento, sem subordinação à condição prevista no nº 3 deste art.º 75º, e não pela exclusão do direito ao pagamento antecipado.».
E foi essa a posição acolhida na sentença e que ditou a procedência do recurso, tendo-se acrescentado que «seria de todo injusto impedir a Recorrente de beneficiar do pagamento voluntário quando foi a própria que informou a Alfândega do Aeroporto do Porto da irregularidade cometida e a Alfândega a notificá-la para proceder ao pagamento nos moldes previstos no art.º 75º do RGIT, sendo que após ter apresentado provas de saída da mercadoria do Território Aduaneiro da União, nos termos do artigo 335º AE-CAU, as exportações que haviam sido indevidamente certificadas, foram devidamente certificadas.».
Posição que igualmente sufragamos, não só pelas razões que o Ministério Público bem evidencia nas suas contra-alegações, como pela argumentação aduzida no acórdão desta Secção de 23/01/2019, no proc. n.º 0578/18.2BEPRT, e plenamente aplicável ao caso vertente - em que a arguida transportou as mercadorias declaradas para exportação sem as ter manifestado nos voos respectivos, mas logo depois participou o facto à alfândega e apresentou as provas de saída da mercadoria do território aduaneiro da União, o que levou a autoridade aduaneira a considerar as exportações devidamente certificadas e a notificar a arguida para proceder ao pagamento da coima nos moldes previstos no art.º 75º do RGIT.
Como se deixou explicitado nesse aresto, «ocorrendo impossibilidade objectiva de regularização da falta cometida com efeitos úteis, a mesma não deve ser impeditiva de a arguida de proceder ao pagamento voluntário da coima nos termos e condições previstas nos outros números do art.º 75º do RGIT, uma vez que isso representaria uma penalização automática à margem da sua própria vontade subjectiva e para uma situação não prevista nos termos legais supra citados.
Esta parece ser a melhor interpretação que respeita e resulta dos ditames do art.º 9º do C. Civil designadamente o seu número 3 pois que não faria sentido que o legislador consagrasse um requisito que não podia ser cumprido, por impossibilidade objectiva, para daí obstar ao pagamento antecipado da coima com benefício. Aliás, nesta situação não pode ser fixado prazo para cumprimento pela Administração Aduaneira e a referência da lei desde a primeira versão do RGIT (Lei 15/2001 de 05/06) sempre nos mesmos termos "no prazo legal ou no prazo que for fixado, à regularização da situação tributária" leva-nos também a entender, que só obstam ao pagamento antecipado da coima com benefício para o arguido, aquelas situações em que existe prazo legal ou este é fixado pela Administração Aduaneira através de notificação e mesmo assim a arguida não regulariza a sua situação tributária não fazendo sentido que o fixasse para um caso de impossibilidade objectiva de regularização da referida situação tributária.
Ora, reitera-se, no caso dos autos não existe prazo legal ou notificação para regularização da situação tributária dada a situação objectiva e especial já supra descrita e, daí que entendamos que a limitação constante do nº 3 do artº 75º do RGIT não tenha aplicação.
Naturalmente que em apoio desta posição acolhemos também a doutrina citada pelo Sr. Procurador Geral Adjunto neste STA, no parecer supra destacado, consistente em "Como afirma Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias, anotado, 4ª edição, áreas Editora, 2010, pág. 508 "há situações em que não há lugar ou não é já possível efectuar tal regularização [...] nestes casos, será de concluir pela antecipação do pagamento, sem subordinação à condição prevista no n.º 3 deste art.º 75.º e não pela exclusão do direito ao pagamento antecipado.».

Pelo que aqui fica exposto, e sem necessidade de outras considerações, concluímos que também a sentença que aqui vem posta em crise não merece censura e que é de negar provimento ao recurso, face à identidade da situação de facto e das normas aplicáveis.

Termos em que acordam os juízes do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
D.n.

Lisboa, 17 de Dezembro de 2019. – Aragão Seia (relator) – Suzana Tavares da Silva – Aníbal Ferraz.